25 março, 2007

 

União Europeia


50 anos de avanços e recuos

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Comments:
À espera de domingo

António Vitorino
Jurista

Ao fazer 50 anos senti-me alivia- do: finalmente acabara a crise dos 40!

No domingo que vem, a União Europeia comemora o 50.º aniversário do Tratado de Roma, num ambiente onde não é seguro que consiga ultrapassar a crise dos 40, ou seja, num clima de incerteza quanto à superação do período de indefinição de rumo resultante da reprovação do tratado constitucional nos referendos francês e holandês de Maio e Junho de 2005.

O paradoxo da União é que parece mais popular fora das suas fronteiras do que dentro delas... Com efeito, quer como exemplo de integração regional quer como pólo de atracção de futuros potenciais membros, o projecto de integração europeia continua a aparecer, a quem o vê de fora, como um jogo de soma positiva em termos de consagração da paz, da prosperidade económica, da coesão social, da segurança e do equilíbrio nas relações internacionais. No fundo os mesmos valores que há 50 anos motivaram os "pais fundadores" e presidiram à celebração do Tratado em Roma, em 25 de Março de 1957.

Mas, paradoxalmente, a União parece suscitar menos entusiasmo junto dos que já cá estão dentro, seja nos países fundadores (os seis que estiveram em Roma há 50 anos), seja nos que sucessivamente foram entrando até aos 27 Estados membros actuais. Para estes, os 50 anos surgem mais como um referencial de habituação do que propriamente como um motivo de continuada e renovada paixão...

Uma sondagem recentemente divulgada pelo Financial Times (FT/Harris, publicada em 19 de Março) indicava que cresce o número dos que pensam que o seu país estava melhor antes de aderir do que depois da adesão à União Europeia (44%) entre os cidadãos da Inglaterra, França, Alemanha, Itália e Espanha...

Este resultado aparece em contraste com os números do Eurobarómetro, que normalmente é realizado duas vezes por ano (na Primavera e no Outono) pela Comissão Europeia, quer quanto ao total dos países da União quer quanto àqueles cinco em particular.

Mesmo assim, segundo aquela sondagem, nos mesmos cinco países apenas 22% acham hoje que o seu país estaria melhor se saíssem da União Europeia, contra 40% que pensam o contrário!

Isto significa que, para os inquiridos, permanecer vale a pena, ainda que sem grande entusiasmo ou em parte também porque o risco de sair acabaria por ser ainda maior do que permanecer no que já se conhece...

Em linha com o Eurobarómetro, as posições mais críticas em relação ao projecto europeu são assumidas pelos ingleses, mas mesmo entre estes há uma maioria que prefere ficar na União que tanto critica a optar pela porta de saída.

Chegados a este ponto, não podemos deixar de reconhecer que um saldo tão pouco motivador parece parco perante a magnitude das realizações obtidas nestes últimos 50 anos!

Serão então os europeus uns ingratos? Não creio.

As respostas que evidenciam algum desalento até podem ser tidas como fruto do sucesso destes 50 anos de integração.

Com efeito, a União aparece aos olhos dos europeus como dado adquirido, uma realidade natural em relação à qual não haverá que creditar os sucessos do passado.

A paz, o desenvolvimento económico, a coesão social, a segurança, são tudo elementos que representam uma espécie de "obrigação natural" do projecto de integração europeia. Desfrutam-se mas não se agradecem!

O que suscita ansiedade e desconfiança nos europeus são as expectativas para o futuro que eventualmente poderão não ser satisfeitas pela União, tal como ela hoje se apresenta e funciona.

Existe, pois, em menor grau, um desejo ou até um receio de um retrocesso ou de uma diluição suave do projecto europeu, mas mais uma dúvida funda que consiste em tentar saber se o modelo de sucesso que deu frutos nestes 50 anos ainda pode resultar para futuro no mundo globalizado em que vivemos.

Ou seja, se o projecto de prosperidade e de coesão social europeu ainda pode funcionar neste momento de profunda transformação à escala planetária.

A resposta a esta questão passa pela redefinição de um novo compromisso entre competitividade e emprego, entre prosperidade e solidariedade territorial e entre as gerações.

A Declaração de Berlim do próximo domingo não pode deixar de iluminar o caminho desta resposta inadiável.

DN, 23-3-2007, pág. 8
 
Uma horinha curta

Jacinto Lucas Pires
Escritor
jacintolucaspires@gmail.com

A União Europeia faz 50 anos, e os representantes políticos dos 27 Estados membros juntam-se este fim-de-semana, em Berlim, para soprar as velas. Mas todos nós somos chamados a pensar o projecto chamado Europa.

Pensá-lo enquanto "conseguimento" político único: qual o seu sentido e alcance, quais os seus problemas e obstáculos, quais os seus desafios e desígnios.

É uma hora especial, esta "horinha curta" (como se costuma dizer dos partos, em jeito esperançoso). Um momento propício, naturalmente, a todos os balanços, mas também aberto, espera-se, a novas contribuições e ideias. Aliás, mais do que "fazer as contas a vida", a Europa necessita de uma visão para a frente. Uma afirmação enérgica e "saída--da-casca" do que quer ser amanhã - o amanhã literal, que a crise está aí, e o amanhã dos tempos mais próximos, que esta não é uma História com "fim da História" como antigamente.

A propósito deste aniversário e do actual impasse de alma, Timothy Garton Ash refere, no The Guardian e em www.europeanstory.net, a necessidade de encontrarmos uma "narrativa" para a Europa de hoje. Para tal, propõe, a partir de alguns objectivos comuns fundamentais, as "linhas" com as quais coser o nosso futuro colectivo - liberdade, paz, direito, prosperidade, diversidade e solidariedade - e, de caminho, lança a questão: e, você, que história escolhe para a Europa?

Jogando um pouco com os termos (mas não com as ideias), respondo que sou por uma Europa positiva e uma Europa da abertura - abertura à diferença (contra todas as lógicas de "fortaleza"), abertura ao futuro (educação, investigação, criatividade), abertura ao mundo (uma UE com voz no palco global). No Velho Continente, mostramo-nos por vezes demasiado conscientes do peso da nossa "História" e, nos velozes dias de hoje, isso tende a complicar a clareza da tal "narrativa". É preciso sacudir poeiras e fazer da Europa o lugar dos novos começos.

Isto não significa, obviamente, apagar a memória, pôr a autocrítica entre parênteses, ou facilitar de alguma forma. Não: a exigência tem de ser constante. Mas falta, creio, dar a ver aos cidadãos uma Europa de possibilidades e vontades, um verdadeiro lugar--de-querer. Sim, tal e qual - como nas melhores histórias.

DN, 23-3-2007, pág. 56
 
Roma e Portugal

António Costa Pinto
Professor universitário
acpinto53@hotmail.com

Quando o Tratado de Roma foi assinado, há 50 anos, a notícia não passou despercebida em Portugal, sobretudo entre diplomatas e elites industriais, mas as preocupações do ditador Oliveira Salazar e dos portugueses eram outras. A nível interno, apesar do sucesso da visita da Rainha Isabel II a Portugal, agravavam-se as tensões com o Presidente Craveiro Lopes, os monárquicos apoiantes da ditadura levavam um balde de água fria nas suas esperanças de restauração da monarquia e a oposição já fervilhava na preparação das eleições presidenciais de 1958, quando Humberto Delgado provocou um rombo decisivo no Estado Novo.

Mas não eram apenas o abismo de pobreza e a ausência de democracia que separavam Portugal dos fundadores da Comuni-dade Europeia. A resistência à descolonização e os sonhos de um império africano disfarçado com "lusotropicalismo" jogaram o seu papel, ainda que as hesitações inglesas e a criação da EFTA, à qual Portugal acabaria por aderir, tivessem oferecido à ditadura muito mais do que seria de esperar.

A história que aqui conto poderia ser feita para a vizinha Espanha, com outros factores, e para muitos países da Europa central, nessa altura ditaduras comunistas, dependentes da então União Soviética. Quem imaginaria nesse final dos anos 50 a extensão da actual União Europeia e o seu sucesso?

Não vale a pena transformar em heróis os pais fundadores deste Tratado de Roma, mas as opiniões públicas das democracias deveriam prezar mais estes dirigentes políticos mais ou menos banais, que foram partindo a cabeça em negociações para criar e depois alargar estas instituições supranacionais, garantes da integração económica e depois política da Europa.

Hoje, quando olhamos para trás, temos que admirar esta cultura de negociação que só muito mais tarde foi chegando ao sufrágio universal e ao debate político no interior dos Estados membros. Há sempre pouca glória na negociação das quotas de produção de tomate ou sobre o que é uma cerveja, mas muito deste mercado único incompleto passou por aí, antes de termos um Parlamento Europeu, umas fronteiras mais abertas ou um sr. Javier Solana a visitar o mundo.

Para Portugal, este tratado começou a ter efeitos logo na década de 60, quando ainda estávamos longe de pensar que ele nos diria directamente respeito, mas a partir dos anos 80 ele acabou por ser o melhor garante político e depois económico da nossa existência.

DN, 24-3-2007, pág. 64
 
A crise dos 50 anos

Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista

Esta União "é a expressão moderna de como encontrar pontes entre povos diferentes e de como viver valores partilhados mantendo identidades distintas". "As forças gémeas da globalização e da interdependência são determinantes na nossa era." Pelo que, "no mundo moderno, a necessidade de actuar em conjunto é mais forte do que nunca".

Não, não se trata de palavras celebrando os 50 anos da União Europeia. São frases retiradas de um artigo do primeiro-ministro britânico, Blair, sobre a união entre a Inglaterra e a Escócia e publicado no Daily Telegraph do passado dia 16. Essa união possui "o mercado único há mais tempo a funcionar no mundo, tendo feito desaparecer fronteiras para os negócios".

Blair tomava posição contra o Partido Nacionalista Escocês, que pretende que a Escócia regresse à independência, depois de 300 anos de integração no Reino Unido. Mas os argumentos que usou podem aplicar-se à integração europeia.

Com uma diferença essencial: a UE não é, nem será, um Estado ou um super-Estado. Assim como não é, nem jamais foi, uma mera organização intergovernamental. É outra coisa, diferente dos esquemas tradicionais. Aí está a sua força - a força da união.

Por isso foi um erro colossal chamar "Constituição" ao Tratado Constitucional chumbado nos referendos em França e na Holanda. A construção europeia é avessa às grandes palavras, como Estados Unidos da Europa, patriotismo europeu (não há uma pátria europeia), patriotismo constitucional (proposto por Habermas), Constituição, etc.

O cerne do projecto de integração que agora completa meio século (aliás é mais antigo, pois começou em 1951 com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) está no complexo jogo da partilha de soberania entre os países membros. É a única maneira de os Estados do Velho Continente terem algum peso no mundo actual.

Não se pretende criar uma superpotência como contrapartida aos Estados Unidos, fantasia felizmente irrealizável. Interessa, sim, dar melhores condições de vida aos europeus.

No plano económico, desde logo. São evidentes as vantagens de já não termos, na UE, uma multiplicidade de mercados nacionais mais ou menos fechados. E quem gostaria de andar para trás nas "quatro liberdades", de circulação de pessoas, serviços, mercadorias e capitais?

Ora aí existe um risco de recuo. O "patriotismo económico" renasceu na Europa com os receios da globalização. Lembra o período entre as duas guerras mundiais, quando a escalada proteccionista levou ao desastre.

Mas fará ainda sentido a integração europeia, em particular na sua vertente política? A guerra fria pertence ao passado, a paz parece assegurada entre os países da UE, o essencial do alargamento a Leste está feito... Os europeus sentem-se distantes das instituições da União e desinteressam-se da integração. Os políticos raramente falam da Europa.

São, aliás, patentes as divisões entre os membros da UE. Vejam-se as divergências quanto ao relacionamento com a Rússia, em matéria de energia ou de instalação de mísseis americanos antimíssil. E não será fácil a distribuição pelos 27 dos cortes de CO acordados globalmente no último Conselho Europeu.

E depois? Claro que há diferenças, problemas e limitações. Mas importa preservar o que já se conseguiu, que foi muitíssimo. E prosseguir insistindo nos "pequenos passos" com efeitos práticos a longo prazo, como Monnet preconizava. O intercâmbio de universitários proporcionado pelo Erasmus, por exemplo, faz mais pela integração europeia do que muitos tratados.

O decisivo é abrir cada sociedade nacional ao intercâmbio com os parceiros da UE, criando laços entre os cidadãos dos vários países membros. A cultura da diversidade é uma riqueza da Europa. Por isso devem travar-se os excessos homogeneizadores de Bruxelas, sem todavia esquecer que muitas dessas intervenções são necessárias para impedir proteccionismos nacionais.

Mas a Europa não pode avançar contra as opiniões públicas dos vários países das União. É preciso abandonar vanguardismos e tentar a sério aproximar as instituições europeias dos cidadãos - nomeadamente envolvendo mais os parlamentos nacionais no processo de decisão na UE. Receio, porém, que a retórica das comemorações do cinquentenário da União não aponte nesse sentido prático e humilde. E que a prioridade que Angela Merkel atribui a ressuscitar a malograda "Constituição" acabe por acentuar o alheamento dos europeus face à União.

DN, 24-3-2007, pág. 12
 
Contas feitas

Os líderes europeus, reunidos em Berlim,
mandataram a presidência alemã
para fazer avançar o dossier da União
Política bloqueado com a recusa do
Tratado Constitucional por franceses e
holandeses. Angela Merkel propôs-se
conseguir, até 2009, um consenso em
torno de um novo texto nem que para
isso seja preciso convocar uma Conferência
Intergovernamental para o efeito.
Poderá a presidência Portuguesa (que em Junho vai
herdar este caderno de encargos) terminar com a assinatura
de um “Tratado de Lisboa”?
A tarefa não é impossível mas não será fácil. Sócrates fará
tudo o que puder para não desperdiçar esta possibilidade
e evitar que sejam os eslovenos, que se seguem na presidência,
a colher os louros do esforço alemão mas só o conseguirá
se muita coisa mudar na Europa entretanto. Não
basta o voluntarismo da senhora Merkel, para garantir o
sucesso da missão recebida dos seus pares. À saída de Berlim
o primeiro-ministro polaco foi o primeiro a afirmar que
a meta limite imposta, pela chanceler alemã, para conseguir
um consenso em torno de um novo texto _ mesmo que
este perca as características constitucionais_ é
“irrealista”. Às reticências polacas somam-se as checas ,
holandesas e francesas.
É verdade que um novo presidente francês pode facilitar a
solução uma vez que a actuação de Chirac acabou por ser
desastrosa, para todo o processo de adopção do Tratado
Constitucional, ao impor aos franceses um referendo que
eles (por razões de política interna) não estavam preparados
para aprovar. Mas a resistência de Paris só se altera se
Sarkozy _ que lidera actualmente as sondagens_ acabar
derrotado nas urnas quer por Ségoléne Royal, que recolocará
os socialistas no poder, quer por François Bayrou (o
líder da UDF que se afirma um centrista euro-optimista).
A vitória de Sarkozy, que tem no seu programa a criação
de um ministério da “identidade nacional”, traduzir-se-á
num novo atraso no processo de união política. Por outro
lado a opinião pública na Grã-Bretanha continua muito
desfavorável à Europa e Blair, em Berlim, remeteu-se ao
silêncio.
Só haverá sucesso se a França e a Alemanha enveredarem
por uma solução do tipo proposto por Mário Soares, em
declarações à RR, no último Diga Lá Excelência. O processo
só avançará se os velhos membros fundadores deixarem,
mais uma vez, de lado o parceiro inglês e todos os
que agora não se dispõem a avançar com a União. Talvez a
Grã-Bretanha, repetindo a história, venha poucos anos a
reconsiderar a sua posição. Foi isso que aconteceu com o
velho Tratado de Roma a que os ingleses acabaram por se
render.

Graça Franco

Vídeo do Contas Feitas em www.rr.pt

RRP1, 26-3-2007
 
PS e PSD aceleram referendo ao tratado

Francisco Almeida Leite

O PS e PSD vão lançar o debate em volta da necessidade de referendar o Tratado Constitucional europeu em Portugal. A consulta poderá mesmo avançar já no próximo ano, depois da presidência portuguesa da União Europeia (no segundo semestre deste ano) e antes da presidência francesa, que se realiza no segundo semestre de 2008. Com alguns ajustes e passado o tempo de reflexão imposto pelos "nãos" dos referendos em França e na Holanda, a UE quer ver o tratado referendado e ratificado por todos os países a tempo das próximas eleições para o Parlamento Europeu, em 2009. O calendário bate certo com a promessa de José Sócrates de fazer o referendo europeu ainda no decurso desta legislatura.

Ao DN, Vitalino Canas, porta-voz do PS e presidente da Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República, diz que o referendo "é um compromisso eleitoral do partido que está no Governo e é maioritário". O deputado lembra que a Constituição portuguesa já o permite e avança com um ponto de partida e um deadline para a consulta: "A Europa está a cumprir um calendário, entre a presidência alemã [em curso] e a presidência francesa [segundo semestre de 2008] o referendo pode ter lugar." Para Vitalino Canas, Portugal não deve fechar a porta "a um ou outro acerto" ao TCE, mas recusa a ideia da revisão pretendida por Nicolas Sarkozy, candidato presidencial francês: "Não se pode reduzir o tratado à parte institucional."

O líder do PSD, Marques Mendes, também defendeu ontem, em Berlim, a realização do referendo. "Há um compromisso político com os portugueses e acho que os compromissos devem ser honrados", disse Mendes, defendendo ainda que "todos os políticos e todos os partidos" já prometeram dar voz ao povo.

Em relação ao tratado, Marques Mendes manifestou-se convicto, em declarações à Lusa, de que a UE "vai ter engenho e arte para ultrapassar esta dificuldade" [ratificação]. Uma posição em que o líder está por uma vez sintonizado com o seu antecessor. Ao DN, Pedro Santana Lopes diz que "PS e PSD têm de desdramatizar o assunto, aliviar a carga e pôr a tocar o hino da alegria".

O ex-primeiro-ministro acha "notável" o trabalho conduzido por Valery Giscard d'Estaing "e por Ernâni Lopes". "Não se pode deitar fora um tratado que está muito bem feito. Eu não sou um federalista, mas acho que com algumas alterações o tratado é viável, desde logo porque está mais próximo da actualidade. Foi feito para uma Europa a 25 e estamos a 27. O que está em vigor [o de Nice] é para uma Europa a 15."

Santana Lopes adianta que "é desejável que, quanto antes, os portugueses expressem a sua adesão ao ideal europeu, num novo género. Em vez de uma federação, como muitos queriam, agora será mais próximo de uma confederação".

DN, 25-3-2007, pág. 2
 
História de cinco décadas celebrada em ambiente de divisões e incerteza

Fernando de Sousa

Divergências na preparação da declaração política sobre o futuro da União Europeia, a subscrever hoje em Berlim, ofuscam o espírito de unidade que o documento pretende incutir nos 27 Estados membros.

Esta declaração, que assinala os 50 anos do Tratado de Roma, o documento fundador da então Comunidade Europeia, põe em destaque o que foi conseguido até agora, como a liberdade de circulação e o euro, e enumera os próximos desafios, como as alterações climáticas e a resposta à globalização. O documento pretende relançar o espírito comunitário e servir de contraponto ao desapontamento gerado pela rejeição do projecto de Constituição, nos referendos de França e Holanda, em 2005. Também se pretende estimular a aproximação entre as instituições europeias e a opinião pública.

A celebração do aniversário do Tratado é acompanhada de manifestações de rua. Ontem à noite, muitos museus de Berlim estiveram abertos, enquanto 35 discotecas da cidade tinham previstos programas especiais. Hoje, junto à Porta de Brandeburgo, há pavilhões de todos os Estados membros da UE, para aprecia- ção das suas tradições e gastrono- mia, além de um grande concerto.

A Declaração de Berlim esteve rodeada de controvérsia, com diferentes opiniões dos Estados membros sobre os elementos a incluir. Por exemplo, a menção ao euro foi posta em causa pelo Reino Unido, país que rejeitou essa divisa.

O último problema foi resolvido entre a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente checo, Vaclav Klaus, para quem a preparação decorrera "sem transparência". A fase de discussão foi alvo de críticas ao secretismo da presidência alemã.

Com o esforço para equilibrar as diferentes sensibilidades, o texto acabou por sair diluído, especialmente na referência a um dos temas mais sensíveis: o esforço para conseguir a ratificação da futura Constituição europeia. Depois das reservas em torno deste processo, a palavra "Constituição" é evitada, devendo ser substituída por "Tratado Constitucional".

A declaração menciona o empenho da UE numa "base comum renovada" até 2009. Também não se quis trazer, declaradamente, esta expressão para o primeiro plano, enquanto decorrem os preparativos para as eleições em França, um dos países mais sensíveis neste processo.

Na assinatura do documento, a Angela Merkel juntar-se-ão Durão Barroso e o presidente do Parlamento Europeu, Hens-Gert Poettering, além dos chefes de Estado e de Governo de todos os países membros, incluindo José Sócrates.

DN, 25-2-2007, pág. 4
 
O texto que lançou a grande Europa

Luís Naves

O Tratado de Roma foi assinado apenas doze anos após ter terminado o pesadelo de um conflito que tinha deixado a Europa em ruínas. O objectivo inicial foi o de aproveitar os bons resultados da anterior negociação que estabelecera, em 1951, o mercado comum do carvão e do aço. O novo documento liberalizava o comércio e abria caminho à futura política agrícola comum. O conceito mais importante era o das "quatro liberdades": livre circulação de pessoas, bens, capitais e serviços.

Na origem dos documentos estava a preocupação económica, mas o pano de fundo era a necessidade de pacificar França e Alemanha, que tinham combatido entre si, por três vezes, nos anteriores 80 anos.

Estes aspectos escaparam aos redactores do Diário de Notícias, que, na edição de 26 de Março de 1957, escreviam uma adjectivada notícia sobre a assinatura, na véspera, dos tratados do Mercado Comum Europeu e do "Eurátomo". Este último, concluído no mesmo dia, pretendia regular a então promissora tecnologia nuclear. O texto seguia sem destaque excepcional, na página 5, a duas colunas e sem foto.

O DN referia que o "acontecimento, de significado histórico, constituiu sóbrio mas imponente espectáculo". De acordo com o relato, que se baseava nos despachos das agências, "chovia intensamente, mas grande multidão esperava na praça do Capitólio, abrigada por guarda-chuvas, a chegada dos ministros".

Seguiam-se pormenores dos discursos. As negociações do Tratado de Roma tinham sido difíceis e prolongadas e faltava a ratificação pelos parlamentos dos signatários.

No fundo, o Tratado de Roma foi assinado por três países de dimensão apreciável (Alemanha, França e Itália), além de três de pequena dimensão (Holanda, Bélgica e Luxemburgo). O primeiro trio era formado por derrotados da Segunda Guerra Mundial, na altura com população semelhante. (A França foi perdedora da guerra, pois esteve sob ocupação e perdeu depressa o império.)

O sentimento de fragilidade política juntou-se ao desafio soviético: a URSS lançara meses antes uma invasão da Hungria. Paris teve uma humilhação adicional (talvez decisiva), na Crise do Suez.

O texto do DN não menciona estas circunstâncias nem se estende sobre o significado dos dois documentos. Portugal vivia sob ditadura e não terá passado pela cabeça dos jornalistas a ideia de que um dia o País também assinaria aquele tratado (entretanto tornado mais complexo, com a adição do Acto Único).

Mas o discurso de Christian Pineau, o MNE francês, citado na notícia, já antecipava tudo. Na cerimónia de assinatura, o diplomata explicou que os tratados iam mudar profundamente a vida dos europeus. "O nosso desejo é associar outros países a esta obra, e sobretudo a Grã-Bretanha", afirmou o ministro. E, mais à frente, a mensagem era explícita: "Os seis países europeus aqui representados não vieram para constituir uma 'pequena Europa', mas para lançar as bases de uma futura grande Europa, cuja união e força será uma garantia para a paz no mundo".

DN, 25-3-2007, pág. 6
 
Dez desafios Algumas das questões que vão marcar o próximo meio século da União Europeia



Até 2009, os 27 precisam de uma solução para a Constituição Europeia. Mas o novo tratado é apenas o desafio mais urgente. Os países da UE enfrentam perigos globais, da concorrência asiática ao radicalismo islâmico. Degradação do ambiente, Estados falhados ou proliferação nuclear também irão bater à porta. Apesar da incerteza, as questões dos próximos 50 anos podem ser estas:

Democracia O afastamento dos eleitores é talvez o pior problema da UE. A organização terá de ser mais democrática. Por isso, o Parlamento Europeu ganhará poderes e já se fala em referendo europeu, para evitar que um país decida pelos outros.

Impostos O actual orçamento gera grandes divisões. Também é excessivamente pequeno. Em 2009, começam as negociações para a reforma orçamental da UE, com redução do peso da agricultura e ênfase na competitividade. A prazo, o mercado único exigirá harmonização fiscal. O orçamento poderá ser financiado por um futuro imposto europeu (talvez 5% do PIB, contra os actuais 1%).

Defesa e segurança O novo tratado abre caminho a políticas comuns de defesa, segurança, justiça e imigração, actualmente na esfera da cooperação entre Estados. O futuro exército europeu está em embrião.

As redes Estão em formação vastas redes de comunicações (estradas, caminhos de ferro), mas também de energia. A ambição é facilitar o transporte de bens e pessoas e harmonizar os procedimentos. Tudo isto reduz custos e acelera a integração.

As regiões A política regional é um dos maiores triunfos da integração europeia. Visa ajudar as regiões perdedoras. Todos os Estados membros têm muito a ganhar com o reforço desta área política.

Mercado único É o Santo Graal da UE. As empresas e a economia beneficiam com a concorrência. Os trabalhadores circulam para regiões mais afortunadas. Mas há imperfeições: línguas, barreiras administrativas, campeões nacionais. O futuro passa pela expansão do mercado único a serviços, incluindo os públicos.

A moeda O euro, moeda forte e estável, é um êxito. Mas há um problema: os diferentes países necessitam de taxas de juro distintas, sobretudo devido às imperfeições do mercado único e diferenciais de produtividade.

Ambiente A Europa quer liderar a nível mundial na legislação sobre ambiente. Os padrões escandinavos são a bitola.

As fronteiras É o dilema da UE. Onde acabam os alargamentos? A Turquia entra? Este é um debate que implica decisões estratégicas sobre o papel da Europa no mundo.

Um papel global A Europa continuará a ser apenas um bloco com influência e sem capacidade de projecção de poder ou terá músculo, diplomacia e vontade próprias? LN

DN, 25-3-2007, pág. 6
 
A Europa nos seus 50 anos

Rui Machete
Advogado

A actual União Europeia celebra o seu 50.º aniversário. Fá-lo num ambiente de incerteza e de dúvidas quanto a algumas opções importantes do seu futuro. Não faltam, aliás, os que, sublinhando a gravidade da crise - o que constitui um facto indubitável -, se apressam a anunciar o colapso do projecto europeu - o que já se nos afigura uma futurologia débil ou, pior, uma opção política baseada em nacionalismos excessivos e estreitos ou em filosofias da história derrotistas.

A presente situação deve-se seguramente a razões várias e complexas. Mas foi agravada por um excesso de voluntarismo racionalista. Até à elaboração de um projecto de Tratado sobre a sua Constituição, a Europa, nos campos político e económico, fazia-se primeiro e pensava-se depois. Foi esse o dinamismo histórico que lhe permitiu alcançar grandes sucessos, como bem o sublinhou J. Weiler no célebre ensaio sobre A Transformação da Europa.

A acrescer às dificuldades próprias do processo histórico que vivemos junta-se um novo problema: a necessidade de ultrapassar a tentativa falhada de elaborar uma Constituição europeia sem povo europeu e rigorosamente sem titular de um poder constituinte legítimo. Rejeitado formalmente o projecto por alguns - a França e a Holanda, através dos referendos de 2005 -, quedámo-nos com um nado-morto melhor, com um nascituro que não vingou e que precisamos de nos desembaraçar.

Bem vistas as coisas, as disposições do chamado Tratado sobre a Constituição Europeia não eram assim tão más. Clarificavam muitos preceitos dos tratados anteriores, agilizavam processos de decisão que o aumento do número de membros torna imprescindível, recebia uma declaração de direitos, incluíam no âmbito da integração alguns novos pilares que a evolução tornou aconselhável. O erro que se tornou imperdoável foi a sua qualificação como Constituição a lembrar a Lei Fundamental dos Estados Unidos, e a pretensão política de construir o federalismo que essa qualificação nos termos e no momento em que foi feita necessariamente envolvia.

Torna-se, porém, necessário não confundir o essencial com aspectos importantes mas acessórios.

Os benefícios do projecto europeu foram sem dúvida económicos e por via da justiça distributiva também sociais. A justo título, fala-se do êxito do Mercado Comum europeu e da concorrência que trouxe consigo, do aumento da produtividade e do crescimento do produto, e do sucesso do euro, tudo agora um pouco empalidecido pela actual estagnação económica e pelas dificuldades de sustentação do modelo europeu. Mas será oportuno chamar à colação outros pontos não menos relevantes. A robustez das organizações políticas mede- -se e reforça-se com a necessidade de reagir aos desafios do ambiente exterior. A dimensão da segurança externa assume uma relevância cada vez maior. O desconcerto das nações a que vimos assistindo, os projectos de poder e de expansão de alguns ditadores ou de líderes teocráticos e a crescente ameaça do terrorismo internacional tornam o mundo em que vivemos perigoso. O espaço europeu é assim não apenas uma zona de razoável segurança e convivência interna como uma prevenção e uma garantia contra agressões do exterior. Este não é um factor despiciendo na construção europeia.

Segurança e estabilidade económica, respeito pelo valor fundamental da pessoa humana, vivência das instituições democráticas, tudo são elementos essenciais do haver da construção europeia que conduzem a um juízo positivo e a esperar que a União Europeia já suficientemente madura seja fiel ao seu papel de promotora da liberdade e da paz no mundo.

Os responsáveis políticos têm, todavia, esquecido, talvez por considerarem conhecimentos adquiridos por natureza, que as ge- rações mais novas não têm necessariamente consciência do esforço desenvolvido pelo passado, dos êxitos obtidos e sobretudo de que as estruturas políticas e sociais são realidades por natureza instáveis ou precárias, isto é, necessitam de um esforço permanente de sustentação. Não se mantêm sem o entusiasmo e o trabalho dos que acreditam nos seus valores e na capacidade do colectivo para que os fins comuns sejam atingidos. Nesta hora festiva e de celebração, um pouco ensombrada por preocupações que não podem ignorar-se, será particularmente adequado o esforço pedagógico de concitar os mais novos a participarem na tarefa comum de controlar uma dinâmica e um projecto que tem valido a pena ser vivido.

DN, 25-3-2007, pág. 12
 
Nem paz nem pão

Joana Amaral Dias
Psicóloga
genecanhoto@gmail.com

Há 50 anos, a Europa estava falida e a lamber as feridas da guerra. Os fundadores da UE tiveram o rasgo de perceber o que os europeus queriam e precisavam: paz e prosperidade. Dar voz aos povos foi a garantia de sucesso. Meio século depois, nem paz nem pão. Aos cidadãos resta a razão de estar do lado certo da união. Aos líderes sobra a Constituição?

Não é exacto anunciar que atravessamos o mais longo período de paz. Com o Iraque, só aparentemente a guerra está longe. Aliás, não se pode invocar a globalização apenas quando convém... Esta guerra conta com forças europeias e trouxe o conflito até nós (é preciso lembrar os ataques a Londres e a Madrid?!). A paz está podre. Afirmar que a Europa vive em concórdia é um diminutivo de declarar que os EUA estão em paz. Pífio.

Quando Blair, Aznar, Berlusconi e Durão Barroso (que agora preside à Comissão!) alinharam com Bush, os europeus exprimiram forte oposição e a desilusão perante o ruir de um importante valor. Porém, o retorno das massas à rua europeia, o assomar de uma opinião pública europeia e mundial, foram desprezados. Os dirigentes lamentam a ausência de um "povo europeu", mas quando ele desponta, unido por uma causa e vigoroso na sua defesa, ficam de olhos bem fechados.

A ansiada prosperidade foi inicialmente cumprida. A par da revitalização da economia, edificou-se o Estado Social e conquistaram-se direitos laborais. Mas, a partir do momento em que começaram a arrasar os serviços públicos, que os direitos dos trabalhadores passaram a subtracção diária, o desemprego subiu e a economia estagnou, as expectativas estatelaram-se. E os europeus lêem na Constituição o expoente desse estado de coisas e mesmo do seu agravamento. Os líderes, uma vez mais, fazem vista grossa. Tentam até, a reboque dos 50 anos, ressuscitar a dita Constituição.

A paz tombou em 2003, o ataque à prosperidade escreveu-se em 1998, com o pacto de estabilidade, e foi simbolizado em 2005 com a Constituição. Em 2007, os europeus sentem que, fora o passado, quase nada há para celebrar. Num aniversário espera-se "que conte muitos". Mas, assim, há pouco futuro para entrever. Na festa da meia-idade, compareceram os donos do salão, os porteiros e os administradores do banquete. O povo, desta vez, ficou em casa. Nem apareceu a quem quis dar música. E bem.

DN, 26-3-2007, pág. 56
 
Parabéns a nós!

O eurocepticismo está na moda e isso é uma ingratidão. A Europa que acaba de fazer 50 anos merece parabéns por meia dúzia de razões - se é que queremos ficar só por meia dúzia. Aliás, se deslocarmos o olhar do umbigo, poderemos reconhecer admiração nas capas das últimas edições das revistas americanas Time e News-week. Outras homenagens: a via europeia é tão boa que os latino-americanos, com o Mercosur, querem o mes-mo para si, tal como os asiáticos, com a ASEAN. Por enquanto simples remedeios, já que o farol de uma unidade continental conseguida continua a estar em Bruxelas. Seguem-se as seis boas razões.

Primeira - o facto absolutamente inédito na milenar história europeia: nas fronteiras da que foi Comunidade Económica Europeia (seis países iniciais) e é hoje União Europeia (27 países), passámos meio século sem uma só guerra interna. Parece normal esse facto? Habituamo-nos rápido às boas coisas. No entanto, pouco tempo antes, e no espaço de 70 anos (1870- -1940), dois grandes países desse espaço, França e Alemanha, declararam guerra entre si, por três vezes. Arrastando dezenas de outros países.

Segunda - esta União Europeia de 500 milhões de cidadãos vive em democracia. Quando, nem uma geração antes, alguns viviam sob o comunismo e, há pouco mais de 30 anos, Portugal, Espanha e Grécia tinham ditaduras de direita. A alternativa atractiva que era a Europa unida e democrática foi a razão principal para a evolução desses países.

Terceira - graças à UE estamos em casa quando não estamos em casa. Podemos esquecer o passaporte em casa, no Porto, e passear em Florença. Podemos pagar o café em Hamburgo com as moedas que recebemos de troco em Valência.

Quarta - esta Europa fez o Eras-mus. Um milhão e meio de jovens, todos os anos - e já lá vão vinte -, estudam noutro país que não o seu de origem. É verdade que isso não é grátis e quem o paga é a União Europeia, isto é, nós. Mas é dinheiro bem gasto.

Quinta - a capacidade de íman da Europa é tão grande que a Inglaterra, reticente a tudo que venha do continente, já gera líderes europeístas e tem boa parte da opinião pública ganha a essa causa. Ora a ideia básica de Ocidente democrático precisa dessa vontade comum que só tem sido conseguida em situações de guerra e hoje se faz em prosperidade e paz.

Sexta - o pessoal burocrático de Bruxelas é enorme, é. Mas, governando 500 milhões de pessoas, é do tamanho dos funcionários municipais de uma só cidade como Paris.

DN, 26-3-2007, pág. 8
 
E daqui a 50 anos?

Luís Delgado
Jornalista

Mais importante do que olhar para os 50 anos da Europa é tentar fazer uma prospectiva do que será o próximo meio século num continente que pela primeira vez, descontando a tragédia dos Balcãs, se uniu, pacificou e cresceu como nenhum outro bloco na História das Nações.

A UE, que agora tem 27 membros, e 490 milhões de habitantes, vai ainda alargar fronteiras, sendo que o problema da Turquia e de alguns Estados da antiga União Soviética terá de se resolver. A Europa será tanto mais forte, coesa e politicamente segura quanto a sua união política e económica se alargar do Atlântico aos Urales, como muitos visionários pretendiam, embora por meios diferentes.

As próximas décadas mostrarão, igualmente, se esta Europa rica e fechada, tipo condomínio, conseguirá entender-se e abrir - de muitas formas - a países da nossa orla mediterrânica, e que não podem ser dissociados da nossa grandeza, riqueza, bem-estar e futuro tranquilo.

De nada nos servirá ter paz e estabilidade interna, com 30 ou mais países, se isso apenas servir para agravar as disparidades com os nossos vizinhos da África do Norte e do Médio Oriente. A Europa será um paraíso de estabilidade, é certo, mas num mundo caótico, isolado e preparado para nos destruir e instabilizar.

Este é, talvez, o maior e o mais intenso desafio que se colocará à União nas próximas décadas, mas que não pode ser tão longínquo que ponha em causa o prazo de validade para se construir um segundo círculo de aproximação e entendimento.

E se 13 países já fazem parte da nossa moeda única, muitos outros se juntarão e darão força a esse símbolo concreto da União, que será mais forte e estável a nível mundial, até pelas exigências que lhe estão implícitas. O euro, ao contrário do dólar - e daí a sua força constante - exige muito de cada Estado aderente, a todos os níveis, ao contrário do que acontece com a moeda americana, que será tanto mais fraca e volátil quanto as Administrações não conseguirem equilibrar as suas contas internas e as despesas crescentes que o seu Orçamento federal exige. Não será difícil adivinhar, olhando para o actual valor comparativo, que um euro valerá sempre mais, cada vez mais, em relação ao dólar e a outras moedas fortes. Mesmo com tudo o que isso tem de bom e mau.

Por fim, a União tem de dar o passo fundamental para o seu amadurecimento e estabilidade, com a aprovação de um Tratado Constitucional que crie os necessários órgãos políticos e militares que transformem a União Europeia numa verdadeira potência política, capaz de impor e ditar regras, resolver diferendos e falar como uma superpotência. Não se estranhe, nem duvide, que a União, como bloco, poderá ser um dia destes um dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, onde tudo terá de mudar e ser repensado.

Daqui a 50 anos, salvo os recuos conjunturais, o mundo será tripolar: UE, EUA e China, como primeiras potências, seguindo-se um círculo mais aberto, onde a Índia terá uma presença importante, a par de outros tantos. Esta Europa do futuro promete.

DN, 26-3-2007, pág. 9
 
Futuro tratado da UE decidido em Portugal

Fernando de Sousa
Em Berlim

A presidência portuguesa da União Europeia poderá lançar uma conferência intergovernamen- tal (CIG) para negociar um novo tratado constitucional. Este cenário foi ontem aberto em Berlim durante as celebrações dos 50 anos do Tratado de Roma, em que se pretendeu incutir uma energia política para ultrapassar a crise gerada pela rejeição da França e da Holanda à Constituição europeia, em 2005.

Este aniversário foi consagrado por uma declaração política que confirma o empenho dos 27 Estados membros em que um novo tratado entre em vigor antes das eleições europeias de 2009, pelo que, até à cimeira de Junho, a presidência alemã da UE terá de elaborar um roteiro que relance o debate constitucional.

"Assumindo que as coisas correm bem durante a presidência alemã, é muito provável", frisou o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, "que caiba à presidência portuguesa organizar uma CIG sobre o futuro tratado da UE".

A convocação desta CIG competiria a José Sócrates, que, em Berlim, se mostrou muito prudente, ao dizer que "é cedo para falar, quer da forma quer da substância". O primeiro-ministro considerou que "é preciso esperar" pelo Conselho de Junho. "Mas todos foram unânimes em depositar na presidência alemã uma confiança para que faça uma clara avaliação da situação e defina um calendário para a obtenção de um compromisso político à volta do texto".

Sócrates confirmou também que existe, na UE, um sentimento de que este processo deve ser acelerado: "Todos têm a consciência de que a Europa não pode fingir mais que o problema não existe, não pode mais adiá-lo e tem que o enfrentar. Tivemos muito tempo para a reflexão, o tempo, agora, é de acção."

Interrogado sobre a possibilidade de a CIG ser concluída durante a presidência portuguesa, Barroso considerou que isso seria desejável, porque "quanto mais cedo for resolvida esta questão melhor. Se quisermos ter todas as instituições prontas para as eleições de 2009, é melhor que seja mais cedo".

Se o novo tratado fosse concluído na presidência portuguesa, a sua designação poderia ficar ligada a Lisboa, embora Sócrates e Barroso considerem prematuras tais perspectivas. A Declaração de Berlim evitou a referência a uma Constituição, palavra que desagrada ao público, mencionando "base renovada comum".

A chanceler Angela Merkel recordou que nasceu na antiga Alemanha de Leste e que tinha três anos quando o Tratado de Roma foi assinado e sete quando o Muro de Berlim foi construído.

Num olhar para o futuro, tal como faz a Declaração de Berlim, Angela Merkel apontou desafios como globalização, terrorismo, imigração ilegal e alterações climáticas.

DN, 26-3-2007, pág. 12
 
Tão longe!...

António Perez Metelo
Redactor principal

Quando se assinou o Tratado de Roma, tinha eu sete anos, não dei por nada! Até quase ao fim do liceu pouco ouvi falar da CEE, embora estudasse, desde o jardim- -infantil, na Escola Alemã de Lisboa, que se inseria na rede externa de estabelecimentos de ensino de um dos seus seis países fundadores. Recordo vagas alusões à Política Agrícola Comum, como segurança alimentar, cuja falta tanto afligira as populações exangues na Europa do pós-guerra.

Para um jovem português de então tudo se desenrolava em cenários longínquos: Paris, Londres, Bruxelas ou Berlim pareciam inatingíveis, tal a distância, em tempo e em dinheiro, que era preciso vencer nos anos 60.

Agora, quando procuramos um novo impulso para uma União Europeia com meio século de existência, crescentemente alargada e profunda, lembrei-me do meu grande amigo de adolescência, que estudava então no Liceu Camões. Na altura, confrontávamos as "matérias", em particular, da disciplina de História. E recordo, como se fosse ontem, a surpresa estampada no rosto, quando, a propósito dos grandes conflitos que devastaram a Europa, eu lhe falei da importância crucial da Guerra dos Trinta Anos, que, na primeira metade do século XVII, envolvera mais de uma dúzia de potências, reduzira em 50% a população de regiões alemãs inteiras, marcava o ocaso da hegemonia da Casa de Áustria (que nos governava!) e a ascensão da monarquia francesa e pulverizara o equivalente à actual Alemanha em 350 micro Estados. Tudo isto, mais o início de uma convivência mais pacífica entre católicos, luteranos e calvinistas, consagrada na Paz de Vestefália, parecia-me crucial para entender o século XX europeu. Para ele, isto era chinês.

Na disciplina oficial de História do nosso país tudo isto era marginal. Ele aprendia que o que verdadeiramente importava no Velho Continente acontecia aqui, neste reino abençoado, cabeça da Europa!...

DNE, 26-3-2007, pág. 6
 
A vida começa aos 50...

Margot Wallström
Vice-presidente da Comissão Europeia, responsável pelo pelouro das Relações Institucionais e Estratégia de Comunicação

Há 50 anos, os Chefes de Estado e de Governo de seis países da Europa Ocidental reuniram-se na colina do Capitólio, em Roma, para aporem o seu nome no acto fundador das Comunidades Europeias, bem conhecido sob a designação de Tratado de Roma. Nessa altura, estavam longe de imaginar que, passadas cinco décadas, mais 21 países seus vizinhos tinham também decidido juntar-se ao clube, elevando o total para 27 membros.

O nosso 50.º aniversário é um momento para celebrar as realizações do passado, mas também para nelas nos inspirarmos, a fim de que aproveitem a uma nova geração de europeus. Todavia, como em todo e qualquer aniversário, deverá ser um tempo de reflexão, tanto quanto um tempo de celebração. À medida que a União Europeia vai crescendo, levantam-se novos desafios e mudam as prioridades. De facto, até os próprios fundamentos da integração europeia mudam. É, pois, normal que as futuras gerações tenham uma concepção da Europa diferente da dos pais fundadores. Tendo passado pela terrível experiência da guerra mundial, Jean Monnet, Robert Schuman e seus pares viam a integração europeia como forma de escapar à aparente inevitabilidade de uma nova guerra. Este é um argumento de peso e que ainda mantém a sua actualidade num continente que foi, durante séculos, palco de guerras e onde a paz nem sempre foi a regra, inclusivamente há pouco tempo, fora da União Europeia. Contudo, não o devemos aceitar como pressuposto inalterável. É necessário encontrar argumentos de igual peso para os europeus de amanhã. A UE está em movimento, mas há que reflectir sobre o caminho que deve, de facto, seguir.

Qual é então a visão para os próximos 50 anos? Com o passar do tempo, a dimensão europeia tornar-se-á cada vez mais essencial. O século XXI reserva-nos muitos desafios; juntos, podemos enfrentá-los de forma mais eficaz. A Declaração de Berlim produzirá, assim o esperamos, um testemunho político ambicioso e ao mesmo tempo realista sobre a Europa que queremos para o próximo meio século. Os europeus de hoje têm de adaptar o projecto dos pais fundadores às realidades da vida moderna.

O desafio principal que se nos depara actualmente é o da necessidade de equipar os europeus para a globalização. Na globalização há ganhadores e perdedores. Pode parecer uma frase feita, mas não deixa de ser verdade. Para ser bem sucedida numa economia global e alcançar as taxas de crescimento necessárias para sustentar os padrões de vida actuais, a Europa deve aproveitar melhor a sua força criativa e a capacidade para converter o conhecimento em produtos e serviços de elevada qualidade, e em novos modelos de negócio, dos quais existe grande procura a nível mundial. Contudo, a Europa deve igualmente proteger os seus cidadãos contra os efeitos negativos da globalização e não os abandonar. Na minha opinião, a solidariedade e a inclusão social são também valores europeus fundamentais a que se deve dar maior relevância nos próximos anos.

A segurança e a eficiência no sector energético constituirão uma das principais prioridades da agenda da UE ao longo de 2007. Factores como o aumento dos preços do petróleo e do gás, a dependência cada vez maior da UE em relação a alguns fornecedores externos e a ameaça de alterações climáticas podem e irão certamente afectar a vida quotidiana dos cidadãos europeus. E é impossível enfrentar qualquer destes desafios exclusivamente a nível nacional. Por conseguinte, uma política energética europeia progressista revela-se, assim, indispensável.

Para dar uma ideia, existem determinadas formas concretas de reforçar o impacto dos programas europeus de voluntariado. É possível tirar proveito de todo o potencial disponível através dos excelentes regimes de voluntariado da UE. Entre estes regimes encontram-se, por exemplo, o Serviço Voluntário Europeu (SVE), que tem funcionado sob a responsabilidade da Comissão Europeia desde 1996 e que se destina a jovens entre os 18 e os 25 anos, e o Corpo Europeu de Voluntários para a Ajuda Humanitária, cujos membros prestam um apoio humanitário incalculável a países terceiros mais carenciados. Todavia, e apesar do valioso trabalho levado a cabo por organizações como estas, creio que as verdadeiras potencialidades do sector do voluntariado europeu continuam, em grande parte, por explorar.

Mas, por mais eficaz que seja a UE, e por maior que seja a importância das instituições e da dimensão europeia, será difícil convencer os cidadãos europeus se não conseguirmos entender-nos com eles devidamente. A era da integração determinada pelas elites pertence já ao passado. Uma Europa edificada a partir dos seus cidadãos será uma Europa com fundações sólidas. A Europa é um projecto democrático que exige o envolvimento activo dos seus cidadãos: através da participação nas eleições europeias ou do recurso a outros instrumentos de participação, os cidadãos devem fazer ouvir as suas vozes.

O motor europeu não avariou, mas é bem evidente que não está a trabalhar em pleno regime. Enquanto a UE funcionar em moldes menos democráticos e com menos eficiência do que é legítimo esperar, os nossos esforços para levar avante as políticas que os nossos cidadãos esperam jamais serão totalmente convincentes. Não podemos construir a Europa de amanhã com as ferramentas de ontem.

DN, 27-3-2007, pág. 11
 
A bula de Berlim

Vasco Graça Moura
Escritor

A declaração de Berlim é um documento muito especial. Subscrito pelas figuras de topo do Parlamento Europeu, do Conselho da União Europeia e da Comissão, o texto divulgado não foi previamente discutido nestes órgãos.

Não foi presente ao Parlamento: o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros limitou-se a fazer, ante o último plenário de Estrasburgo, uma abordagem genérica e sintética das suas "prováveis" linhas de força. Por outro lado, tendo sido elaborado com a maior reserva por Angela Merkel, conforme foi amplamente noticiado, também não foi previamente discutido no Conselho; e, por esta mesma razão de secretismo merkeliano, não o pode ter sido na Comissão.

O texto final terá apenas sido precedido de umas trocas de impressões genéricas sobre um núcleo de ideias gerais que dele vieram a constar. E o resto foram subtilezas da presidente em exercício para não ferir susceptibilidades ou contrastar com entendimentos divergentes.

Há mesmo um ponto que causa alguma perplexidade: como é que se pode dizer que "o euro nos faz fortes", falando em nome de todos, se apenas 13 dos 27 países membros aderiram à moeda única? E há outro ponto que é cuidadosamente escamoteado: nada se diz sobre política externa, nem sobre defesa e segurança europeias. Faz-se apenas uma rápida referência à luta contra o terrorismo, o crime organizado e a imigração ilegal, acrescida de outra à solução pacífica dos conflitos, como se isso bastasse... No mais, a declaração passa por alto os graves riscos apresentados pela conjuntura internacional, sem os referir e sem reagir ao facto de eles existirem. Ou seja, fala--se na Europa dos valores, do desenvolvimento e da qualidade de vida, sem se ousar equacionar as consequências que uma segurança e uma defesa autónomas e eficazes poderiam acarretar para o modelo social europeu.

Sendo assim, e embora sem dúvida importante como documento comemorativo e recapitulativo, dificilmente poderá entender-se que a declaração é "proactivamente" representativa da posição dos 27 e ainda mais dificilmente poderá entender-se que abra uma espécie de refundação europeia para uma nova fase da história da União. Não abre coisa nenhuma. O seu sentido útil é o de todos estarem de acordo sobre os enormes benefícios que a União trouxe e quanto à existência de um elenco de problemas que terão de ser enfrentados. Ponto final.

Volta a ser um texto feito de cima para baixo, tal como a já malograda Constituição, o que não permite vaticinar-lhe grande sucesso para desencadear a construção do futuro. E isso acontece, não por Angela Merkel querer arvorar-se numa segunda edição de Giscard d'Estaing sem se dignar dar satisfações a ninguém, mas por ela saber que há uma série de pontos cruciais em que os Estados membros não se entendem. E se não se entendem quanto à substância deles, dificilmente se entenderão quanto à maneira de eles serem resolvidos.

A declaração de Berlim termina falando na necessidade de renovar a forma política da Europa, adaptando-a aos tempos que correm, e proclamando que "estamos unidos no nosso objectivo de colocar a União Europeia numa base comum renovada antes das eleições parlamentares de 2009".

Isto refere-se claramente ao tratado constitucional sem o mencionar expressis verbis. Sendo bem conhecida a vontade de Angela Merkel de ressuscitar a defunta Constituição, a frase citada ganha contornos inequívocos e faz recear que não se procure evitar a tentação federalista nem haja a vontade de circunscrever as coisas à simplificação dos tratados que esteve na origem do indevido e malogrado processo constitucional.

Mas a Constituição de há três anos nunca será aprovada por alguns países, a começar pelo Reino Unido, e aquela piedosa fórmula de "uma base comum renovada" não deriva de qualquer constatação expressa de uma suposta ingovernabilidade da Europa no presente estado de coisas. E esse é um dos pontos que importaria aprofundar. A Europa é ingovernável por falta de uma Constituição, ou é-o devido aos egoísmos nacionais?

Em alternativa, vai ter-se a veleidade de aprovar, antes das europeias de 2009, um texto que ainda ninguém conhece, que ainda ninguém discutiu, que provavelmente ainda não existe e cuja mise-au-point há quem tenha a ingenuidade de esperar da presidência portuguesa?

Três grandes figuras europeias subscreveram a "bula" de Berlim. Fizeram o que puderam. Mas ninguém pode ter muitas fantasias, porque elas pagam-se caro.

DN, 28-3-2007, pág. 8
 
50 anos de Europa: do Gana ao Zimbabwe

Luciano Amaral
Professor universitário

Não foi celebrado nas comemorações mais ou menos folclóricas dos 50 anos do Tratado de Roma, e diga-se que também não haveria nada de especial para celebrar. Mas a verdade é que a integração europeia nunca teria existido sem o processo que ficou conhecido como "descolonização". Não fosse ele e os países europeus nunca teriam aceitado partilhar parcelas de soberania no seu continente. O abandono dos territórios imperiais, mesmo sem processos de transição que viabilizassem os novos países, foi uma condição indispensável para negociar na Europa.

Quando aplicado a vários sítios, particularmente a África, o termo "descolonização" é erróneo. As estruturas coloniais permaneceram intactas e os africanos que passaram a governar as novas nações já eram antes uma elite colonial, educada em instituições europeias ou de origem europeia, falando a língua dos colonizadores. Isto em territórios onde existiam por vezes centenas de outras línguas. Os novos governantes instituíram a língua colonial como língua nacional (o que em si já era um instrumento de poder sobre populações que a não dominavam) e adoptaram as fronteiras legadas pelos impérios, mesmo quando elas retalhavam grupos étnicos, ou então os reuniam apesar dos ódios históricos. Eles reproduziram, portanto, o ambiente colonial sem europeus. Com uma grande desvantagem: enquanto os europeus governavam de forma arbitrária sobre toda a população, eles passaram a governar arbitrariamente em favor de certos grupos étnicos ou tribais.

A tragédia da dita "descolonização" africana é bem ilustrada pelas histórias do primeiro país africano a conhecê-la, o Gana, e do último, o Zimbabwe. Não por acaso, o ano da comemoração do Tratado de Roma é também o da independência do Gana (a antiga Costa do Ouro britânica). Foi a 6 de Março e os jornais trouxeram este ano umas notas avulsas, juntamente com as piedades costumeiras sobre África. O que já não se disse é que o Gana continua a ser um desastre sem remissão. O seu primeiro presidente, Kwame Nkrumah, um vago marxista que passou décadas a estudar entre os EUA e Inglaterra, fez do Gana uma ditadura, a que juntou os então tradicionais processos de nacionalização e industrialização forçada. No caso de Nkrumah, como de muitos outros, tudo foi apimentado com proporções de delírio: ele era a "Estrela de África" ou o novo "Messias" e imaginava-se dotado de propriedades curativas milagreiras. Nkrumah propôs-se liderar uns hipotéticos Estados Unidos de África, que seriam a grande potência do futuro. Mas ao fim de dez anos de ditadura e corrupção tinha destruído o Gana. Num mecanismo que entretanto se tornou típico, começou então a culpar o "homem branco" pelos seus próprios erros, na esperança de unir o país contra um inimigo externo. Nkrumah viria a cair, mas sucedeu-lhe o tradicional cortejo de golpes de Estado e massacres, mal compensados pela democratização cosmética dos anos 90. Hoje, o PIB per capita do Gana continua igual ao que era à época da independência, com a pobreza a grassar na maior parte do país.

O Zimbabwe faz as notícias dos jornais todos os dias: Robert Mugabe governa como ditador, sova adversários, expropria fazendeiros arbitrariamente, entrega as terras aos amigos e a economia daquele que já foi um dos mais prósperos países de África está em ruínas. O Zimbabwe corresponde, 50 anos depois, ao último processo de "descolonização". O seu grande interesse reside nisso mesmo: em mostrar hoje, para quem não o viu nos anos 60 e 70, o que foi a "descolonização". No entanto, esteve para não ser assim. Mugabe também vem da escola de independentistas marxistas da década de 60, mas soube, aquando da independência do Zimbabwe em 1980, preservar o capital humano empresarial deixado pelos brancos que tinham declarado unilateralmente a independência em 1965. Bastou porém uma década para se repetirem as piores cenas das restantes "descolonizações". O apelo da recompensa tribal acabou por falar mais alto, e nos anos 90 Mugabe começou a expropriar fazendeiros brancos. As terras não foram entregues aos pobres sem propriedade, mas aos seus parceiros do partido único. De novo, o branco foi transformado numa cortina de fumo escondendo o desastre em construção.

Meio século depois de ter começado, a "descolonização" de África pode já ser considerada uma das maiores tragédias da História da Humanidade (mesmo contando com o próprio domínio imperial anterior). Os milhões e milhões de mortos em massacres e guerras civis, em fomes organizadas ou espontâneas, a sida e o mais que se sabe não autorizam outra conclusão. Dois ou três exemplos de vaga funcionalidade (Cabo Verde, Senegal ou Botswana) não chegam para fazer esquecer o resto.

Enquanto os europeus subiam a um dos pontos mais altos da sua civilização, os africanos desciam às mais terríveis profundezas.

DN, 29-3-2007, pág. 10
 
Em busca da Lei Fundamental

José Medeiros Ferreira
Professor universitário
jmedeirosf@clix.pt

O cinquentenário da assinatura do Tratado de Roma que criou a CEE, antecessora da actual União Europeia, não mereceu muitos festejos em Portugal. De facto não se descortina entre os seus promotores nenhum protagonista do Estado Novo, e isso ainda hoje é fatal para avaliar da importância de qualquer acontecimento mundial entre nós... Não havendo retrato de Salazar, ou mesmo de Correia de Oliveira, para exibir, a celebração tornou-se de nulo interesse para promover as qualidades de previsão dos estadistas do passado. A conduta do Governo de Salazar em relação ao Mercado Comum é uma história de fracassos. Basta recordar o episódio relacionado com o pedido de abertura de negociações com a CEE em 1962.

Com efeito, no seguimento do primeiro pedido de adesão do Reino Unido à CEE apresentado a 9 de Agosto de 1961, o Governo de Salazar vai manifestar, em Maio de 1962, o seu interesse em estabelecer negociações com Bruxelas, meses depois de a Espanha franquista se ter antecipado com manobra semelhante datada de 9 de Fevereiro! Consideradas então ambas as ditaduras como "um apêndice não democrático" da Europa, a negociação esgotou-se sem resultados até porque a candidatura britânica não fora bem recebida pelo general De Gaulle. Mas não deixa de fazer impressão saber-se que a estratégia portuguesa da altura foi encarada pelos países fundadores da CEE como uma réplica do pedido de negociações apresentado por Madrid...

Seja como for, os 50 anos do Tratado de Roma celebraram-se já com a República Portuguesa como Estado membro desde 1986, e cujo pedido de adesão se deveu ao I Governo Constitucional presidido por Mário Soares e no qual desempenhei activamente o cargo de MNE. O Tratado de Roma foi assinado em 25 de Março de 1957 e o pedido de adesão de Portugal formulado a 25 de Março de 1977.

Não deixa por isso de ser incómodo constatar que a única iniciativa institucional para celebrar aquelas datas tenha sido marcada pela ausência de Mário Soares da útil reunião promovida pelo Presidente da República. Quer o Governo quer a Assembleia da República poderiam ter organizado celebrações e debates sobre os dois eventos e não o fizeram, por factores que escaparam a todos os observadores e não mereceram o mais leve comentário de nenhum dos penetrantes espíritos que se dedicam a estes assuntos. Deram-se estes por satisfeitos com as celebrações centralizadas em Berlim, e nada mais lhes ocorreu à sua exigência caseira? É possível e garante a racionalidade das condutas futuras, o que é um valor para o que aí vem.

Então o que vem aí?

A acreditar na Declaração de Berlim de 25 de Março, assinada pelos presidentes do Conselho, da Comissão e do PE, para evitar as reticências desencontradas de muitos governos, o processo de elaboração de uma nova Lei Fundamental para a União Europeia deverá estar pronto no ano de 2009 por altura das novas eleições para o PE. O que sobrecarregará a nossa presidência. Esta dificilmente terminará a elaboração do novo diploma. Mas poderá dar--lhe um nome.

Ocorreu-me chamar Lei Fundamental ao novo diploma a preparar para ultrapassar as dificuldades que o anterior, apelidado de Tratado Constitucional, suscitou. E inspirei-me, obviamente, no recurso nominativo com que a Constituição da RFA se dotou em Maio de 1949. Daí o Grundgesetz.

Na forma jurídica o que se prepara é um tratado internacional com a obrigatoriedade de ratificação unânime por parte dos Estados membros, como aliás o infeliz Tratado Constitucional já o era para todos os efeitos e daí que tenha falecido ao não reunir as condições de ratificação em pelos menos dois Estados, a França e a Holanda. Qualquer tentativa para recomeçar o processo de ratificação do mesmo texto é uma prova de força estéril que daria certamente maus resultados para a confiança entre os povos que terá de presidir ao aprofundamento do espaço político da UE.

Cercar Paris e Londres com a continuação do processo de ratificação do Tratado Constitucional pelos sete países que faltam (entre os quais a República Portuguesa) seria no melhor dos casos uma aventura negocial. No pior um método fracturante.

Mais vale assim começar uma obra nova, mais escorreita do ponto de vista político e jurídico e que reúna as regras fundamentais para conjugar a vida em comum dos Estados membros e da população da UE. Um tratado que seja uma Lei Fundamental. Aqui fica a sugestão no cinquentenário do Tratado de Roma que continua em vigor.

DN, 3-4-2007, pág. 10
 
A Declaração de Berlim

Adriano Moreira
Professor universitário

A celebração do meio século decorrido após a assinatura do Tratado de Roma juntou em Berlim, a cidade recuperada para capital da Alemanha unificada, e agora vocacionada para sede dinamizadora do avanço do processo europeu, os responsáveis políticos pelo governo de cada um dos Estados membros.

Foi ali que Kennedy disse um dia, em frente do muro da ameaça soviética, que também ele era um berlinense, corolário da sua proclamação no sentido de que onde estivesse a fronteira da liberdade estava a fronteira da América.

Na data da celebração já parece atenuada a memória da política de metades que, também durante 50 anos de Ordem dos Pactos Militares, sustentou a existência de duas Europas, duas Alemanhas, duas cidades de Berlim, parecendo ainda mais diluída a memória da intervenção americana para ajudar a vencer os demónios interiores que tinham procurado submeter os povos europeus e apenas consumiram as estruturas do euromundo.

Forças americanas que logo alinharam com as recuperadas vontades da Europa ocidental para, desta vez sim, impedir o progresso da agressão vinda do leste.

Na celebração do caminho andado pelos europeus no sentido de construírem uma governança que assegure a paz e o desenvolvimento sustentado de que aquela é pressuposto, a recordação do passado próximo do relacionamento transatlântico torna obscura a visão da História testemunhada pelos cemitérios da Normandia.

E parece transpor para o Atlântico a tradicional animosidade entre os Estados europeus com fronteiras comuns, por vezes abusando das imagens literárias para consagrar as distâncias, designadamente quando os comentadores filiam os EUA em Marte e a Europa em Vénus.

Porque historicamente foram sobretudo as ameaças externas que chamaram os Estados europeus a uma solidariedade na acção, talvez a ameaça do terrorismo global ajude a recuperar a confiança recíproca que unilateralismos mal lembrados, e arrogâncias mal esquecidas, têm submetido a uma erosão perigosa.

Tanto mais inquietante esta erosão quanto a Declaração de Berlim, no seu teor de prece europeia, é suficientemente inspirada para lembrar os valores de referência, e excessivamente distante do enunciado das metas que visa adoptar, as quais apenas serão mobilizadoras dos povos se forem claramente relacionadas com a identificação dos problemas a resolver.

Talvez pelo reconhecimento de que, para enfrentar os desafios à paz que existem, nascidos designadamente da proliferação das armas de destruição maciça, e que visam sobretudo os ocidentais, seja possível assumir que a capacidade europeia de defesa e segurança comum é limitada, e que recuperar a confiança transatlântica é um passo indispensável para ajudar a repor a capacidade americana, e fortalecer, pela solidariedade, a voz dos ocidentais no mundo.

Por outro lado, não parece suficientemente assumido o tema da Constituição pelo uso desta fórmula descomprometida: "(...) Por isso nos une hoje, 50 anos passados sobre a assinatura do Tratado de Roma, o objectivo de, até às eleições para o Parlamento Europeu de 2009, dotar a União de uma base comum e renovada."

Sempre que se discutiu o modelo final da evolução europeia, nas propostas foram invocados o modelo federal americano e o modelo federal suíço, por vezes parecendo a alguns que o primeiro era excessivo e que o segundo era limitado.

A verdade das coisas esteve na marcha pelos pequenos passos, sempre com a certeza de que "a Europa é o nosso futuro comum", e sem os constrangimentos de um modelo final.

A chamada Convenção, que produziu o texto chamado Constituição europeia, era um grupo de trabalho que pareceu promover-se com o nome do grupo, e que teve a lembrança de escrever que os povos europeus lhe agradeciam tê-los dotado daquela Constituição

O regresso aos factos talvez aconselhe a que as mudanças da estrutura da governança não sejam fundamentadas pelos alargamentos, mas sim que os alargamentos sejam precedidos de estudos de governabilidade que orientem sobre os alargamentos a fazer por integração, ou antes por tratados de cooperação. Tendo como preocupação constante a necessidade de garantir fronteiras amigas, as quais não são uma realidade a conseguir apenas pelas integrações. O sonho é necessário e a declaração recorda os sonhos que foram orientadores da longa teoria de projectistas da paz, mas o sentido da medida é indispensável.

DN, 3-4-2007, pág. 11
 
O quebra-cabeças

Vasco Graça Moura
Escritor

Na semana passada, Javier Solana concluiu a sua intervenção ante o plenário do Parlamento Europeu com umas breves considerações sobre a defesa antimísseis e a projectada instalação pelos Estados Unidos de um escudo defensivo com esse fim, na Polónia e na República Checa.

Enunciou três pontos a esse respeito: primeiro, havendo uma política de segurança e defesa da União Europeia, esta pode e deve discutir o assunto; segundo, não sendo a União Europeia uma aliança defensiva ou militar, a esse respeito não pode haver tomada de decisões no seu seio, pois elas correspondem aos Estados membros, a título nacional; terceiro, deve haver conversações "com os nossos amigos russos, sobre este tema", tal como Bush já propôs a Putin.

É sabido que não há grandes consensos a esperar. Provavelmente eles não existem nas opiniões públicas polaca e checa, e já se vislumbra que não existirão entre os Estados membros da União. Quanto àquelas, todavia, pode supor-se que o projecto será maioritariamente aprovado. Quanto a estes, haverá com certeza divisões, não apenas nas opiniões públicas, mas nas posições que os governos nacionais venham a tomar. No Expresso de 31 de Março e no DN de 1 de Abril, respectivamente, Miguel Monjardino e Patrícia Viegas fazem boas sínteses, quer dos dados do problema quer dessas posições, pró, contra, ou ainda por definir.

A situação tem uma certa complexidade. A União Europeia pode discuti-la, sem que lhe seja possível impor na prática qualquer conclusão a que chegue, maxime de rejeição. E assim, por hipótese, os países directamente implicados, a Polónia e a República Checa, terão, no plano da bilateralidade e no exercício da sua soberania plena, a possibilidade de chegar a uma posição descoincidente ou mesmo contraditória em relação ao que a Europa venha a dizer, se é que a Europa virá a dizer alguma coisa nesta matéria que supõe a aplicação da regra da unanimidade por se tratar das áreas da segurança e da defesa, ou a não se confinar a enunciados mais ou menos ambíguos e pouco expressivos de uma posição do todo. Isto, claro, para não fazer por ora conjecturas sobre a posição que o Conselho de Segurança das Nações Unidas, porque é de prever que a discussão há-de lá chegar, possa tomar com a sua costumada e patética inoperância.

Ora o que é de prever, para além das reacções russas negativas que já são conhecidas, é que, para a Europa no seu conjunto, tudo isto redundará num exercício sem conclusão nem catarse, que não vai sem algumas semelhanças com aquilo que se passou em 2003, a propósito da guerra do Iraque.

A posição norte-americana será mais uma vez diabolizada por todos os meios que estiverem ao alcance da esquerda e adjacências. As ameaças nucleares e de mísseis balísticos de longo alcance, por parte da Coreia do Norte e, sobretudo, do fundamentalismo iraniano, serão, mais uma vez, minimizadas. Em numerosas instâncias, o aumento da presença militar norte-americana na antiga Europa de Leste será apresentado, não como um reforço da defesa, mas sim como uma ameaça à paz perpetrada pelo imperialismo norte-americano, ávido de ocupar a Europa. O que não deixa de ser singular numa Europa que não está, e tardará muito a estar, em condições de, só por si, se defender de ameaças dessa natureza...

Não há, por tudo isto, grandes probabilidades de se desenhar um consenso, muito embora não se conheça por enquanto a posição da França pós-Chirac, sendo, pelo contrário, muito provável que a NATO venha a estar de acordo. Mas as coisas também não são inteiramente líquidas quanto à posição final da Alemanha, onde o equilíbrio interno das forças políticas da coligação pode constranger a posição de Angela Merkel, que parece favorável a um escudo defensivo, a discutir no âmbito da NATO. Para já, é visível que a diplomacia terá muito com que se ocupar.

Mas se, sempre por hipótese, tiver entretanto sido aprovado um tratado constitucional na União Europeia, com esse ou com outro nome, das divergências insanáveis quanto à eventual concretização das intenções de instalação dos escudos antimísseis virá a primeira fractura séria do projecto europeu, talvez mesmo uma lesão irremediável para a União. Isso só não aconteceu com a guerra do Iraque porque a constituição não existia.

A menos que a própria evolução da presente situação concreta venha, ela mesma, a inviabilizar a conclusão desse tratado. Aí está um bom quebra-cabeças para a presidência portuguesa.

DN, 4-4-2007, pág. 10
 
A Europa 50 anos depois

Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia

A Europa mítica é uma princesa de Tiro. Como que a lembrar que a Europa é a Eurásia, portanto, a Europa ecuménica, de fronteiras imprecisas.

Andava a belíssima princesa fenícia a passear pela orla marítima, quando Zeus se aproximou disfarçado de touro. O touro branco deixou que a jovem o acariciasse, convidando-a a trepar para o seu dorso. Entrou então pelo mar adentro, dirigindo Eros o casal para a ilha de Creta. Fizeram amor e nasceram Minos, Radamante e Sarpédon, soberanos ilustres de Creta e de Lícia.

O rapto de Europa - ela faz amor com Zeus, o pai dos deuses -, que Ovídio conta demoradamente nas Metamorfoses, inspirou grandes artistas, desde a Grécia antiga a Picasso e Botero, passando por Ticiano e Rubens. É a Europa divina e terrena, sempre à procura de si mesma e em transformação constante. Até porque as suas raízes são múltiplas: Atenas com o Logos crítico e político, Jerusalém com o judeo-cristianismo e a ideia de História e pessoa, Roma com a ordem jurídico-legal, a Germânia com a sua fogosidade vital. A riqueza da Europa foi sempre a unidade na diversidade.

A Europa, divina, tem de que se gloriar. Inventou a democracia, a universidade, a ciência moderna e, consequentemente, toda a tecnociência contemporânea. Contribuiu para que a Humanidade se visse a si mesma como una. Foi ímpar na música, na matemática, na metafísica. Descobriu o sujeito, os direitos humanos, a secularização, a separação da Igreja e do Estado. Foi grande na literatura, na pintura, nas artes.

A Europa, terrena, tem de que se arrepender. Brutalizou-se e diminuiu-se em lutas e ódios étnicos, religiosos e chauvinistas, subjugou colonialmente continentes, pilhou, escravizou milhões de seres humanos, pensou-se no centro do mundo, destruiu pura e simplesmente civilizações inteiras, desencadeou guerras mundiais com dezenas de milhões de mortos.

Agora, quando falamos da Europa é à Europa dos 27, com perspectivas de alargamento, que nos referimos, à União Europeia, que celebrou em Berlim, no passado 25 de Março, o cinquentenário da assinatura dos Tratados de Roma.

Mesmo se presentemente o processo parece "emperrado", com algum pessimismo, sobretudo por causa da dificuldade em encontrar uma configuração política credível, é necessário reconhecer que a União Europeia representa um sucesso sem paralelo na História. A Europa, que fora um campo de guerras sucessivas, vive em paz há mais de 50 anos. Nunca na História tantos - 500 milhões - viveram com tanta prosperidade, em democracia, no respeito pelos direitos humanos, com um mínimo de segurança social, com tantos conhecimentos e saberes. Quem imaginaria, há 50 anos, que haveríamos de ir de Lisboa a Berlim sem passaporte e com a mesma moeda?

Como pode ler-se na "Declaração de Berlim", "a unificação trouxe-nos paz e bem-estar", "a democracia e o Estado de direito foram reforçados". No cerne, está a pessoa humana: "a sua dignidade é inviolável, os seus direitos são inalienáveis, homens e mulheres são iguais em direitos". A riqueza da União "assenta na igualdade de direitos e na colaboração solidária" dos seus membros. No modelo europeu, "conjugam-se sucesso económico e responsabilidade social". A força da Europa "reside nos conhecimentos e saberes das suas gentes".

A União Europeia não quer fechar-se egoisticamente: é sua intenção "promover a liberdade e o desenvolvimento no mundo, vencer a pobreza, a fome e a doença", avançar "na política energética e na defesa do clima", prestando o seu contributo para "afastar a ameaça global das alterações climáticas."

Segundo as sondagens, os europeus dizem-se satisfeitos. Mas também se sentem perplexos e sem orientação, afundados numa crise de valores e no vazio existencial. Falta- -lhes aquele "suplemento de alma", que o filósofo Bergson pedia. Mas, como escreveu George Steiner, "é entre os filhos frequentemente cansados, divididos e confundidos de Atenas e de Jerusalém que poderíamos regressar à convicção de que 'a vida não reflectida' não é efectivamente digna de ser vivida."

DN, 14-4-2007
 
FOI VOCÊ QUE DISSE 'POVO EUROPEU'?

Pedro Lomba
jurista
pedro.lomba@eui.eu

O primeiro-ministro italiano, Romano Prodi, disse numa entrevista ao Financial Times que os três milhões de imigrantes que entraram em Itália nos últimos anos causaram um "impacto psicológico e social incrível". O mundo mudou. Prodi, que viu o primeiro estrangeiro quando tinha seis anos (e quantos portugueses não diriam o mesmo?), reconhece que mudou. Mas disse mais: queixando-se do movimento maciço ("que ninguém esperava") de romenos que chegaram a Itália desde que este país aderiu à União Europeia, sugeriu que se repensassem as regras que regulam a livre circulação de cidadãos comunitários para facilitar as repatriações e o controlo dos fluxos. Não vieram por acaso estas declarações: a hostilidade em Itália aos imigrantes romenos aumentou largamente depois de mais um romeno ter sido detido, suspeito de ter assassinado uma mulher italiana numa estação de comboios em Roma.

As palavras de Prodi justificam um comentário sobre os temas imigração e alargamento da Europa. Na verdade, estão interligados. Se quisermos, a força da Europa não reside apenas no acordo franco-germânico que, miraculosamente, tem resultado entre as duas nações, mas também na adesão pragmática, por vezes determinista, que a ideia sempre recebeu dos países mais pobres, interessados em subir os seus padrões de vida e, como nós nos habituámos a dizer, em viver "à europeu". Um certo compromisso entre o mercado comum e a coesão dos Estados membros é, com certeza, uma das mais fortes razões da ideia europeia. E uma das razões por trás da contínua expansão da Europa.

Nós, portugueses, ainda não vivemos "à europeu", mas é difícil recusar que entre as várias virtudes da nossa entrada na Europa houve uma óbvia: deixámos de ser um país (falhado) de emigração, de exportação de mão-de-obra pouco qualificada. Passou a ser possível viver em Portugal, usar as oportunidades do país e sentir que ano após ano a vida melhorava e nos íamos aproximando da média europeia. No fundo, não era preciso fugir. É certo que talvez estejamos a caminho de voltar a ser um país inviável, rejeitado pelos seus próprios cidadãos que vão tentar a vida noutro lugar. Não pretendo ir agora por aí. Estou apenas a sugerir um nexo lógico entre a nossa entrada na Europa e a questão da emigração.

O que se está a passar em Itália é, precisamente, o oposto. Como cidadãos comunitários que podem circular na Europa, os romenos têm entrado às centenas de milhares em Itália fugindo da pobreza da Roménia. Mas nem sempre têm respeitado as leis básicas do país que os recebe e, como prova de que o discurso do "povo" europeu é uma falácia, os italianos perguntam-se por que motivo hão-de estes imigrantes comunitários gozar do direito de livre circulação. O assunto vai aquecer.

DN, 8-11-2007
 
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