27 novembro, 2006

 

Arqueologia musical


Do pop ao metal português

Num esforço de memória e para que a mesma perdure têm alguns dedicados amantes da música passado ao éter bafientos trechos, temas esquecidos, raridades...

Trabalho árduo e muito meritório no qual se pode encontrar um pouco de tudo. Do convite ao bilhete de espectáculo, do recorte de jornal à capa de disco, da fotografia à tape...

E coisas mais recentes com o seu valor.

http://www.playontape.blogspot.com/

http://www.portugalunderground.blogspot.com/

http://www.myspace.com/portuguesenuggets60s

http://www.rockemportugal.blogspot.com/

http://heavymetaldecada80.blogspot.com/


Aguardam-se outros contributos de bons momentos.

Porque a música faz bem, ainda que mal feita, porque mesmo quando não erudita tonifica, rejuvenece, dá-nos vida mesmo que fale da morte.

Comments:
Música ajuda crianças a falarem melhor

FILOMENA NAVES

Estudar música e praticá-la é para muitos uma fonte de prazer. Mas os benefícios da aprendizagem e da actividade musical não ficam por aqui. Além do impacto positivo na organização das células do córtex cerebral, demonstrado nos últimos anos por vários estudos, a música também melhora os mecanismos subcorticais ligados ao discurso verbal e à linguagem. E, dizem os cientistas, é um bom antídoto contra a iliteracia.

Esta é a conclusão de um estudo publicado hoje na Proceedings of the National Academy of Sciences por investigadores das universidades Northwestern, dos Estados Unidos, e de Helsínquia, Finlândia, que testaram os desempenhos linguísticos e verbais de um grupo de 29 voluntários músicos e não músicos.

Os resultados mostraram que nos diferentes parâmetros envolvidos no processo da linguagem - descriminação dos diferentes sons, na sua altura, entoação e duração, leitura dos lábios dos interlocutores e na própria emissão dos sons - os músicos obtiveram sempre melhores desempenhos que os não músicos.

Os músicos, explicam os cientistas, usam todos os seus sentidos quando estão a executar uma peça musical. Olham para a partitura e para os outros músicos ou o maestro, lêem os lábios e outros sinais dos companheiros que são essenciais à boa execução por parte de todo o grupo, e estão eles próprios envolvidos numa série de movimentos e sensações, num conjunto complexo de estímulos sensoriais e desempenhos diferenciados.

Este processo multissensorial, explicam os cientistas no seu artigo, mobiliza as mesmas estruturas subcorticais (sob o córtex cerebral) que estão envolvidas no discurso verbal e na leitura e assim melhora o desempenho também a esse nível.

Estudos dos últimos anos já haviam demonstrado que a aprendizagem e a prática musical moldam e enriquecem as redes neuronais no córtex cerebral dos músicos. E estes, em consequência, têm em geral melhores desempenhos cognitivos do que os não músicos, nomeadamente em áreas como a matemática e a linguagem. Um dos estudos que ficou célebre, publicado na revista Nature no início da década de 90, acabou mesmo por cunhar a expressão "efeito Mozart" para designar as potencialidades da música daquele compositor setecentista a esse nível.

Com o estudo agora publicado, a equipa liderada por Nina Kraus, da universidade Northwestern, vem agora demonstrar que a aprendizagem da música também robustece e melhora as estruturas das regiões subcorticais envolvidas na linguagem.

"O processamento audiovisual estava muito mais desenvolvido nos músicos do que nos não músicos e os primeiros também se revelaram muito mais sensíveis a alterações subtis na altura dos sons, tanto no discurso verbal como na própria música", explicou a coordenadora da pesquisa, sublinhando que este estudo "mostra que o processamento cognitivo complexo da música afecta repercute-se numa fase mais primária desse processo e acaba por moldar também o circuito sensorial nele envolvido" nas regiões subcorticais do cérebro.

Trocado por miúdos, esta descoberta mostra que a música, ao moldar estes circuitos sensoriais primários, tem enormes potencialidades enquanto instrumento educativo e também como antídoto contra os distúrbios de linguagem e a iliteracia, garantem. Ou seja, é mais uma vantagem a acrescentar ao "efeito Mozart".

DN, 25-9-2007
 
Primeira gravação portuguesa tem 107 anos

NUNO PASSOS

O disco foi produzido por um inglês no Porto
Foi há 107 anos. A primeira gravação feita em Portugal chama-se Cantos do Minho, pertence à Banda da Guarda Municipal do Porto, data de Outubro ou Novembro de 1900 e foi produzida por William Darby.

Este engenheiro britânico produziu naqueles dois meses, em visita ao Porto, um total de 85 discos de zinco de sete polegadas, todos de uma faixa, interpretados por bandas, tenores, fadistas, actores de teatro, mas também uma cantora de ópera e um guitarrista. A história recua assim três anos, já que a gravação mais antiga que se conhecia entre nós era de 1903.

A informação foi dada ao DN pelo investigador alentejano José Moças, que recentemente achou num vendedor de discos nas ruas do Porto, "por mero acaso", dois dos 85 registos do pacote - Fado Hylario, do "señor Duarte Silva, portuguese baritono", e Oh Julia, do "señor José Brito, portuguese tenor".

As duas "rodelas" têm selo Berliners, a antecessora da Gramophone, depois transformada na His Master Voice e, hoje, na EMI.

"Vi um monte de discos velhos no chão, separei o que era música portuguesa e, só quando cheguei a casa, reparei que dois eram diferentes. Fiquei louco, nem queria acreditar", exclamou Moças. O também responsável da editora Tradisom contactou de imediato um perito inglês e confirmou que as raridades (marcadas a "00", ou seja, do ano 1900) se deveram à vinda de William Darby, especificamente ao Porto, no périplo de 13 cidades que correu pela Europa de Dezembro de 1899 a Novembro de 1900.

"Não há hipótese de haver mais gravações para trás em Portugal, Darby foi dos primeiros a gravar no velho continente, pois o gramofone tinha sido inventado três, quatro anos antes", sustentou José Moças. Em termos de investigação recuou-se quatro anos em Portugal, o que "é muito tempo" face à época avaliada. "A sorte persegue-nos quando a procuramos, basta persistir e gostar das coisas", vincou ainda José Moças.

Assumiu, aliás, ter já conhecimento de outros álbuns de 1902 e 1903 ligados ao fado, à revista, a teatros populares e a bandas. Até aqui, a primeira gravação de fado conhecida datava de 1902, do cantor brasileiro Manuel Pedro dos Santos, chamado Bahiano. Não se sabe do disco, mas um arquivo no Brasil tem a cópia da gravação.

DN, 9-10-2007
 
A história do grupo português que fez a diferença nos anos 60

NUNO GALOPIM

Livro conta memórias do grupo por onde passaram José Cid e Tozé Brito
Há manifestações de rock em Portugal desde finais da década de 50, e alguma discografia de inícios e meados de 60. Mas, e apesar de algum sucesso (e visibilidade) de nomes como os Sheiks ou o Conjunto Académico João Paulo, é com o Quarteto 1111 que se aponta o primeiro fenómeno de grande personalidade artística no pop/rock feito em Portugal.

"Foram a banda mais importante da música pop/rock em Portugal até finais dos anos 70", sublinha António Pires, autor de As Lendas do Quarteto 1111, que a Ulisseia acaba de publicar. "O Quarteto foi um caso único. Soavam ao que se fazia no seu tempo, lá fora, mas tinham uma carga de portugalidade fortíssima, que os levava a cantar sobre El Rei D. Sebastião ou D. Inês", acrescenta, lembrando ainda que, numa segunda etapa, o grupo revelou marcas de "uma consciência política", tanto que "foram o único grupo pop a ser censurado durante o fascismo".

O grupo revelou José Cid (que na verdade fazia música desde os Babies, em finais de 50, grupo que é apontado como o primeiro a fazer rock em Portugal). A ele juntou músicos como António e Jorge Moniz Pereira e Michel Silveira. Mais tarde chegou Tozé Brito (vindo do Pop Five Music Incorporated) e, numa etapa posterior, Mike Sergeant. O livro, todavia, não se esgota nos músicos e suas canções. "A música é só 20 por cento do texto, porque o resto são histórias e o tempo deles. Há coisas mais pessoais, como o sexo, o consumo de drogas, de álcool, o contexto político, descreve o autor do livro. "Um fã do José Cid, se lesse apenas a descrição das canções, não perceberia nada desta história. Era inevitável falar dos temas políticos e sociais", insiste.

"Como se vê pelo livro", continua o seu autor, "vivíamos num país fechado, provinciano, em que qualquer coisa que acontecesse ou passava despercebida ou era um acontecimento". Aqui refere-se a um momento-chave na vida do grupo quando, em 1967, o seu primeiro EP, A Lenda de El Rei D. Sebastião, passou no programa Em Órbita, do RCP, que então só tocava música estrangeira. "Passaram? Eram especiais", sublinha António Pires. "Passar música estrangeira, na altura, era fácil. E passar uma música portuguesa era arriscado. Sobretudo se não era fado ou música ligeira, nem o yé yé [a expressão usada para descrever o rock nacional de imitação de modelos estrangeiros]. De resto, a maior parte do rock feito em Portugal nos anos 60 era muito fraquinho", observa.

António Pires acrescenta ainda que este esforço de contextualização da música naquele tempo foi fulcral para o contar desta história. "Irrita- -me ver um documentário em que se fala de um determinado artista que parece um ovni caído em Portugal numa dada altura. E que parece que não há nada à volta, nem um antes nem um depois", explica, assim justificando a sua opção.

Numa altura em que José Cid volta a encher concertos e anuncia para breve uma reunião do Quarteto 1111, este livro chega na hora certa.

DN, 9-10-2007
 
Sheiks reúnem-se para uma temporada no Teatro São Luiz

NUNO GALOPIM

Mais que concertos, serão espectáculos onde se cruzam músicas, memórias contadas e algum humor. Com encenação de António Feio, este reencontro dos Sheiks toma o palco do Jardim de Inverno do São Luiz, em Lisboa, de 8 a 24 de Novembro, sempre pelas 23.30.

Recentemente já se tinham reunido em Viseu, depois em Santarém. "E começámos a ver que as salas estavam a encher", diz ao DN Carlos Mendes, um dos fundadores do grupo. "Resolvemos então fazer uma coisa mais teatral, como se estivéssemos numa sala a ensaiar", revela. Tudo começará com ele em palco, lembrando que, aos 16 anos, a música passou a ter outro sentido na sua vida. Entrarão os três outros elementos, as suas memórias e canções. "Não há muita encenação", alerta Carlos Mendes, que esclarece que não se trata de um musical, mas de algo que se assemelhará mais a uma tertúlia.

Memórias de 60

Foram uma das primeiras bandas pop/rock a somar sucessos em disco e nos palcos portugueses. Surgiram em 1963, com raízes numa outra banda, os Windsors, já rodada no circuitos dos bailes de liceu. A formação "histórica" encontram-na em 1964, apresentando-se então Carlos Mendes, Edmundo Silva, Fernando Chaby e Paulo de Carvalho. Em pouco mais de dois anos gravaram uma série de EP, e inscreveram canções como Missing You, Tell Me Bird ou uma versão de Summertime na história da música pop/rock portuguesa. Foram, também, uma banda com potencial de internacionalização. Chegaram a editar singles noutros territórios. E, inclusivamente, depois de uma temporada em Paris, no Le Bilboquet, em 1966, chegaram a ter nas mãos um convite que lhes poderia ter aberto mais portas internacionais. Mas que, no entanto, recusaram.

A "primária" da música

Os Sheiks "foram a minha primária da música", recorda Carlos Mendes que, todavia, reconhece que "o tempo real" do grupo "já passou", pelo que este espectáculo servirá para "rememorar algumas coisas esquecidas".

O cantor tem ainda "uma relação muito directa com o grupo" e "conserva uma amizade" com os seus restantes elementos. Lembra que, na altura, era ainda "muito miúdo" e reconhece hoje que, na época, "não teria tido envergadura" para o que pudesse ter vindo do contrato que lhes apresentaram em Paris. "Teria sido um ou dois anos de alarido", explica, acrescentando que não lamenta a decisão que então tomaram, regressando a Portugal. "E, naquela altura, um grupo de rock ficar em Paris e fugir à tropa era o fim da macacada", remata.

DN, 24-10-2007
 
Fenómeno dos regressos chegou a Portugal

Prolongando uma moda que ainda está viva, especialmente em território britânico, também em Portugal algumas bandas voltaram após anos de ausência. Por exemplo, o Quarteto 1111 aproveitou o lançamento do livro que conta a sua história para tocar no MusicBox e brevemente no Campo Pequeno. Antes, já os Trovante tinham estado no Pavilhão Atlântico e no Campo Pequeno. Já os Táxi dão um concerto por ano.


O regresso dos Sheiks à idade da inocência numa sala de ensaio

DAVIDE PINHEIRO

Ainda antes de o espectáculo começar, Paulo de Carvalho introduz-se ao público e esclarece um ponto prévio em relação aos "concertos" dos Sheiks na temporada do São Luiz que começa amanhã (23h30) e que vai até dia 24, sempre às quintas, sextas e sábados : "É uma peça de teatro onde vai ser contada a história dos Sheiks." Este conceito é fundamental para se perceber o novo regresso dos Beatles portugueses que só não se tornaram estrelas internacionais por acaso.

"É um ensaio de ensaio", esclarece novamente Paulo de Carvalho, que mais tarde passa a assumir um papel que poucos ainda se lembram, o de baterista. "É proibido tirar fotos tipo passe ou de formato 18x24", explica ainda, como que dando um pontapé de saída a um argumento pouco conhecido pela maioria.

No palco do São Luiz, recria-se uma sala de ensaio onde Carlos Mendes é uma espécie de anfitrião, à falta de outro dos fundadores, Jorge Barreto. O então guitarrista, agora pianista, começa por tocar um tema que interpretou no Liceu Francês, Runaway, de Del Shannon.

"O espectáculo versa sobretudo o período compreendido entre 1964 e 1967, ou seja, aquele em que subsistiu a formação original", diz-nos Carlos Mendes, que na altura em que a banda começou tinha 17 anos. "Aqueles tempos foram a nossa primária. Vivemos imensas coisas juntos, desde problemas a alegrias", explicou ainda ao DN. Fernando Chaby, o guitarrista, outro dos fundadores, é o primeiro a chegar . "Aquele período foi como a nossa idade da inocência, dos sonhos, da verdade...", diz-nos.

Depois, chegam Paulo de Carvalho e o veterano Edmundo Silva, vindo do Conjunto Mistério e convocado via telemóvel, "um objecto que ainda vai dar muito jeito no futuro".

Vestidos de forma casual, com camisas e ganga, os quatro Sheiks criam um ambiente de conversa informal em que a música é apenas um pretexto para rememoriar um capítulo da música portuguesa. "Juntámo-nos para um concerto em Viseu, para o qual até levámos um guitarrista de apoio, e depois pensámos neste espectáculo", revelou Carlos Mendes. "Tinha que ser uma coisa a sério e quando se falou neste hipótese pensámos logo no disco e no livro", antecipou ainda o pianista, falando sobre a "agenda editorial" que os Sheiks vão ter brevemente.

Ouvem-se canções da época dos Beach Boys e de Gene Vincent e, claro, os clássicos dos Sheiks como Missing You e Little Bird. Contam-se episódios fundamentais, como a visita a Paris, mas não se nota qualquer sinal de arrependimento pelo recuo. "A história podia ter sido outra mas vamos deixá-la à imaginação", defendeu Fernando Chaby ao DN, durante o ensaio geral da banda no Teatro São Luiz, que decorreu ontem. "Nós éramos os Beatles portugueses apesar de não sabermos tocar. Mas tínhamos um som bonito e as pessoas até diziam que soávamos como em disco", referiu o guitarrista dos Sheiks após o final do ensaio. "Escolhemos este formato porque não podemos fazer muito barulho para se ouvirem vozes. A maior parte dos concertos são audiovisuais mas nós queríamos um cenário intimista".

E se a temporada correr bem? "Espero que sim, que corra. Tenho a esperança de poder levar o espectáculo a diversos auditórios do país, já que, nesta altura, estamos muitíssimo bem equipados de infraestruturas", sugere Carlos Mendes.


A primeira banda portuguesa no estrangeiro

Nascida em 1963, a banda tem origens um pouco anteriores, quando Carlos Mendes (baixo), Jorge Barreto (guitarra ritmo) e Fernando Chaby (guitarra solo) formaram os Windsors, grupo que tocou no circuito de bailes e liceus. O nome Sheiks só viria a surgir quando conheceram Paulo de Carvalho (baterista).

O primeiro EP, gravado em 1964, foi bem acolhido e o grupo lançou-se numa carreira profissional. Nesse mesmo ano, Edmundo Silva substituiu Jorge Barreto. O ano seguinte trouxe duas das canções mais emblemáticas da banda: Missing You e Tell Me Bird.

A primeira conheceu edição internacional em Inglaterra e França, e os Sheiks acabaram mesmo por ir para Paris, fruto dos bons resultados comerciais obtidos. Em 1966, foi lançado Lonely Lost and Sad, uma balada, e um ano depois surgiu um EP de versões em inglês, língua que passou a ser utilizada em todos os originais.

Após um quinto disco de ritmos pop e baladas com arranjos orquestrais, a banda volta a França, do que nasce aquele que é considerado o seu melhor disco: Sheiks em Paris. No regresso a Lisboa, Carlos Mendes deixa os Sheiks. Fernando Tordo acabou por ser o substituto. Foi esta a formação que gravou pela última vez antes de se desmembrar.

DN, 7-11-2007
 
O álbum português mais caro em vinil é agora reeditado em CD

NUNO GALOPIM

Os Petrus Castrus, com vida pública entre 1971 e 79, foram um dos raros grupos do rock português de 70 que chegaram a gravar álbuns e a gozar alguma visibilidade no seu tempo. Pedro Castro, o líder histórico do grupo, não tem explicação para o facto de Mestre (álbum de estreia, de 1973) se ter transformado no mais raro e caro dos álbuns de música portuguesa no circuito de coleccionismo internacional. "Cheguei a ver o disco a 500 euros", disse ao DN sobre a edição em vinil, original, lançada pela Sassetti. O disco, agora, regressa aos escaparates na sua primeira edição em CD.

"Há tempos fiz uma incursão na Internet, e apercebi-me que há coleccionadores fanáticos que pagam estas somas por este disco, em vinil", exclama o músico. E de facto assim é. Em feiras do disco, à escala internacional, Mestre é um dos discos portugueses mais disputados, juntamente com outras raridades como Dez Mil Anos Depois Entre Vénus e Marte, de José Cid ou Ascensão e Queda, também dos Petrus Castrus, ambos de 1978. Este último teve já edição em CD, assegurada por um editor sul-coreano. "Não tínhamos a menor ideia onde gravitávamos, mas existe um conjunto de admiradores, que nunca foi sequer fomentado", sublinha Pedro Castro.

Mestre surge em CD pela primeira vez, devolvendo aos escaparates das discotecas um dos raros álbuns de rock do Portugal de inícios de 70. "O Nuno Rodrigues [da CNM e que, em 1978, foi produtor de Ascensão e Queda] tem a trabalhar com ele o João Carlos Calixto, um estudioso da música, que lhe falou dos Petrus Castrus", relata. Fizeram-se os contactos. "Por sorte, eu tinha as fitas magnéticas originais e a reedição não teve de ser picada do vinil", acrescenta. "Ouvir de novo isto, revigorou-me", confessa. "Havia aqui, do ponto de vista plástico, um conjunto de intenções interessantes, e que sobreviveram ao tempo. O próprio José Fortes [técnico que remasterizou a edição] disse que ouviu este disco com um agrado que não estava à espera".

"Isto, na altura, foi o resultado do trabalho de miúdos sonhadores, mas com uma força anímica brutal", explica. Os Petrus Castrus eram uma banda "irreverente" e, de certa forma, "diferente", como descreve o seu mentor. Foram alvo de atenção da censura antes de 1974, mas o próprio Pedro Castro, em pessoa, foi ao CNI e voltou com a autorização de edição nas mãos. O pós-25 de Abril também não foi fácil, lembrando o músico que, na altura, os "baladeiros" eram quem tinha visibilidade e prioridade. A reedição de Mestre devolve o nome, esquecido, às atenções.

DN, 19-11-2007
 
Canções dos dias do vinil chegam à era digital

NUNO GALOPIM

Discos são acompanhados por temas extras
Na quarta-feira, dia 28, cinco discos assinalam o arranque de uma nova etapa na vida da Valentim de Carvalho. São eles Independança (1982), dos GNR, Com Uma Viagem Na Palma da Mão (1975), de Jorge Palma, Mistérios e Maravilhas (1977), dos Tantra, Álibi (1982), de Manuela Moura Guedes, e Missing You, Integral 1965-1967, uma antologia dos Sheiks. À excepção do álbum deJorge Palma, todos os títulos são reeditados com temas extras. Os discos surgem em edições no formato digipack, com notas de capa expressamente escritas para estas reedições.

O mais antigo dos álbuns deste lote data de 1975 e foi, então, o primeiro de Jorge Palma. As canções tinham sido compostas na Dinamarca, para onde o músico tinha ido pouco antes do 25 de Abril, depois de um chumbo em Engenharia. "Havia guerra no Ultramar, não me interessava de todo passar quatro anos de farda e pistola metralhadora", recorda nas notas que acompanham o disco. O LP foi pensado em inglês, e as intenções originais do músico eram as de procurar, em Inglaterra, quem estivesse disposto a gravá-lo. Com o 25 de Abril regressa e faz uma "retrovisão" para português, gravando o álbum nos estúdios da Valentim de Carvalho. Fizeram-se, segundo recorda, apenas 500 cópias. E o próprio Jorge Palma confessa que tem uma porque a sua mãe a guardou.

De 1977, Mistérios e Maravilhas assinalou a estreia dos Tantra, que com este disco (e um histórico concerto esgotado no Coliseu dos Recreios) acabaram reconhecidos como a referência em português do rock progressivo. Manuel Cardoso, o vocalista, recorda, em depoimento registado por Mário Lopes para esta edição, que "na altura da fundação dos Tantra o rock progressivo passou a ser um dos géneros que mais entusiasmavam os músicos e os melómanos", mas que, "ainda assim, a nível do público, havia um alheamento total". Isto para justificar que, na época, por aqui, o grupo estava a "desbravar a selva".

De 1982, Independança corresponde não só à estreia em álbum dos GNR, mas também à primeira gravação do grupo com Rui Reininho, um "sangue fresco", com "poemas do melhor que se fazia em Portugal", como no booklet agora recorda Vítor Rua. Foi um disco criativamente desafiante, lembrando o músico que "havia uma vontade de experimentar coisas novas, com muita ingenuidade à mistura, mas acabou por correr bem". Por sua vez os GNR foram a banda que acompanhou em estúdio, no mesmo 1982, Manuela Moura Guedes, quando esta gravou Álibi. O disco, reconhece agora a jornalista nas notas de capa, "vale pelos GNR". Recorda ainda que, quando o gravou "morria de vergonha" perante os músicos, e que se sentia uma "diletante cheia de sorte."

O quinto disco deste lote de reedições é uma antologia que recolhe (em apenas um CD) os 32 temas que os Sheiks gravaram entre 1965 e 67, na altura todos eles editados no formato de EP.

DN, 23-11-2007
 
"Éramos uns miúdos sonhadores e irreverentes"

NUNO GALOPIM

Como era fazer rock no Portugal de inícios da década de 70?

Respondendo com um ar meio paternalista, digo que o que fizemos foi o resultado do trabalho de um conjunto de miúdos profundamente sonhadores e ao mesmo tempo com uma força anímica brutal. Na altura éramos um bocado irreverentes.

O que se ouvia por cá, então?

Ouviam-se as baladas, o fado, sem desprimor... Cantado em português, era o que o público gostava de ouvir e era para isto que havia mercado. O público comprava, a rádio passava e havia editoras motivadas...

O rock em português, do Quarteto 1111 ou Filarmónica Fraude, não tinha grande exposição?

Pouca... Não se tinha criado, ainda, uma verdadeira ruptura. O Pop 5 era uma banda conceituada, mas não cantava em português. Nós tentámos criar um rock com líricas portuguesas e, porventura, de qualidade. Mas havia alguns problemas. Em primeiro, quem edita? E depois os estúdios para gravar. Em Portugal havia estúdios de quatro pistas e nós queríamos fazer uma coisa mais à frente. Na altura, em Portugal, só uma editora estava a investir: a Sassetti. Tinha lançado a Guilda da Música e apostado na qualidade. Tinha o José Mário Branco, o Sérgio Godinho, que estavam exilados... Abre-se essa possibilidade. E investiram uns milhares de contos para levar estes rapazes a Paris, para gravar.

Sem contrapartidas?

O repto que a editora nos lançou foi o de fazermos o disco com poetas portugueses de qualidade. Já que tínhamos de fazer um projecto rock, que era uma linguagem limitativa na altura, então que fosse com um suporte que desse garantias... Então agarrámos numa série de nomes consagrados e demos-lhes uma roupagem mais inovadora. Esse binómio foi uma pedrada no charco... Mas temos de relativizar isto à época. Foi há 35 anos e não tem nada a ver com o cenário presente!

Chegaram a ter problemas com a censura?

Mestre era um disco de esquerda, isto para os valores de então. Estávamos para sair e a Sassetti, com o álbum na mão, e uns milhares de contos investidos, viu a comissão de censura não dar autorização de edição. Tínhamos de dar uma volta a isso... Na altura, um grande amigo de família era o secretário de Estado. Fui ao CNI, falar com o senhor... Perguntei há quanto tempo me conhecia, se achava que andávamos na militância, se íamos derrubar o regime... Não temos de dar vivas, porque não nos apetecia, mas o regime não ia cair por causa daquelas letras. A argumentação foi mais ou menos sustentada e saí de lá com o visto. E o que é facto é que não tinha perdido as suas características "perigosas", de acordo com a leitura de então. E no dia a seguir ao 25 de Abril passaram temas do álbum na rádio. Músicas bem emblemáticas do contra...

Mas a visibilidade do grupo não mudou muito, então...

Na altura não fizemos concertos, porque ainda estávamos a estudar. Os nossos cursos eram a prioridade.

Nunca puseram a carreira da banda à frente dos estudos...

Não, foi um ponto assente.

Foi sugestão dos pais ou coisa vossa?

Estávamos de tal modo mentalizados que não havia hipótese de não tirarmos os nossos cursos que essa situação nunca se pôs. Quando gravámos o primeiro disco, três dias depois tinha um exame. Os meus pais diziam-me que ia chumbar. Mas passei... Conciliámos tudo bem...

O álbum Mestre não terá sido, também, esquecido perante a multidão de cantores de intervenção que entretanto entram em cena em 1974?

Sim. A canção militante, e a tomada das rádios pela militância de então, abafou todos os projectos que não tivessem clara conotação partidária. A malta quer fingir que isso não era verdade, mas foi. E para nós aquela outra música era uma chatice. As duas honrosas excepções eram o José Mário Branco e o Sérgio Godinho. Mas na altura ninguém queria uma banda de rock a dar gritos que fossem de esquerda, ou não...

Ignorava-se que existia uma canção, também de protesto, no rock da altura?

Claramente! Lá fora, o fenómeno rock era a contestação. Mas era difícil lutar contra a corrente. Se antes do 25 de Abril era difícil lutar no sentido da edição, no pós-25 de Abril era difícil lutar para convencer a malta que havia uma mensagem que poderia ser significativa e tão revolucionária e mobilizadora como a das baladas.

Sentiam que o vosso esforço de inovação estética era secundarizado?

A mensagem era tudo. E tinha de ser militante. E mais tarde, quando fazemos o Ascensão e Queda, somos confrontados com o mesmo tipo de polémica. Se isto levasse aqui um jeitinho, ficava mais de acordo, e tal... Tive então uma pega com eles. E disse que a obra era como estava. Assim como antes do 25 de Abril tínhamos uma postura crítica, depois tínhamos outra contra o que o pós-revolução não tinha de bom. Tentando ser lúcidos, tentando ver a história num todo e não apenas naquele quentinho, a borbulhar, onde parecia que havia só maravilhas. Foi frustrante, para quem fez rock no Portugal de 70, ver que o país não reagiu ao género e que tal só aconteceu, mais tarde, em 1980?

Foi. Uma pequena frustração... Sem pretensão, acho que estivemos antes do nosso tempo. Acho que estivemos bem, na idade certa. E, na altura, até dominávamos minimamente a técnica musical. Na Inglaterra ou nos EUA talvez nos tivéssemos transformado, depois, em músicos profissionais e feito carreira. Aqui estávamos sempre a lutar contra a maré. E isso é que foi frustrante.

O que vos inspirava, então?

Tudo... O Sgt Peppers', dos Beatles, foi o grande marco da viragem. E tudo o que se segue no mundo da música inglesa é esmagador.

Como por exemplo...

Os Beatles já não tiveram influência em nós. Na altura o que eu ouvia eram os Yes, Emerson Lake & Palmer e os Moody Blues. Do lado americano ouvia os Chicago, os Blood Sweat and Tears. Era por aí que nos enriquecíamos...

E da música portuguesa, o que diziam?

Sem desprimor, achávamos que não havia nada... O verdadeiro pontapé no charco foi dado pelo Rui Veloso. Não foi o primeiro a cantar rock em português, mas foi o primeiro a atingir o sucesso mediático. E, portanto, claramente, conseguiu abrir todo um circuito para a aceitação do rock em português. Como, antes, quase não havia rock em português, e o que havia talvez não fosse satisfatório, as pessoas ouviam rock em inglês...

Mas Rui Veloso não fez o fenómeno por si só. Houve mais bandas a acompanhar o movimento, em 1980...

Apareceram os Tantra, mais tarde... Os Objectivo cantavam em inglês... Havia um bloqueio... As pessoas tinham medo do português.

Há a Banda do Casaco...

É diferente. Nem sei como a classificar. Tinham uma busca por ambientes musicais muito interessantes e com propostas muito avançadas para a época. Mas não era rock.

Sentiam-se diferentes?

Sim. Tínhamos um sonho e acreditávamos... As bandas iam para os bailaricos tocar o repertório que estava na moda. Nós tínhamos um sonho criativo. Nunca nos preocupou se ia dar dinheiro, se íamos ser famosos. Nem nos passava pela cabeça... O que passou foi um prazer de tocar, de fruir a música e de poder registá-la. Com um sentido de ser genuínos, naturalmente dentro das nossas capacidades.

O nome Petrus Castrus tem história além do facto de ser o seu nome?

Como tudo na vida, alguém puxa a carroça. E eu, sob todos os prismas, puxei a carroça toda. Criei a possibilidade de editarmos um disco. Depois andei a recrutar os elementos para a banda. E como acabei por ser a locomotiva, saiu Petrus Castrus. Talvez tenha sido um pouco narcísico... Mas ninguém se opôs. E ficou.

DN, 24-11-2007
 
Mais quatro reedições de discos do tempo do vinil

NUNO GALOPIM

Chega hoje às lojas a segunda série de edições da colecção Do Tempo do Vinil, através da qual a Valentim de Carvalho está a devolver ao tempo presente algumas gravações do seu catálogo anterior a 1983. Meses depois da inauguração desta colecção com discos dos GNR, Manuela Moura Guedes, Jorge Palma, Tantra e Sheiks, esta segunda etapa apresenta reedições de álbuns de originais dos Telectu e do Quarteto 1111 e integrais da obra gravada na Valentim de Carvalho pelo Quinteto Académico e os UHF.

Cronologicamente o mais antigo dos conjuntos de gravações reeditadas é o que recorda a breve discografia do Quinteto Académico, um dos primeiros grupos pop/rock do Portugal de 60 a fugir ao som yé yé então em voga. Em seu lugar, o grupo procurou a sua personalidade entre sons com raízes nos blues, na soul e no jazz. Pelo grupo passou Mário Assis Ferreira, actual Presidente da Estoril Sol.

O segundo (e derradeiro) álbum de originais editado sob o nome Quarteto 1111 é a pérola maior desta série de reedições. Onde Quando Como Porquê Cantamos Pessoas Vivas, de 1975, apresentado como uma "obra-ensaio de José Cid" é baseado num texto original de José Jorge Letria, explora terrenos de experimentação que se aproximam do rock progressivo.

Dos UHF a antologia Os Anos Valentim de Carvalho recorda algumas das suas mais importantes (e populares) edições, nomeadamente o álbum de estreia À Flor da Pele (1981) e o mini-LP que se seguiu, Estou de Passagem (1982).

O título mais "recente" deste lote é CTU, primeiro álbum dos Telectu, projecto de Jorge Lima Barreto e Vítor Rua (ainda nos GNR), criado em torno de sugestões dadas por livros de Philip K. Dick.

DN, 6-5-2008
 
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