20 janeiro, 2007

 

Lampreia


Cobra gorda por muito dinheiro

Do Minho ao Mondego e ao longo de quatro meses, um prato detestado, porém com muita procura.

http://dn.sapo.pt/2007/01/13/boa_vida/os_caminhos_lampreia_minho_mondego.html

Sobre ela e a sua capital:

http://www.cm-penacova.pt/fimsemana_lampreia.htm

Comments:
Vale a pena ler todo o enredo, com indicação de restaurantes, contactos, preços e receitas no DN de 13-1-2007, nas pág. 46 e 47.
 
Lampreia à mesa amantes enlevados

Alfredo Mendes

Ai os fervores gastronómicos!... os caprichos do património gustativo que rebuliçam ansiedades dos comensais. Em chegando Fevereiro, por amor declarado à lampreia à bordalesa, os embeiçados do prato rumam a Matosinhos para assentar arraiais no restaurante O Gaveto ( Rua Roberto Ivens, 826, tel. 229 378 796).

Anuncia-se a fartadela. Prodigiosa fartadela como que em reverência ao trabalho de Mário Varela Soares, professor universitário e autor do livro A Divina Lampreia. Deo gratias!.

Para Manuel Pinheiro, proprietário do restaurante e vassalo da genuína comida tradicional portuguesa, causa que abraçou há coisa de 30 anos, a tão apreciada lampreia à bordalesa é especialidade a abocanhar. Vice-presidente da Confraria do Sável e da Lampreia do Rio Douro, ele quer assumir-se como o "rei" a Norte, da "verdadeira e bem confeccionada lampreia à bordalesa".

Para tanto, durante uma década procurou a perfeição, o sabor apurado que a sazonalidade do ciclóstomo requer. Enquanto vai saudando a clientela mastigante, chama a atenção para os requisitos do pitéu, ao que o chefe Hélio Loureiro, também amesandado, concorda. A lampreia deve estar sempre viva, diz, para que o sangue seja aproveitado e emulsionado com um pouco de vinagre de vinho de boa qualidade.

A limpeza da pele, precisa Manuel Pinheiro, deve ser bem conseguida, porquanto o limo que a cobre, caso seja mal tirado, dará mau gosto. A "tripa", cuja remoção é uma das grandes técnicas, deverá ser recolhida sem riscos de romper.

Outros segredos? Especiarias frescas e esmagadas na altura: os cravinhos, a pimenta preta e o sal, sempre marinho. Quanto ao azeite, de baixa acidez, extra virgem, convirá usá-lo em pouca quantidade. Finalmente, um verde tinto, servido em mimosas tijelinhas. Um vinho seivoso, vivo, a lambuzar o recipiente e a encher a alma.

Quanto à lampreia, os amantes de todo o País têm-lhe chamado um figo lampo.

DN, 14-2-207, pág. 35
 
Um ano à espera de matar saudades da lampreia

Pedro Correia

Alguns clientes chegam a fazer reservas com um ano de antecedência. Basta este pormenor para avaliar bem o entusiasmo que rodeia o desembarque da lampreia nos restaurantes de Lisboa. Alguns especializaram-se na confecção do ciclóstomo e apresentam este petisco entre Janeiro e o início de Abril - quando começa o defeso da espécie - como um dos seus principais cartazes gastronómicos do trimestre.

"Às vezes nem se arranja tudo quanto precisamos para tanta procura", diz ao DN José António Nunes, proprietário do Solar dos Nunes. Este restaurante especializado em cozinha alentejana abre uma excepção com a lampreia à minhota feita pelo chefe Teixeira, originário de Amarante.

"Tenho clientes fiéis da lampreia - alguns vêm aqui há 20 anos, tal como procuram o sável frito no azeite com açorda de ovas", garante José António Nunes. "Há clientes que no mês passado já marcaram mesa para Janeiro de 2008", revela João Mesquita, da Tasca do João. Outro estabelecimento que transforma a lampreia em cartaz da época.

É um petisco raro, caro e que "dá muito trabalho", dizem em uníssono os donos de restaurantes contactados pelo DN. João Mesquita amanha ele próprio os bichos que "dia sim dia não" lhe chegam vivos do rio Minho, em depósitos oxigenados de água doce. "Com a minha experiência, só arranjo seis lampreias numa hora. É fundamental saber tirar a gordura, muito enjoativa, e a tripa, sem a fazer rebentar." Também trata dos primeiros temperos: sal, alho, louro. O ciclóstomo fica um dia a marinar em vinho verde tinto - a bebida ideal para acompanhar o prato, já à mesa.

"Não deixo mais ninguém mexer nela", assegura José Sequeira, dono do restaurante Faz Frio. Com clientes que remontam ao ano da sua estreia na casa, em 1971, este antigo cozinheiro da Marinha junta "14 condimentos diferentes" nas lampreias que confecciona. Quais? "Isso não posso dizer." Também no tempero o segredo é a alma do negócio.

DN, 19-2-2007, pág. 24
 
Em nome do arroz

PAULA CARMO

Milhares de pessoas viajam pelos sabores do Baixo Mondego. Até dia 9
Cresceu no arroz, como um desígnio do destino, e é dele que vive. Da terra até ao prato. A vida de Helena Pinto, de 40 anos, empresária agrícola, é toda ela "feita" de arroz. Arroz, fertilidade. Arroz, sementeira e colheita. Arroz, iguaria de festa. "Desde pequenina que ando nos campos do Mondego, com os meus pais, irmão e agora com o meu marido, sempre acompanhei as sementeiras, a rega" Dos três filhos, o mais novo, André, parece querer seguir-lhe as pisadas no cultivo das extensas parcelas húmidas do Baixo Mondego. Helena e o marido, José Pinto da Costa, com os filhos Catarina (12 anos), Sofia (dez) e André (sete), juntam sorrisos num campo de malmequeres e mostram o delicioso arroz-doce que Helena acabara de confeccionar.

Vem tudo isto a propósito da sexta edição do Festival do Arroz e da Lampreia, em que o arroz do Mondego, o famoso e apreciado carolino, é mais um pretexto para visitar a vila de Montemor-o-Velho. Até dia 9, esperam-se milhares de pessoas. Só no ano passado, contas feitas pela organização, foram servidas 30 mil refeições, o que significou um crescimento de 17% face aos anteriores certames. Degusta-se arroz de lampreia, arroz de cabidela, arroz maneirinho de pato e muitos outros pitéus de arroz. No cardápio, também o arroz é sobremesa. Uma exaltação para as papilas gustativas!

É, pois, este cereal, alimento essencialmente energético, o chamariz perfeito para uma "invasão" à vila de Montemor-o-Velho (Coimbra), de onde, do seu castelo altaneiro, se vislumbram por vezes majestosos patos-reais a pousar nas terras húmidas, ou elegantes cego- nhas-brancas. O marido de Helena lá estará com um posto de venda de arroz, integrado no espaço da Associação de Agricultores do Vale do Mondego: "No ano passado vendemos duas toneladas de arroz durante o festival", assegura José Pinto da Costa. Neste certame, também a Cooperativa Agrícola de Montemor-o-Velho e orizicultores da Ereira venderão o apreciado cereal.

O arroz, elemento aglutinador de um território com dez municípios, desde os que se identificam com a produção (Figueira da Foz, Montemor-o-Velho, Coimbra, Condeixa, Soure, Cantanhede e Pombal) às áreas onde se localizam as unidades de transformação, gastronomia e o rio Mondego (Penacova, Miranda do Corvo, Vila Nova de Poiares), será a génese de uma rota turística do vale do Mondego. Também há muito que os orizicultores do carolino pugnam pela qualificação desta zona como indicação geográfica protegida (IGP).

Voltemos ao festival: durante dois fins-de-semana, 18 restaurantes aderem à mostra de gastronomia e, no recinto criado para o certame, dez tasquinhas e 11 espaços repartidos por oito associações deste concelho mondeguino, todos elegerão o carolino como base das loas gastronómicas do arroz. Mas os comensais também poderão apreciar as doçarias conventuais já afamadas desta região. Haverá ainda no perímetro expositivo dez stands de artesanato.

Novidade será ainda a exibição de um filme sobre a cultura do arroz, que mostrará as diferentes fases da vida do cereal e daqueles que o trabalham, desde a década de 50 até hoje. Haverá ainda exposições na galeria municipal e no recinto, visitas turísticas ao centro histórico de Montemor, em charrete, e a realização da Rota do Arroz (estas últimas duas iniciativas mediante marcações prévias).

Recorde-se que a Obra Hidroagrícola do Baixo Mondego, iniciada na década de 80 e ainda inacabada, desenhou um novo cenário naquele território - o emparcelamento, blocos com perímetros de rega, deram novo fôlego à cultura cerealífera e às hortícolas.

"Houve uma evolução muito grande na cultura do arroz. Antes eram feitos viveiros, quando a planta tinha três, quatro folhas, era plantada à mão. Agora, é apenas semeada mecanicamente", alude José Pinto da Costa. "Antes, na colheita, por exemplo, a colheita era feita à foicinha, tudo era transportado em carro de bois", recorda Helena, que actualmente integra a Casa do Lavrador de Casais de Maiorca, jun- tando-se a outras seis senhoras para, aos sábados, vender arroz-doce de porta em porta. Uma actividade "apetitosa" e que assim não deixa morrer as referências de antanho.

Mas que tem o carolino de diferente do agulha, por exemplo, e que o torna no cereal preferido dos portugueses? Helena, à conversa com o DN gente, responde prontamente: "Tem mais goma, mais capacidade para absorver os condimentos, é mais gostoso, fica mais suculento, é o que melhor se identifica com a nossa gastronomia, porque sempre apreciamos mais o arroz malandro."

O vale do Baixo Mondego é uma extensa planície. Deslumbrante! Tem uma faixa que se espraia ao longo do rio Mondego - o vale principal - e por algumas ramificações que constituem os afluentes do rio principal.

DN, 1-3-2008
 
Seca e pesca excessiva tornaram lampreia um produto raro e caro

MÁRIO RUI FONSECA, Abrantes

Comer lampreia pode custar 32 euros por pessoa

A época da lampreia está cada vez mais curta: os períodos de seca e a pesca excessiva determinam que sejam cada vez menos e mais caras. Em Março, vários festivais gastronómicos da região permitem aos apreciadores a degustação desta (cada vez mais) rara iguaria. A época da lampreia decorre até ao mês de Abril mas a falta de água nos rios está a deixar os pescadores da região do Médio Tejo pessimistas. A seca dos últimos anos transformou a lampreia numa iguaria ainda mais rara - com reflexos nos preços e também na economia local.

No entanto, e apesar dos preços proibitivos, junto à barragem de Belver, na freguesia de Ortiga, Mação, os restaurantes especializaram-se na confecção deste ciclóstomo e a fama granjeada ao longo dos tempos continua a arrastar clientela de todo o País nesta altura do ano e a assegurar uma boa fonte de receita.

No Kabra's e na Lena da Barragem, os restaurantes mais procurados em Ortiga, uma dose "normal" atinge os 25 euros por pessoa.

Para grupos de amigos, Manuel Mariquitos, proprietário do Kabra's, serve uma lampreia inteira com cerca de 1,3 quilos ao preço único de 60 euros, com acompanhamento, bebida, sobremesa e café incluídos, ao passo que Helena, da Barragem, pede 32 euros por pessoa "para quem quer comer à discrição".

"Todas as semanas", garante, "chegam do Norte 90 a 100 quilos de lampreia e com elas vivinhas. Depois tenho de a esconder no rio, em viveiros muito protegidos, porque senão vão lá roubá-la". Segundo disse a proprietária do restaurante "chegam pessoas de comboio de Lisboa, do Norte e do Algarve, comem até querer e apanham o comboio outra vez".

"Este ano ainda não se viu nada no Tejo", contou ao DN Luís Grilo, pescador profissional há mais de 50 anos. Morador em Tramagal, conta que "só junto ao açude" insuflável de Abrantes "apanharam meia dúzia delas, se tanto". Segundo disse, "o rio não leva água e as poucas que aqui chegam não passam para montante porque não conseguem saltar o açude. Mas o problema está mais para baixo com as redes todas que para lá estão e que não deixam passar a lampreia para a desova".

Em Ortiga, no concelho de Mação, anos houve em que pequenas aldeias sazonais de pescadores de lampreia se aglomeravam junto à barragem nesta ocasião. "Havia para todos e sobrava para congelar e deitar à água", contou ao DN o "Zé da Barragem", um pescador de Ortiga. "Hoje já não conto com a lampreia para viver e só em Abrantes consigo apanhar qualquer coisa. Já não vale a pena", lamenta-se.

Apesar da crise, os pedidos de encomendas continuam a chegar e os pedidos de reservas de mesa chegam a ser feitos com semanas de antecedência, não vá o restaurante estar lotado no fim-de-semana que se adivinha ser para "tirar a barriga de misérias" e comer lampreia "até mais não". D. Helena aconselha sempre marcação prévia embora diga que nunca teve falta de lampreia.

Apesar da raridade desta "iguaria", também o proprietário do restaurante Kabra's Bar refere que a procura continua a ser "mais que muita". "Aqui nunca faltou lampreia. Venha lá de onde vier", diz.

DN, 3-3-2008
 
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