11 março, 2007

 

Enguia, raínha do paladar


Outra cobra mas mais esguia, acessível e saborosa ?

Com várias capitais mas essencialmente reminiscência da infância.
Como caçador a garfo, revolvendo pedras cobertas pelas águas do Douro, agora mais elevadas pela voragem das necessidades energéticas nacionais...

A acrescentar ao crime de então, os continuados atentados de agora com a proibida pesca dos juvenis que fazem as delícias de nuestros hermanos - as angulas - e de alguns gulosos apreciadores nacionais que não dispensam o meixão.

http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=5767&iLingua=1

http://www.ifremer.fr/indicang/version_portugaise/objectivo.htm

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Salvaterra promove 'rainha do paladar'

António Pires Vicente,
em Vila Franca de Xira

Enguias fritas, com um arroz de feijoca, fricassé de enguias, caldeirada de enguias... Vai ser difícil escolher o prato nos 16 restaurantes de Salvaterra de Magos que, a partir de quinta-feira e durante todo o mês de Março, vão dar tudo por tudo para deixar deliciados os apreciadores da denominada "rainha do paladar".

Esta é mais uma edição do Mês da Enguia, numa organização da Câmara de Salvaterra de Magos e da Região de Turismo do Ribatejo, que este ano vai tentar superar os 50 mil visitantes de 2006.

De 1 a 31 de Março, 16 estabelecimentos hoteleiros fazem questão de confeccionar a enguia das mais variadas formas. Desde as triviais enguias fritas, de ensopado ou em caldeirada até à enguia grelhada ou de fricassé, são muitas as opções para os apreciadores deste prato singular da gastronomia regional.

"De ano para ano, vindos dos quatro cantos do País, e até de Espanha, dezenas de milhares de visitantes encontram, em Salvaterra de Magos, os paladares mais genuínos da cozinha tradicional. E quem prova fica surpreendido e promete voltar, aproveitando para conhecer os vinhos e a doçaria da região, assim como o artesanato e a nossa realidade patrimonial, que inclui uma forte ligação com o Tejo", afirma ao DN o vereador João Oliveira.

A qualidade deste certame gastronómico, que já faz parte da agenda cultural/gastronómica da região e do País, "tem aumentado de ano para ano, enquanto o número de restaurantes aderentes estabilizou", adianta o autarca.

A atestar a importância da enguia na gastronomia portuguesa, o presidente da Região de Turismo do Ribatejo, Carlos Abreu, disse que "estão criadas as condições para que este seja um dos seis pratos regionais de excelência que vão ser definidos, pelo Governo, no âmbito do Plano Estratégico Nacional do Turismo" para 2006-2015.

"Além de criar grandes fluxos internos de turistas à região, há muitos espanhóis que vêm cá propositadamente para comer enguias", especificou Carlos Abreu, que defendeu a conjugação da gastronomia ribatejana com os famosos e excelentes vinhos da região.

Associada ao panorama gastronómico, também a vertente cultural está em destaque no concelho ribatejano durante todo o mês de Março. Salvaterra de Magos aproveita esta oportunidade ímpar para mostrar a sua riqueza histórica e cultural, com destaque para os monumentos que ainda hoje atestam a grande nobreza desta região.

Descobrir o concelho de Salvaterra de Magos, a sua gastronomia, a cultura e a história é um desafio lançado ao visitante do Mês da Enguia, com a promessa de que dará por bem empregue o tempo investido. Da borda-d'água à lezíria, do cavalo ao toiro, da História ao presente, há um misto de viagens possíveis na próxima visita ao concelho de Salvaterra de Magos.

Associado ao panorama gastronómico, também a vertente socio-cultural está em destaque durante todo o mês de Março. Exposições, actividades desportivas (BTT, natação, atletismo) e passeios no rio Tejo integram o programa.

DN, 26-2-2007, pág. 28
 
Gordas e a caminho da desova, é esta a época das enguias

DUARTE CALVÃO

A primeira coisa a dizer sobre as enguias é que são peixes. Com esqueleto ósseo, mas peixes mesmo assim e não cobras, parecença que faz com que muitos as rejeitem por aspecto repugnante sem nunca lhes dar conta do sabor. A segunda coisa mais interessante a dizer é que migram na Primavera dos rios europeus e norte-americanos para o Mar de Sargaços (Atlântico Oeste) percorrendo distâncias que podem chegar quase aos 8000 km só para desovar por lá, a profundidades que variam entre os 300 e os 450 metros

Algumas não chegam ao seu destino porque passam pela ria de Aveiro, que apreciam muito pela mistura de águas doces e salgadas, com gordura armazenada para enfrentar os rigores da longa jornada que julgam que vão fazer. Porém, vão é para caldeiradas, ensopados, escabeches, grelhas e frituras. Daí que, para quem as aprecia, é entre Março e Junho que se deve ir a Aveiro. A caldeirada é a forma mais típica, sendo que Maria de Lourdes Modesto regista na sua Cozinha Tradicional Portuguesa, no capítulo dedicado à Beira Litoral, a s caldeiradas à moda de Aveiro e da Murtosa, para as quais são imprescindíveis os "pós de enguia" (gengibre ou açafrão-da-índia) a temperar. Há ainda enguias suadas à Praia de Mira, também com pão torrado a acompanhar e o escabeche. Mais para sul, novos ensopados, mais grelhas e frituras.

Aquelas que não acabam à mesa e prosseguem viagem até ao Mar de Sargaços, nunca mais voltam, porque morrem após a desova. São os seus filhos que empreendem jornada de volta para os rios da predilecção dos pais, com a genética a servir de guia e a corrente do golfo a ajudar a percorrer os tais milhares de quilómetros.

Vêm ainda novos, conhecidos como "meixões", e a sua pesca e exportação para países como a Espanha e o Japão, onde são vendidos a bons preços, é uma das principais razões para que as enguias adultas sejam hoje cada vez mais raras, podendo mesmo estar em perigo de extinção. Chegando a adultas, podem viver entre 10 a 15 anos, sendo que as fêmeas com 120 cm ou mesmo 150 cm são do dobro do tamanho dos machos.

DN, 6-4-2008
 
O 'ouro branco' dos rios

LUÍS GALRÃO

Os portugueses conhecem-na sobretudo no prato e dão-lhe vários nomes - angula, eiró, a enguia. Em Salvaterra de Magos, por exemplo, é há mais de dez anos a "rainha do paladar", e o concelho dedica-lhe o mês de Março. Mas, nas últimas duas décadas, o apetite pela enguia europeia, sobretudo pelas juvenis, deu origem a uma verdadeira máfia e contribuiu para o declínio da espécie.

Todas as noites, entre Outubro e Abril, os rios portugueses enchem-se de estreitíssimas redes mosquiteiras que capturam dezenas de quilos de enguia de vidro ou meixão, o nome dado às jovens enguias. A prática é ilegal mas compensa: um quilo, que tem em média três mil enguias, chega a ser vendido no mercado negro por valores que rondam os 500 euros. Não admira que lhe chamem o "caviar português" ou o "ouro branco", devido à cor clara do peixe.

A pesca do meixão foi proibida, em 2001, em todos os rios portugueses à excepção do rio Minho, e a lei só permite a captura de espécimes adultos com tamanho superior a 22 cm (a enguia amarela e a prateada). Mas só este ano, numa dúzia de operações de fiscalização, a GNR apreendeu mais de 50 kg e 85 redes. Estas telas ilegais chegam a medir 100 metros de comprimento por cinco de altura e "têm um impacto ecológico muito significativo, porque apanham tudo, incluindo larvas e juvenis de outras espécies", explica ao DN o professor José Carlos Antunes, do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto.

A excepção do estuário do Minho deve-se ao facto de se tratar de um rio internacional, que tem um estatuto próprio consagrado num tratado ibérico. O documento estabelece que é necessária uma licença da capitania de Caminha e dita as regras: além da rapeta, uma espécie de camaroeiro, "é permitida a utilização de 'tela' para a captura de meixão por um período transitório de dois anos, findo o qual será reavaliada a utilização desta arte de pesca", explica a Direcção--geral de Pescas e Aquicultura (DGPA).

A rede não deverá ultrapassar os 10 metros de comprimento por oito de altura, e apenas pode ser usada como auxiliar da peneira ou rapeta. "Esta 'tela' tem um impacto menor do que a "tela de saco", que é ilegal", refere Carlos Antunes. O investigador dedica-se há anos ao estudo da espécie e não tem dúvidas: "A tendência no Minho é a mesma diminuição registada na Europa."

Apesar de o problema ser conhecido há pelo menos dez anos, a DGPA "não dispõe de dados que permitam avaliar de forma exaustiva a situação do stock de enguia europeia nas bacias hidrográficas de Portugal." José Carlos Antuntes lamenta que a enguia seja "uma espécie pela qual não se faz nada, só se autorizando ou proibindo a pesca".

No Minho, o CIIMAR apurou que "o número de licenças diminuiu quase 50% desde os anos 80". No entanto, o investigador desvaloriza o efeito da pesca e atribui "o declínio do peixe a uma soma de factores, como a perda de habitat provocada pela construção de barragens sem passagens para peixes migradores", por exemplo.

Para o biólogo, "Portugal tem de fazer muito mais e assumir uma estratégia nacional para a espécie". Proibir, diz, "é a solução mais fácil e mais barata, só tem custos sociais, mas o reflexo sobre a enguia é duvidoso, porque não impede a pesca ilegal". O investigador tem esperança no regulamento europeu que prevê a adopção de medidas para a recuperação da enguia europeia, mas lembra que "os planos de gestão não se fazem de um dia para o outro".

O futuro da enguia depende do "aumento da área do habitat" e da adopção de medidas como "a eliminação das fontes de poluição, o repovoamento e a construção de passagens nos obstáculos (as barragens), que permitam a subida e descida dos rios". São medidas "mais caras e mais difíceis, mas são passos que têm de ser dados", reforça.

Até lá, o meixão capturado em Portugal tem destino traçado: "Uma parte é vendida para Espanha, onde é considerado um petisco, outra irá abastecer aquiculturas europeias ou ser exportada para a China e o Japão." Um negócio milionário que paga todos os riscos.

DN, 4-5-2008
 
Aventura das enguias vai ser mais protegida

Ciclo de vida passa por milhares de quilómetros. "Stocks" estão em perda

EDUARDA FERREIRA

A população de enguias diminui em Portugal e no resto da Europa. Por cá, a monitorização feita por cientistas revela que a saúde da espécie não está mal, mas a sua apanha ilegal como angula ou meixão ameaça a conservação.

Reproduzem-se a seis mil quilómetros da costa portuguesa, no Mar dos Sargaços, e chegam à nossa plataforma continental ainda como angulas ou meixão. Irão atingir a maioridade nos nossos rios, estuários e lagoas costeiras. Se muitas não chegarem a essa fase, não se dá o retorno até ao outro lado do Atlântico e não haverá reprodução.

Parte da aventura desta espécie é acompanhada pelos cientistas Isabel Domingos e Lino Costa, do Instituto de Oceanografia, da Faculdade de Ciências de Lisboa. Estes biólogos desenvolveram um projecto, em conjunto com o Oceanário de Lisboa, para analisar o impacto dos metais pesados e de um parasita na população de enguias (este último não é prejudicial á saúde humana). O estudo só fica concluído em Junho, mas eles podem adiantar já que os níveis de mercúrio, cádmio, cobre, zinco e chumbo "são relativamente baixos face ao de enguias de outros países europeus", sobretudo os do Norte. É certo que o mercúrio ainda subsiste em zonas do Barreiro e Aveiro (de cuja Universidade contaram com a colaboração de Eduarda Pereira). Mas, resumem, "são boas notícias".

Os dois biólogos têm doutoramento em enguias (Isabel Domingos) e pós- doutoramento no mesmo tema (Lino Costa). Eles deram o seu contributo científico a uma comissão oficial que tem por tarefa avançar um plano de conservação das enguias a nível europeu (ver caixa ao lado). Não havendo dados anteriores, estes cientistas admitem que a população de enguias esteja a diminuir. Contributos: a apanha do meixão (que aliás só é legal em Portugal no Rio Minho, pois que em Espanha é permitida) e os obstáculos colocados pela regularização dos cursos de água, que também anulam ou reduzem a complexidade do meio necessária à alimentação das enguias. As alterações climáticas, com mudança de temperatura de águas e correntes, poderão puxar a espécie para Norte.

A nível europeu tem havido redução dos "stocks", afiançam os mesmos investigadores. E, alertam, "se cada país reduzir a população reprodutora, isso vai afectar o quantitativo da espécie". Isto diz respeito aos exemplares de enguia prateada, coloração correspondente à fase em que os adultos estão prontos a emigrar para o Mar dos Sargaços e aí reproduzir-se. Enquanto por cá estão, elas têm uma fase adulta dourada. Aos seis ou oito anos estão prontas para partir. Nessa fase têm em média 32 centímetros, no caso dos machos. A viagem pode demorar cerca de um ano.

JN, 24-1-2009
 
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