14 janeiro, 2007

 

Os grandes portugueses


E se a maioria escolhesse Salazar ?

Quando a lista inclui nomes que não lembram ao diabo e por outro lado se esquece o Dr. Manuel Pais Clemente, o único português no clube das mentes brilhantes do séc. XXI...

Marketing pessoal, poder das massas, efeito mimético, saudosismo...

Que critérios, valores ou valia ?

Vão sobrar surpresas.

http://expresso.clix.pt/COMUNIDADE/forums/thread/9323.aspx

http://195.245.168.1/wportal/sites/tv/grandesportugueses/index.php

http://visao.clix.pt/default.asp?CpContentId=333101

E para dizer não à subsequente depressão que tal a busca de alternativa. Ou será apenas o seu contrário ?

http://piorportugues.blogs.sapo.pt/

Sobre Salazar:

http://www.oliveirasalazar.org/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_de_Oliveira_Salazar

Comments:
'Top 100' aproxima-se da figura mais marcante

Ana Pago

O que têm em comum Vasco da Gama e Cristiano Ronaldo, Aristides de Sousa Mendes e Amália Rodrigues, Bartolomeu Dias e Herman José? Para lá dos intervalos de tempo que os separam e das diferentes áreas em que se demarcam, são tudo nomes que integram a lista de candidatos ao título de personalidade mais marcante da História do País. Cem figuras escolhidas por consulta pública entre várias centenas, que a RTP aprofunda até Março no programa Os Grandes Portugueses.

A expectativa e algumas certezas começam, entretanto, a ganhar forma já nos dias 13 e 14, altura em que a apresentadora Maria Elisa divulga os nomes classificados da 100.ª à 50.ª posição (sábado, às 22.30, num programa gravado no Palácio da Ajuda e no Museu de Arte Antiga) e a lista das dez personalidades que saem das restantes 50 mais votadas (domingo à mesma hora, a partir da Casa da Música). Depois, "precisamente às 24.00" do dia 14, as votações recomeçam, mais incisivas.

"Este formato televisivo que escolhemos, de longo curso e impossível de comparar a qualquer outro que tenha sido feito em Portugal, está a fechar o cerco. Aproximamo-nos do momento culminante do programa", reconheceu ontem o director de programas da RTP, Nuno Santos, na sessão de apresentação do Top Cem dos grandes portugueses - realizada, a título simbólico, no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa.

Confiante na força dos documentários resultantes de horas de investigação, nas "características únicas" do modelo, no modo como ele vai "seduzir o público e mobilizar a sociedade", o responsável reconhece a ambição de Os Grandes Portugueses. "Pensámos em grande, fizemos o maior investimento dos últimos tempos, conseguimos um produto que mistura espectáculo e informação e celebra da melhor forma os 50 anos da RTP", concretiza, sugerindo que a grande final será agendada para a semana entre 7 e 11 de Março.

"E a viagem pela história do País através dos séculos valeu bem a pena", reitera Maria Elisa, "muitíssimo realizada" com esta troca dos estúdios de TV pelas incursões aos monumentos de norte a sul. Satisfeita, sobretudo, com o "desafio de levar jovens e adultos a debater as nossas raízes", numa adaptação bem portuguesa do formato original da BBC, 100 Greatest Britains, seguido já por oito países, entre eles os EUA.

Confrontado com o facto de os jovens Cristiano Ronaldo ou Ricardo Araújo Pereira surgirem lado a lado com os "gigantes" Marquês de Pombal ou Luís de Camões, Nuno Santos desmistifica: "Num programa de história talvez fosse complicado gerir a situação, num programa televisivo há a componente de estímulo ao saber, distanciada e divertida, que permite perceber que cada um tem o seu lugar." Além disso, a lista "é séria, madura", apoia Maria Elisa. "A surpresa pela positiva foi grande."

DN, 11-1-2007, pág. 40 e 41

http://dn.sapo.pt/2007/01/11/media/top_100_aproximase_figura_mais_marca.html
 
Luís de Camões é a maior figura de sempre

Fernando Madaíl

Acima d' "as armas e [d]os barões assinalados", os génios da literatura. Na escolha dos portugueses mais importantes da nossa história feita pelos colunistas permanentes do DN (numa iniciativa paralela à da RTP, como se explica na página 4), não só se confirma que há algum orgulho em ter um poeta em vez de um guerreiro como símbolo nacional, com Luís de Camões a vencer D. Afonso Henriques, como foram votados 15 vultos das Letras (sem se incluir aqui o também poeta D. Dinis) e "apenas" oito chefes de Estado (se se considerar Sertório, o sucessor do lendário Viriato, quando Portugal não existia, então passam a nove).

António Costa Pinto, cuja lista tem sete dos nomes que acabariam no top ten do DN e elegeu como primeiro Camões, justifica o resultado pelo facto de o épico ser "um símbolo pacífico da identidade nacional", sem as clivagens que podem surgir, por exemplo, em torno de figuras como a do marquês de Pombal.

Registando igualmente sete nomes entre os que acabariam por ficar nos dez primeiros, Maria José Nogueira Pinto escolheu em primeiro D. Afonso Henriques e colocou Camões em sétimo. "Sem D. Afonso Henriques, Camões não tinha 'piado' nada que não fosse em castelhano", ironiza. E reforça a sua tese declamando dois versos de Os Lusíadas. "Não havendo um fundador de Portugal, Camões nunca teria escrito: 'Eu canto o peito ilustre lusitano / a quem Neptuno e Marte obedeceram'." E o facto de sermos provavelmente o único país do mundo que tem um poeta como símbolo é, no seu entender, "a nossa maneira de fugir da realidade".

Em sentido oposto, Medeiros Ferreira enaltece o poeta, dizendo que "foi um cidadão antes de haver cidadania, porque, ao dar a mais bela expressão à língua portuguesa, a consolidou como instrumento estruturante da identidade nacional". E, numa "malícia histórica", escolhe o mestre de Aviz, D. João I (com o jurista João das Regras), "como o fundador da nacionalidade, não através da pura conquista, mas antes pela legitimação da consciência de uma comunidade política portuguesa".

Vasco Graça Moura, que usou "um critério cronológico" - assim se percebendo por que motivo, ao contrário do que se poderia supor, não colocou qualquer escritor na primeira metade da sua lista -, está "inteiramente de acordo" com os primeiros lugares da votação final do DN, "que revelam memória histórico-cultural", mas não opta pelo fundador nem pelo poeta, "porque há coisas que não são graduáveis", sobretudo quando se tenta misturar os planos da política e da cultura.

Entre as 68 figuras escolhidas por 27 dos colunistas do Diário de Notícias surgem apenas nove ainda vivas: Mário Soares (que obteve os mesmos votos de D. Dinis, mas ficou colocado em décimo porque o critério de desempate foi o maior número de citações no painel), António Damásio, Carlos Lopes, Paula Rego, Lobo Antunes, Pedro Ayres Magalhães, Luís Miguel Cintra, Eusébio e Saramago - as limitações na escolha de cada votante terão deixado de fora nomes como os de Manoel de Oliveira ou de Álvaro Siza.

Mas um dos despiques mais curiosos - pois o criador da Fundação Calouste Gulbenkian (Azeredo Perdigão) e o fundador da CUF (Alfredo da Silva) ficaram empatados - pode ser entre Soares e Salazar. Na justificação que Álvaro Santos Pereira avançou para as suas escolhas, aponta Salazar "pela sua influência no século XX, para bem ou para mal, e pelo impacto que o seu governo teve em exacerbar e atrasar o processo de convergência com a Europa", enquanto Soares surge "pela sua influência na implementação da democracia e por ser o símbolo da mesma". Idêntico critério foi seguido por António Costa Pinto, que optou "pela importância relativa das personagens", pensando em quem será recordado no futuro como vulto do nosso século XX.

Pensam de outra forma Vasco Graça Moura - que discorda da classificação de Soares e entende que "Salazar teve uma compreensão do País muito mais sensata e realista" que o político ainda vivo - e Maria José Nogueira Pinto - que considera terem marcado muito mais o século XX português ("quer se goste, quer não") Salazar, pelo regime autoritário, e Cunhal, por representar quem se opôs ao ditador. Em suma, distintos "engenhos e artes".

DN, 13-1-2007, pág. 2 a 5

http://dn.sapo.pt/2007/01/13/tema/luis_camoes_a_frente_d_afonso_henriq.html
 
Grandes portugueses

João Morgado Fernandes

Isambard Kingdom Brunel tornou--se, em 2002, o segundo maior britânico de sempre numa eleição realizada pela BBC, atrás de Winston Churchill. Até essa data, Isambard Kingdom Brunel era apenas conhecido de uma elite, aqueles que reconheciam nele um dos artífices da revolução industrial.

Brunel terá chegado à lista dos maiores britânicos de sempre através de um mecanismo perverso deste tipo de eleições - os seus admiradores organizaram-se e conseguiram colocá-lo entre os finalistas. No entanto, não deixa de ser sintomático que, na votação final, os ingleses tenham sido sensíveis aos argumentos dos seus defensores.

Por cá, na eleição que a RTP está a fazer dos Grandes Portugueses, também surgem nomes propostos por claques.

Nas próximas semanas, se a televisão pública conseguir os seus objectivos, um mero programa de televisão poderá tornar-se num enorme espelho de Portugal.

Estas iniciativas, para além do carácter de entretenimento e até comercial (a luta pelas audiências...) que possam comportar, são óptimas oportunidades para o país se rever e decidir que imagem quer dar de si próprio.

Basta dizer que, se no Reino Unido quem venceu foi Churchill, na França foi De Gaulle (seguido por um cientista, Pasteur), e na Alemanha foi Ade-nauer (seguido de Lutero). Os três mais influentes países europeus optaram por personalidades do século XX, todas elas ligadas à reconfiguração dos respectivos Estados após a Segunda Guerra Mundial.

Em Portugal, a pequena polémica que já se levanta também respeita ao século XX, mas, para nossa desgraça, à volta de Salazar, precisamente a figura que, na prática, impediu o país de ter verdadeiramente vivido esse século.

A escolha final, essa, não deverá andar muito longe daquela que, a partir da opinião dos nossos colunistas, o DN apresentou na edição de ontem. Ou seja, entre um longínquo Afonso Henriques e um não menos longínquo Camões.

E é isso que nos deve fazer reflectir. Há muitos séculos que não somos grandes ou que, eventualmente, não temos sequer a lucidez de vislumbrar a grandeza entre os contemporâneos, o que é pior. Afinal de contas, sinais das muitas formas de pequenez, real ou imaginada, que nos ataviam.

DN, 14-1-2007, pág. 13

http://dn.sapo.pt/2007/01/14/editorial/index.html
 
Os heróis 'certinhos' de Portugal

Paula Brito

Finalmente estão encontrados os dez "Grandes Portugueses", de onde sairá o maior de sempre. Hoje é a vez da apresentação dos defensores destes finalistas. E até ao anúncio do grande vencedor, em Março, o DN ouviu os especialistas.

O sociólogo Manuel Villaverde Cabral diz que a lista dos dez finalistas é "absolutamente 'conservadora' (...) muito ajuizada, para não dizer extremamente 'certinha'". "Corresponde aos 'valores seguros' da história portuguesa, o que confere uma espécie de 'objectividade' à lista", diz, adiantando que, como "estão todos mortos e enterrados, já não podem estragar nem melhorar a biografia".

Os nomes que provêm de um passado recente - que "ainda não está sedimentado" e por isso tem uma maior "subjectividade" - levaram a que os votantes se afastassem, "pondo-se no lugar do professor primário que lhes ensinou a pouca história que conhecem. Talvez por isso Mário Soares e outros políticos vivos não tenham chegado à final", deduz Villaverde Cabral. Já "as 'imagens' dos mortos é que podem variar conforme a evolução da sociedade", o que explica a presença de Salazar, "mostrando que uma elevada percentagem de pessoas que responderam (...) já chegou ideologicamente àquela posição 'Volta Salazar, estás perdoado!'". Segundo o sociólogo, "isto diz muito sobre o desempenho e a credibilidade dos políticos pós-25 de Abril, dos quais apenas Álvaro Cunhal - graças certamente aos três volumes da biografia de Pacheco Pereira - mereceu ser recordado". Em suma, "Salazar & Cunhal - os heróis-inimigos que simbolizam os 'dois Portugais' do séc. XX, o 'bom' e o 'mau', segundo os gostos das pessoas que assumem uma posição", descodifica Villaverde Cabral, que antevê uma "mobilização a favor e contra Salazar e Cunhal para impedir que qualquer deles ganhe para vergonha dos políticos no activo". Veredicto final para o sociólogo: Vasco da Gama ou Camões, "faces da mesma moeda épica", enquanto a surpresa recai sobre Aristides de Sousa Mendes, nomeação que se deve a "uma certa necessidade, da parte de uma sociedade com baixa auto-estima, de afirmar um valor moral reconhecido fora do país".

Fora do paradigma político

Felisbela Lopes, professora na Universidade do Minho, diz que esta lista "foge ao paradigma do discurso político actual." Ou seja, numa altura em que os políticos "centram o seu discurso na economia, a presença de duas figuras das letras é muito interessante". Depois, é certo que as pessoas "têm uma memória particular" - veja--se na lista dos cem nomes a presença de "personalidades muito faladas, como José Sócrates, ou mediáticas, como o actor de Morangos com Açúcar (Hélio Pestana)" -, "mas existe um legado para lá da parte política", defende a professora.

Relativamente a uma explicação para a inclusão do nome de Salazar, que "eventualmente causará algum mal-estar", Felisbela Lopes arrisca que "pode constar por uma questão negativa". A verdade é que "não sabemos quais foram as motivações dos votantes", diz. "Os próprios media ao centrarem-se em torno desta figura alimentam a popularidade dela", obtendo-se "os efeitos contrários àqueles que o programa pretende". Isto apesar de o programa, segundo Felisbela Lopes, ter a "grande virtude de levar para a televisão pessoas, com carreiras reconhecidas, que habitualmente não frequentam esse espaço, dando agora depoimentos muito válidos" num formato que "não é de informação, nem de entretenimento, mas formativo".

DN, 16-1-2007, pág. 41
 
E Soares?

João Morgado Fernandes

Um dos aspectos mais confrangedores, talvez o mais confrangedor, do programa Grandes Portugueses, agora que se discutem as virtudes dos dez magníficos, é que o nosso século XX esteja representado por duas figuras de carga tão negativa como António Salazar, para uns, ou Álvaro Cunhal, para outros.

Portugal, apesar do fascismo e da tentação totalitária de 75, conseguiu passar pelo século XX sem os extremismos que feriram fundo a Europa. Há, até, quem veja nesse nosso rés-vés com a História uma das razões do nosso atraso - falhámos a dor, não fomos obrigados a confrontar-nos com nós próprios, e teremos falhado por isso, também, o renascimento, o recomeço, que varreu a Europa nos anos 50 e 60.

Paradoxalmente, Salazar e Cunhal surgem no programa da RTP como símbolos, menores é verdade, dos totalitarismos da sua época no Velho Continente, que apenas indirectamente nos tocaram.

Salazar terá sido, para os que nele acreditam, o homem que nos defendeu dos males do século XX, que, como se sabe, incluíam a liberdade de expressão e a Coca-Cola. Cunhal, para os admiradores, foi o contrário, um lutador pela liberdade, pouco importando que passasse férias numa União Soviética em que, paredes meias, milhões sucumbiram porque não se submetiam ao jugo, ou simplesmente porque sim.

O culto de figuras como Salazar ou Cunhal e o consequente reflexo dessa idolatria neste tipo de votações são relativamente normais.

Já não é normal que as presentes gerações, precisamente as presentes gerações, não tenham percebido a figura que, apesar de viva - e essa será a sua principal desvantagem competitiva -, simboliza, melhor que todas, a vitória, embora tardia, da nossa modernidade - Mário Soares.

O elogio de Mário Soares num programa destes não seria tarefa simples. Seria um elogio à democracia, com todas as fragilidades que a democracia sempre comporta, e seria um elogio, não à perfeição, mas à permanente, e sempre insatisfatória, tentativa de a obter. E do que os portugueses gostam mesmo é de "príncipes perfeitos". E nem falo de D. João II, um dos verdadeiros grandes portugueses e uma das últimas esperanças que nos restam de não passarmos pela vergonha de colocar no pedestal uma sinistra esfinge.

DN, 23-1-2007, pág. 11
 
Salazar, Cunhal e outros portugueses

José Manuel Barroso
Jornalista

A notícia, no sábado publicada no semanário Sol, de que os nomes de António Oliveira Salazar e de Álvaro Cunhal lideram as escolhas dos votantes para Os Grandes Portugueses do programa da RTP provocou em mim sentimentos contraditórios. Salazar e Cunhal (sobretudo este), porquê? Que ideia construíram os votantes, acerca da História do seu país, para colocarem como primeiras escolhas homens tão avessos aos Direitos do Homem, às liberdades, à justiça e ao equilíbrio das sociedades do século XX?

Analisada numa perspectiva dos ganhos de civilização do século passado - e que hoje constituem pilares essenciais das sociedades democráticas em que nos inscrevemos -, a escolha dos dois grandes adversários da democracia e das liberdades, pela maioria dos votantes, parece um retrocesso, ao revelar, no seu subconsciente, a persistência da ideia de que só os lideres fortes e autoritários merecem admiração.

Mesmo assim, e numa perspectiva histórica, entendo melhor a escolha de Salazar. Apesar de ter governado o País em ditadura durante meio século, de ter perseguido implacavelmente os seus opositores, de ter uma ideia arcaica do desenvolvimento, de odiar a democracia - Salazar pode ser apreciado enquanto estadista, porque lhe foi dada a possibilidade de governar um país. O seu regime autoritário e repressivo pôs ordem no caos económico, financeiro e político herdado da I República, realizou obra na área das obras públicas, da educação e do fomento, manobrou de forma a evitar o domínio da Península Ibérica pelo nazismo e pelo comunismo (os grandes totalitarismos do século XX) e evitou a entrada de Portugal no flagelo da Segunda Guerra Mundial. Salazar tinha um sentido nacionalista do percurso histórico da Nação, odiando o comunismo e desconfiando do capitalismo e dos valores da potência americana. Enquanto peão importante no confronto da Guerra Fria (pela sua posição estratégica no Atlântico e no Índico, na fronteira oeste da Europa e com um império colonial), o Portugal de Salazar foi integrado no sistema de protecção colectiva constituído pela NATO. Em Portugal, como em África, o grande inimigo de Salazar e do seu regime foi o comunismo, o grande e ameaçador império em expansão.

Cunhal colocou-se no lado oposto a Salazar, reverso de uma mesma moeda. Como muitos jovens do seu tempo, abraçou com esperança messiânica o marxismo-leninismo, o qual substituiria na Terra o paraíso dos católicos no Céu. Lutou toda uma vida - com coerência similar à de Salazar - pelos valores em que acreditava. A partir dos anos 40 - e sobretudo quando o comunismo estendeu pela força o seu império a toda a Europa oriental, depois de, na década anterior, ter perdido a Guerra Civil Espanhola - Salazar e Cunhal foram dois grandes irmãos inimigos.

Em termos internos, Salazar representou um Ocidente autoritário e colonial, de raiz e valores cristãos, reprimindo duramente os agentes do grande satã, o comunismo e os comunistas, liderados por Cunhal. Este, por seu lado, lutou corajosamente contra Salazar e o seu regime, em nome dos valores e da ideologia em que acreditava. Na verdade, tal como Salazar, Cunhal não admirava a democracia. Em Cunhal, a palavra democracia era uma figura de retórica na luta contra o salazarismo. Os modelos do líder comunista eram bem menos democráticos ainda que o Estado Novo de Salazar: os regimes comunistas do vasto império soviético, "o sol da Terra" de Cunhal. A ausência de liberdades, o atraso económico, a repressão dos opositores e das minorias transformavam a ditadura do professor de Coimbra num simples purgatório, se comparado com o inferno do totalitarismo comunista.

O 25 de Abril tornou claro duas coisas: que Cunhal não acreditava, de facto, na democracia pluralista (disse-o, de resto, numa célebre entrevista à jornalista italiana Oriana Falacci) e lutava por um outro regime, como também o demonstrou durante o período que se seguiu à Revolução dos Cravos; e, ainda, que as suas grandes teorias sobre a sociedade e a economia eram baseadas num solene desconhecimento do País. Cunhal falhou todos os seus objectivos estratégicos, na ordem interna. Pareceu ganhar na ordem externa, nomeadamente na descolonização feita, mas essa vitória também foi de Pirro. A queda do muro de Berlim e a confirmação dos horrores do comunismo (como os do nazismo), que Cunhal sempre defendeu "coerentemente", mudaram o mundo. E atiraram para "o caixote do lixo da História" - uma frase tão do agrado dos comunistas - os sonhos e o mundo de Cunhal.

Do ponto de vista da História, Salazar terá sempre um lugar, que só os historiadores situarão com maior ou menor rigor (como sucede hoje a outros estadistas que foram, eles também, dirigentes inclementes, como D. João II ou o Marquês de Pombal). Cunhal, por mais que os votos dos militantes comunistas entrem nas urnas do programa da RTP, nem como resistente ocupará mais do que duas das linhas dos compêndios históricos.

DN, 30-1-2007, pág.12
 
SMS anónimo apela ao voto em Salazar

Ana Pago e Lília Bernardes

O remetente é anónimo, a chamada de valor acrescentado e ninguém sabe como surgiu a ideia. Mas nem os contornos indefinidos chegam para esconder a existência de uma campanha de telemóvel montada a favor de António de Oliveira Salazar - que, aos poucos, ganha força rumo ao primeiro lugar do top, numa altura em que Os Grandes Portugueses caminham para a final na RTP.

A história, insólita, começa invariavelmente com uma mensagem de telemóvel que apela ao utilizador para marcar o número 760 102 003. O repto reproduz-se nos telefones móveis e alarga o círculo de contactos. E muitas pessoas acabam por ligar, movidas pela curiosidade ou pelo sentimento de urgência. A surpresa surge depois, quando os nove dígitos são teclados e uma voz feminina anuncia: "O seu voto foi para António de Oliveira Salazar. Este voto altera qualquer voto anterior efectuado por esse telefone."

"Recebi um SMS dizendo para ligar para este número [760], marquei-o por curiosidade e qual não foi o meu espanto quando percebi que estava prestes a votar no antigo ditador", conta ao DN uma utilizadora que pediu anonimato. Como ela, muitas mais pessoas receberam a mensagem. "Deve haver muita gente que vai ao engano", observa, formulando a hipótese de "um lobby nitidamente a favor de Salazar".

Uma vez marcado o número, a mesma voz feminina que indica o sentido de voto vai instruindo o utilizador a servir-se das teclas para indicar a idade, o sexo e os quatro dígitos do código postal. Se as operações forem seguidas à risca, o voto é validado. Caso contrário, ouve-se um "sem resposta, obrigada" e telefonema e voto ficam ambos sem efeito.

Contactada pelo DN, a PT confirmou que as chamadas são, de facto, "de valor acrescentado e normalmente associadas a concursos [como Os Grandes Portugueses]", mas não conseguiu identificar a origem das mensagens.

Já a televisão pública, pela voz do director de programas, Nuno Santos, garante que "a RTP é completamente alheia a esta situação, não tendo nada a ver com a utilização indevida que alguém fez deste número e do concurso".

DN, 30-1-2007, pág. 41
 
Paz às almas de Salazar e de Cunhal

Mário Bettencourt Resendes
Jornalista

Tenho alguma dificuldade em entender a excitação que invadiu algumas almas, a propósito de uma eventual vitória de Oliveira Salazar, ou de Álvaro Cunhal, no concurso da RTP Os Grandes Portugueses.

Desde logo, recorde-se que não se trata de uma eleição democrática, por sufrágio directo e universal, circunstância de que não consta na História qualquer registo de vitória de Salazar ou de Cunhal. Aliás, e como se sabe, não eram propriamente partidários do voto livre que caracteriza a democracia representativa.

Está, sim, em causa um passatempo, por sinal com uma marca positiva de entretenimento, que abriu oportunidades e espaço de debate na antena televisiva para temáticas bem mais interessantes do que muitas outras que inundam a programação dos mais variados canais.

É, portanto, um jogo. E, aí, não surpreende que os primeiros lugares caibam a quem "jogar" melhor, mesmo recorrendo a práticas de votação pouco curiais ou transparentes, como se soube ao longo dos últimos dias - afinal, em consonância com os artifícios típicos dos adeptos dos ditadores, cépticos e intolerantes para com opiniões livres. E isto apesar das públicas precauções tomadas pela RTP visando prevenir ou menorizar tentativas de manipulação dos resultados.

O entusiasmo com que os órfãos do ditador de Santa Comba encaram a eventualidade de uma ressurreição televisiva chegou já ao ponto de porem em dúvida os créditos salazaristas de Jaime Nogueira Pinto, a quem caberá, na RTP, o papel de advogado de defesa do homem que governou durante 48 anos. Esmiuçaram os arquivos e republicaram textos onde, aparentemente, Nogueira Pinto, na sua juventude, admitia não ser um incondicional de Salazar... Mais discretos, mas por certo igualmente eficazes e militantes, os seguidores de Álvaro Cunhal mobilizaram-se com a pertinácia que se lhes reconhece.

Com a sua lucidez habitual, Vasco Pulido Valente escreveu sobre o assunto, recordando aos mais esquecidos o que ainda hoje é o Portugal de Salazar e de Cunhal: em substância, não é assim tão diferente o País que inspirava os dois opostos.

Permito-me acrescentar que as sobras desse Portugal não são assaz relevantes e são, sobretudo, matéria de estudo para especialistas interessados. Não se trata de acreditar piamente no "fim da História" ou na perenidade da democracia vigente. Basta alguma leitura para se saber que os vírus do saudosismo autoritário são uma doença crónica, que podem vir à tona por efeito de uma qualquer instabilidade, interna ou envolvente, mais ou menos imprevisível. Não me parece, no entanto, que o fantasma esteja aí, ao virar da esquina, nem nada que se pareça.

Sugiro, pois, que se devolva o programa de Maria Elisa Domingues - que já comprovou estar em excelente forma - à sua vocação original. Ou seja, uma oportunidade para se fazer alguma pedagogia sobre a nossa História, a mais recente e a mais distante, infelizmente hoje muito ausente da primeira linha das preocupações educativas e culturais da juventude. O enorme impacto e o largo alcance do medium televisivo, aliado ao registo lúdico e "ligeiro" que também são parte do formato, contribuirão para que, no final, se possa dizer "missão cumprida".

Não sou hipócrita ao ponto de afirmar que me é indiferente o vencedor. Não sendo uma escolha fácil e surgindo outras alternativas óbvias, já aqui escrevi que o meu voto vai para Luís de Camões, a figura da nossa História que melhor me parece combinar as qualidades de um "grande português". E repito que, excluindo meia dúzia de nomes, os cem mais votados na fase inicial traduziam uma escolha que qualificava o critério dos votantes. Quanto aos dez primeiros, o dr. Mário Soares (que teve a elegância de não sublinhar que tinha sido o mais votado dos vivos) disse tudo quando destacou que os portugueses tinham mostrado "sabedoria" ao reservar os primeiros lugares para personalidades já desaparecidas.

Continuarei, pois, a seguir com atenção e curiosidade o programa. E, por tudo o que aqui ficou dito, mal estaria a nossa democracia se a eventual vitória de um ditador num concurso televisivo provocasse qualquer tipo de comoção nacional.

DN, 1-2-2007, pág. 12
 
O lamentável concurso

Jornalista
rubencarvalho@mail.telepac.pt
Ruben de Carvalho

Desde o seu início que, inevitável, mas também felizmente, o concurso O Maior Português de Sempre deu origem a críticas sensatas.

Não consegui situar um blog que, há já meses, levantou justamente a questão de que é inteiramente pateta procurar, na vastidão da realidade que é Portugal e os que a habitaram e fizeram, um qualquer "o maior". É científica e historicamente grotesco, culturalmente um embuste e nada tem que o possa justificar, nem sequer a piedosa e habitual desculpa de "divulgação para o grande público".

Ao longo dos séculos XIX e XX, as ciências deram passos que permitiram reavaliar profundamente concepções que colocavam exclusivamente personalidades e eventos no eixo do processo histórico e civilizacional. Sem negar ou ignorar o papel do indivíduo na História, o percurso de construção do Homem assenta hoje em conceitos muito mais vastos e rigorosos que afirmam exactamente a multiplicidade e a interligação entre a Humanidade, tudo o que o rodeia, tudo o que fez na complexidade da sua existência milenar.

Assim, do ponto de vista cultural, o próprio conceito que preside à escolha de um pseudo "maior português" constitui o reflexo de um grave retrocesso científico - e também político. Em última instância, um retrocesso civilizacional que insinua a perigosa concepção de "homem providencial" em detrimento da mais rica e exacta ideia de que qualquer História e qualquer civilização são fruto colectivo e que, para o serem, requerem exactamente essa participação colectiva.

Como não podia deixar de ser, uma ideia disparatada deu reflexos disparatados, o concurso mistificador redundou em situações mistificadoras.

Será abusivo supor que quem concebeu esta tonteira procurasse a sinuosa tentativa de "reabilitação" do salazarismo a que ela deu origem - mas a questão é que a mesma entorse intelectual que se perfila na origem conceptual do concurso acaba a coincidir com mais generalizadas tentativas de reescrita da História, de branqueamento do fascismo, iluminados por outros - e esses nada inocentes - entorses e objectivos.

DN, 22-2-2007, pág. 48
 
Salazar

Miguel Gaspar

Para uns, trata-se de um concurso de televisão que não merece atenção. Para outros, é um cenário de pesadelo imaginar que na televisão pública do Portugal democrático o povo possa vir a eleger Salazar como o maior português de sempre. Estou entre os primeiros: não só porque um concurso é um concurso, mas também porque uma votação na Internet é uma votação na Internet: pode ser facilmente manipulada e não é representativa da população. Vale apenas como curiosidade.

O mesmo não se pode dizer dos efeitos que essa votação está a provocar. Da motivação de algumas parcelas do eleitorado televisivo para fazer crescer as votações em Salazar ou em Álvaro Cunhal para ganhar na televisão o que se perdeu na História, ao regresso do velho, desalentado e triste discurso sobre a imbecilidade crónica do povo português que continua "a querer um Salazar", Portugal permanece o país da falta de auto-estima e que precisa de se ver feio ao espelho. Porque continuamos a ser assim qua- se 40 anos após a morte do ditador de Santa Comba é que permanece um mistério.

Entendamo-nos: o mal-estar em relação a tudo isto não é culpa da RTP, mas sim de um regime democrático que nunca conseguiu criar uma grelha de valores sólidos e consensuais, nomeadamente quanto ao sentido da democracia e quanto à questão nacional. A história épica ensinada pela ditadura continua a ser o molde através do qual muitos portugueses olham para o passado. A democracia não fez me- lhor do que reinventar os Descobri-mentos como base do espírito nacional. E, sobre temas tão complexos co- mo a Guerra Colonial, preferiu manter o silêncio.

Salazar está bem menos vivo do que se pensa. Para as pessoas que nasceram nos anos 1970 ou 1980, nem pertence ao passado imediato. A pouco e pouco, o ditador deixa de existir na memória de pessoas concretas e torna-se um nome abstracto, impresso entre duas datas nos livros de História. Isto vale tanto para os saudosistas do fascismo como para os discursos construídos em torno da me- mória do combate à ditadura.

O problema é que, desaparecendo esta memória da história recente, fica apenas um vazio. E o drama do nosso tempo é precisamente esse: o de ter perdido o sentido da história. E, sem esse sentido, o passado torna-se um jogo em que Cunhal, Camões, Salazar ou D. João II valem o mesmo. A Histó-ria tornou-se num mero concurso de televisão. E isso preocupa.

DN, 27-2-2007, pág. 9
 
Santa Comba sai à rua em defesa de Salazar

Amadeu Araújo

Foram três horas no fio da navalha, com os ânimos exaltados e vivas a Salazar com o braço direito esticado dum lado, uma forte escolta policial ao meio e do outro lado os participantes na "Sessão Pública de Afirmação dos Ideais Antifascistas" promovida pela União de Resistentes (URAP), que ontem decorreu no Auditório de Santa Comba Dão.

Durante a tarde, os habitantes da cidade, motivados pelo aparato policial e pelo forte desejo da construção do Museu de Salazar na casa onde o ditador viveu, foram-se concentrando no Largo do Balcão, ao mesmo tempo que os resistentes antifascistas iam chegando ao pequeno auditório. Os santa-combadenses pareciam unânimes: "Quero que se lembrem do Salazar, um filho desta terra que é preciso conhecer", repetiram, interrogados por jornalistas.

Com o meio da tarde começou a sessão de afirmação do antifascismo. De um lado, cravos vermelhos e musica de Zeca Afonso, do outro, hino nacional e insultos. De um lado, punho esquerdo erguido, do outro, mão direita estendida. Os habitantes foram engrossando o caudal e chegaram a perto das oito centenas, enquanto os antifascistas eram duas. A GNR, até então estava pouco representada, viu-se obrigada a pedir os meios que estavam nas proximidades e a pôr um cordão de segurança a dividir as duas facções. No auditório, Aurélio Santos, coordenador da URAP, clamava contra a "neutralidade científica que empurra a história para uma trágica repetição".

Entretanto, apareciam os primeiros indícios de que a tarde estava a aquecer. Um carro a alta velocidade largou uns panfletos a pedir "o respeito pela memória de Salazar, para defender a sua doutrina, contribuindo para que a mesma não seja esquecida nem deturpada e que se recorde o seu exemplo". Os resistentes, identificados pelo cravo vermelho, vinham à rua, davam os braços e entoavam a Grândola de Zeca Afonso. A multidão dos defensores do museu ululava: "O 25 de Abril é só daqui a um mês." Viam-se as primeiras saudações fascistas. Apareciam também os primeiros cartazes a lembrar o ditador. Os antifascistas insistiam na "luta constante pela liberdade contra o ressurgimento de símbolos do passado fascista em Portugal", exclamava Manuel Rodrigues, dirigente do PCP Viseu.

Os defensores do museu, a maior parte dos quais filhos da terra, mas também de Seia, Viseu, Coimbra e Lisboa, bradavam contra aqueles que "não tinham nada que invadir a nossa terra e vir aqui provocar-nos". No interior do auditório, exigia-se que "Santa Comba Dão vire a página e embarque na liberdade".

Lá dentro, conhecidos resistentes antifascistas, como Lousã Henriques, afirmavam que "a construção deste museu é um retrocesso perante o qual é necessário um combate eficaz". Cá fora, alguns naturais do Vimieiro diziam, por seu lado, que "Salazar nunca fez mal a ninguém e a esta terra só trouxe coisas boas". Eram seis da tarde quando os ânimos se exaltaram. Os salazaristas tentaram aproximar-se dos participantes, que gritavam vivas ao 25 de Abril enquanto saíam com destino aos autocarros que os transportaram. Valeu o cordão da GNR e os reforços, posicionados nos arredores do auditório. "Isto é uma ditadura camuflada", diziam os locais.

No final, Aurélio Santos anunciava que o grupo estava a recolher assinaturas para "exigir no Parlamento o cumprimento da Constituição para que se evite a criação de um pólo do saudosismo do regime fascista, ilegal e opressor derrubado com o 25 de Abril de 1974". A petição é contra "um museu de propaganda fascista", a câmara e os habitantes de Santa Comba insistem na necessidade de "se conhecer o Estado Novo".

Uma cidade sitiada

Manhã cedo já a GNR tinha dois pelotões de intervenção e uma companhia de operações especiais "colocados tacticamente", explicou o comandante das forças, coronel Nunes Figueiredo. Nos acessos à cidade a BT tinha viaturas nos três nós do IP 3. Pelo interior de Santa Comba, agentes de investigação criminal observavam os movimentos. Havia rumores de que militantes da extrema- -direita podiam aparecer. Foram vistos alguns militantes da Causa Identitária que durante a manha tinham estado reunidos no Sabugal. Uma viatura de nove lugares cruzou mesmo os dois grupos insultando os resistentes ao museu.

DN, 4-3-2007, pág. 8
 
RTP acusa historiadores de "má-fé"

Paula Sá

"Estamos de consciência tranquila!" É desta forma que Nuno Santos comenta a polémica em torno do programa da RTP que pretende eleger Os Grandes Portugueses. Polémica que dura há semanas e que foi apimentada pelo manifesto de um vasto leque de investigadores e historiadores, publicado na íntegra no Expresso, que acusam, entre outras coisas, o canal público de manipular os resultados da votação para ganhar audiências. "Rejeitamos liminarmente essa acusação. É de mau gosto e revela má-fé", disse ao DN o director de programas da RTP.

Nesse manifesto, subscrito por mais de 90 personalidades - entre as quais, José Mattoso , Fernando Rosas, Luís Reis Torgal, António Reis, Cláudio Torres e António Manuel Hespanha -, diz-se que "com a ajuda dos comentadores de serviço, [a RTP] difundiu o boato de que o vencedor seria Salazar e que, nos finais ele se defrontaria com o seu grande adversário, Álvaro Cunhal".

Assim o programa, refere o mesmo texto, "atrairia o máximo de audiências". Na opinião destes historiadores e investigadores, "partindo do princípio de que, quanto mais rasteiro fosse o nível de programas, maiores seriam as audiências, tratou de simplificar o quadro histórico e de diluir o rigor das referências".

Nuno Santos diz não menosprezar esta posição sobre o programa, mas sublinha que alguns dos que subscrevem o manifesto já tinham uma posição preconceituosa sobre o programa antes dele começar.

Um programa que diz respeitar o formato original criado pela BBC e clonado noutros países como a Alemanha. "Nunca enganámos os telespectadores. Sempre dissemos que se tratava de um programa de entretenimento, que pretendia alcançar um número significativo de pessoas, mas também reflectir sobre a nossa história, pelo que tinha que utilizar os códigos da linguagem televisiva".

Quanto ao facto de se ter criado a ideia de que Salazar e Cunhal disputavam a primazia na lista de dos dez grandíssimos portugueses, o responsável do canal público de televisão diz que ela resultou mais da curiosidade que os restantes media foram tendo sobre o andamento da votação e não de uma manipulação da estação de televisão.

O director de programas da RTP considera, por outro lado, que apesar da sua natureza, Os Grandes Portugueses já permitiu dezenas de artigos publicados sobre a matéria, centenas de discussões, um vasto acervo na blogosfera e o debate em muitas escolas do País. "O que ajudou a democratizar a discussão sobre a nossa História", afirma e acrescenta numa crítica aos críticos do programa: "As elites parecem querer impedir os outros de ter uma opinião".

Nuno Santos lança um desafio a estas elites de historiadores e investigadores universitários. Já que têm críticas ao programa e o consideram pouco condigno com o rigor histórico que "façam um esforço de consciencializar os nossos concidadãos" sobre os aspectos relevantes do nosso passado comum.

Ora os subscritores do manifesto alegam que ficaram fora do rol de convidados a comentar e a alimentar o programa porque "era imperioso evitar a contaminação das abstracções intelectuais". Porque, dizem, eram preciso "impedir os académicos de colocar questões metafísicas e de suscitar debates de ideias".

O mesmo texto refere que, na lógica d'Os Grandes Portugueses, "mais valia renunciar a reflectir sobre o que é a nação e o que representam os grandes nomes da sua História".

Estas personalidades rematam: "Entretanto, como profissionais da investigação e do ensino da História, não podemos deixar de lamentar a desinformação e manipulação que está em curso. A História dos Portugueses, nas suas complexidades e contradições, nas suas grandezas e misérias, seguramente merecia outra coisa."

DN, 4-3-2007, pág. 9
 
Falar de Salazar já não envergonha, tornou-se legítimo, o clima é favorável

João Fonseca

A criação de um museu na casa onde viveu Salazar será ou não uma boa ideia, mas mobiliza pessoas. Sobretudo na terra natal do ditador, onde ele continua a ser uma referência. Porventura a principal ou, pelo menos, aquela que, com mais frequência e quase de imediato, identifica Santa Comba Dão.

Essa mobilização poderá ter razões político-ideológicas, mas dever-se-á, muito mais, acreditam sociólogos e historiadores, a questões de bairrismo e de defesa da terra (e seus filhos "bons ou maus não deixam de o ser", alegam conterrâneos seus), a aspectos relacionados com a vontade de divulgar e projectar a cidade.

E também, talvez, a "falta de imaginação", para encontrar outros meios de promoção e desenvolvimento local, admite o sociólogo Carlos Fortuna. "Os líderes locais têm de ter outras ideias, que podem ser memória", mas não, necessariamente, determinados tipos de memória. "As opções não valem todas a mesma coisa".

A transformação da casa da família de Oliveira Salazar, em Vimieiro (perto de Santa Comba Dão, junto à estação ferroviária da cidade, na outra margem do Dão), em núcleo museológico assumiu este sábado, o ponto alto e a sua maior visibilidade, ao reunir apoiantes e opositores à ideia. Com os seus defensores a acusarem, designadamente, de ser gente "fora de portas" quem quer impedir o projecto. "Quem manda na nossa terra?", questionam, argumentando, os defensores do museu. "Misturam-se aqui sentimentos diversos" e a ideia de "quem manda onde e em quem" é um deles, admite Pedro Hespanha, professor da Universidade de Coimbra. De facto, "do ponto de vista das populações, prevalecem bairrismos" como este.

"Ao deixarem-se as expressões culturais entregues a si próprias", numa terra onde não há praticamente alternativas, "o fervor do museu é alimentado". Também porque, diz Carlos Fortuna, "as manifestações culturais locais ou localistas tendem a ser muito conservadoras (na cultura e na política)". O país "precisa de se abrir mais, de ser mais democrático".

Em concelhos que, como este, "estão a ficar para trás" (a "litoralização" do país não chega ali, apesar do mar estar a uma centena de quilómetros), as pessoas vêem neste tipo de coisas um "capital de recurso". Ainda que, sublinha o historiador Costa Pinto, "mais de 90 por cento do património de Salazar e com interesse para o seu estudo e estudo do salazarismo esteja na Torre do Tombo". Santa Comba servirá para mostrar como passava ali, alguns dias, no Verão, o ditador. Mas precisará sempre do apoio de uma instituição universitária credível (como o CEIS XX, da Universidade de Coimbra, como já foi admitido). "A democracia deverá fazê-lo, com caução externa".

"Falar de Salazar já não envergonha"

"É fácil mobilizar as pessoas para um localismo", mas também haverá um certo saudosismo desse tempo (hoje as mudanças são muito rápidas). E, adianta ainda Pedro Hespanha, "falar de Salazar já não envergonha, tornou-se legítimo, o clima é favorável", para o que também não será alheio o concurso televisivo. Mas "nada de estruturado politicamente", acredita.

A defesa do museu "não representa qualquer tendência de voto de extrema direita" (o que não significa que ela não aproveite este tipo de situações). "A manifestação de sábado não é muito diferente de outras", como pela manutenção dos serviços de urgência, por exemplo. Mas estes monumentos podem ser manipuláveis, alerta Costa Pinto, distinguindo, entretanto, núcleo museológico de estátua (esta que é uma homenagem) - ainda há, em Santa Comba Dão, quem advogue a reposição da estátua de Salazar.

Defendido, sobretudo, de um ponto de vista local, a contestação ao museu remete para um assunto nacional (como, aliás, tem vindo a afirmar a União dos Resistentes Antifascistas Portugueses). "Não se pode apagar a história", mas optar por Salazar para a valorização da cultura local "é, se calhar, uma escolha ilegítima". Mesmo no plano local, acredita Carlos Fortuna "há ali coisas mais interessantes para celebrar".

"Defendo a cultura da memória, mas não em termos genéricos", isto é, que "traga benefício e não prejuízo para a democracia", diz Carlos Fortuna, acreditando que o fenómeno também esteja a ser empolado pelo "jogo da televisão" (concurso Os Grandes Portugueses, da RTP).

Santa Comba Dão, admite o sociólogo da Universidade de Coimbra, não tem muitos recursos, para além "daquela imagem, do caudilho" e que até poderia suscitar um projecto cultural interessante, "para projectar a cultura democrática", mas não necessariamente com um museu". O caudilhismo também se alimenta disso, da transformação de uma figura num "objecto de intermediação, que é visto como um recurso da terra".

De todo o modo, no caso de Santa Comba Dão, parece surgir mais como "a glorificação da personagem, que do fascismo português". Em Espanha, a Universidade de Santiago de Compostela retirou um grau atribuído a Franco (e sugeriu que Coimbra fizesse o mesmo), o que não faz grande sentido, pois uma coisa "é riscar, é apagar a história", outra, bem diferente, é "manter memórias activas".

DN, 5-2-2007, pág. 6
 
"O dinheiro é da terra de Santa Comba e o fascista era filho da terra"

Amadeu Araújo

"Controverso ou não, foi um filho da terra que há que respeitar", desabafa Manuel Guedes, entretido com amigos no café a comentar os incidentes de sábado e que colocaram Santa Comba Dão no topo da actualidade nacional.

Os santa-combenses apoiam a construção do museu de Salazar, apesar de "não sermos todos uns fascistas", afirma Manuela Pereira: "Temos de ter as perspectivas do que fomos e a melhor maneira de exorcizarmos os nossos fantasmas é falando deles." Os habitantes também lamentam as saudações nazis feitas durante a tarde de sábado, "por gente que ou não é de cá ou não sabe bem o que faz e onde está", diz Manuela Pereira.

A luta em prol da memória do ditador é antiga e começou com o derrube da estátua de Salazar, em 1978.É que o povo ainda hoje não perdoou à câmara ter mandado fazer uma fonte no local onde antes estava a estátua de Salazar. Uma afronta que os locais não esquecem e que fazem por lembrar. Há dois anos atrás chegaram a circular em Santa Comba Dão uns panfletos anónimos a reclamar a colocação da estátua de Oliveira Salazar defronte ao Tribunal local, em vez do actual repuxo. No Vimieiro, terra natal de Salazar e onde nas datas do aniversário e da morte do ditador existem inúmeros saudosistas que lá se deslocam, as opiniões são idênticas. "A criação de um museu dedicado ao Salazar não me choca. Que a construção seja paga pela câmara também não porque o dinheiro é da terra de Santa Comba Dão, e o fascista era filho da terra", sustenta Ana Maria.

Uma opinião que encontra eco na vizinha Suzete Francisco: "Não é passando uma esponja sobre a História que a faz esquecer." Já António Santos vai mais longe e afirma que "a vontade do povo é clara e no tempo dele, mesmo com a ditadura, não havia tanto crime e tanta droga".

A ideia de um museu do Estado Novo, com algumas variantes como Museu Salazar ou Arquivo Salazar, já tem mais de década e meia e é anualmente lembrada como "fundamental" pelo grupo de "saudosistas" que duas vezes por ano se desloca a Santa Comba Dão para prestar homenagem ao ditador. Uma ideia antiga, que congregou as vontades locais e ultrapassa as ideologias politicas existentes. A proposta inicial veio do socialista Orlando Mendes, anterior presidente da câmara, que afirmou na altura que o projecto "não nasceu com base em qualquer complexo do passado, com o qual já acertámos as nossas contas, e também não nos move qualquer sentimento de homenagem ou branqueamento desse período do Estado Novo". A autarquia defendia então, como hoje, que o museu fosse instalado na escola que foi construída na década de 40, por 25 pessoas que estavam no Brasil, em homenagem ao ditador, e que está localizada a cerca de 150 metros da casa onde nasceu, no Vimieiro. Nesta escola, logo após a sua construção, leccionou a irmã de Salazar.

A ideia viria a ser apoiada por Manuel Maria Carrilho, ministro da Cultura, que chegou mesmo a afirmar em Santa Comba Dão "apoiar a criação de um Museu do Estado Novo nesta localidade". Manuel Maria Carrilho lembrava, contudo, que "a existir um com um tema como o Estado Novo, terá de ser um espaço de aprendizagem, bem apetrechado, com pessoal técnico, e que não seja apenas um sítio onde se vai durante uma manhã para ver tudo".

E é sobretudo isso que os conterrâneos de Salazar querem, que se preserve a sua memória, "boa ou má", justifica Manuel Lopes, outro natural do Vimieiro. "Numa terra onde não há uma única referência ao ditador é o mínimo que se pode fazer para lembrar aquele que, para o bem ou para o mal, foi o único filho ilustre desta terra", afirma Manuel Mota, um dos participantes dos incidentes de sábado. "Ontem como hoje, estarei sempre do lado dos filhos desta terra", diz.

DN, 5-2-2007, pág. 7
 
A mulher de Santa Comba

Fernanda Câncio
fernanda.m.cancio@dn.pt

Há fotos assim, quase perfeitas. Aquela da mulher de xaile branco de tricot (todo um programa, aquele xaile) de dedo e cartaz em riste, a gritar contra os "vermelhos" no meio dos santa-combenses de cepa e cartazes a dar vivas a Salazar, é uma delas.

Alguém devia entrevistar aquela mulher. Nem sei por que motivo não me lembrei de o fazer antes de escrever este texto. Mas tornou-se-me agora evidente, de uma evidência dolorosa, que é imperativo saber quem ela é. Porquê? Porque no meio de toda esta discussão sobre Salazar, o seu lugar na História, entre os "grandes portugueses" do concurso da TV, o lugar de um museu de Salazar no Portugal contemporâneo, o financiamento do museu, etc., nada transportou a urgência da paixão daquela mulher de trinta anos.

Ela "acredita" em Salazar. Há mais gente a acreditar em Salazar - quer dizer, ninguém duvida que ele existiu. Mas a "acreditar" como ela, e aos trinta anos, não há muitos. E o que é "acreditar" em Salazar? É, por exemplo, designá-lo sempre em maiúsculas, como faz um site sobre O HOMEM criado em 2006, sob o nome "O Obreiro da Pátria", em que se descobrem fotografias, frases, entrevistas, depoimentos e "esclarecimentos" - embora sobre a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), um dos itens do menu do dito site, ainda não tenha havido vagar para esclarecer o que seja: está em branco.

Ninguém pode querer impedir estas pessoas de "acreditar" em Salazar, de lhe manter a campa num brinco, de lhe dedicar poemas e saudações nazis. Ou de lhe erguer um museu, de lhe mostrar os chinelos, a camisa e o vaso de noite, a escova de dentes e a agenda. Vai haver quem queira degustar o kitsch do ditador português e a miséria forreta da sua intimidade. É quase para rir - pelo menos para quem não esteve no Aljube, não foi torturado na António Maria Cardoso nem sofreu degredo no Tarrafal.

Esses, claro, não gostam. Percebe-se. Mas não têm de ir ver, nem ter nada a ver com o assunto. Desde que o erário público da democracia não sirva para pagar o sacrário, siga a romaria. Com a filha de Santa Comba à cabeça, com o seu xaile mais o seu tão eloquente cartaz: "Salazar, estás vivo, mesmo para quem nega a tua obra". Ela é todo um museu.

DN, 9-3-2007, pág. 12
 
Salazar e Cunhal, museus, medo da História

José Manuel Barroso
Jornalista

Quando ainda o melhor está para vir, acerca dos resultados do concurso-"eleição" dos "Maiores Portugueses", eis que a excursão antifascista de resistentes à ditadura de Salazar - e respectiva contramanifestação de habitantes de Santa Comba Dão, prontamente rotulados de "salazaristas" - e a abertura de espólio de Álvaro Cunhal fizeram vir à superfície do debate a reescrita (ou o medo) da História.

Para alguns anti-salazaristas ou para alguns anticomunistas, Salazar e Cunhal, pelos vistos, não existiram, nem alguma coisa terão tido a ver com o século XX português. Salazar não chefiou um governo autocrático durante quatro décadas e Cunhal não dirigiu o Partido Comunista antes e depois do 25 de Abril, durante cinco décadas - e pronto.

Não consigo entender este raciocínio simplista, nem o silêncio dos historiadores perante o "debate".

A simples existência de uma casa-museu de Salazar na sua terra natal, Santa Comba Dão, faria regressar o perigo do fascismo (outra das designações de agit-prop historicamente discutíveis)?

A eventual existência de um espaço museológico, com base no espólio e na luta de Cunhal e dos comunistas contra a ditadura salazarista, faria regressar o perigo comunista (tal como era visto nos tempos da Guerra Fria) ao nosso quotidiano?

A resposta a ambas as perguntas, sabem-no todos os historiadores e pessoas de bom senso, é negativa. Conhecer a vida, a obra e o tempo e a circunstância de cada um deles é gerador - se seriamente organizados e transmitidos aos vindouros - de um melhor e mais esclarecedor olhar sobre a história portuguesa de todo um século.

Os comunistas e os outros portugueses têm o direito de saber mais de Cunhal, tal como os salazaristas e os outros portugueses o têm em relação a Salazar.

Se retirarmos da nossa história e de diversos concelhos do País a lembrança de todos os vultos históricos que governaram ou aspiraram a governar dura e ditatorialmente, poderíamos começar por D. João II e terminar no marquês de Pombal, por exemplo.

A acção governativa de um ou de outro e o seu peculiar modo de eliminar os inimigos políticos (verdadeiros ou supostos) seriam riscados do conhecimento dos cidadãos, como faziam os regimes comunistas de que tanto gostava o democrata dr. Cunhal ou como sucedia com a história escolar do regime do democrata dr. Salazar. E só cito estes dois exemplos, para evitar mais controvérsia.

Caricaturando: se as coisas fossem como quer o grupo excursionista dos antifascistas pró-comunistas ou os saudosos do regime autoritário de Salazar, que teríamos hoje? O rosto e o corpo de Salazar desapareceriam, por exemplo, das fotos que ilustram os 50 anos da visita da Rainha Isabel II a Portugal - algo que o estalinismo e o comunismo faziam aos nomes caídos em desgraça e assim expurgados da História. E o rosto e o corpo de Cunhal desapareceriam do registo do histórico debate de 1975 entre este e Mário Soares - talvez substituídos por uma voz vinda do além, do nevoeiro messiânico de um D. Sebastião comunista. Não sei se a história portuguesa ficaria melhor, mas seria, pelo menos, mais divertida. Talvez o Herman tenha engenho para isso. Ou os Gato Fedorento.

Um museu do salazarismo, em Santa Comba Dão, se, para além de apresentar espólio de Salazar, fosse um retrato vivo de uma época, sem propaganda e sem ocultações, não apenas ajudaria culturalmente o concelho e (porque não?) o seu turismo. Um museu do cunhalismo, se, para além da sua evocação favorável, nos desse a conhecer o personagem e a sua época, seria uma fonte de ensinamentos sobre a História de uma força importantíssima na luta contra a ditadura do Estado Novo. Conhecer Mao não me torna maoísta. Conhecer Mussolini não me torna fascista. Os jovens que se batem no Nepal contra as desigualdades da sociedade fechada do país, em nome da doutrina do ditador chinês, nunca devem ter entrado em nenhum museu de Mao Zedong antes de se tornarem guerrilheiros (nem sequer conhecem as desigualdades sociais e a ferocidade do regime comunista chinês). Os jovens portugueses que votavam significativamente, pela Internet, no nome de Salazar como sendo o "maior português" nunca entraram num museu do dito (muito menos no tal que nem sequer existe ainda), nem decerto muito saberão sobre a sua época. Mas o facto é que uns lutam e os outros votam ou votaram. Em nome de um imaginário que poderia ser desfeito pela singela nudez da História e pela erradicação das causas que conduzem aos saudosismos. O rei vai nu... conhecem "esta" história?

DN, 13-3-2007, pág. 14
 
Salazar continua à frente e Cunhal cai para terceiro

Fernando Madaíl e Paula Brito

A votação que garantia, ontem, a vantagem de Salazar no concurso Os Grandes Portugueses (ainda se pode votar até ao fim da Grande Final do programa, no próximo domingo) estava nos 52 mil. Afinal, um número que não encheria o estádio da Luz (65 647 lugares); um resultado inferior à população de concelhos como a Figueira da Foz (63 144 habitantes), Amarante (61 029) ou Mafra (62 009); um score que ainda era inferior ao conseguido por Garcia Pereira nas Presidenciais de 2001 (reeleição de Jorge Sampaio), em que o candidato do PCTP/MRPP obteve 68 900 votos (1,59%).

Além disso, como sublinham algumas das personalidade contactadas pelo DN, a escolha televisiva não é sequer comparável a uma eleição política, onde cada eleitor tem apenas direito a votar uma vez, já que o mesmo cidadão pode ir fazendo as chamadas que entender, desde que feitas de telefones diferentes.

E, no entanto, quando D. Afonso Henriques surge em segundo lugar no concurso da RTP, com "apenas" 30 mil votos, e Álvaro Cunhal caiu para terceiro, com 25 mil, pode ter sido já encontrado o vencedor do programa que os políticos remetem para o puro domínio do entretenimento e a que os historiadores não reconhecem validade científica.

Jaime Nogueira Pinto, o defensor de Salazar no programa, que ignorava o evoluir do resultado, disse ao DN que os factores mais importantes para se compreender esta vantagem, "para além dos que admiram a obra", terão sido "a exclusão do seu nome da lista inicial, o que irritou as pessoas", e a consequente "politização do concurso, quando originalmente era um programa mais virado para uma certa neutralidade histórica".

"Não estamos perante uma eleição nacional", mas de um acontecimento que "respeita a condição dos votos por chamada telefónica", explica Nuno Santos, director de programa da RTP sobre o facto de Oliveira Salazar ir à frente nos Grandes Portugueses, escusando-se, no entanto, a confirmar os números.

Reforçando a segurança da votação que chega à RTP, em três níveis - validados pelas empresas Foronesolutions, WTVision e PricewaterhouseCoopers -, Nuno Santos diz que se parte para domingo, dia da Grande Final, com "tudo ainda em aberto". Tendo em conta experiências anteriores, como o caso de Dança Comigo - mas "com o devido cuidado, pois trata-se de um programa com características diferentes" -, segundo Nuno Santos, os valores poderão vir a ser igualmente distintos.

Na final da votação do Dança Comigo, que durou 15 a 20 minutos, foram recebidas perto de 60 mil chamadas. Se se projectar estes valores para as duas horas e meia da final de domingo é relativamente fácil chegar a um número. Para tal, contribuirá também a argumentação dos defensores dos dez finalistas -Leonor Pinhão (D. Afonso Henriques), Odete Santos (Álvaro Cunhal), Jaime Nogueira Pinto (Salazar), José Miguel Júdice (Aristides de Sousa Mendes), Clara Ferreira Alves (Fernando Pessoa), Gonçalo Cadilhe (Infante D. Henrique), Paulo Portas (D. João II), Hélder Macedo (Camões), Rosado Fernandes (Marquês de Pombal) e Ana Gomes (Vasco da Gama).

Mas nunca será uma amostra representativa sobre o que pensam, de facto, os portugueses acerca do ditador de Santa Comba Dão.

DN, 21-3-2007, pág. 4
 
"Salazar foi um bom homem que olhou por nós"

Amadeu Araújo,em Viseu

Até na morte Salazar "foi um bom homem que olhou por nós, pois o funeral foi atrasado 15 dias para compor a estrada, vieram cantoneiros de todo o distrito e até electricidade puseram", conta um saudoso Manuel Cordeiro, 76 anos, encostado à ombreira da sua casa no Vimieiro. E é difícil aqui encontrar uma voz que seja contra a nomeação do ditador para Os Grandes Portugueses.

"Nasceu pobre e pobre morreu, mas deixou os cofres cheios", conta Maria Natália, que não sendo por Salazar, optava "pelo Barroso, aquele que está na Europa e que também é muito inteligente". Na aldeia que o viu nascer e onde está hoje sepultado, Salazar continua a ser a figura dilecta, muito por culpa da maneira como os cidadãos olham hoje os políticos. "Só enchem o rabo e não fazem nada", desabafa Carlos Coelho. Apesar disso, e sabendo da disputa entre os dois inimigos nos credos políticos, para ver quem é considerado o melhor português, sempre reconhece que "também é preciso o comunismo, para equilibrar as coisas e, para isso, têm de existir todos".

"Que bem era cá preciso, para endireitar isto, que ele tirou-nos da guerra e só errou quando não deixava ir os portugueses ganhar a vida para Angola e Moçambique", conclui Manuel Cordeiro.

DN, 21-3-2007, pág. 5
 
Sistema de votação baseia-se num algoritmo informático e é "infalível"

Maria João Espadinha

O sistema de votação em Os Grandes Portugueses é "infalível", na medida em que se "baseia num sistema informático", garante Francisco Teotónio Pereira, responsável de multimédia da RTP.

Para garantir a fiabilidade da votação foi criado um algoritmo pelas empresas Foronesolution e Novis, que "regista os números de telefone a partir dos quais se vota e os reconhece", explica ao DN o responsável. Assim sendo, quando um telespectador quer alterar o seu voto, o sistema reconhece o número de telefone e regista a última votação. "É possível alterar o voto quantas vezes se quiser, sendo que apenas o último voto é que conta", adianta.

Com o objectivo de fazer um tratamento estatístico dos votantes, a cargo da empresa WTVision, são colocadas três perguntas aos telespectadores - sexo, idade e código postal. "Queremos perceber que tipo de público é que vota em cada nomeado. Faremos a divulgação destes dados no dia da gala", diz. No entanto, não é necessário responder a estas questões para votar em Os Grandes Portugueses. "A pessoa pode não responder e o voto é válido na mesma", garante. A validação dos resultados está a cargo da auditora PricewaterhouseCoopers.

Trezentas biografias

Para realizar o programa, a RTP compilou cerca de 300 biografias de personalidades portuguesas. Estes documentos estão disponíveis no site da RTP dedicado ao programa e permanecerão online mesmo depois deste acabar. "É um conteúdo pedagógico de valor extraordinário", conclui o responsável.

DN, 21-3-2007, pág. 5
 
A chatice de ser mulher de César

Nuno Azinheira
nazinheira@dn.pt

O mundo é injusto, já se sabe. À mulher de César exige-se mais, muito mais. Não basta, como às outras, ser séria, honrada e de princípios. Ela bem pode espernear, dizer que não aceita ser tratada de forma diferente, que não vê a mesma exigência com as demais. É a vida...

A RTP é a mulher de César. Sabe que, pela natureza do seu estatuto de serviço público, está permanentemente debaixo de fogo cruzado: são os olhos da crítica, são os olhos da opinião pública mais esclarecida, são os olhos camaleónicos da classe política.

À televisão pública, por isso, exigir-se-á sempre mais. Mais rigor nas contas, mais transparência nos processos, mais clareza nos objectivos. Os responsáveis da RTP têm de se habituar a isso. Se para umas coisas reclamam um estatuto diferente (porque recebem dinheiro dos contribuintes, porque não podem ser avaliados só em função das audiências, porque procuram diversificar a sua oferta), não podem depois esquecer esse estatuto, encolher os ombros e assobiar para o ar.

A polémica do Prós e Contras desta semana é bem um exemplo de um caso em que a televisão pública se colocou a jeito, ao não convidar a TVI para um debate em que se discutiu a televisão e o confronto público versus privado.

A RTP é livre de escolher os seus próprios convidados, mas não vislumbro qualquer critério objectivo para excluir a presença de um responsável da televisão que lidera as audiências em Portugal. Ao receber nos seus estúdios o próprio presidente da RTP, o presidente da SIC e os dois últimos ministros com a tutela da comunicação social, ignorando a TVI, a televisão estatal deu trunfos aos críticos, evitando o desconforto de críticas mais violentas em ca(u)sa própria. E deu azo a que Moniz, nas páginas do DN, tivesse acusado o programa de ter sido apenas um "branqueamento da televisão pública".

Estou à vontade para a crítica. Dos jornalistas que escrevem regularmente sobre televisão em Portugal sou dos que mais vezes têm elogiado a vida recente da RTP, a sua tentativa de evoluir e de responder com qualidade às necessidades dos públicos disponíveis. Isso não implica, porém, que não lhe aponte o dedo nesta altura. A RTP é como a outra: não basta ser séria, é preciso parecê-lo.

DN, 24-3-2007, pág. 57
 
Portugueses elegem fundador da Nação como 'O Melhor'

Descansem as mentes mais inquietas que olham para a possível eleição de Salazar nos Grandes Portugueses, amanhã à noite, na RTP1, como o fim do mundo. É que a Marktest, usando as ferramentas com que habitualmente trabalha nas sondagens, encontrou junto dos portugueses um "outro" Grande Português de Sempre, esse sim o mais mainstream, de seu nome D. Afonso Hen-riques. Como define o sociólogo Manuel Villaverde Cabral, o correspondente aos "'valores seguros da história portuguesa" ou "os blueprints das bolsas de valores nacionais".

Segundo esta sondagem, assente em 807 entrevistas telefónicas a indivíduos com mais de 18 anos, residentes em Portugal continental, o fundador da nação, o poeta clássico Luís de Camões e o poeta genial Fernando Pessoa são os preferidos.

Salazar, que nunca sonhou com estas andanças, é remetido para um 4.º lugar (11%), quase a par de marquês de Pombal (10%). No antigo presidente do Conselho votaram mais homens (13,4%) do que mu-lheres (8,9%), acima dos 64 anos (20,2%). Saudade? Descrença nos actuais governantes, numa espécie de "volta Salazar, estás perdoado!", segundo análise de Villaverde Cabral. A grande distância vem Álvaro Cunhal (8.º), que tem sido visto recentemente como o pólo oposto do ditador. Algo que o sociólogo adivinhava, pois considera que "Salazar & Cunhal são os heróis que simbolizam os 'dois portugais' do século XX, o 'bom' e o 'mau' segundo os gostos de quem assume uma posição".PB

DN, 24-3-2007, pág. 57
 
Desprezar a História

Portugal dá pouco valor à sua História, quer se pense nos
primórdios da nação quer se fale na História mais recente.
Só isso explica que no concurso televisivo que pretendeu
eleger o maior português de sempre estivessem nos lugares
cimeiros, Salazar, Álvaro Cunhal e Aristides de Sousa
Mendes, num país com 8 séculos de história, bem mais
heróica do que algum estrangeiro possa imaginar ao olhar
para o Portugal de hoje.
Dir-se-á que se trata de um concurso que não tem correspondência
científica, mas a avaliar pela tribuna de defensores
chamados a dar credibilidade ao jogo, temos que
concluir que só a ignorância do passado pode explicar a
abstrusa eleição num país que mantém as suas fronteiras
estáveis há mais de 800 anos e que foi o percursor da tão
proclamada globalização.
Mas, infelizmente, o desprezo e a ignorância pela História
não são um exclusivo dos concursos de televisão, onde o
povo é quem mais ordena. Os mesmos sintomas surgem
dos mais altos representantes do país. É o caso do actual
Presidente da Republica que na comemoração dos 50 anos
do tratado de Roma, achou por bem ignorar o papel indiscutível
de Mário Soares na adesão de Portugal à CEE.
Um país que despreza militantemente a sua História
só pode ter um fado: minguar progressivamente até
não significar nada no mundo.

Raquel Abecasssis

RRP1, 26-3-2007
 
Espécie de moda

Um programa televisivo de entretenimento é um programa televisivo de entretenimento. E entretenimento significa - falemos da língua pátria, já que vamos falar de grandes portugueses - também logro, engano, disfarce. Assim, se os telespectadores da RTP1 quiserem, logo à noite, classificar Salazar como "o maior português de sempre" estão no seu pleníssimo direito. Contar anedotas, todas as anedotas, é uma liberdade que temos, hoje. E que - não por acaso - os portugueses não tinham quando Salazar mandava.

O universo dos votantes em programas televisivos é o universo dos votantes em programas televisivos. Não é exactamente plebiscito ou referendo nacional. Dali não se pode concluir a opinião maioritária de Portugal. Pode, no entanto, suspeitar-se de uma irritação popular, que leva a aplaudir o "ontem" que melhor se opõe a um "hoje" que muitos portugueses não consideram (com boas razões) particularmente empolgante.

A votação televisiva que será conhecida esta noite dará a vitória a Salazar. Na sondagem da Marktest, ontem publicada no DN, o antigo ditador está também muito bem colocado quando nos é perguntado quem é o maior: Salazar vem em 4.º lugar, com 11% dos votos. Só os ícones do nacionalismo - o fundador Afonso Henriques (1.º, com 22,7%) e Camões (2.º, com 17,2%) - tiveram na sondagem votos que significativamente se demarcam dele.

Um jornal já chamou "moda" a esse fascínio por um ditador derrubado (não exactamente ele, mas a sua sequela) por uma revolução que de tão unânime foi pacífica. As modas, por definição, passam. Ora, a moda de Salazar pode - evidentemente, nesta sua versão ligeira - ser bastante duradoura. Por-que a razão desta espécie de saudade só pode ser fruto de ignorância e esta não está para acabar.

Ignorância, desde logo, por se escolher um governante, isto é, um responsável pelo que éramos, quando éramos fracos e tristes - completamente irrelevantes no mundo. Percebia-se num país sem passado, não em Portugal. Um país que fez os Descobrimentos e teve um governante como D. João II não pode suspirar pelo Portugal de há 50 anos. Ou pode, e então temos de ter o sobressalto de pôr os portugueses a aprender o que não sabem de si.

E é por isso que o programa da RTP1 não deve ser negado, como quiseram alguns historiadores, mas aplaudido. Ele está como a revista Maria, quando esta é a única coisa que se lê e pode ser porta para mais leituras. Com o programa, falou-se da nossa História. Talvez mal. Mas falou-se.

DN, 25-3-2007, pág. 12
 
Estatuto de Salazar na mão dos portugueses

Nuno Azinheira

Um ditador que não deixou saudades ou um grande português? A pergunta será respondida hoje à noite, em directo na RTP 1, durante a final do programa Grandes Portugueses, uma operação da televisão pública iniciada a 15 de Outubro do ano passado.

De lá para cá a polémica marcou o formato da RTP. Primeiro, porque a lista inicial de candidatos ignorava o homem que governou Portugal durante 36 anos. Depois, porque Salazar passou a ser apontado como um dos favoritos, liderando mesmo as votações até ao final da semana.

Ainda na quinta-feira passada, o DN revelava que António Oliveira Salazar dispunha de uma vantagem de 22 mil votos sobre o segundo classificado, o fundador da Nação, Afonso Henriques.

Um dos outros favoritos à vitória final, o antigo líder comunista Álvaro Cunhal, que durante semanas ocupou o segundo lugar e ombreou com Salazar o lugar mais alto do pódio, estava na quinta-feira passada na terceira posição.

A decisão popular será conhecida hoje durante a final do concurso, que será tudo menos uma gala. "É evidente que um programa que tem em estúdio personalidades como José Miguel Júdice, Jaime Nogueira Pinto, Rosado Fernandes ou Clara Ferreira Alves não é uma gala, não terá bailarinos nem momentos musicais", explica ao DN o director de programas da estação. Nuno Santos esclareceu ainda que "não há qualquer incómodo da RTP por uma hipotética vitória de quem quer que seja e, obviamente, não houve mudanças no figurino da final do programa, que há muito que estava estipulado", disse, contrariando a notícia de ontem do jornal Sol, que afirmava que "a liderança de Salazar estragou a festa à RTP".

O programa, emitido em directo dos estúdios da Valentim de Carvalho, em Paço de Arcos, terá duas horas e meia de duração e começa às 22.00, a seguir ao Gato Fedorento.

Maria Elisa estará, como habitualmente, na condução do programa, mas terá a colaboração de Daniel Oliveira, que irá revelando ao longo da emissão a posição relativa dos dez finalistas, embora sem avançar com as percentagens de votos.

Em estúdio estarão também os dez defensores dos "grandes portugueses", que esgrimirão os últimos argumentos para merecerem os votos dos espectadores, que estarão abertos quase até ao fim da emissão.

DN, 25-3-2007, pág. 57
 
Interpretar a votação

Rosado Fernandes
Professor universitário (jubilado)

É difícil compreender o espanto provocado pela votação obtida, num concurso dos Dez Maiores Portugueses de Sempre, pela figura de Salazar. Os mais de 41% surpreendem-nos de facto. Pensando com um mínimo de racionalidade, teremos de nos perguntar se esse grupo de votantes era constituído unicamente por velhos "salazaristas". Todos sabemos que não. Muitos nunca o foram, antes pelo contrário, o que ainda torna o caso de relevância política mais melindrosa. A grande maioria quis exprimir o seu protesto e o medo pelo futuro que a espera. Depara-se-lhe o espectáculo da corrupção permanente, sem que se queira um sistema de Justiça que julgue os infractores. No sector da economia, sucedem-se as falências, a fuga das empresas para outros países, sem que, perante o desemprego, se dê importância ao ensino profissional ou à nossa agricultura, que é acusada exclusivamente dos subsídios que recebe, enquanto as comissões dos grandes negócios se escondem. Sabe-se que o aparente bem-estar instalado provém do endividamento das famílias e da dívida externa. A maioria, portanto, sente--se insegura, sem instrução, e pensa: "Já lá vão 33 anos…"

É o preço da liberdade, dizem-lhe. Mas ela não acredita que leve tanto tempo e por isso votam muitos dos seus cidadãos como votaram. Mal! É certo. Mas é admissível também que protestem por querer que alguma confiança na vida lhes seja proporcionada. Defensor do Marquês de Pombal no concurso da RTP

DN, 27-3-2007, pág. 2
 
Comunistas e bloquistas revoltados com a RTP

Pedro Correia

Reacções indignadas à esquerda, centradas na RTP. Desvalorização à direita. E o PS dividido entre os que se confessam preocupados e os que encolhem os ombros, dizendo que se tratou apenas de um concurso. Foi assim que a classe política reagiu ao facto de Oliveira Salazar ter sido eleito o "melhor português de sempre" pelos espectadores do canal público.

O PCP insurge-se contra o "branqueamento de Salazar". Vasco Cardoso, membro da Comissão Política comunista, considera "grave" que isto suceda "pela mão da televisão pública". Os comunistas lembram que a Constituição proíbe a apologia dos ideais fascistas. E aguardam que a RTP faça "uma reavaliação do tratamento que foi dado à figura de Salazar e ao papel que o fascismo representou para o nosso país".

Também ao DN, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda admite que o seu partido chame ao Parlamento o director de programas da RTP. "A televisão de serviço público acabou por ser instrumentalizada para a promoção do ditador fascista", afirma Luís Fazenda.

Sociais-democratas e democratas-cristãos, pelo contrário, não parecem preocupados. "Este resultado não significa nada. Mesmo que haja quem goste dele, ninguém pode ressuscitar Salazar", afirma Azevedo Soares, vice-presidente do PSD. Enquanto Mota Soares, vice-presidente da bancada parlamentar do CDS, diz que o primeiro lugar de Salazar "deve ser desvalorizado", confessando "até ter achado piada" ao concurso, por ter posto as pessoas a "discutir a História de Portugal".

No PS, as opiniões dividem-se. "Aquilo vale o que vale. E não vale nada", afirma ao DN o ex-candidato presidencial Manuel Alegre. O deputado João Soares desdramatiza: "Foi um mero concurso. Passemos adiante." Lembrando que Álvaro Cunhal, segundo classificado, "também não era um símbolo democrático".

Mas outro deputado socialista, Vítor Ramalho, mostra-se preocupado: "Isto não é apenas um concurso nem deve ser desdramatizado. Pelo contrário, é um grito de protesto, de revolta. O povo português sente que a nossa grandeza de alma se tornou pequenina. Não temos conseguido forjar um projecto galvanizador de afirmação externa de Portugal."

DN, 27-3-2007, pág. 2
 
O ano zero do neo-salazarismo

José Medeiros Ferreira jmedeirosf@clix.pt
Professor universitário

É de bom tom social e político não dar importância ao fenómeno de agregação à volta da figura histórica de Oliveira Salazar. O homem morreu, o seu regime caiu, a sociedade aberta não toleraria qualquer repetição demasiado parecida. O melhor é encará-lo como uma relíquia de um passado ultrapassado. É uma atitude demasiado morna para ser saudável. As piores febres são as de baixas temperaturas, mas persistentes. Como o resultado do "passatempo" de domingo da RTP demonstra.

Estes últimos meses assistiram a um curioso plurimovimento de culto dessa personalidade que ligou, numa linha invisível, o casticismo de Santa Comba Dão à RTP sediada em Lisboa na Avenida Marechal Gomes da Costa - este um nome bem apropriado para anunciações salazaristas, como se verifica. No meio, muitos livros sobre o Salazar casto, o Salazar marialva, o Salazar africano, o Salazar europeu, o Salazar ocidentalista, o Salazar anti-americano, o Salazar patriota, o Salazar que não gostava de fado... Todos eles muito comprados, muito lidos, com muitas fotografias do depósito do SNI. No museu de Santa Comba guardar-se-á o restaurador Olex, os utensílios da barba, algumas peças de uso pessoal. O fascínio do personagem é mérito dele. O culto é da responsabilidade de quem o fomenta por forma cada vez mais evidente.

Estou à vontade. Enquanto o combatia politicamente, lia os seus Discursos, volume após volume, e mais do que uma vez. Nunca me deslumbrou o estilo, sempre lhe reconheci o sentido da fórmula escrita. Quando chegaram os hermeneutas "transformistas", não fui apanhado de surpresa. O que se diz sobre a singularidade do regime salazarista já foi ensaiado em França em relação ao marechal Pétain, na Hungria com o almirante Horthy, no Brasil e na Argentina em relação a Getúlio Vargas e a Péron. Não tivesse Mussolini baptizado ele próprio o seu regime de fascista, e o seu sistema corporativo, a sua Carta do Trabalho, os seus compromissos com a coroa de Sabóia e o altar do Vaticano também o isentariam do nome que os discípulos renegaram... depois da derrota militar às mãos dos Aliados. Tivesse vingado a proposta de Salazar de uma "paz de compromisso" entre os Aliados e as potências do Eixo, e quantos hoje não se reclamariam da inspiração fascista...

A estranha abdicação cívica, subordinada ao lema segundo o qual "o meu ditador foi melhor do que o teu", é tanto uma deriva ética dos intelectuais que assim procedem como causa de um desconforto moral e alguma desorientação entre os espíritos.

Enquanto a guerra fria ergueu o sistema soviético como o inimigo principal e se magnificou o combate ideológico contra os totalitarismos, a relativização moral da repressão nos regimes ditatoriais de direita ainda tinha uma explicação derivada de um combate político, que aliás não precisava de tais compromissos para que a liberdade vencesse a tirania. Mas então agora, com a falência do sistema soviético, como explicar o ressurgimento do fascínio por Salazar entre algumas correntes de opinião?

A explicação para tal fenómeno terá de ser procurada, em parte, na actual desorientação política da direita portuguesa.

Com efeito, a direita democrática portuguesa está a perder o pé no regime, por culpa inteiramente dela. Perdeu o pé no governo por precipitação de Durão Barroso, que cuidou mais da negociação externa para ser presidente da Comissão Europeia do que dos procedimentos para a sua estável sucessão interna. E está a perder a sua credibilidade como oposição, quer pelas propostas que faz à contracorrente do esforço para equilibrar as finanças e as que não faz sobre a coesão social, quer pelos tristes episódios que marcam as disputas de liderança interna, pelo menos num dos seus partidos. E, contrariamente ao que aconteceu noutros países, os partidos mais à direita do espectro político português não se filiam numa tradição de luta contra a ditadura.

No máximo, foram evolucionistas e acreditaram na evolução na continuidade.

É certo que durante a fase de normalização do regime democrático notabilizaram-se personalidades como Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Freitas do Amaral, e Cavaco Silva já com o conforto da entrada na Comunidade Europeia. Mas agora a direita está órfã das suas principais referências democráticas, por este ou por aquele motivo. Instintivamente, volta-se para trás à procura de um ponto de apoio. O neo-salazarismo seria o pior que poderia encontrar.

Mas, depois dos esforços sistémicos para se demonstrar que o fascismo nunca existiu, vamos agora assistir à negação do neo-salazarismo?

DN, 27-3-2007, pág. 10
 
Um pequeno sinal de protesto político

Dina Margato

A vitória de António de Oliveira Salazar no programa "Grandes Portugueses" é vista sobretudo como um voto de protesto, de insatisfação com a democracia e uma prova de que se tem um conhecimento pouco aprofundado do que foi o Estado Novo. Sociólogos e historiadores ouvidos pelo JN desvalorizam a votação em Salazar enquanto representação de uma vontade nacional, mas não deixam de ver sinais de crispação social na iniciativa patrocinada pela RTP . O comunista Álvaro Cunhal ficou em segundo lugar.

O politólogo André Freire avisa que estamos "perante um concurso e não de uma sondagem representativa". Vê na vitória de Salazar - anteontem divulgada - "um significado simbólico". Dever-se-á, diz, a "uma militância de protesto contra a democracia, a classe política actual; reflecte um certo falhanço da democracia". Ao descontentamento social, acrescenta o "défice de explicação aprofundada do que foi o regime e das vantagens que vieram com a democracia".

A reacção de Leonor Pinhão, defensora de D. Afonso Henriques, expressa logo após se ter tomado conhecimento da contagem final dos votos, na RTP, segue o mesmo raciocício. "Há um falhanço enorme na educação no pós 25-Abril".

Pedro Magalhães questiona o que estará a ser representado pelo voto telefónico voluntário. O sociólogo não tem nada contra o programa , até considera que serviu para falar na História, mas o projecto "deve ser encarado como mero entretenimento".

Para António Costa Pinto, professor do Instituto de Ciências Sociais, a votação não traduz a preferência dos portugueses. Contrapõe, assinalando outra tendência. No estudo do Alto Comissariado, aquando da comemoração dos 30 anos do 25 de Abril, verificou-se que "os portugueses prezam os heróis do passado e desconfiam dos recentes". Também o estudo pedido pela RTP à Eurosondagem segue a tendência D.Afonso Henriques é o líder. O resultado expressa é "a actividade cívica de pequenas minorias".

O historiador lembra que participaram apenas 2% dos portugueses e que desses, grande parte, estarão "insatisfeitos com a democracia". A manutenção do estereótipo associado a Salazar, "do ditador discreto, que cultivou um modelo paternal" terá quota parte na disposição do voto. A população envelhecida terá recuperado a ideia e"os jovens poderão ter realizado um voto de protesto", considera. Curiosamente, "perdem na votação os heróis que se dão na escola".

António Costa Pinto diz também que, em Outubro passado, projectou que seriam até outros os protagonistas, como Luís Figo, à semelhança do que sucedeu em Inglaterra, onde a princesa Diana obteve o terceiro lugar.

Clara Ferreira Alves, defensora de Fernando Pessoa nesta iniciativa, vê no resultado um sinal de Portugal e um péssimo sinal". Mais efusiva foi Odete Santos, apoiante de Álvaro Cunhal , ao dizer que o PCP teria razão ao enviar uma carta à RTP acusando-a de estar a branquear o fascismo.

Já Paulo Portas, porta-voz da figura de D.João II, simplifica a disputa, dizendo que "alguns votaram em Salazar para evitar que ganhasse Álvaro Cunhal. Estes pensarão que o século XX foi bom, mas eu não acho isso".

Raúl Fernandes, que defendia Marquês do Pombal, julga que muitos dos que votaram não são salazaristas. "Isto é o um voto de protesto. A corrupção, os campos abandonados, levaram a isto".

JN, 27-3-2007
 
Salazar e a Eur Ota

Vicente Jorge Silva
Jornalista

Enquanto a União Europeia acabava de celebrar em Berlim cinquenta anos de vivência comunitária, no concurso televisivo Os Grandes Portugueses confirmava-se a vitória do ditador que nos governou durante quase meio século. Pode parecer despropositado associar uma solene comemoração supranacional com o resultado de um programa dito de entretenimento (embora "pedagógico") da RTP. Infelizmente, não creio que seja o caso (ou a também "pedagógica" coincidência entre os dois eventos). Além disso, se acrescentarmos a essa simultaneidade a grande polémica nacional sobre o aeroporto da Ota, talvez encontremos mais um motivo oportuno de reflexão.

Embora se tratasse já de um segredo de polichinelo, a "eleição" de Salazar como o maior português de todos os tempos suscitou reacções emotivas e de desconforto muito intensas, desde logo no plateau do programa. Odete Santos declarou pateticamente que a propaganda do fascismo estava proibida pela Constituição, esquecendo-se que ela própria tinha aceite as regras do jogo (as mesmas, aliás, que permitiram ao seu candidato, Álvaro Cunhal, o outro português de perfil autoritário mais célebre do século XX, aparecer como o sub-campeão do certame). Outros "advogados" das candidaturas puseram o acento tónico num voto de protesto contra o estado de coisas do País ou no défice de educação e consciência democrática dos portugueses. E embora Jaime Nogueira Pinto - que "defendeu" a candidatura de Salazar - tenha tentado, magnanimamente, relativizar o significado do desfecho de um concurso televisivo, um rasto de pesado mal-estar ficou a pairar na atmosfera.

Evidentemente, um concurso feito com base num mero voluntarismo telefónico não é uma sondagem nem, muito menos, uma eleição, prestando-se a ser manipulado pela militância dos que pagam as chamadas. Mas o canal público de televisão emprestou à sua iniciativa uma solenidade e um relevo promocional quase sem precedentes, que, de algum modo, a transfiguraram no espectáculo de uma campanha eleitoral e numa grande cruzada de educação histórica dos portugueses.

Por outro lado, a televisão cria, amplifica e dramatiza efeitos de persuasão que ultrapassam a própria realidade, virando eventualmente o feitiço contra o feiticeiro e a criatura contra o criador. Finalmente, Salazar ganhou a uma enorme distância dos outros dois candidatos mais próximos e deixou infinitamente para trás as figuras que imprimiram as marcas mais fundas e incontroversas em toda a história nacional. Por isso, não é possível menosprezar o impacto emocional da vitória do ditador de Santa Comba Dão junto, sobretudo, das camadas populares e etárias mais vulneráveis à influência dos endeusamentos mediáticos.

Salazar foi endeusado como o maior português de sempre num país onde o salazarismo se tornou virtualmente invisível e politicamente não assumido por quase ninguém (excepções como as de Nogueira Pinto ou Miguel Freitas da Costa são tão raras que apetece saudá-las pela sua frontalidade). Foi esse outro país oculto, escondido, sem rosto, quase fantasmagórico, que se manifestou através do fetiche da "democracia telefónica". Um fetiche que, sem dúvida, deixaria Salazar horrorizado, ele que tanto temia, também, os efeitos dissolventes da televisão. A vitória do expoente máximo do ruralismo nacionalista e reaccionário na nossa história do último século representa, assim, uma vingança imensamente (tristemente) irónica contra o Portugal miticamente moderno e europeu que a queda da ditadura salazarista nos proporcionou.

Michel Rocard disse em tempos que uma das vantagens mais notórias da Europa era funcionar como uma salvaguarda contra o regresso das ditaduras nos países fundamente marcados por elas, como Portugal, a Espanha ou a Grécia. Nesta Europa que acaba de comemorar os cinquenta anos do Tratado de Roma, o legado da paz, da democracia, da liberdade e da prosperidade merece continuar a ser celebrado. Até porque a crise de desconfiança, desencanto e paralisia política que tem vindo a alastrar na Europa actual, ameaça desvitalizar, porventura irremediavelmente, a dimensão visionária de um projecto sonhado há meio século, mas agora exposto às tentações autistas dos nacionalismos ( "orgulhosamente sós" proclamava o campeão do concurso da RTP, tal como hoje, do outro lado da barricada, defendem os herdeiros políticos do sub-campeão, também ele ferozmente antieuropeu).

Salazar e Cunhal foram "eleitos" os dois maiores portugueses de sempre, num jogo de regras viciadas mas legitimado pela colaboração festiva de muitas consciências ilustres. É um sinal dos tempos - destes tempos de democracia cada vez mais decorativa e virtual, em que o grande desígnio nacional se confunde com a construção de um aeroporto. Há trinta anos, esse desígnio chamava-se Europa. Hoje há quem queira reduzi-lo a EurOta.

DN, 28-3-2007, pág. 9
 
Contrastes

António Vitorino
Jurista

Nesta semana, o País agitou-se com o resultado de um concurso televisivo destinado pomposamente a escolher "o maior português de sempre"... A "escolha" recaiu em Oliveira Salazar, depois de algumas semanas em que sabiamente foi alimentada a disputa com Álvaro Cunhal.

Nas sociedades contemporâneas lemos e treslemos sondagens, resultados de focus groups, inquéritos de opinião e tudo o mais quanto possa fazer perceber o que pensamos como colectivo a partir de amostras. Diz-nos a experiência que nestes exercícios mais do que resultados exactos obtemos quanto muito tendências e mesmo assim num dado momento, naquele "instante fotográfico" que reproduz o estado de espírito dos inquiridos ao responderem e que só muito dificilmente pode ser entendido como tendo condições para perdurar ao longo do tempo.

A "arte" da amostra escolhida e da maneira como a questão é colocada já foi sobejamente estudada e até experimentalmente já se provou como o mesmo universo de pessoas pode responder de forma contraditória à mesma questão, desde que formulada de maneira diferente.

A "ciência das sondagens" tem, aliás, o bom senso de não reivindicar para si própria a natureza da exactidão...

Mais ainda quando estamos perante uma iniciativa que apela à espontaneidade da resposta como foi o caso do aludido concurso televisivo. Espanta, por isso, a tentativa de fazer generalizações a partir dos resultados obtidos, do tipo "voto de protesto" contra a qualidade da democracia que temos! O que a "votação" mostra é apenas que alguns grupos de activistas de causas entenderam que mobilizando-se em torno de um concurso televisivo e incentivando outros a nele participarem acabariam por ter um resultado que... animasse as hostes respectivas. Só isso e nada mais!

O ponto curioso para indagação futura é o de saber porque é que tal activismo se contenta - diria apenas! - com uma vitória no terreno de luta dos... sms! Mas enfim, cada um escolhe as armas que lhe parecem mais ao seu alcance em cada momento...

Mais interessante é o facto de na mesma semana em que surgiram vozes indignadas com o resultado produzido por uma minoria activista num concurso televisivo ter sido afixado em Lisboa um vistoso cartaz - e logo no Marquês de Pombal! - de um partido de extrema--direita centrado numa campanha contra a imigração.

Claro que os defensores da teoria da conspiração decerto acabarão por fazer a ligação entre os dois factos e... concluir que o fascismo está aí de novo!

Temos - felizmente ! - uma democracia madura que, por muitos defeitos que tenha, não treme assim perante um concurso televisivo ou perante um cartaz que se revela um bom investimento para os seus promotores... pela relação custo/visibilidade, claro!

Mas o tom xenófobo do cartaz, exigindo um irrealista "fim" da imigração sob o slogan importado (e "adaptado") da Frente Nacional francesa "Portugal para os portugueses", não deixa margem para dúvidas: a liberdade de expressão em democracia constitui um valor essencial que deve ser preservado, mas em nome dos valores democráticos nenhuma distracção pode ser consentida quanto ao fundo da questão: o combate político e cultural à intolerância, ao apelo ao ódio rácico, à exortação xenófoba e à manipulação das consciências quando se quer fazer crer que as dificuldades de um país se devem aos imigrantes, aos estrangeiros, àqueles que são diferentes de nós pela cor da pele, pelo território de origem ou pela religião que professam, esse combate está sempre e permanentemente na ordem do dia e impõe-se muito mais do que a reacção a um qualquer concurso televisivo.

Acresce, por curioso contraste, que os activistas da "votação" por sms se formaram na retórica colonial de um Portugal pluricontinental e multirracial... Sentirão eles que os protagonistas do cartaz são de facto os seus herdeiros?

DN, 30-3-2007, pág. 13
 
Salazar, mito e saudade

Ana Sá Lopes
ana.s.lopes@dn..pt

A terrível osmose entre Oliveira Salazar e a "alma nacional" é a questão mais perturbadora do século XX português. É um dado historicamente adquirido que o ditador foi bem sucedido até ao fim, afrontado apenas por uma oposição residual (o Partido Comunista e meia dúzia de companheiros de estrada). Quando, lá nos finais de 60, Salazar começou a dessincronizar-se com o país que foi transformando à sua imagem e semelhança, a natureza tratou do assunto: caiu da cadeira, ficou incapacitado, tempo depois morreu e não assistiu à derrota.

Tão perturbador como o sucesso político que, no seu tempo, o ditador conseguiu, é o mito que se deixou propagar e que, aqui e ali, regressa como uma maldição fantasmagórica. Afinal, o homem desapareceu da actividade pública em 1968 (independentemente de, já doente, ainda se julgar presidente do Conselho e de os ministros terem alinhado na farsa); foi derrotado, embora só depois de morto, pelo golpe de Estado de 25 de Abril de 1974; e finalmente enterrado com a adesão à então Comunidade Económica Europeia.

Antes de a RTP ter feito de António de Oliveira Salazar o maior português de sempre - não vale a pena minimizar aqui a importância da amostra e o carácter lúdico do concurso - o recorrente saudosismo salazarista sempre teve o seu lugar no rectângulo. Basta andar de táxi em Lisboa: de vez em quando lá aparece, com a regularidade com que os dias se sucedem às noites, o taxista que nos informa que "o que faz falta é um Salazar". Nem há 15 dias voltei a ter a aparição de mais um taxista do Salazar: o homem tinha menos de 50 anos e, porém, muitas saudades.

E porque persiste o mito se (para nosso bem) o Portugal de hoje pouco tem a ver com aquele idealizado pelo ditador rural? Talvez numa minudência que já era do conhecimento dos persas antes de Cristo: mais importante que o poder, é a aura que lhe está associada. A propaganda associou ao homem virtudes que, décadas depois, continuam a ser vistas como decisivas no exercício do poder: o autoritarismo e a solidão, por exemplo. Já não falo de Cavaco, mas até Sócrates, um rapaz moderno, foi beber lá o seu quinhão.

DN, 30-3-2007, pág. 15
 
António Barreto e António Salazar

Nuno Azinheira nazinheira@dn.pt

Foi tudo uma questão de timing. Tivesse a RTP estreado Portugal, Um Retrato Social, de António Barreto, três ou quatro dias antes e, provavelmente, não andaria meio mundo blogosférico e partidário com azia.

Na terça-feira, a televisão pública exibiu o primeiro episódio da série documental feita por Barreto, que aborda a evolução social que Portugal registou entre a década de 60 e os nossos dias.

O primeiro programa mostrou-se ao mundo. E merece elogios, jogando com um texto factual e, sobretudo, com a dualidade gritante das imagens de dois países: um a preto e branco - pobre, austero, cinzento e atrasado - e outro a cores -apesar de tudo, menos pobre, europeu, civilizado, mais culto.

Entusiasmado com o arranque do programa (se isto não é serviço público, então o que será?), por ali fui ficando. E, de repente, perante a crueza do texto, a sobriedade da voz de Barreto e a clareza das imagens, dei por mim a pensar: caramba, não há Jaime Nogueira Pinto que resista ao poder de um documentário como este.

Depois da vitória de Salazar no domingo à noite no Grandes Portugueses, houve quem não perdesse tempo a arranjar justificações: que a RTP tinha sido a culpada de tão ignóbil vitória, contribuindo para o "branqueamento da História"; que muitos portugueses já se tinham esquecido de como viviam no tempo do fascismo; ou, pura e simplesmente, este era um "voto de protesto contra o actual estado de coisas em Portugal".

Em democracia, já se sabe, pode dizer-se tudo. Até os maiores disparates. De protesto? Será que alguém, por mais desesperada que seja a sua situação, acredita que vivia melhor com Salazar? Esquecimento? Será que alguém que viveu com a censura, com a repressão política, com o autoritarismo de Estado, com a polícia política se pode esquecer dessas trevas?

Anda muita gente à procura de respostas sociológicas para a magna questão, mas a justificação está bem mais perto: ao contrário do que a elite e os políticos querem fazer acreditar, o Grandes Portugueses era só um programa de televisão. Um passatempo, que a maior parte dos portugueses encarou como tal. O problema é que os políticos e comentadores levam tudo muito a sério. Mas são cada vez menos os que os levam a sério...

DN, 31-3-2007, pág. 57
 
O passado revisitado

António Costa Pinto
Professor universitário

Tivemos uma semana "Salazar". Não houve nenhum cronista ou comentador que não tivesse dado a sua opinião.

Nem a crise no PP nem qualquer medida governamental chamaram a atenção.

Aproveitando a ocasião, até um micropartido de extrema-direita captou a atenção dos media.

Seria irresponsável dizer que a coisa não teve impacto, mas este discurso sobre as misérias da nossa democracia como responsável pelo acontecimento tem pouca base, até porque ele é parte integrante das características de qualquer regime democrático. O mesmo se passa com o passado. Como já foi dito e redito, se não fosse um concurso mas uma sondagem com amostra representativa, os velhos heróis do passado estariam de boa saúde, como têm ilustrado os estudos de opinião publicados nos últimos anos. O que é interessante aqui é a consciência identitária que os portugueses demonstram, escolhendo os agentes da construção real e imaginária da nacionalidade, de Afonso Henriques a Camões.

Eu pensei que com a modernização imediatista, acompanhada de um grande deficit educacional, os que telefonaram para a RTP incluiriam neste tipo de concursos alguns futebolistas e apresentadores de televisão, mesmo sabendo que eram poucos. Erro. Votaram alguns activistas em três personagens do século XX, mas o passado mais remoto está de relativa boa saúde. É esse que é ainda hoje um património comum, mesmo que ele represente, ironicamente, uma acentuada continuidade entre o velho nacionalismo republicano e boa parte do salazarista. Apesar da descolonização re-cente, a gesta imperial do passado goza também de boa de boa saúde em Portugal.

Agora o que é enervante é o discurso próximo do populismo, que tenta sempre ver nas imagens benignas do passado autoritário uma consequência da "podridão da de-mocracia" actual. A vantagem dele é ter a variante de esquerda das "promessas de Abril por cumprir". Nesta área, felizmente, o PCP ainda existe. No dia em que houvesse um colapso rápido deste partido em conjuntura de crise, talvez o espaço populista estivesse criado e ainda víssemos muitos eleitores, num concurso bem mais sério, passarem de Cunhal a Salazar. Até agora, para nosso bem, as duas variantes ainda não se juntaram.

DN, 31-3-2007, pág. 64
 
O maior português do século XX

Martim Silva martims@dn.pt
Editor adjunto de Nacional

1. O mais fácil é mesmo enfiar a cabeça na areia. Fingir que não é nada e assobiar para o lado. A eleição de Salazar como maior português de sempre, num concurso da RTP, não deve ser desvalorizada. Como não deve ser desvalorizado o facto de Álvaro Cunhal ter ficado em segundo. Como certamente seria valorizado o resultado se o vencedor tivesse sido D. João II ou Camões. É compreensível que num tipo de concurso daquele género o que é actual se sobreponha ao que é passado. Não se estranhe que os personagens do século XX político tenham prevalecido a nove séculos de história anteriores. O problema, o drama daquele televoto, é que se há um personagem político do século XX que merece ficar na história pelas boas razões, chama-se Mário Soares. E esse nome não estava lá. Os políticos faziam bem, pois, em olhar para os sinais de descontentamento com a situação actual. Nada se resolve com um passe de mágica, mas há pequenos passos que podem assumir grande significado. A dignificação dos mandatos, a seriedade, a transparência e a verdadeira busca do bem comum são excepções quando deviam ser regra. Isso é que tem de mudar para que a escolha de Salazar não signifique mais que o resultado de um concurso na TV.

DN, 31-3-2007, pág. 10
 
Cortem-lhe a cabeça!

Luciano Amaral, professor universitário

Portugal tem mesmo coisas engraçadas. Um grupo de maduros sem mais nada para fazer põe-se a telefonar para a televisão do Estado e "elege" Salazar como o "maior português" de todos os tempos. Foi quanto bastou para as nossas almas pensantes se mortificarem em reflexões espantosas sobre um sinistro salazarismo latente ou renascente. Parece que não eram só os maduros dos telefones que não tinham mais nada para fazer.

Dos múltiplos e vastos lençóis perpetrados sobraram dois excelentes artigos de Jorge Almeida Fernandes e Pedro Magalhães, ambos no jornal Público. Concentro-me no primeiro, por ter apreciado especialmente algumas considerações. Almeida Fernandes relembrou a atávica "dificuldade da esquerda em pensar o salazarismo", nunca ultrapassando o prisma da caricatura. Coisa que, como muito bem notou, "saiu-lhe cara". Recorda ele que, ao longo dos anos 60, Portugal conheceu as mais elevadas taxas de crescimento da sua História, viu os campos esvaziarem-se e o país urbanizar-se, viu nascer uma nova classe média, viu os costumes alterarem-se. E podia ter ido mais longe: também foi sob Salazar que Portugal entrou na "Europa", a Europa da Escandinávia, do Reino Unido, da Suíça e da Áustria, que se juntou na EFTA em 1960; também foi sob Salazar que o analfabetismo se reduziu drasticamente no País; também foi sob Salazar que começou a primeira expansão séria da Segurança Social (ainda com o nome de "Previdência"). Tudo coisas que podem ser feitas sem liberdade política. Dito de forma breve, foi sob o salazarismo que o País começou a "modernizar-se", no sentido que o termo adquiriu no século XX, algo que entretanto prosseguiu até hoje, agora incluindo também a tal liberdade política. Fernandes nota até como, por causa disto, a oposição se sentiu obrigada nos anos 60 a alterar o seu discurso: da crítica "antifascista" passou à crítica "anticapitalista", precisamente porque via o País aproximar-se dos índices do "centro" capitalista.

Para Fernandes, estranho é o "antifascismo" serôdio que agora deu em aparecer. E está muito bem estranhado. Na verdade, não se percebe a que "fascismo" se opõe ele. Ou talvez perceba: também as crianças têm os seus amigos e inimigos imaginários. Parece a rainha de copas de Alice no País das Maravilhas, que via adversários por todo o lado e passava o tempo a mandar cortar--lhes a cabeça.

Donde se conclui que o mais interessante não foi o resultado do concurso mas as reacções da intelligentsia nacional a ele. Esta intelligentsia mostrou que não percebeu, não quer perceber e provavelmente nunca perceberá o século XX português. De facto, o nosso século XX só poderá ser percebido se também o salazarismo for percebido de forma apropriada. O salazarismo é o momento pivot do século, que define o seu passado e o seu futuro imediatos. Prova disso é o facto de tanta gente precisar ainda hoje de definir o nosso regime relativamente a ele, nem que seja por oposição. O que, aliás, não é bom sinal. O regime deveria valer pelo que tem a oferecer de positivo e não por comparação com uma coisa que, pelos vistos, era tão notoriamente má.

A concentração da reflexão (?) na violência política do salazarismo impede muita gente de perceber que ele teve mais adesões do que se julga. A maior parte dos que estavam com ele não era por medo da pancadaria e da censura, mas por gostarem da solução. Não falo de casos raros e minoritários, do estilo do comunista Carlos Rates, que se passou para o regime. Falo sobretudo do pessoal político da I República, gente que teria de ser considerada de "esquerda" e aderiu em grande número ao salazarismo. De facto, o salazarismo dividiu esse pessoal político entre um grupo que se lhe opôs e outro que se lhe juntou (talvez a maioria). Basta pensar em alguns colaboradores de Salazar, que incluíam maçons, carbonários e constituintes de 1911, como Albino dos Reis, Manuel Rodrigues, Bissaia Barreto ou Duarte Pacheco. Porque é que isto aconteceu não se percebe com as banalidades costumeiras sobre o assunto.

Salazar não merece certamente ser considerado o "maior português", mas merece algo mais do que aquilo que apologistas e detractores andam por aí a dizer. Sobretudo, merece ser estudado e des-mitificado. Se isso já tivesse sido feito, provavelmente nem sequer ganharia o famoso reality show histórico. Como em muitas outras coisas, parece que o cidadão comum percebe melhor o que se passa do que tantas cabeças atafulhadas de livros e teorias. Quando perguntados sobre quem achavam ser o maior português, em sondagens que cumpriam os necessários requisitos técnicos, nomeadamente sem o enviesamento da amostra que existiu no concurso da televisão, os portugueses votaram nos clássicos Afonso Henriques, Camões ou D. Henrique. Mostraram ser bem mais crescidinhos do que as luminárias que querem guiar o nosso caminho.

DN, 5-4-2007, pág. 10
 
Câmara de Santa Comba proíbe romagem a Salazar

AMADEU ARAÚJO

O Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão não quer que se realize na cidade, no próximo fim-de-semana, "uma concentração e romagem ao túmulo de Salazar", adianta João Lourenço.

A iniciativa foi convocada pelo "Movimento Nacionalista Terra Identidade e Resistência" (MNTIR), mas João Lourenço entende que "a cidade dispensa este tipo de manifestações".

A recusa em autorizar a manifestação fica assim "nas mãos da GNR", a quem a câmara pediu esclarecimentos". Acácio Pinto, governador civil de Viseu, também já afirmou que "a autorização cabe à autarquia".

Mas Vítor Ramalho, dirigente do núcleo de Coimbra do MNTIR, que fez o pedido, refere não entender "uma possível recusa para a concentração", a realizar no próximo domingo, 28, dia de aniversário de Salazar.

Vítor Ramalho lembra que "o Movimento Nacionalista Terra Identidade e Resistência é uma organização política legalizada com estatutos publicados em Diário da Republica".

A concentração foi já contestada pela URAP (União de Resistentes Anti Fascistas) que lembrou que "em Santa Comba Dão está a nascer um santuário fascista que nós repudiamos", afirmou Aurélio Santos, dirigente da organização.

As romagens ao túmulo de Salazar no dia do aniversário do ditador ou na data da sua morte sempre foram habituais em Santa Comba Dão.

Mas um acontecimento recente pode explicar a recusa da câmara, envolvida aliás em grande polémica por defender a criação de um museu dedicado ao ditador, a instalar no Vimeiro, na casa onde nasceu.

No passado 3 de Março, uma sessão pública da União de Resistentes Antifascistas (URAP) a protestar contra o museu, acabou por ser recebida com uma contra-manifestação que misturava alguns elementos de extrema-direita com habitantes da cidade irritados pelo protesto realizado por "gente de fora" contra um "filho da terra".

Os participantes da sessão de protesto contra o museu tiveram que sair do local da reunião debaixo de escolta policial, ameaçados por 800 pessoas que, de ânimos exaltados, sairam à rua em defesa do "seu" Salazar.

Houve "vivas a Salazar", com um braço-direito esticado. Houve um carro a passar a alta velocidade que largou uns panfletos a pedir o "respeito pela memória de Salazar, para defender a sua doutrina, contribuindo para que a mesma não seja esquecida nem deturpada e que se recorde o seu exemplo". Alguns populares apareceram com cartazes a recordar o ditador, enquanto os antifascistas insistiam na "luta constante pela liberdade contra o ressurgimento de símbolos do passado fascista em Portugal", como disse na altura Manuel Rodrigues, dirigente do PCP de Viseu.

A "sessão pública de afirmação dos ideais antifascistas" defendeu que a construção do museu Salazar "é um retrocesso perante o qual é necessário um combate eficaz", mas alguns cidadãos da terra de Salazar defenderam que "Salazar não fez mal a ninguuém e a esta terra só trouxe coisas boas".

Na altura, Salazar ainda não tinha vencido o concurso dos "Grandes Portugueses", mas já era conhecida a sua "boa colocação".

DN, 22-4-2007, pág. 20
 
"Portugal progrediu com Salazar"

PEDRO CORREIA

Jaime Nogueira Pinto revela episódios até agora desconhecidos, acompanhados de fotografias inéditas, num livro em que pretende traçar um 'retrato diferente' do homem que governou Portugal durante meio século e ainda hoje suscita muitos ódios e algumas paixões.

Acaba de lançar o livro António de Oliveira Salazar - O Outro Retrato. Confirma-se que Salazar está na moda?

Está a ser tratado como um personagem normal: dizem-se coisas a favor e coisas contra, que coexistem pelo menos no espaço livreiro, com 30 ou 40 livros sobre Salazar. Há, de facto, um interesse, que aliás originou a votação no programa Grandes Portugueses, da RTP.

Já é possível falar ou escrever desapaixonadamente sobre Salazar?

Tentei isso neste livro. Aliás, vejo por mim: se já falo hoje desapaixonadamente de Cunhal ou de Mário Soares, porque é que as pessoas de esquerda não hão-de falar desapaixonadamente de Salazar, que já morreu há muito tempo? Salazar com certeza não governou democraticamente. Mas isso não quer dizer que o País não tenha progredido economicamente no tempo dele.

Facilitava o facto de ser uma ditadura...

Mas o facto é que progrediu. O crescimento económico do País entre 1950 e 1974 foi fantástico, à média de quase 6% ao ano.

Era um país "orgulhosamente só"...

Nem tanto. Mas a paixão de Salazar, sem dúvida, era a independência nacional. Sem império ultramarino, na perspectiva dele, a independência nacional duraria pouco. Ele não queria que isso acontecesse. Por isso ficou tão perturbado [em Dezembro de 1961] com a perda de Goa.

O salazarismo tinha prazo de validade.

Ao contrário de Franco, que tinha um espírito prático, Salazar não delineou a sucessão. Como se não lhe importasse muito saber o que sucederia depois de já cá não estar.

Não defendia que se devia mudar alguma coisa para tudo permanecer na mesma?

Salazar não tinha esse espírito do Príncipe de Salina [personagem do romance O Leopardo, de Lampedusa], que era um aristocrata céptico e um pouco decadente. Pelo contrário, era um camponês muito convicto, sem grandes dúvidas existenciais sobre o que estava certo ou errado.

No seu livro, relata episódios inéditos - até de carácter humorístico - protagonizados por Salazar. Todos reveladores da concepção que ele tinha do poder político.

Acabava sempre por demonstrar quem mandava: era ele próprio. Hoje, popularmente, as pessoas voltam a gostar de um político que saiba tomar uma decisão, de acordo com o princípio "manda quem pode". Os políticos que ganharam este concurso da BBC [denominado Grande Portugueses na versão da RTP] são muito parecidos: De Gaulle em França, Churchill na Inglaterra, Reagan nos Estados Unidos, Adenauer na Alemanha. São velhos, conservadores, honestos, não ligam muito ao jogo político.

Alguma da actual classe política portuguesa terá a tentação de adoptar algumas dessas características?

Sou insuspeito, por isso falo à vontade: José Sócrates tem esse lado. Aparece como uma pessoa que toma decisões. Cavaco Silva também foi assim. As pessoas gostam disso.

Foi criticado por defender Salazar nos Grandes Portugueses. Arrepende-se?

De maneira nenhuma. Nunca fui incomodado na rua. Antes pelo contrário: várias pessoas vieram cumprimentar-me. (Ri-se) O único reparo, até com uma certa graça, veio-me de um pobre que costuma estar no Chiado, à direita de quem desce: quando eu passava, ele assobiava a "Grândola, Vila Morena"... Mas sobretudo ninguém contestou os dados do meu programa, considerando-os errados.

O formato do programa pressupunha um certo tom apologético, que também usou.

Quando me convidaram, perguntei se iria defender Salazar como historiador ou como advogado. Responderam-me: "Como advogado." Aceitei. Um advogado não mente, mas tem o dever de puxar por tudo quanto considera mais positivo sobre o seu constituinte. Não podemos discutir Salazar só a partir da PIDE e da censura, senão também discutimos Soares a partir da descolonização e entramos num clima de guerra civil larvar.

DN, 14-7-2007
 
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