20 janeiro, 2007

 

O apelo das cidades


e a perda da ruralidade

Segundo o Worldwatch Institute, metade da humanidade vai viver em cidades em 2008, ou seja, dentro de um ano.
Há cem anos, apenas 10% da população mundial era urbana.
Actualmente, 60 milhões de pessoas mudam-se anualmente para as cidades, pelo que se prevê que dentro de duas décadas 70% da população mundial aí viverá.

Com que riscos, sabendo-se por exemplo da ocupação de apenas 0,4% do espaço global com uma carga humana de meio mundo ?

O regresso às origens rurais enquanto é tempo e para aqueles que o podermos fazer ou nem vale a pena uma tentativa mais saudável e com alguma qualidade de vida?

http://www.worldwatch.org/node/4752

Comments:
Metade da humanidade vai viver em cidades em 2008

Manuel Ricardo Ferreira
Correspondente em Nova Iorque

Num dia ainda não bem determinado de 2008, metade da população do mundo viverá em cidades. Mas um sexto de todos esses citadinos (1,1 mil milhões de pessoas) habitará bairros de lata sem quaisquer condições de salubridade.

Os números são adiantados no estudo Estado do Mundo em 2007: o Nosso Futuro Urbano, apresentado em São Francisco pela organização WorldWatch Institute.

Molly Sheehan, directora do projecto no instituto, afirma que "a escala da urbanização não tem precedentes. Passámos de aproximadamente 10% da população mundial vivendo em cidades em 1900 para metade hoje, e, se a tendência continuar, 70% viverão em cidades nos próximos 20 a 30 anos".

Todos os anos são acrescentadas às cidades e subúrbios do mundo 60 milhões de pessoas, que vão viver para zonas com poucas ou nenhumas infra-estruturas sanitárias, educacionais ou de cuidados de saúde.

Diz Sheehan que "a comunidade internacional tem sido lenta a reconhecer o crescimento da pobreza urbana. Alguns continuam a ver a pobreza que alastra nas cidades como um problema a ser, na melhor das hipóteses, ignorado e, na pior, combatido e expulso".

Anna Tibaijuka, directora executiva do programa Habitat da ONU, afirma no prefácio do relatório que "se há uma altura em que podemos actuar, é agora", avisando que "muitas cidades são ambientalmente insustentáveis" e que estão "rapidamente a tornar-se socialmente insustentáveis".

Assinalando que os consumidores nas zonas urbanas pagam mais 30% pelos alimentos do que as populações das áreas rurais, o relatório revela que 800 milhões de pessoas estão envolvidas em agricultura urbana em todo o mundo.

Os mercados de agricultores nas cidades estão a tornar-se pólos de convívio, já que neles as pessoas têm dez vezes mais possibilidades de conversar com outras pessoas do que nos supermercados. Mas, por outro lado, em várias cidades da Ásia e da África os terrenos em que esses produtos crescem são irrigados pelos esgotos da cidade, e o seu consumo constitui um gravíssimo problema sanitário.

É no Terceiro Mundo que estão a ser encontradas soluções para os problemas causados pela pobreza urbana. Em Karachi, cidade do Paquistão com mais de 20 milhões de habitantes, foi criado um sistema de esgotos para servir os bairros de lata.

Em Curitiba, Brasil, foi desenvolvido um sistema de transporte rápido por autocarro, com velocidades semelhantes às de um metropolitano, sistema que está a ser copiado por várias grandes cidades.

Em Rizhao, China, é incentivada a utilização de painéis de energia solar, que alimentam não apenas o sistema de semáforos da cidade como também outras necessidades públicas de energia.

Peter Newman, co-autor do estudo, diz que nos Estados Unidos existe "um vácuo de sustentabilidade que está a ser preenchido por cidades e estados" e que cidades como Chicago e Nova Iorque estão a aumentar a sua utilização de energias renováveis e a reduzir as emissões de gases de estufa, bem como a encorajar a construção de edifícios mais amigos do ambiente.

DN, 15-1-2007, pág. 18
 
Cidades

João Morgado Fernandes

Algures durante o próximo ano, dar-se-á o acaso estatístico - metade da população mundial viverá em cidades. Ainda há um século, essa percentagem era de apenas 10%... As cidades, com base no conceito construído durante o século XX, têm um extraordinário poder de atracção, são o próprio símbolo da qualidade de vida. Mas, como sabemos, para muitos, demasiados, são igualmente a desilusão, ou, se quisermos, a ilusão em que preferem viver.

As cidades, no seu verdadeiro conceito contemporâneo, são hoje mais inferno que paraíso. Nos centros desumanizados, inseguros, desolados, assim como nos subúrbios sem as mínimas condições de vida, a começar nas horas que se perdem para chegar ao trabalho e a acabar na habitação sem condições ou na falta de infra- -estruturas.

À escala global, existem, obviamente, realidades diversas. A Europa e o resto do hemisfério norte têm conseguido modelos de desenvolvimento mais equilibrados e as grandes urbes só raramente são rodeadas por gigantescas concentrações de barracas, como vemos na América Latina, em África ou na Ásia. Por outro lado, os países mais ricos têm conseguido de-senvolver cidades médias, em que a qualidade de vida se situa, muitas vezes, acima da que se verifica nas grandes aglomerações.

Por isso, o desafio que se coloca a cada um dos hemisférios é descomunalmente diverso. Se a sul se trata de uma questão de sobrevivência, a norte ainda podemos trabalhar em cenários que passem pela garantia ou conquista de qualidade de vida.

Portugal, apesar dos desequilíbrios de desenvolvimento das últimas décadas (o litoral é claramente mais confortável que o interior), tem um território razoavelmente polvilhado de cidades médias de qualidade. Mérito dos vários poderes, a começar pelo local, que, apesar de todos os desmandos, souberam investir algum do dinheiro que recebemos nos últimos anos em equipamentos fixadores de população.

O nosso desafio - que, comparado com o de outros, é quase nada - é, por paradoxal que isso pareça, atrair mais gente para as cidades. Os centros históricos das maiores cidades são hoje território quase deserto e a pouca habitação que lhes resta é de fraca qualidade. Alguns municípios já perceberam que o caminho não é construir mais nos terrenos disponíveis, mas reabilitar o parque habitacional existente. Há, por isso, motivos para algum optimismo.

DN, 15-1-2007, pág. 10
 
'Hortas de lata' urbanas são um luxo para muitos

Marina Almeida

Lisboa: há centenas de hortas em terrenos camarários cultivadas ao milímetro ao arrepio das autarquias

António Marcelino amanha um retalho de terra de que só ele conhece os limites com uma quase doçura. Alinha milimetricamente as "cebolinhas", em movimentos precisos, acaricia o chão que não lhe pertence. Sorri. A poucos metros, zumbem os carros no IC19. Cabo-verdiano de Santo Antão, trabalhador na construção civil e residente na Cova da Moura, Marcelino, 53 anos, retira destas terras os vegetais com que alimenta a família ao longo do ano.

Há quem lhes chame "hortas de lata", mas para Marcelino os três palmos de terra na berma da via rápida são um luxo. Sabe que nada daquilo lhe pertence, sabe que só tem água quando o céu dá, mas vai-se deixando ficar assim, à mercê dos elementos, com uma alegria desarmante.

António Marcelino é um dos muitos que impregnam de sementes os terrenos encravados entre os viadutos, alguns de acesso quase malabarístico, todos de propriedade alheia. Os agricultores de berma de estrada dividem os terrenos entre si e cultivam com esmero. Parecem genuinamente pobres, dizem que o fazem por necessidade e "entretém."

Por aqui também passam os "oportunistas" que "vêm para catar caracóis e levam tudo, da cebola ao alho." A queixa é comum. Também Manuel Andrade aproveitou o sol de sábado para plantar batatas na horta em Carnide. A única coisa que diferencia a sua rotina da de Marcelino é que tem um poço de onde retira água e não precisa de pôr os bidões de prontidão aos ímpetos do céu. Já é a segunda horta que este residente no Bairro Padre Cruz cultiva. A outra "era no cemitério" que entretanto foi construído.

Ainda Marcelino não acabou a fileira das cebolas e já acena a Maria, sua conterrânea, que segue pela berma da estrada até ao seu quintal, do outro lado do vale que a CRIL escavou. Não se incomoda com os carros. Cuida desta terra há um ano, vai ficar enquanto a deixarem, mas avisa: "Vamos sempre encontrar uma hortinha, cabo-verdiano gosta de mexer."

DN, 5-2-2007, pág. 28
 
Porto: Uma horta encaixada entre os prédios das Antas e os palacetes da Avenida dos Combatentes

Alfredo Teixeira

Quando há mais de 50 anos deixou Miranda do Douro, a sua terra natal, trouxe para o Porto o hábito de mexer na terra, do cultivo da batata, da couve e das restantes culturas com que sempre lidou, desde criança. Hoje, com 70 anos, não deixa de tratar diariamente da sua horta, em pleno centro do Porto, rodeada de prédios e virada para uma das ruas mais movimentadas da cidade.

Quem passa pela Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, na zona das Antas, depara com o socalco, sustentado por um muro de pedra e de onde espreitam as folhas de algumas couves. É a horta de Justiniano Antão, que se orgulha dos seus dois talhões de batata, das ervilhas e feijões, da alface e da couve que ali planta. Sempre olhou para o que cultiva como um complemento ao rendimento familiar. "Vim morar para o Porto com mais cinco irmãos. O meu pai era primeiro-cabo da GNR e ganhava por mês 500 escudos. Era pouco e o que a terra dava sempre era uma ajuda", recorda.

Os anos passaram e, actualmente, o objectivo de manter este pequeno quintal, que destoa de toda a envolvência urbana, continua a ser o mesmo. Justiniano vive sozinho com a mulher e os 230 euros que recebe de reforma, depois de uma vida inteira a conduzir um camião na distribuição de batata para consumo, "não chega para nada".

Os talhões cultivados fazem a inveja da vizinhança que mora em palacetes rodeados de jardins ou em apartamentos. "Por vezes batem-me à porta a pedir uma couvita para fazer um caldo verde", diz Justiniano Antão, e explica: "São produtos que, apesar de plantados aqui, têm um sabor diferente dos que são comprados no supermercado. Aqui a couve sabe mesmo a couve."

O único problema desta horta citadina é ser um alvo apetecível de marginais. Ali se escondem para consumir droga. Justiniano chama a polícia, que "encolhe sempre os ombros e os manda embora. O muro é que fica sempre danificado".

DN, 5-2-2007, pág. 29
 
Pegar na enxada e lavrar a terra depois de um dia no gabinete

João Teixeira Lopes trabalha no departamento financeiro de uma empresa. A horta é o seu escape

Inês Schreck

A té pode estar a chover, mas Zeferino Moreira, comerciante, não passa um dia sem ir à Horta Biológica de Custóias, em Matosinhos. No talhão que lhe coube, em Setembro do ano passado, não há legume que não cresça. Favas, pencas, nabiças, ervilhas, cenouras, alfaces... Ao todo, tem 17 espécies de hortaliças e um novo passatempo. "Ajuda a relaxar depois do trabalho". O projecto Horta à Porta, desenvolvido pela Câmara em parceria com a Lipor, é um sucesso e vai ser alargado, até ao final do ano, a mais três freguesias.

Em Leça da Palmeira, a horta ficará na Rua Bartolomeu Dias e deverá ser inaugurada em Abril, segundo a vereadora do Ambiente, Joana Felício. Em Matosinhos, um terreno perto do tribunal, na antiga mata das Austrálias, acolherá também uma horta biológica e na Senhora da Hora nascerá outra no centro da freguesia. Deverão estar todas em funcionamento até Dezembro.

As hortas biológicas permitem a requalificação de espaços inutilizados e degradados ao mesmo tempo que sensibilizam as pessoas para a importância da agricultura sem químicos. Esta educação ambiental será alargada às crianças. A Câmara vai criar 30 hortas pedagógicas em escolas e jardins-de-infância do concelho (ler caixa ao lado).

Tal como Zeferino, João Teixeira Lopes vive apaixonado pela horta. "Passo aqui fins-de-semanas inteiros, desde as oito horas", conta o morador de Custóias, que dá também uma "mãozinha" no talhão atribuído à mulher. "Sabe-nos bem estar ao ar livre, é fantástico podermos comer produtos plantados por nós. Além disso, criámos aqui uma pequena comunidade com pessoas que não se conheciam e que se dão muito bem", conta o morador, natural de Trás-os-Montes.

Descendente de agricultores, João Teixeira Lopes trabalha no departamento financeiro de uma empresa. A horta é o seu "escape" ao final do dia e deu-lhe a possibilidade de antecipar o sonho de se reformar e voltar à terra natal para se dedicar à agricultura.

"É uma dupla satisfação", assegura, enquanto mostra o compostor comunitário, onde são depositados os resíduos orgânicos (sobretudo legumes e cascas de fruta) usados para fertilizar a terra.

O sucesso do projecto, que resulta de uma parceria com a Lipor, faz com que a procura seja sempre maior que a oferta. Em Custóias, havia 120 interessados, mas apenas 32 receberam o seu talhão de 25 metros quadrados. Foi dada prioridade aos moradores da freguesia.

"Lixeira" transformada

O local onde hoje está a horta de Custóias, vedada e de acesso limitado aos utilizadores, era um terreno baldio "que as pessoas insistiam transformar em lixeira", recorda Joana Felício. Além de criar a horta, a Câmara fez também uma intervenção paisagística na envolvente, com percursos pedestres, bancos e iluminação. Porque a ideia é tornar o espaço aprazível para quem o cultiva, mas também para quem o frequenta, explicou a vereadora do Ambiente.

Em Leça da Palmeira, por exemplo, a envolvente será preenchida com várias espécies de plantas aromáticas.

Trinta escolas e creches vão ter hortas pedagógicas

Trinta escolas primárias e jardins-de-infância de Matosinhos vão ter, no início do próximo ano lectivo, hortas pedagógicas. O projecto está na fase final de adjudicação e a construção dos talhões para agricultura biológica deverá arrancar em Maio. "É um projecto importantíssimo. A maior parte das crianças de Matosinhos são muito urbanas", afirmou, ao JN, a vereadora do Ambiente, Joana Felício. O projecto é uma extensão do que já existe nas freguesias (Horta à Porta), mas adaptado às crianças. Tal como em Custóias (ler texto principal) nas escolas também haverá um compostor comunitário e os alunos serão desafiados a levar resíduos orgânicos de casa para a escola. A ideia passa também por sensibilizar os mais pequenos para a necessidade de redução de resíduos.

JN, 15-3-2007
 
METADE DOS PORTUGUESES VIVE NA CIDADE

FRANCISCO MANGAS

O Portugal rural desapareceu vertiginosamente nas últimas décadas. Comprou automóvel a prestações, fez-se urbano, mesmo sem entrar no perímetros das cidades tradicionais. Porque a cidade "já não é um ponto no mapa, transforma-se numa superfície", estende-se por novas geografias, onde o terreno para construção é acessível, junta-se a outros aglomerados urbanos. Perde-se a ideia de centro, mas, graças à uma mobilidade cada vez mais fácil, tudo fica próximo: a distância mede-se pelo tempo.

Nas cidades portuguesas, que ocupam 2 % do território nacional, em 2001, concentravam-se 4 milhões de pessoas, cerca de 40 % da população. E metade dos citadinos estava concentrado em 14 cidades. Estes números, do Instituto Nacional de Estatística, mudam se a análise for feita a partir do princípio de que a nova "forma física de territorialização da sociedade" é uma continuação da cidade.

É essa a perspectiva de Álvaro Domingues, o geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura do Porto, que coordenou o livro Cidade e Democracia - 30 Anos de Transformação Urbana em Portugal, editado pela Argumentum. Assim, só nas "duas conurbações de origem metropolitana" - a de Lisboa e a do Porto - residem aproximadamente 6 milhões de portugueses. O que corresponde, segundo o estudo coordenado por Álvaro Domingues, a uma "concentração de 53% do total da população portuguesa".

À medida que a mobilidade é mais fácil e "mais democraticamente distribuída" - mobilidade de gente, de mercadorias, de informação, etc. - o território "deixa de ter aquele fixismo representável no mapa e passa a ser uma espécie de campo magnético: tudo se mexe, tudo vai não sei para onde ", diz Álvaro Domingues. "A partir daí , há uma explosão urbana".

Em Portugal, o fenómeno "é rápido e muito recente", porque "entrámos tarde na revolução do automóvel", lembra o geógrafo. Agora, o quotidiano não se mede por quilómetros mas em tempo, conforto. Com a nova " cartografia dos movimentos quotidianos" das pessoas, as cidades deixam de ser ponto no mapa - "são superfícies instáveis, sempre a mexer, onde a lógica relacional é mais importante".

DN, 5-12-2007
 
População urbana cresce
exponencialmente

Um estudo demográfico da ONU revela que até ao final de 2008 metade da população mundial deverá viver nas cidades. A população citadina vai duplicar até 2050.
O estudo elaborado pela Divisão da População do Departamento de Assuntos Sociais e Económicos das Nações Unidas conclui que as zonas urbanas deverão absorver o crescimento populacional das próximas quatro décadas, enquanto as populações das zonas rurais começam a diminuir nos próximos
10 anos.
As cidades terão mais habitantes devido ao número de nascimentos,
à imigração interna e à transformação de grandes vilas em cidades.
A maior parte deste aumento deverá concentrar-se nos países menos desenvolvidos e, em particular, na Ásia. Actualmente 1645 milhões de asiáticos vivem nas áreas urbanas,
um número que deverá rondar os três mil e quinhentos milhões nas próximas décadas.
Entre 2007 e 2050, a população mundial deverá atingir os 2500 milhões, passando dos actuais 6700 milhões para os 9200 milhões. Deste grupo, 70% vai viver em zonas urbanas.
O relatório revela, ainda, que as grandes cidades do mundo são Tóquio, Nova Iorque, Cidade do México, Bombai e São Paulo, mas em 2025, Lagos e Kinshasa, no continente africano, bem como Lahore e Karachi, no Paquistão, e Dhaka, no Bangladesh, serão consideradas mega-cidades. Actualmente existem 19 mega-cidades no Mundo, com mais de 10 milhões de habitantes, e, segundo o relatório, existirão 27 em 2025.

RRP1, 27-2-2008
 
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