09 abril, 2007

 

Animais guardam comida para os dias maus


Afinal, nem só alguns humanos se preocupam com o futuro

Os gaios, por exemplo, também têm este comportamento.
Experiências mostraram que estas aves guardavam mais comida quando sabiam que no dia seguinte não teriam alimento.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Gaio-comum

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Os animais também pensam no futuro e guardam comida para dias os maus

Filomena Naves

É um pequeno gaio, da família dos corvídeos, de plumagem azul e castanha escura, e no estado selvagem tem um comportamento típico: armazena comida para os dias maus. E depois consegue lembrar-se que tipo de comida guardou e onde. Mas será que este comportamento corresponde a uma verdadeira capacidade de planear o futuro, como acontece com os seres humanos?

Um grupo de psicólogos e etólogos (especialistas em comportamento animal) da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, resolveu responder a esta pergunta. E o resultado a que chegou, depois de uma série de experiências com estas aves, é surpreendente. Sim, senhor, o gaio planeia o futuro, quando na noite anterior guarda cuidadosamente o pequeno-almoço do dia seguinte.

Esta é mais uma pequena machadada na ideia de que só o ser humanos faz certas coisas, como ter consciência do que não sabe, construir ferramentas para um propósito concreto ou planear o futuro. Nos últimos anos, vários estudos de biologia do comportamento começaram a mostrar que há no reino animal mais complexidade a este nível do que até agora se pensava (ver caixa).

As experiências idealizadas pela equipa britânica para testar as habilidade do gaio - na verdade é uma espécie que só existe nos Estados Unidos, de seu nome científico Aphelocoma californica - consistiram em colocar as aves em gaiolas em que existiam caixas onde elas podia armazenar vários tipos de comidas.

Primeiro houve um período de treino, durante o qual elas eram colocadas em dois compartimentos diferentes e em manhãs alternadas durante seis dias. Num dos compartimentos tinham direito a pequeno- -almoço, no outro não havia nada para comer. Depois deste "tratamento", os gaios receberam finalmente comida ao fim do dia. E o resultado foi interessante: os que estavam no compartimento sem pequeno-almoço armazenaram mais comida do que os outros, na previsão da falta de comida no dia seguinte.

Outra experiência idêntica foi feita com vários tipos de comidas diferentes, e os gaios, mais uma vez armazenaram mais a comida que naquele compartimento não lhes seria dada no dia a seguir.

Para os investigadores da equipa, liderados por Nicola Clayton, estes resultados conseguem demonstrar pela primeira vez que estes animais podem espontaneamente planear o futuro, uma vez que não é a fome imediata que os move, mas a previsão (porque foram treinados nesse sentido) de que no dia seguinte não têm alimento se não o armazenarem eles próprios.

Parece muito elaborado, talvez demais para um simples gaio, mas esta é a interpretação dos cientistas sobre as suas próprias experiências. E como os gaios não falam, não haveria outra forma de lá chegar.

Quanto à teoria de que os seres humanos seriam os únicos a ter este tipo de comportamento, de antecipação do futuro, ela parece ficar assim posta em causa. "Estes resultados desafiam a tese de que essa capacidade evoluiu apenas na linha- gem dos hominídeos", escrevem os cientistas. Uma reivindicação que, certamente, abre a porta a um mundo de novos estudos.

DN, 8-4-2007, pág. 25
 
Animais também sabem planear para o futuro

FILOMENA NAVES

Pesquisa contraria teoria de que só os humanos pensam por antecipação
Se há pássaro que Sérgio Correia conhece bem é o gaio-do-mato da Califórnia. O jovem investigador português trabalha com estes animais na universidade de Cambridge, no Reino Unido, onde está a fazer o doutoramento sobre memória e cognição. Mas o que descobriu ao estudar o comportamento destes pássaros até para ele foi um pouco surpreendente: este pequeno corvídeo consegue planear o amanhã. Ou seja, pensa no futuro, e na disponibilidade de comida a longo prazo, independentemente da motivação do presente.

"Conseguimos demonstrar isto pela primeira vez, o que deita por terra a teoria de que apenas os seres humanos têm esta capacidade", explicou ao DN Sérgio Correia.

O trabalho, do qual o investigador português é o principal autor, foi desenvolvido no laboratório de cognição comparada do departamento de psicologia experimental da universidade de Cambridge e publicado quinta-feira na revista Current Biology.

Nicola Clayton, colega de Sérgio Correia no mesmo laboratório, já tinha mostrado que estes gaios têm a dimensão do futuro, num artigo publicado na Nature, em Fevereiro. O investigador português dá agora mais um passo, que é também teoricamente decisivo: essa dimensão de futuro existe e é independente do estado motivacional presente.

Estes gaios têm um comportamento muito conveniente para este tipo de estudos: enterram alimento para mais tarde. E em dias de escassez vão lá buscá-lo.

Na sua experiência, o investigador português usou dois tipos de comida diferente e num primeiro momento forneceu apenas um tipo de alimento (A), o que fez com que o gaio decidisse enterrar o segundo tipo de comida (B), para mais tarde. No entanto, antes de o gaio desenterrar esse alimento, o investigador alimentou-o com comida B. Após este único episódio, na experiência seguinte e depois ser alimentado com A, o gaio decidiu enterrar na mesma comida B, embora o natural fosse enterrar comida diferente daquela com que acabara de ser alimentado.

"Fiquei surpreendido", confessou Sérgio Correia ao DN, "porque tínhamos feito um único treino". Além da demonstração de que os animais têm a dimensão do futuro, independentemente da motivação presente, este trabalho contribui para "desenvolver modelos animais, para estudar questões da cognição e do sistema nervoso, o que é essencial para o avanço desta área científica", conclui o investigador português.

DN, 28-4-2007, pág. 21
 
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