14 abril, 2007

 

Tabaco


É tempo de acabar com isso...

Veja porquê:



e mais este
http://www.youtube.com/watch?v=6XufdbB1l9M

http://pt.wikipedia.org/wiki/Tabaco
http://www.adroga.casadia.org/drogas/tabaco.htm
http://www.psicologia.com.pt/instrumentos/drogas/ver_ficha.php?cod=tabaco
http://www.idt.pt/id.asp?id=p2p44p86
http://www.coppt.pt/quemsomos.html

http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=882110&sec=3

À volta da lei:
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=240939&idselect=9&idCanal=9&p=200
http://www.mundopt.com/n-associacao-de-restaurantes-contra-proibicao-de-fumar-10505.html

http://dre.pt/pdf1sdip/2007/08/15600/0527705285.PDF

Comments:
Fármaco elimina prazer de fumar

Virgínia Alves

Um medicamento inovador para deixar de fumar, que tem como ponto de partida um alcalóide conhecido desde os anos 40, na zona do Mar Negro, extraído de uma planta, já está à venda em Portugal. A vareniclina, a substância activa deste novo fármaco é o seu derivado químico.

Este fármaco introduz uma inovação nos tratamentos de cessação tabágica porque inclui dois comportamentos, agonista, ou seja reduz a necessidade de fumar e alivia os sintomas de privação, mas é também antagonista, isto é reduz a sensação de prazer do acto de fumar. O medicamento foi ontem apresentado no 3º Encontro sobre Prevenção e Tratamento do Tabagismo, no Porto.

Rámon Calvo, médico especialista de um hospital de Barcelona, explicou ao JN o processo deste medicamento. "Todos temos receptores específicos de nicotina no sistema nervoso central, quando recebem a nicotina, são estimulados e produzem uma substância, a dopamina, associada ao prazer. Esta substância farmacológica, além de diminuir a necessidade de nicotina, como já outras faziam, vai também bloquear parcialmente esses receptores eliminando a vontade e o prazer, mesmo que fume um cigarro".

Este médico refere ainda a segurança e eficácia do fármaco, que apenas tem como princípio a cessação tabágica e pode ser associado a outros, e os seus efeitos secundários são ínfimos, "apenas náuseas".

Não é milagre

Mas, explicou Rámon Calvo, "não se trata de um milagre, só se deixa de fumar se quiser mesmo. O tabaco provoca uma adição física, uma dependência, e a libertação dela pode agora ter esta ajuda farmacológia, com uma eficácia de 44% após 12 semanas de tratamento, o que é excelente".

No entanto, realçou, "é importante a questão social e psicológica. Os doentes devem ser acompanhados e devem ser-lhes ensinados truques". O que fazer com as mãos, como distrair o gesto de levar o cigarro à boca. "Manter as mãos ocupadas, comer rebuçados sem açúcar", disse.

Surgem também as questões sociais ou os momentos complexos de alegria ou tristeza, "o melhor é afastar-se durante uns minutos, a vontade de pegar no cigarro dura um minuto", acrescentou.

No entanto este especialista, que defende que o fumador deve ser tratado como um doente, alerta para a necessidade de investir na prevenção. E "a principal forma de prevenção é aumentar o preço do tabaco", acrescentou, mas "é muito difícil lutar contra uma indústria que dá tanto lucro".

Dá como exemplo os investimentos feitos pela industria nos EUA nas campanhas nas escolas, "que não têm qualquer efeito positivo, porque de pouco vale explicar é necessário criar barreiras e uma delas, a mais forte é o preço do tabaco".

O novo fármaco, que está à venda na Europa desde o início do ano e nos EUA desde o ano passado, em alguns países na União Europeia, como o Reino Unido e a Suécia, é comparticipado pelo Estado. Em Portugal é vendido desde Março e já foi solicitada ao Infarmed a comparticipação estatal, mas ainda não há ainda resposta.

O tratamento deve ser feito durante doze semanas e o preço das embalagens varia entre os 45 e os 99 euros. "Dinheiro que o fumador gasta ao comprar tabaco e que também vai poupar, não apenas na aquisição mas também na saúde", referiu o médico. Mas "é essencial que o Estado apoie o tratamento dos fumadores".

JN, 14-4-2007
 
COMO ACABAR COM O VÍCIO

Contra os cigarros vale tudo, das pastilhas de nicotina às agulhas, dos choques à hipnose. Não são mezinhas milagrosas. Mas podem acabar com um vício que mata milhões.

Sérgio Lemos

"Deixar o tabaco é a coisa mais fácil do mundo. Eu até já o fiz mais de cem vezes." A frase irónica é do escritor Mark Twain. O autor das ‘Aventuras de Tom Sawyer’ era um fumador compulsivo que nunca se livrou do vício da nicotina, apesar de conhecer os seus malefícios. O mesmo se passa com dois milhões de portugueses que todos os dias compram um, dois ou três maços de tabaco. Mas se no século XIX não havia truques para deixar de fumar, hoje eles multiplicam-se. "Largar o vício é difícil, mas não impossível", assegura Fernando de Pádua. O presidente do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva dá como exemplo os casos de Baptista Bastos e Artur Agostinho. Os dois jornalistas eram tabagistas inveterados, mas pararam de um dia para o outro, depois de um grande susto.

A maioria dos fumadores, porém, não consegue largar o mau hábito sem ajuda. Para muitos deles os médicos receitam nicotina. Em forma de pastilha, pensos ou ‘sprays’. A taxa de sucesso ronda os 30 por cento, garante Fernando Pádua: "Terapias de substituição deste género podem provocar dependência, mas isso é evitado porque o paciente vai reduzindo as doses aos poucos."

Trocando o cigarro por uma pastilha, o ex-fumador deixa de aspirar as substâncias cancerígenas existentes no cigarro e perde maus hábitos enraizados. Um pormenor: "Mascar uma pastilha não faz esquecer o prazer de uma passa", recorda Mafalda Pais, uma ex-fumadora de 41 anos. Há mesmo quem a compare com a metadona usada pelos ex-heroinómanos.

O Zyban, recomendado pela medicina tradicional, pode ser outro aliado. O anti-depressivo aumenta o efeito de substâncias no corpo como a dopamina ou a serotonina que dão sensações semelhantes às da nicotina. A eficácia sobe em flecha – comparativamente com os outros substitutos – mas os efeitos colaterais também. "Ao retirar a excitabilidade, o Zyban acaba por diminuir os reflexos." Fernando de Pádua adverte que o fármaco só deve ser tomado em pequenas doses, como qualquer psicotrópico.

QUANDO O TELEFONE TOCA

O telefone é também a salvação para muitos viciados. O psicólogo Paulo Vitória coordena a linha SOS Deixar de Fumar, que atende todos os anos cerca de duas mil pessoas: "Só cinco por cento dos fumadores consegue deixar de fumar sem ajuda. A taxa sobe para os 30 por cento com o nosso aconselhamento", assegura. Qual a receita? "O nosso trabalho é motivacional. Apenas damos um empurrão psicológico."

Uma pergunta chave que avalia o grau de dependência é o tempo que o fumador demora entre sair dos lençóis e acender o primeiro cigarro. "Quanto menor for o tempo de intervalo entre os dois gestos, maior o vício." Para o especialista, o tratamento farmacológico tem de ser acompanhado com uma terapia comportamental. Se, por exemplo, a pessoa tem o hábito de fumar logo quando sai da cama, os médicos aconselham-na a tomar primeiro um banho e só depois o pequeno-almoço: "O cigarro é mais do que um hábito. É uma dependência. Ele marca a identidade, a forma de estar e até a gestão do tempo."

Estudos recentes demonstram que os portugueses são um dos povos que menos fuma na Europa. Isso não significa, no entanto, que estejamos no bom caminho. "Temos uma das taxas mais altas no que se refere ao número de cigarros consumidos por cada fumador. Temos viciados compulsivos."

CHOQUES SEM AGULHAS

A medicina alternativa pode ser a opção ‘B’. Os consultórios de acupunctura, hipnoterapia e auriculoterapia multiplicam-se como cogumelos e são cada vez mais populares. Algumas destas terapias antitabagistas publicitam uma eficácia em 90 por cento e prometem mesmo devolver o dinheiro em caso de falhanço.

É o caso da recém-inaugurada Não Fumo Mais, uma clínica que cura o mal com uma electroestimulação nas orelhas – a auriculoterapia. "O nosso método é indolor, natural e não tem contra-indicações", garante Frederico Pereira. Segundo o responsável pelo franchising em Portugal, 70 por cento dos pacientes conseguem deixar de fumar numa só consulta. Os restantes 20 por cento têm recaídas, mas podem recorrer novamente ao tratamento sem pagar mais um euro. Milagre? "Não. Baseamo-nos em práticas milenares chinesas com resultados garantidos."

A sessão única dura uma hora. Primeiro, testa-se a pré-disposição para deixar de fumar e faz-se um teste que avalia a dependência do fumo – onde são contabilizados por exemplo, o número de cigarros fumados por dia. Só então se leva os electrochoques de 12 volts. "Esta acupunctura sem agulhas tem dois objectivos: desintoxicar e reduzir o nível de ansiedade", declara Frederico Pereira.

À saída, o ex-fumador pode amachucar o seu último maço e lançá-lo para a ‘campa’ de cigarros transparente junto à porta. Provavelmente, levará debaixo do braço um ‘kit’ com três produtos naturais para superar a fase mais dolorosa da abstinência. Terapias de substituição é que não. "Qual é a lógica de trocar um vício por outro?", interroga-se Frederico Pereira.

Os médicos, por sua vez, questionam as taxas de sucesso apregoadas por clínicas como a Não Fumo Mais. Para Paulo Ventura, não há evidência científica de eficácia destes métodos, o que não quer dizer que não sirvam para ajudar as pessoas a deixar de fumar: "Têm pelo menos um efeito psicológico. São uma espécie de placebo", defende. "A crença também é importante na medicina."

FREUD EXPLICA

Mais consensual parece ser a técnica da acupunctura. No consultório de Pedro Choy, um médico chinês radicado em Portugal desde 1986, vão cada vez mais pessoas com vontade de largar o vício. "A dependência do tabaco é mais física do que psicológica. Porque se fosse somente do foro mental, a pessoa deixaria de fumar apenas com ansiolíticos."

Pedro Choy aplica as agulhas na orelha e no braço do paciente durante vinte minutos. "São indolores e não fazem impressão", garante Mafalda Pais, uma paciente do terapeuta, que durante as seis sessões tomou algumas plantas chinesas tranquilizantes. "Elas têm como função aligeirar os sintomas da privação de tabaco. Quer físicos (transpiração, aumento de peso, ou tremuras), quer psicológicos (ansiedade, irritabilidade e depressão)", explica Choy.

Ao contrário do método da Não Fumo Mais, a passagem da condição de fumador para ex-fumador é feita de forma gradual. "A filosofia da acupunctura não se baseia no corte radical com o passado." O médico afiança que 70 por cento dos seus pacientes largaram a nicotina para sempre.

Há quem se prefira curar com uma sessão de hipnoterapia. "A hipnose está na moda, mas não faz milagres. Apenas baixa os níveis de ansiedade", assegura Maria Bjorn, psicoterapeuta de formação. De todas as técnicas alternativas, a sugestão induzida através do subconsciente é aquela que menos garantias dá de sucesso. "Só 20 a 30 por cento dos fumadores que entram no meu consultório se tornam em ex-fumadores", declara Maria Bjorn. Afinal, valores muito diferentes dos apregoados pelos novos centros anti-tabaco.Para a terapeuta sueca, as pessoas que se viciam nos cigarros "entraram inconscientemente num processo de auto-destruição".

Deitados numa confortável ‘chaise-longue’, os seus doentes viajam ao som de música ‘new age’, durante cinco sessões de hipnose, auto-hipnose ou relaxamento. O sucesso da terapia depende muito da cooperação do paciente que ainda antes de começar a sua cura, compromete-se a enterrar o cigarro, por escrito. Um momento solene que pode marcar o início "de uma nova relação com o corpo". Maria Bjorn é categórica: "Eles têm de demonstrar uma vontade férrea, se não mais vale ficarem em casa."

A terapeuta encolhe os ombros quando lhe falam do preconceito da classe médica em relação à hipnoterapia. "Não manipulamos a mente de ninguém. Limitamo-nos a seguir as instruções do paciente", justifica.

CIGARRILHAS PRÉ-PROGRAMADAS

"Sou um pouco céptico em relação à medicina alternativa. Mas ela não será mais prejudicial do que o tabaco", afirma Fernando de Pádua, que estuda os seus efeitos no corpo humano desde os anos 50.

Um fumador, mesmo passivo, não está livre de doenças respiratórias, coronárias e vários cancros, causados pelas 400 substâncias tóxicas que existem num só cigarro. "As mais perigosas são o monóxido de carbono, que diminui a quantidade de oxigénio no sangue e o alcatrão, altamente cancerígeno." O formol, a acetona, o amoníaco ou a terebintina, completam o sexteto assassino. Todos os anos, matam cinco milhões de pessoas em todo o mundo.

Afinal, porque continuam as pessoas a fumar, apesar de hoje se conhecerem tão bem os malefícios do tabaco, das campanhas de prevenção serem cada vez mais agressivas e das crescentes restrições impostas aos tabagistas? Resposta fácil: porque estão dependentes de uma droga comparada pelos médicos à cocaína ou ao álcool. "Um cigarro provoca um relaxamento momentâneo. O fumador goza a calma e os efeitos suavemente estimulantes da nicotina", define o psicólogo Paulo Ventura. "O problema é quando o prazer dá lugar à obsessão."

Tal como o ex-alcoólico, ou o ex-toxicodependente, o grande inimigo do ex-fumador são as recaídas. Uma simples passa num cigarro pode significar o fim de dias, meses ou anos de esforço árduo. "Há quem faça apostas com amigos e quem ofereça a sua abstinência como prenda ao filho ou ao cônjuge. Outros marcam o período das férias de Verão, de Natal ou a passagem do ano novo como o início de uma nova etapa", conta o psicólogo. "Mas nem todos conseguem cumprir a promessa."

Uma coisa é certa: com tantos meios ao dispor, hoje ninguém recorre a medidas desesperadas como as de Leonid Brejnev, dirigente da extinta União Soviética, que para tentar deixar de fumar andava com uma cigarrilha pré-programada para abrir apenas de hora a hora. Não reza a História que tenha largado o hábito.

CAÇA AOS FUMADORES NA IRLANDA

Na Irlanda, desde segunda-feira, é proibido fumar em qualquer local de trabalho, espaços públicos fechados e transportes. Os donos e clientes de alguns ‘pubs’ tentam contornar a lei anti-tabagista mais restritiva da Europa. Phill Smith, de 32 anos, foi apanhado pelas objectivas dos fotógrafos com um cigarro aceso no pátio exterior de um ‘pub’ de Dublin. O irlandês arriscou-se a pagar uma multa de três mil euros, valor previsto para quem desrespeite a nova lei. A maioria da população, no entanto, não concorda com a atitude de Smith, e apoia a medida que pode salvar 150 vidas por ano – estima-se que morram anualmente sete mil irlandeses vítimas de doenças relacionadas com o tabaco. "Quando acabo o trabalho, tenho sempre uma tosse seca e dores na garganta", admite um 'barman' de Dublin, fumador passivo há largos anos.

A nova lei pode ser, no entanto, má para o negócio. Este ano, o Governo vai perder 15 milhões de euros em receitas fiscais. Prevê-se uma diminuição de centenas de postos de trabalho na indústria alimentar, do tabaco e entretenimento e uma redução drástica de clientes nos mais de dez mil 'pubs' da Irlanda. "Não há problema. As pessoas hão-de habituar-se. Se lhes apetecer um cigarro, levantam-se e saem", resume um fumador de Dublin. A 1 de Junho, a Noruega irá seguir o exemplo irlandês.

O LASER MILAGROSO?

O sistema Action Laser é o mais recente método antitabaco a chegar a Portugal e pode ser testado no Centro de Terapias Águas de Rosas, em Lisboa. Os terapeutas aplicam a energia laser em determinados pontos sensoriais do corpo. Depois de duas curtas sessões, de 30 e 15 minutos, cerca de 90 por cento dos pacientes perdem a vontade de fumar – segundo dados dos responsáveis deste sistema. Isto porque "a energia laser induz a libertação no corpo de endorfinas que fazem desaparecer a ansiedade, a irritabilidade e o nervosismo", afiançam. Nas duas semanas seguintes, o paciente é aconselhado a tomar oito pastilhas de Vitamina C e dez copos de água por dia.

O Action Laser vem dos Estados Unidos e já era testado em Espanha desde 1999.

FÉ NAS AGULHAS

Mafalda Pais, 41 anos, fumava há vinte. A sua média era de quase dois maços por dia. Há quatro anos, a jornalista percebeu que não ia no bom caminho. "Acordava de noite para fumar." A sua primeira tentativa para deixar o tabaco foram as pastilhas de nicotina. Mas vacilou. Mais tarde, numa viagem à Índia, entrou num consultório que prometia acabar com o vício em três dias. Tomou comprimidos à base de ervas naturais, que lhe acabaram com a asma. "Mas abriram o caminho para fumar ainda mais." Há dois anos, resolveu fazer acupunctura na clínica de Pedro Choy. "Até tinha algum receio de agulhas, mas não me doeu nada." Nos primeiros quatro dias após a consulta ainda fumou. Ao quinto parou de vez. "De repente, olhei para o cigarro e não me apeteceu fumar." Até hoje.

ENTERRAR O CIGARRO

Fumou pela primeira vez aos 13 anos. Da passa ocasional até ao vício foi um passo. A média de Pedro Barbosa era de 15 cigarros por dia, mas nas noites de fim-de-semana um maço de tabaco não era suficiente. Aos 27 anos, no entanto, a sua vida deu uma reviravolta. Disse adeus à condição de solteiro e passou pelo ritual de procura de casa nova. "Andava stressado com a concessão de crédito bancário."

O cigarro estava longe de ajudar a ansiedade e a gastroenterite, que se agudizava. "Comecei a praticar tai chi e três meses depois fui a uma consulta de psicoterapia", recorda. Cinco sessões de auto-relaxamento com Maria Bjorn ajudaram a largar o vício. "Enterrei o cigarro no meu subconsciente", afirma. Um ano depois, o promotor de vendas confessa que as piores crises de abstinência se deram nos dois meses seguintes ao momento em que amachucou o último maço de tabaco. "Já não tenho medo das recaídas. Nem quando bebo um café ou vou jantar com os amigos." O segredo? "Força de vontade."

SALVAÇÃO VEIO DE MADRID

Rita Roby, 31 anos, começou a fumar tarde. "Tinha 21 anos. Mas como sou uma pessoa de exageros, fiquei logo viciada na nicotina." Na faculdade, fumava um maço num só dia. Mas com as noitadas, o número triplicava. No dia em que acabou o curso de Relações Internacionais, prometeu que não voltava a tocar num cigarro. "Estava intoxicadíssima." Durante um ano e meio cumpriu a promessa, mas o stresse do trabalho venceu-a por KO. A segunda batalha de abstinência durou sete meses. Perdeu a guerra de novo. O namorado e a família, não fumadores convictos, pressionavam-na cada vez mais, mas foi um episódio de ‘O Sexo e a Cidade’ que a levou a abandonar o vício. "A Claire (uma das personagens) deixou de fumar com adesivos de nicotina." Rita foi a correr para a farmácia, mas só com prescrição médica poderia comprar o bendito adesivo.

"Mais tarde, fui a Madrid e venderam-me estes substitutos de nicotina, sem receita." Consequência: deixou mesmo de sentir necessidade física de fumar. "Aquilo era uma bomba de nicotina." Na primeira semana, colocou-o todos os dias. Mas depois, só o fazia quando saía à noite. "Como era proibido fumar e usar os adesivos ao mesmo tempo, larguei os cigarros com naturalidade." Um ano depois, confessa ter a pele mais limpa. "Respiro e durmo melhor."
Hugo Franco

CM, 4-4-2004
 
Diário de uma cobaia

MALDITA NICOTINA

Sou a cobaia perfeita. Já tentei tudo, ou quase, para largar os cigarros. Espetaram-me agulhas, andei com sementes de mostarda nas orelhas, pensos de nicotina no peito. Bom, vamos lá tentar agora o tratamento definitivo

Natália Ferraz

SEGUNDA-FEIRA 8 DE MARÇO

Cigarros fumados: 33 - (isto começa mesmo mal)

Vou testar a cura milagrosa, ‘o método definitivo’ para deixar de fumar, a auriculoterapia. Li na Internet que basta ir ao centro Não Fumo Mais, passar lá uma horita e pagar 320 euros. Por esse preço, têm mesmo de fazer milagres. É que eu não fumo cigarros de meninas. Comigo não há cá ‘lights’, ‘ultra lights’, nem baixos teores de nicotina. Fumo ‘Gigante’, e o nome diz tudo. Dois maços por dia, desde os 20 anos.

Chego às instalações às 15 horas em ponto. Sei porque olho no relógio, é um momento solene. Vou deixar de fumar.

Desanimo à porta do centro: uma coisa muito fria, chão de cerâmica cinzenta, cadeiras pretas vazias, senhoras de bata branca a cirandar. No meio da sala de espera vê-se uma caixa de acrílico gigante, sinistra, cheia de maços de tabaco. (Será um golpe de propaganda? Estarão mesmo vazios? Imagino os empregados, depois do dia chegar ao fim, a irem lá tirar os cigarros dos maços e fumá-los às escondidas).

Sou chamado ao gabinete, atende-me uma dra. Sara. Explica-me o tratamento: uma hora ao todo, parte conversa, parte estimulação eléctrica das orelhas (é a minha sina, espetarem-me coisas nas orelhas). Por fim dá-me uma caixa de cartão branco, cheia de frasquinhos de remédios, tipo estojo de primeiros-socorros. Aqui não há milagres, explica-me a senhora dra.. Se não quiser deixar de fumar não adianta, o tratamento é só uma bengala.

A conversa dela preocupa-me. À medida em que dá mais pormenores, começo a entrar em pânico. Interrompo a conversa para fazer a única pergunta que me interessa: "Quer dizer que, quando eu sair desta sala, daqui a uma hora, nunca mais posso fumar?". Ela reafirma, em tom paciente: "Nunca mais. Nem uma passa."

Quem se passa sou eu. Nunca mais? Enlouqueceram todos? Não estou preparado, regateio um adiamento, lá me consigo safar. Marcamos nova consulta para daí a quatro dias, sexta-feira. E penso com os meus botões: aproxima-se uma sexta-feira negra.

SEXTA-FEIRA DIA 12 DE MARÇO

Cigarros fumados: 16 - (o que começa mal )

16 horas - A culpa não é minha, juro, hoje não estou em estado. Ontem foi 11 de Março, dia dos atentados de Madrid, jornal em alta rotação. Deitei-me de madrugada, acordei cedo, estou um farrapo.

Mas a minha amiga dra. Sara não se apieda. É hoje o dia, diz, é hoje que deixarei de fumar. Submeto-me a um questionário breve e ao tratamento. Sento-me numa cadeira longa, inclinada para trás. Ela põe-me gel no pulso, do tipo que se usa nas ecografias (um nojo), e liga-me o braço a uma maquineta electrónica que parece uma ‘juke-box’. Sentada ao meu lado, espeta-me uma vareta eletrónica nas orelhas (não dói), no nariz (faz cócegas) e depois liberta-me.

À saída ainda me avisa: se tenho cigarros é melhor deitá-los fora, na tal caixa de acrílico a que ali chamam ‘cemitério’. Digo que sim, pois claro; mas não os deito fora. Vou ao balcão e pago a horita de serviço, 320 euros. Pago em notas pequenas, um monte delas, fico seriamente deprimido.

Tiro relutante, do bolso, o maço de tabaco estreado hoje de manhã. Já fumei 16 cigarros, sobram-me 4. Hesito em me despedir dos quatro cigarrinhos, todos em tão bom estado. Dou um longo suspiro. Penso nos 64 contos que gastei a fazer cócegas às orelhas e deito fora o que resta do maço.

22 horas - O resto do dia não me lembro muito bem, a memória é uma névoa cinzenta, devem ser os efeitos da falta de nicotina. Arrastei-me como um sonâmbulo e só pouco antes de me deitar realizei: tinha acabado de passar oito horas sem fumar! Um recorde absoluto, só igualado na minha última viagem de avião transatlântica.

Mas tinha também cometido um crime. Num momento de fraqueza pedi a uma colega que me arranjasse uns cigarrinhos. Ela, maldosamente, pôs-me três em cima da secretária. Trouxe-os para casa. Vão acompanhar-me este fim de semana. (Fecho os olhos neste momento, oiço a banda-sonora de um filme de terror.)

SÁBADO DIA 13 DE MARÇO

Cigarros fumados: 0 - (nasce um herói)

Dia fatal: não fumei um único cigarro. E não deixei de pensar neles durante um único minuto. Ao acordar pensei: cigarros! Depois do pequeno-almoço pensei: cigarros! E assim, ao longo de todas as miseráveis horas seguintes. Mas consegui não fumar o primeiro. E como me fui aguentando sem fumar, sempre que pensava no próximo cigarro era como se pensasse no primeiro. Olhava para as horas deixadas para trás, a vitória alcançada, e recusava-me a fumar.

Mas a custo. Neste momento sinto a parte da frente do meu corpo a ganir por um cigarro. É como se parte dos meus braços, das minhas pernas, do meu peito e do meu estômago fossem uma esponja espremida e ressequida. E sei sempre exactamente o que preciso: um cigarro. Tenho ainda os três intactos, consigo não fumá-los.

Orgulhoso da proeza telefono à minha filha, que à distância me controla o vício. Quantos cigarros fumaste papá? Nenhum filhota, sou um herói nacional.

DOMINGO - 14 DE MARÇO

Cigarros fumados: 3 - (o princípio do fim)

Já é o meu terceiro dia sem fumar. Quer dizer, se contar a tarde de sexta-feira e o dia de ontem, que foi sábado. Faço as contas ao dinheiro poupado, não é lá grande lucro: gastei em rebuçados o que poupei nos cigarros. Chupo um atrás do outro, nos intervalos como desvairadamente. Olho para a balança, engordei um quilo. Faço contas de cabeça, por este andar chego a Abril e sou um lutador de sumo.

A caixinha de remédios trazida do centro não funciona: umas gotinhas miseráveis que me fazem pensar no Macário Correia. Tragá-las é como beijar um cinzeiro. Os comprimidos para tomar em caso de emergência também não têm efeito, e o que é pior, tem propriedades laxantes.

Hoje é domingo, estou em casa, e um tenho um artigo para entregar amanhã de manhã. O diabinho que há em mim começa a arranjar formas de me quebrar a vontade. Diz-me ao ouvido: Eh pá, sem cigarros não vais lá, não escreves uma linha; já não consegues pensar sem um cigarrinho na mão, quanto mais escrever. Sacudo o diabinho, mas em vão. Levo horas a acabar o artigo, e o resultado não é mau. É simplesmente miserável. Penso naquelas filmes dos anos 50, em que o herói chega a casa derrotado, e depois de anos sem beber uma gotinha se vira outra vez para a garrafa. E com essas imagens na cabeça, dou a primeira passa num cigarro...

SEGUNDA-FEIRA - 14 DE MARÇO

Cigarros fumados: 7 - (a queda do herói)

Razão tinha a dra. Sara: Nem uma passa! Eu dei a passa fatídica, e foi como Adão a abocanhar a maçã – num ápice fui expulso do paraíso. Passo o dia sem comprar tabaco, mas à visão de um colega a fumar, cravo-o no acto. Vergonha, vergonha.

O RESTO DA SEMANA - 16 A 19 DE MARÇO

Cigarros fumados: não queiram saber - (ardeu um herói)

Perdi a conta aos cigarros fumados. Começo outra vez a matemática dos viciados. Dois maços por dia é igual a X euros, vezes X anos é igual a... Um Volkswagen Golf descapotável! Oh tristeza, oh depressão!

2º Fim-de-semana - 20 e 21 de Março

Cigarros fumados: 12 - (o império contra-ataca)

Mandei às urtigas a caixinha dos remédios milagrosos. A única vantagem de ter ido ao malfadado centro foi esta: percebi que é possível deixar de fumar. Aguento-me portanto, sem gotinhas nem comprimidos, pelo menos até à hora de telefonar à minha filha. À distância ela controla-me o vício, exige números, não lhe posso mentir. Não fumo até lhe telefonar, e depois. Depois, depois é a desgraça do costume.

2ª Semana - 22 a 26 de Março

Cigarros : 132 - (fumar emagrece)

Não sei o que foi pior durante a semana, se a derrota de não conseguir parar de fumar, se as bocas dos colegas: então pá, gastas 64 contos para isto? Ou pior ainda, aqueles que largaram o tabaco de graça e me atiram à cara: eu cá não gastei um tostão, foi só força de vontade. Pois.

3º Fim de Semana - 27 e 28 de Março

Cigarros: 33 - (adeus pai)

Não entremos em pormenores. Este fim-de-semana falhei o meu dever religioso de pai. Domingo é dia de telefonar à minha filha. Não telefonei, não tive lata de lhe prestar contas. E fiquei cheio de medo de ouvir um raspanete.

À noite, cheio de remorsos, fiz um pacotinho com prendas para lhe enviar pelo correio.

4ª Semana - 29 de Março segunda-feira

Cigarros fumados: 25 - (a luta continua)

É hoje, é hoje! Não, afinal não foi.

01 de Abril - quinta-feira

Cigarros fumados: 0 - (dia das mentiras)

Não fumei um único cigarro. Juro.
José Prata

CM, 4-4-2004
 
"O tabagismo também é uma epidemia pediátrica"

Andrea Cunha Freitas

O problema do tabaco começa
nas crianças, não no adulto, avisa
o especialista e consultor da OMS
José Ramón Calvo

Um dia, um doente pediu-lhe: "Preciso que me ajude, senão vou matar o meu filho. Ele deixa-me todos os dias post-its no frigorífico com mensagens tipo "que pena ter um pai que vai morrer mais cedo" ou "o meu pai não me quer porque continua a fumar"". José Ramon Calvo é médico mas diz que já não adianta avisar os fumadores para os danos causados na saúde. "Isso já passou à história. Os fumadores sabem isso tudo." A aposta tem que ser na prevenção junto de crianças e mulheres grávidas, numa lei dura e na "subida do preço do tabaco". Numa altura em que Portugal se prepara para aprovar legislação anti-tabagista, o especialista, consultor em programas de combate ao tabagismo em diversos países e colaborador da Organização Mundial de Saúde, esteve no 3.º Encontro sobre Prevenção e Tratamento do Tabagismo que se realizou ontem e anteontem no Porto.

Falou, numa das suas intervenções, da relação entre o tabaco e as crianças. Como encara esse problema?
O tabagismo tem de ser encarado também como uma epidemia pediátrica. O tabaco é um problema que começa nas crianças, não é no adulto. As tabaqueiras sabem que se uma pessoa não começa a fumar antes dos 19 anos a probabilidade que comece depois disso é inferior a dez por cento.
Como é que as tabaqueiras seduzem as crianças?
Com as novas legislações na Europa será muito mais difícil, mas até agora faziam-no com publicidade. Posso mostrar vários anúncios que eles usavam para captar crianças.
Dê-me um exemplo...
Há um estudo que mostra que no cinema, por exemplo, quase 75 por cento dos filmes para crianças tinham alguma relação com o tabaco. A mensagem era colocar o herói do filme a fumar. O Roger Rabbit tem três ou quatro cenas de crianças pequenas a fumar, há ainda a Betty Boop que oferece cigarros. No Super-Homem, as tabaqueiras pagaram algo como 300 mil dólares para uma cena de dez segundos em que a personagem é atirada contra um camião da Marlboro.
Mas as tabaqueiras não financiavam alguns filmes?
Sim. Mas agora estão a ir para outros países, como o Bollywood, na Índia. Estão a ir para a Ásia e para a África.
Isto acontece por causa das iniciativas legislativas que se multiplicam na Europa, por exemplo?
Isso tem muita influência. A primeira lei importante foi o convénio-quadro que a Organização Mundial de Saúde fez com 197 países do mundo, feita após mais de três anos de discussão. Depois a UE começou a fazer o seu documento e os países começaram a agir. Espanha fez uma lei que no início foi muito boa só que ficou curta. As pressões da tabaqueira foram enormes. Houve deputados e senadores que afirmaram nunca ter recebido tanta pressão para uma lei ser rejeitada. Eles tentaram separar as ilhas Canárias do resto do país porque tem um regime fiscal diferente. E conseguiram. Não há controlo lá.
E a restauração não se queixou?
Também houve pressões da indústria da restauração e hoteleira. Nos restaurantes, os donos diziam que a proibição ia conseguir fechar os negócios. É um absurdo. Em Itália, os restaurantes continuam cheios, em Nova Iorque também.
Só com as leis é que será possível travar as tabaqueiras?
Há outro instrumento muito forte: a pressão fiscal. Ou seja, subir o preço do tabaco.
Já não adianta avisar os fumadores para os danos causados na saúde?
Não, não. Isso já passou à história. Os fumadores sabem isso tudo. Tem de haver uma prevenção claríssima junto de crianças e mulheres grávidas, uma legislação dura e que proíba a publicidade. E temos de subir o preço do tabaco. É a melhor solução para impedir que a curva continue crescendo.
Como é que as tabaqueiras podem contra-atacar?
Está a ser muito complicado para elas porque têm-se fechado muitas portas. Estão a tentar outros negócios, como a alimentação, e estão a ir para África. Lá não têm leis, educação e têm governos que podem ser comprados. Por cá, eles tentam contornar a lei, mas a opinião pública está a impedi-los. Não podemos esquecer que 70 por cento da população europeia não fuma.
Acredita que será mesmo aprovada uma directiva na União Europeia sobre esta matéria?
Sim. Apesar da pressão de muitos países. A Alemanha está a fazer uma pressão muito forte porque as tabaqueiras aqui - e na Áustria também - estão a ter muita força. As campanhas eleitorais de alguns líderes alemães no passado foram pagas integralmente pelas tabaqueiras.
O que é que a directiva pode mudar?
Pode estabelecer os mínimos. Para que ninguém faça menos do que isso. Na Noruega ou na Irlanda, a lei é duríssima. Quem imaginava que num pub irlandês não fosse possível fumar?
Que avaliação faz do impacto da lei espanhola?
Diminuiu claramente o número de fumadores nos locais de trabalho. Isso foi a principal virtude da lei.
Mas diminui o número de fumadores no país?
Sim. O cálculo do Ministério da Saúde aponta para uma redução entre quatro e cinco por cento. Por outro lado, a lei abriu um debate social intenso. Há pessoas a dizer que não são fumadores e que não querem fumo por perto. Antes isso não existia desta forma.
Quatro ou cinco por cento não é pouco?
Imagine que continuamos nessa proporção. Daqui a dez anos temos 30 ou 40 por cento. Essa lei é a médio prazo. Não se pode avaliar num ano.
A percepção pública para o problema está a mudar mesmo junto das crianças...
Completamente. Um dos meus doentes abordou-me a dizer: "Preciso que me ajude, senão vou matar o meu filho. Ele deixa-me todos os dias post-its no frigorífico com mensagens tipo "que pena ter um pai que vai morrer mais cedo" ou "o meu pai não me quer porque continua a fumar"" A verdade é que o doente suspeitava que era a mulher que preparava aquilo, mas era o filho que escrevia.

Na conversa com o PÚBLICO há um momento em que Ramón Calvo eleva o tom de voz. "Há obstetras que continuam a ter a velha ideia que menos de dez cigarros para uma grávida está tudo bem. Isso é uma barbaridade absoluta!", denuncia, adiantando que, da mesma forma, é disparatado desaconselhar as mulheres grávidas a usar chicletes ou adesivos de nicotina. "O pior é que fumem", defende, admitindo que, nestes casos, prefere recorrer às pastilhas elásticas para estabilizar os eventuais momentos de ansiedade. "Um cigarro por dia numa grávida faz com que o risco de uma morte súbita seja 300 vezes superior. Então, não tem jeito", conclui.

Público, 14-4-2007
 
Alegações finais de Macário Correia, PRES. DA CÂMARA DE TAVIRA, HISTÓRICO ANTITABACO

"É acertado tratar o tabaco como uma droga"

FERNANDA CÂNCIO

Continua a achar que beijar um fumador é o mesmo que lamber um cinzeiro?

Essa frase é de há 14 anos, de uma campanha internacional à qual eu, na altura presidente do Conselho de Prevenção do Tabagismo, fui escolhido para dar a cara.

Alguma vez foi fumador?

Para ser rigoroso, fumei um cigarro aos 14 anos que me soube tão mal que nunca percebi por que motivo alguém fuma. Os meus filhos - tenho três, um com seis anos, outro com 17 e outro com 20 - também nunca fumaram.

Está satisfeito com o projecto de lei antitabaco que vai ser discutido na quarta-feira?

É um passo em frente, embora com algumas situações de compromisso, por exemplo no que respeita ao critério das dimensões dos estabelecimentos de restauração - cem metros quadrados parece-me pouco como limite a partir do qual se pode criar um espaço para fumadores. E em relação aos hospitais e às escolas não deveria haver qualquer tolerância. Não é aceitável que num hospital, em que uma boa parte dos internamentos se deve a problemas relacionados com o tabaco, se possa fumar.

Qualquer promoção do tabaco é proibida. Numa década, foi-se do incentivo ao tabagismo ao proibicionismo, e de uma situação em que o Estado era detentor da Tabaqueira para a luta sem quartel contra os interesses do tabaco. Há uma certa esquizofrenia.

Sim, mas é uma tendência internacional óbvia, a partir do momento em que se tornou evidente o número de mortos que o tabaco provoca. As legislações espanhola, irlandesa e inglesa foram um fechar de cerco; há países em que se proibe até o fumo na via pública. Mas ainda me lembro de, em 1989, ir colocar um autocolante de "não fumadores" num avião da TAP que fazia o voo para a Madeira.

Há quem considere que algumas medidas previstas são tão draconianas que acabarão por não ser colocadas em prática... Por exemplo, acha que é exequível proibir a venda de tabaco a menores de 18?

Conhecendo a realidade do país e os comportamentos das pessoas, sei que isso não vai ser respeitado com rigor.Acho que as forças de segurança têm de ter uma atitude pedagógica, antes de aplicar a pura repressão.

Pela primeira vez, o tabaco é, numa lei, tratado à semelhança das substâncias a que se costuma dar o nome de drogas. É a perspectiva correcta?

Pode ser violento dizê-lo mas tecnicamente está certo. É uma droga que gera dependência, mesmo se as suas consequências psicológicas não são as da heroína.

No entanto, apesar de o número de pessoas que morrem por patologias associadas ao cigarro ser muito superior às que usam heroína, o investimento na prevenção do uso de heroína é infinitamente maior que o utilizado para prevenir o uso do tabaco. As prioridades não estão invertidas?

Manifestamente, acho que a aposta na prevenção do tabagismo deve ser muito maior. E creio que um dos seus paradigmas é a criação de uma geração de não fumadores. |

DN, 1-5-2007, pág. 63
 
O tabaco, o Estado e os direitos de todos

As doenças com origem no consumo do tabaco estão cientificamente provadas. Os gastos do Estado com a saúde em consequência do fumo, activo e passivo, são também conhecidos. E diz a recém-criada Associação Portuguesa de Tabacologia que este vício mata 12 mil portugueses todos os anos!

Por todas as razões, o projecto do Governo que hoje será discutido na Assembleia da República apenas peca por tardio.

A posição de todos os partidos reflecte, aliás, um enorme consenso - e, por isso, a discussão far-se-á apenas à volta do fumo nos restaurantes com menos de 100 m2, no valor das multas e na repartição das verbas das mesmas.

Significa isto que, depois de anos a discutir o que não tem discussão, Portugal apresta-se para dar um passo civilizacional importante. O Estado coloca finalmente o direito colectivo acima da vontade particular e a defesa da saúde à frente do egoísmo individual patrocinado pelos ganhos das tabaqueiras.

Um ano para a adaptação à nova lei, e às suas consequências, parece tempo mais do que suficiente para que uma campanha de informação explique aos cidadãos menos esclarecidos o que está em causa. Mas, depois disso, será necessário que a fiscalização actue, com rigor - e determinação face aos lobbies.

DN, 2-5-2007, pág. 6
 
MINHA VEIA E OS PULMÕES DOS OUTROS

Fernanda Câncio
jornalista
fernanda.m.cancio@dn.pt

Quando já parecia não haver mais argumentos ridículos para apresentar em defesa dos fumadores coitadinhos que se limitam, pobres deles, a impor as consequências da sua ausência de bom senso e de força de vontade ao mundo em geral e aos clientes da mesa do lado em particular, surgiu o golpe de misericórdia: então não é que as coimas a aplicar a quem fume em locais públicos fechados são superiores às impostas a quem use substâncias ilícitas como heroína, cocaína, haxixe, ecstasy e quejandas? Ó, escândalo. Dos comentadores televisivos aos ilustres deputados da nação, passando pelos argutos jornalistas, todos se engasgam de pasmo e de justa fúria, em partes iguais.

Realmente, não se compreende: como pode uma lei que visa proteger os que não fumam dos que fumam ser mais severa sobre os que prevaricam que uma lei que visa proteger de si próprio quem usa certas substâncias tidas como prejudiciais? Está-se mesmo a ver que o Estado deve ser muito mais brutal com quem faz mal a si próprio do que com quem faz mal aos outros. Tipo: é óbvio que se eu estiver num descampado a injectar-me na minha veia com heroína ou cocaína ou outra "ína" qualquer estou a cometer uma falta muitíssimo mais grave que se estiver a fumar cigarro atrás de cigarro num restaurante ou num bar, bafejando generosamente os pulmões dos presentes com alcatrões tóxicos, cancerígenos e outros mimos.

Há neste "caso" três problemas elementares de raciocínio. Um é o de partir do princípio de que haver drogas legais e drogas ilegais implica que as legais são menos perigosas para a saúde que as ilegais - mesmo se as evidências científicas não apontam nesse sentido. Outro é achar que o uso das drogas ilegais é em si um mal terrível, independentemente de só prejudicar quem as usa, sendo impensável que se lhe aplique um castigo menos severo que a quem impõe o fumo de uma droga legal a terceiros. Outro ainda é nem sequer se questionar a hipótese de, a alguém que fume, por exemplo, um charro de haxixe ou marijuana num local público fechado, se aplicarem, em cominação, as coimas referentes à interdição de fumar ali e à proibição de usar uma substância ilícita. O facto de a lei antitabaco só referir o fumar do tabaco ou de seus derivados é uma falha, que deve ser colmatada - mesmo se é sabido que os "charros" de haxixe e marijuana são quase sempre feitos com mistura de tabaco.

Afinal, faz tanto sentido equiparar as coimas respeitantes ao uso de drogas ilícitas com as que incidem em quem fume em locais públicos fechados como comparar o que a lei determina para quem beba álcool até cair (nada) e o que prevê para quem, embriagado, conduza um veículo (contra-ordenação, inibição de conduzir ou prisão, conforme o grau de alcoolemia). Num caso, o abuso só prejudica o próprio; no outro, põe terceiros em risco. Se é assim tão óbvio no caso do álcool, devê-lo-ia ser também nos outros. Ou não?

DN, 4-5-2007, pág. 9
 
O DIREITO DE ABRIR CASAS DE FUMO

João Miranda
Investigador em biotecnologia
jmirandadn@gmail.com

De acordo com o liberalismo clássico, cada indivíduo tem direito a uma esfera de liberdade inviolável dentro da qual é soberano. O diâmetro da esfera de liberdade é aquele que impede a intersecção das esferas de liberdade dos diferentes indivíduos. Ou, por outras palavras, as liberdades de cada um são limitadas por iguais liberdades dos restantes. Os direitos de cada indivíduo que correspondem à sua esfera de liberdade são designados por direitos negativos por oposição aos direitos positivos. Os direitos negativos são direitos que apenas obrigam os outros à passividade. Os positivos são os que só podem ser garantidos se os outros forem forçados a providenciar determinados meios para a sua concretização.

A nova lei do tabaco é um excelente exemplo para ilustrar estas ideias. Fumar é um direito negativo. Isto é, todos os indivíduos têm o direito de não ser impedidos de fumar, desde que o fumo não interfira com direitos negativos de outros indivíduos. Os outros estão apenas obrigados à passividade. O direito negativo a fumar não implica que os outros tenham que providenciar os cigarros.O direito ao ar puro também é um direito negativo, isto é, ninguém pode ser forçado a respirar ar poluído. Logo, fumar é um direito que só deve ser exercido nas circunstâncias em que o fumador não força os outros respirar ar poluído. Este direito ao ar puro tem no entanto que ser confrontado com um terceiro direito negativo, o direito à propriedade privada.

O direito à propriedade privada é o direito de cada um aos frutos do seu trabalho. Ninguém pode ser forçado a partilhar uma propriedade legitimamente adquirida. O direito de propriedade é o direito que impede que os frutos do trabalho de um indivíduo sejam colectivizados, isto é, impede que cada indivíduo possa ser indirectamente escravizado pelos outros.

Uma pessoa que constrói ou que adquire um restaurante tem o direito de fazer o que quiser com aquilo que é seu. Entre os direitos do proprietário está o direito de definir as regras internas de fumo. Esta decisão não interfere com o direito que cada um ao ar puro porque ninguém é forçado a frequentar um determinado restaurante. Quem entra num restaurante de livre vontade é responsável pelo seu acto e tem que suportar as consequências. Ninguém tem o direito de forçar o dono de um restaurante a usar a sua propriedade, fruto do seu trabalho, para proporcionar aos não fumadores um determinado tipo de ambiente. O dono de um restaurante não tem de se colocar ao serviço dos fins de indivíduos em relação aos quais não contraiu nenhuma obrigação. O dono do restaurante tem o direito de usar os seus próprios meios económicos para os seus próprios fins. Se desejar abrir um restaurante para não fumadores tem o direito de o fazer. Se desejar abrir uma casa de fumo tem o direito de o fazer.

DN, 5-5-2007, pág. 9
 
Hockney diz que fuma para não enlouquecer



O texto arranca de forma inequívoca sobre a posição de quem o escreve. "No dia 1 de Julho de 2007, começa em Inglaterra a mais grotesca peça de engenharia social: o tabaco será banido em espaços públicos fechados, imposição fácil levada a cabo pelas elites social e política. Pensam eles que isso ajudará a saúde pública e a limpar a atmosfera." Assina David Hockney, um dos nomes maiores da Pop Art nos anos 60.

No artigo que publicou na edição de ontem do jornal britânico The Guardian, Hockney dá o exemplo dos anos em que viveu na Califórnia para dizer que as tentativas de banir o tabaco não deram os resultados que as autoridades pretendiam. "Legais ou ilegais", disse, as drogas continuarão a ser consumidas em casa de quem as quiser consumir.

O artista, que está há sete anos a trabalhar em Inglaterra, fala de um outro fenómeno associado à interdição do tabaco e, mais uma vez, apresenta o exemplo da Califórnia: a substituição do tabaco por outro tipo de drogas, a maioria prescritas e onde se destacam o Prozac e os antidepressivos. O negócio fala mais alto e quando a matéria-prima é droga (legal ou ilegal) o ruído é quase estridente, alerta Hockney num discurso que vai contra o que considera serem os excessos das leis antitabagistas.

"Eu fumo para manter a minha saúde mental. Acho que ajuda, e certamente prefiro os seus efeitos calmantes aos das drogas farmacêuticas", garante.

Os efeitos nocivos do tabaco dependem do fumador e cita o nome do ex-líder chinês Deng Xiao Ping, que morreu aos 92 anos. Um exemplo entre tantos, diz Hockney, que acusa os média de terem uma atitude hipócrita em relação a esta matéria. "A imprensa britânica pode ser muito viva, mas é também pateticamente infantil", declara o pintor. "A mim, esta lei não me afecta por aí além. Vivo muito em privado, não sou muito social", conclui o artista que pede para não ser a única voz a levantar-se contra o que considera ser uma imposição de gente sem visão e que está a estragar a Inglaterra.

DN, 16-5-2007, pág. 50
 
Pequena restauração vai escolher se é livre de fumo

SUSETE FRANCISCO

Os estabelecimentos de restauração com menos de 100m2 vão poder optar se o espaço é livre de fumo ou para fumadores. A proposta foi ontem avançada pelo PS no grupo de trabalho parlamentar que está a discutir a nova lei do tabaco. E constitui uma importante alteração ao texto inicial da lei - que previa a total interdição ao tabaco naqueles espaços.

As propostas de alteração ontem entregues pelo PS aos restantes partidos estabelecem que cafés, restaurantes, bares e discotecas com menos de 100m2 de área possam ser destinados a fumadores ou não fumadores - ficando uma solução intermédia afastada, dado que o pouco espaço não permitiria criar condições de protecção aos não fumadores. Caso a opção do proprietário passe por admitir o consumo de tabaco, a maioria parlamentar impõe três condições: os estabelecimentos terão que ter um dístico informativo; terão que ter um sistema de ventilação nos termos definidos na lei; e extracção de ar para o exterior.

Onde os socialistas também querem mexer é na data da entrada em vigor da lei. O texto já aprovado na Assembleia da República, e que está agora a ser discutido na especialidade (ponto a ponto), previa um ano até à aplicação prática do novo quadro legal. Nos trabalhos parlamentares entre os vários partidos chegou a ser acordado - nomeadamente pelo PS - que lei deveria entrar em vigor em duas fases. Uma imediata para os casos em que não fosse necessária qualquer adaptação para fazer cumprir o novo quadro legal. E uma segunda, mais tardia, para espaços que necessitassem de obras. Agora, a maioria avança outra solução e defende uma antecipação do calendário - a lei deverá entrar integralmente em vigor a 1 de Janeiro do próximo ano. Os estabelecimentos que, nessa data, não reunirem as condições técnicas exigidas não poderão optar por ser um espaço para fumadores até avançarem com as obras necessárias.

Nas propostas do PS consta ainda uma outra alteração, relativa a cafés, bares, restaurantes e discotecas com mais de 100 m2. Até agora, a lei previa um máximo de 30% do espaço total para zona de fumadores - percentagem agora alargada para 40, desde que haja separação física entre os espaços. Alterações que Afonso Candal, vice-presidente do grupo parlamentar do PS, qualifica como uma "procura de consenso" em questões que suscitaram propostas de toda a oposição: "Há um esforço por parte do Governo e do grupo parlamentar no sentido de gerar o mais amplo consenso possível e garantir a aplicabilidade da lei". Também Maria Antónia Almeida Santos, coordenadora do PS na comissão de Saúde, recusa que haja um recuo, optando por falar na tentativa de um consenso. O mesmo que invoca para afirmar que as propostas do PS não traduzem "uma posição irredutível".

Na reunião de ontem, face à apresentação destas propostas, os restantes partidos pediram para analisar a questão com as respectivas bancadas. O grupo volta, por isso, a reunir na próxima semana - inicialmente, a data prevista para a votação final da lei, agora adiada para 28 de Junho.

A história da lei que restringe o consumo de tabaco em Portugal conta-se em vários anos de avanços e retrocessos. O anterior governo PSD/CDS tentou modificar as regras sobre o consumo de tabaco, avançando com uma proposta restritiva, que acabou por ser suavizada. Quando tomou posse, o actual ministro da Saúde chamou a si a legislação. Correia de Campos considerava que o anterior executivo cedeu a interesses do sector quando reduziu para 16 anos a compra de tabaco por menores e alterou as restrições ao fumo. Durante a discussão pública do documento, que se arrastou por dois anos, a tutela admitiu a hipótese de seguir o exemplo da lei espanhola, mas acabou por levar ao Parlamento o documento inicial, mais restritivo. Uma opção que sofre agora novo recuo através das propostas dos próprios deputados socialistas.

DN, 16-6-2007
 
DGS quer consultas
em todos os centros de saúde

Todos os centros de saúde devem criar consultas específicas
para quem quer deixar de fumar - a recomendação é da
Direcção - Geral de Saúde e surge na sequência da nova lei do
tabaco. Estas consultas, que já existem nalguns serviços, deverão
ser destinadas a funcionários e aos utentes do Serviço
Nacional de Saúde.
A recomendação estende-se também a alguns serviços hospitalares
públicos, em particular aos serviços de cardiologia, pneumologia,
psiquiatria, oncologia, obstetrícia, psiquiatria e centros
de atendimento a alcoólicos e toxicodependentes.
"Sempre que a dimensão dos serviços e da população atendida
não justifique a criação de uma consulta especializada, devem
ser estabelecidos protocolos com outras consultas especializadas,
de modo a garantir o acesso adequado dos fumadores que
necessitem deste tipo de apoio", refere a circular assinada
pelo director-geral da Saúde.
Apesar de a nova lei de prevenção do tabagismo proibir fumar
nos estabelecimentos de saúde, vai permitir aos hospitais e
serviços psiquiátricos criarem áreas dedicadas em exclusivo a
pacientes fumadores.
Além do que é estabelecido na lei, a Direcção-Geral recomenda
ainda que os espaços criados para os fumadores sejam
"completamente compartimentados e isolados das zonas de
não fumadores" e que sejam apenas destinados ao acto de
fumar.
De acordo com a lei, os órgãos directivos ou dirigentes máximos
dos estabelecimentos de saúde que não façam uma correcta
divisão das zonas para pacientes fumadores podem pagar
uma multa de 2.500 a 10 mil euros.
Quem fume nos estabelecimentos de saúde fora das áreas ao
ar livre e das destinadas a fumadores incorre no pagamento de
uma contra-ordenação que pode ir dos 50 aos 750 euros.

RRP1, 19-10-2007
 
13% das mortes em Portugal são devidas a doenças respiratórias

RUTE ARAÚJO

"Qual é a morte mais terrível? Um ataque cardíaco, um AVC, um acidente de avião, de carro, ou morrer por sufocação?" A pergunta, feita pelo representante da Organização Mundial de Saúde Portugal, Álvaro Cruz, é mesmo para o deixar a pensar. As doenças respiratórias crónicas são mesmo assim, uma dificuldade permanente de respirar e... "uma morte terrível". A boa notícia é que são quase todas evitáveis. E esse é um dos grandes objectivos da GARD, uma aliança internacional para combater estas patologias, à qual Portugal está associado desde ontem. No País, as doenças respiratórias representam 13% do total de mortes (12 421 por ano), de acordo com o Observatório Nacional.

Com o patrocínio da OMS, a GARD inclui já 16 países em todo o mundo e quer funcionar como uma plataforma para incentivar os estados a avançar com políticas de prevenção e controlo destas doenças. Asma, doença pulmonar obstrutiva crónica ou rinite alérgica são algumas delas. Além disso, a aliança faz um trabalho de levantamento de dados sobre o impacto destas patologias na população.

Os números mundiais não deixam dúvidas sobre a incidência destes problemas. Quatro milhões de óbitos por ano, 38 pessoas a morrer a cada cinco minutos. Em 2030, serão a quarta doença com maior impacto, logo a seguir ao HIV/sida, à depressão e às doenças coronárias. Tal como para a diabetes, doenças do coração ou obesidade, a prevenção está nos estilos de vida saudáveis.

Como explicou Jean Bousquet, um dos fundadores da GARD, "toda a gente está exposta a factores de risco". O fumo do tabaco, activo ou passivo, é um dos principais. Mas também a exposição ao fumo da combustão de materiais sólidos para cozinhar ou para aquecimento é outro dos factores de risco que os especialistas querem fazer diminuir.

A GARD Portugal - que tem à frente o médico Rosado Pinto, director do serviço de Imunoalergologia do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, reúne 17 associações governamentais, profissionais e de doentes. Jean Bousquet diz que a GARD não é uma sociedade nem uma organização, mas um programa de saúde pública.

Um dos grandes problemas nestas patologias continua a ser a falta de diagnóstico. Como explicou o médico Mário Almeida, em cada uma delas calcula-se que apenas 50% dos casos estejam identificados e acompanhados.

Um inquérito recente da Sociedade de Alergologia a cinco mil crianças entre os três e os cinco anos mostra que 21% apresenta queixas e, destas, 10% teve falta de ar mais de quatro vezes no último ano. Apesar disso, apenas 20% já tinha um diagnóstico médico de asma. "Houve aqui oportunidades de intervenção", que se perderam, afirmou o médico Mário Almeida.

DN, 21-10-2007
 
Risco de enfarte diminui um dia após deixar de fumar

Bastam 20 minutos sem fumar para que a tensão arterial desça, mas são precisas pelo menos 24 horas sem tabaco para que o risco de enfarte diminua, revelam dados da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

Para sentir uma diminuição na tosse e no cansaço, quem deixa de fumar tem de esperar entre um e nove meses e um pouco mais, cerca de 12 meses, para reduzir para metade o risco de contrair doença coronária.

No entanto, só 10 a 15 anos depois é que o risco de ter doenças do coração fica igual ao de um não fumador.

Para reduzir para um terço o risco de enfarte e de morte é necessário passar um ano e esse risco só fica equivalente a um não fumador após três ou quatro anos.

Para se alcançar uma diminuição de 50 por cento do risco de acidente vascular cerebral é necessário que passem cinco anos depois de abandonado o vício do tabaco.

Os dados referentes aos benefícios da cessação tabágica indicam ainda que só depois de 10 anos sem fumar é que se consegue diminuir o risco de cancro do pulmão, mas que, por mais tempo que passe, nunca fica igual ao de um não fumador.

Relativamente à gravidez, deixar de fumar antes da gestação permite às mulheres terem crianças com o mesmo peso das não fumadoras. Se a mulher fumar até à 30.ª semana, o peso do bebé será, ainda assim, superior aos filhos de quem fuma durante toda a gestação. São cerca de 30 por cento as mulheres que optam por deixar de fumar durante a gravidez, mas 80 por cento delas acaba por ter uma recaída depois do parto.

Ensinar a deixar de fumar

Mais de 500 profissionais de saúde frequentaram já os cursos de formação para "ensinar" os doentes a deixar de fumar, uma iniciativa da Sociedade de Pneumologia para preparar os centros de saúde para os desafios da nova lei do tabaco.

A Sociedade Portuguesa de Pneumologia promove estes cursos, acreditando que pode ser essencial para preparar os centros de saúde para as consultas específicas para o efeito.

DN, 28-10-2007
 
Enfim, ar puro ao fundo de tanto fumo

EDITORIAL

Ontem, José Manuel Esteves Honesto, secretário-geral da Associação de Restauração e Similares de Portugal (ARESP), disse ao DN: "Não só a maioria dos nossos estabelecimentos optará por ser para não fumadores, como aqueles que optarem por admitir o fumo vão estar devidamente sinalizados." Saúde-se a clareza. É raro que representantes de entidades que dependem de clientes se pronunciem sem ambiguidades quando o assunto é polémico. Entre nós é comum a política dos paninhos quentes (veja-se, por exemplo, o Aeroporto de Lisboa, que põe dísticos proibindo o fumo e fecha o olhos a quem não cumpre a ordem).

O fumo público é uma questão de saúde pública. Proibi-lo não é um favor que se faz a uns quantos, é uma obrigação devida a todos os cidadãos. A atitude agora revelada pelo representante dos profissionais da restauração e a promessa do director-geral da Saúde - "desengane-se quem aposta no deixar andar", disse Francisco George - dão-nos a esperança na aplicação real desta proibição. Proibição, lembre-se, que só peca por tardia.


Alegações finais de José Esteves Honesto (ASS. RESTAURAÇÃO E SIMILARES DE PORTUGAL): "A 1 de Janeiro, acorda-se com um novo hábito"

FERNANDA CÂNCIO

O DN fez na edição de ontem um mini-inquérito a cafés, restaurantes e bares e há alguns que parecem não saber ainda o que se vai passar ou como vão agir em relação à lei do tabaco...

Os empresários que são sócios da Associação de Restauração e Similares de Portugal (ARESP) sabem que a lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro e têm em seu poder os dísticos adequados (para afixar de modo a fazer saber se se trata de um estabelecimento para fumadores ou que interdita o fumo) e toda a informação necessária. Fizemos reuniões com mais de 15 mil empresários em todo o País. Os nossos associados não podem alegar que não sabem o que lei prevê. Poderão existir ainda alguns empresários que, não sendo nossos associados, não estão informados ou preparados.

Quantos estabelecimentos irão interditar o fumo?

A esmagadora maioria dos nossos 25 mil associados deverá iniciar o processo de adaptação à lei, a partir de 1 de Janeiro, como estabelecimentos para não fumadores. Mas acompanhámos de perto o modelo espanhol e cremos que, como aconteceu em Espanha, onde também se permite a opção, o mercado irá evoluir no sentido de haver progressivamente mais com acesso a fumadores.

Isso implica um investimento: a lei prevê separação de espaços nos estabelecimentos com mais de 100 m2 e extracção de fumos nos até 100 m2.

Sim, mas isso é a nossa vida, o investimento permanente. Os gabinetes técnicos da ARESP estão disponíveis para aconselhar os associados em relação às alterações e aos equipamentos de tratamento/extracção de ar que a lei exige.

A lei diz que esses equipamentos devem garantir que o fumo não afecte os empregados e outros clientes. Isso não é um pouco difícil de garantir?

Não, não é. Onde esse sistema é montado e funciona realmente, não se sente o tabagismo. Aliás a maioria dos estabelecimentos - nomeadamente de animação nocturna - que vão manter-se para fumadores já dispõe deles.

Quantos pediram à ARESP informação sobre esses equipamentos e obras respectivas?

Mais de mil associados entraram em contacto com os nossos gabinetes de arquitectura para adaptar os espaços ao fumo.

Parece no entanto não haver um esforço de transição ou pedagogia: na maioria dos estabelecimentos continua a fumar-se como antes. Assim vai haver um corte radical.

Vai ser radical, vai. A 1 de Janeiro, Portugal vai acordar com um novo hábito. O período de transição foi alargado, e houve vários estabelecimentos que se auto-organizaram e aplicaram formas de informação e de separação de espaços. Mas a maioria não arriscou ser precursora, porque sabia que ao lado havia quem autorizasse o fumo e não queria perder clientes.

DN, 9-11-2007
 
Lei rígida reduziria fumadores em 140 mil

MARIA JOÃO CAETANO

No dia em que 80% dos portugueses comemoram o facto de não fumarem, surgem novos apelos para abandonar o vício e endurecer a lei do tabaco. Luís Rebelo, presidente da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo, disse ao DN que só a lei poderia "reduzir entre 5% e 7% o número anual de fumadores", à semelhança do que aconteceu noutros países. No entanto, o facto de não se proibir totalmente o fumo nos restaurantes poderá condicionar os resultados. O agravamento do preço do tabaco, também referido por especialistas, é outra medida que mostrou ter grandes efeitos na redução do consumo.

Ontem, um grupo de médicos de família, cardiologistas e pneumologistas divulgou uma carta aberta para a criação da Liga contra o Tabagismo. O objectivo é ajudar os fumadores a deixar o vício e a procurar o seu médico, recordando que a lei anti-tabágica entrará em vigor no próximo dia 1 de Janeiro. A nova legislação prevê a criação de consultas anti-tabágicas nos centros de saúde e hospitais, estando a lista actual (147 locais) disponível no site da Direcção-Geral da Saúde.

O recurso a fármacos ou adesivos é uma resposta para muitos fumadores e há soluções que se mostram eficazes para 20% a 50% dos fumadores que as experimentaram. Recorde-se que 360 mil fumadores apenas consideram deixar o tabaco com ajuda. No entanto, até agora, ainda se aguarda pela comparticipação de pelo menos parte destes medicamentos. Em Portugal há dois milhões de fumadores, apesar de o número estar a diminuir.

DN, 17-11-2007
 
A lei do tabaco e a sua aplicação

A nova lei do tabaco entra em vigor amanhã. Talvez a última grande mudança deste género, que afecta a vida de todos de forma tão transversal, tenha sido a utilização obrigatória do cinto de segurança.

É, aliás, uma boa comparação. Tal como a lei do cinto de segurança, também a que proíbe o fumo em espaços fechados diz respeito à saúde pública. Coarcta uma decisão individual - a de usar ou não este mecanismo de segurança, a de fumar ou não - em função de um interesse social. E, no caso do tabaco, em função de outra decisão individual, a de não fumar, nem através do fumo dos outros. Segundo dados europeus, o fumo passivo mata 79 mil pessoas por ano.

São estes números que levam a Comissão Europeia a fazer sucessivos alertas no sentido de apressar as leis restritivas em relação ao fumo. Portugal nem é dos primeiros a aplicá-las. Já foi ultrapassado por Malta, pela Suécia, pela Estónia, pela Finlândia, pela Bélgica, Lituânia, Espanha, Chipre, Eslovénia e Itália, onde a proibição fez descer 23% as vendas de tabaco só nos primeiros dez dias da aplicação.

A lei portuguesa tem muitos críticos. Haverá certamente muita pressão para que a sua entrada em vigor seja tíbia.

Por isso estes primeiros dias são importantes. Representarão um sinal do que se pode esperar desta lei. Sobretudo num país onde há tantas leis e tão pouca fiscalização.



E por falar em mudanças de fundo: na Noruega, por lei de 2003, a partir de amanhã todas as sociedades anónimas privadas têm de ter, pelo menos, duas mulheres em cada cinco membros dos seus órgãos directivos. O objectivo está praticamente atingido. Há quatro anos, as mulheres eram apenas uma em cada sete gestores.

O mais interessante desta mudança social profunda é que foi promovida não por esquerdistas em busca de temas fracturantes, mas sim pelo centro-direita. O autor da reforma, um ex-empresário conservador, lançou-a em nome do valor da diversidade. Constatou que o universo dos dirigentes de empresas se ia renovando endogamicamente. Os círculos de amigalhaços promoviam os seus pares mais novos.

Este comportamento exclusivo de clube de cavalheiros fazia sentido há cem anos, mas está desfasado de uma sociedade na qual as mulheres são a maioria na qualificação, como provam as nossas universidades.

Para passar do saber ao poder, talvez seja preciso abrir a porta com a gazua das quotas. Para reduzir o desperdício de talentos e animar o dinamismo empresarial. Já se abriu na Noruega. Tarde ou cedo, abrir-se-á também entre nós.

DN, 31-12-2007
 
ASAE vai ver se espaços têm avisos e boa ventilação

CÉU NEVES

Os fumadores vão ter de deixar o cigarro à porta na maioria dos espaços fechados, como os restaurantes, a partir de amanhã. Isto porque a lei assim o exige e os empresários optaram por não criar áreas de fumadores até ver como a lei será aplicada. É que não há sistemas de ventilação 100% eficazes para eliminar o fumo de tabaco e a instalação dos que existem no mercado custa três mil a quatro mil euros, no mínimo. Mas podem ficar tranquilos que a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) não vai medir o ar ou declarar guerra ao tabaco. Só vai fiscalizar a sinalização, a ventilação e o sistema de extracção do ar.

"A medição dos poluentes não têm a ver com o decreto-lei do tabaco, aliás seria desnecessário nesta primeira fase. Vamos fiscalizar o que está na lei e que tem apenas a ver com os três requisitos exigidos nas áreas para fumadores. A legislação é para ser aplicada e não haverá grandes problemas, como aconteceu em outros países", disse ao DN Francisco Lopes, subinspector-geral da ASAE.

A visão dos responsáveis da ASAE é mais flexível do que a do director-geral de Saúde, Francisco George, e vai de encontro às preocupações de quem tem negócios nas áreas abrangidas pela proibição. Um estudo interpretativo da nova lei, da responsabilidade da Direcção-Geral da Saúde (DGS), refere um parecer da Organização Mundial de Saúde a dizer que não há sistemas de ventilação "suficientemente eficazes para eliminar totalmente a exposição" ao fumo. Isto indica que a única opção é mesmo edificar uma parede entre a área de fumadores e a de não fumadores.

Os empresários ficaram sem saber o que fazer. E, mesmo a Associação de Restauração e Similares de Portugal (ARESP), que se propôs realizar estudos sobre os sistemas de ventilação comercializados em Portugal, desistiu.

"Ainda não foi possível identificar quais serão os melhores equipamentos para satisfazer as exigências do senhor director-geral de Saúde. O problema é que a lei não prevê a certificação desses equipamentos. Para se fazer o que o senhor director-geral pretende, tem de se alterar a própria lei. Porque esta é clara: tem de haver um sistema de extracção do ar para o exterior e mais nada", argumenta Mário Pereira Gonçalves, presidente da ARESP.

As dúvidas sobre a aplicação das novas regras levaram a que grande parte dos estabelecimentos públicos fechados tenham, a partir de amanhã, um dístico vermelho nas portas com a inscrição: "Não fumadores." Quando verificarem que é suficiente um sistema de ventilação com extracção do ar para o exterior, é natural que criem espaços para fumadores, sobretudo se estiverem a perder clientes.

Isto porque as competências da implementação e fiscalização estão sob a alçada da ASAE e da Direcção-Geral do Consumidor (DGC), que têm uma visão menos restritiva da lei. "Nenhum sistema de exaustão de fumos consegue extrair todo o ar, mas se retirar um volume de fumo significativo já é muito bom. Além de que a ASAE não tem de se preocupar com isso", sublinha Francisco Lopes. E acrescenta que não está prevista nenhuma operação de fiscalização antitabaco, mas que as novas regras passarão a ser incorporadas no âmbito das acções de rotina.

DN, 31-12-2007
 
Novas regras não aumentaram procura de equipamentos

As empresas que vendem sistemas de ventilação e de extracção do ar dizem que as novas regras do tabaco não levaram a um aumento do negócio como estavam à espera. O custo da montagem destes equipamentos custa no mínimo três mil a quatro mil euros - depende da área e características de cada espaço - e "as pessoas estão à espera de ver como param as modas".

"Pediram-me cerca de 80 orçamentos, mas ainda não instalei um único equipamento. Aliás, instalei mais equipamentos nos outros anos do que neste", diz João Basílio, proprietário da Imporbótica. A explicação que dá para a falta de clientes é o facto de a criação de áreas para fumadores exigir um investimento considerável. "As pessoas estão à espera para ver se perdem clientes com as novas regras", justifica, acrescentando: "Os centros comerciais não estão preocupados, porque sabem que não perdem clientes devido à proibição."

A empresa tem um sistema de insuflação com uma tubagem para o exterior que empurra o ar poluído para fora da sala e permite a entrada de ar novo. "Não garantimos uma separação a 100%, mas sim a 80% ou 90%", diz João Basílio. O processo de ventilação é idêntico ao comercializado pela Lidertel. "É o sistema tradicional e que já está instalado em muitos estabelecimentos. Puxa o fumo, lança-o para a rua e renova o ar. Conseguimos 70% de separação, o que já é bom. Só seria 100% se existisse uma chaminé (hotte) na largura de toda a sala, como nas cozinhas privadas , mas isso é impossível", diz José Vieira, dono da Lidertel. Pediram-lhe 12 orçamentos e apenas montaram seis.

As duas empresas são de média dimensão, mas, segundo o DN apurou, o ramo está pulverizado por pequenas e médias empresas, entre 300 e 400.

DN, 31-12-2007
 
Consumo de cigarros cai 10% com subida de preços

DIANA MENDES

O consumo de tabaco caiu 19,5% em Portugal entre 2004 e 2006, segundo dados da Tabaqueira. A redução do consumo no continente e regiões autónomas está relacionado com vários factores, mas o preço do tabaco, que aumentou 37,5% desde 2005, é um dos mais importantes. O economista Miguel Gouveia acredita que "cerca de metade deste decréscimo possa ser explicado pelo aumento dos preços". Dados internacionais demonstram que a um aumento de 10% corresponde uma diminuição do consumo de 2,5% a 5%.

O professor da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica coordenou um estudo sobre os custos e o peso da doença imputável ao tabagismo. E é da opinião que "o aumento dos preços do tabaco não tem, tipicamente, um impacto muito grande nos fumadores. Tem, sim, nos adolescentes e fumadores mais jovens, mais sensíveis à variação de preços", refere. Com base em dados de países desenvolvidos, que referem uma redução mínima de 2,5% por aumento, considera que "8% a 10% é um valor possível no País".

A queda do consumo, de 15,1 milhões para 12,19 milhões de cigarros, pode ser explicada por outros motivos, como "a aposta na prevenção, o aumento da informação por parte da opinião pública e o trabalho feito pela comunicação social", sublinha Pais Clemente, otorrinolaringologista e ex-presidente do Conselho de Prevenção do Tabagismo. O encarecimento dos maços de tabaco tem, porém, um papel incontornável, considera o médico: "O aumento de impostos é aceite universalmente como responsável pela redução do consumo. É algo que a Organização Mundial de Saúde e a Comissão Europeia preconizam e uma medida que tenho aplaudido em Portugal."

Cecília Pardal, pneumologista e membro da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo, considera esta medida importante "sobretudo para os jovens" e acredita que "tem vindo a contribuir para a redução do número de fumadores. Vejo cada vez mais pessoas a aparecerem nas consultas de desabituação tabágica e isso acontece sempre que há um novo aumento de preços", realça.

Lei reduzirá fumadores em 3%

A nova lei, que proíbe o fumo em espaços públicos, nos locais de trabalho, restauração e bares (excepto quando há espaços próprios ou ventilação) entre outros, não terá tanto impacto como a política de subida de preços, a medida "que por si só é mais eficaz na redução da procura", refere o relatório Global Cancer Facts & Figures de 2007, da American Cancer Society.

É, no entanto, mais uma arma na redução do consumo. Miguel Gouveia não acredita em grandes mudanças a curto prazo, mas no espaço de anos, acredita ser possível uma redução da prevalência de fumadores de 2% a 3%", ou seja, 40 a 60 mil. Questionado sobre os exemplos de outros países, onde chegou a haver reduções acima dos 10% (caso dos Estados Unidos), lembra "o impacto do contrabando, que aumenta muito com a subida de preços".

Segundo a secção especial do relatório americano, dedicada ao tabaco, morreram cinco milhões de pessoas em 2000 devido ao consumo de tabaco (12% do total), estimando-se um aumento até aos 8,3 milhões em 2030. Na Europa, diz Pais Clemente, "morrem anualmente 650 mil pessoas devido ao tabaco e 79 mil pessoas vítimas do fumo passivo.

As medidas de restrição protegem sobretudo estas pessoas, vítimas frequentes de cancro e doenças cardíacas. Os benefícios do fim do consumo seriam visíveis em pouco tempo. Uma pessoa que deixe de fumar até aos 35 anos tem a mesma esperança de vida que uma não-fumadora e os riscos de ter cancro do pulmão cairiam até 50% em dez anos.

O consumo do tabaco tem vindo a baixar em muitos países desenvolvidos, mas a tendência é inversa nos que têm menos recursos. Mil milhões de homens e 250 mil milhões mulheres fumam diariamente em todo o mundo.

DN, 31-12-2007
 
O INSPECTOR, A LEI, A CIGARRILHA, O CASINO E O PAÍS PACÓVIO

Fernanda Câncio
jornalista
fernanda.m.cancio@dn.pt

Não é ouro sobre azul, mas é preto sobre prata, o acaso que juntou, na noite da passagem de ano e no salão do mesmo nome do Casino Estoril, o inspector António Nunes, notório líder da ainda mais notória ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica), e a repórter do DN Céu Neves. A Céu Neves estava lá para reportar o concerto de Woody Allen. O inspector, coitado, devia lá estar para passar um bom bocado e eis que se transformou em notícia, ao vivo, a cores, e até com cheiro, ao ser visto pela Céu a saborear uma cigarrilha nas primeiras horas da entrada em vigor da lei do tabaco, que o organismo que chefia tem a incumbência de fiscalizar. O fotógrafo Tiago Melo enquadrou-o e zás, uma imagem que já correu mundo (a agência Reuters pegou nela, como a BBC, o New York Times e o Der Spiegel).

António Nunes lá arranjou uma explicação: que estava num casino e que a lei do tabaco não se aplicava ali. Assis Ferreira, do casino, veio reiterar: que a lei do jogo se sobreporia à outra, etc. e tal. O que, a bem dizer, é extraordinário por três razões: porque a lei do jogo não diz nada sobre o fumo do tabaco a não ser que se devem criar "sempre que possível", nas salas de jogo, espaços para não fumadores - o que significa apenas que assumia o princípio geral anterior à nova lei, o de que os não fumadores eram os parentes pobres, discriminados em todo o lado; porque se a lei do jogo se sobrepusesse à do tabaco, também se sobreporia a similares como a da droga, o que implicaria poder-se snifar coca e fumar chinesas no salão preto e prata; e porque as respostas de Nunes e Ferreira significam que ou não sabem do que falam - e exigia-se que soubessem - ou estão a inventar desculpas tristemente sem pés nem cabeça.

O pior de tudo isto, porém, não é o péssimo exemplo que o dirigente da ASAE, grande inquisidor da colher de pau e da bola de berlim, deu ao país todo na matéria do cigarro, numa espécie de licença tácita para abandalhar. Nem a descredibilização do seu papel e do da entidade que chefia. Nem o facto de vermos deputados a terem de "analisar" uma lei que aprovaram, a ver se a percebem (e a exigirem ao director-geral da Saúde que os esclareça, que lata), ou um casino a tentar não pagar uma multa. O pior de tudo isto é a pacovice provinciana de um país que, cinco meses e meio após a aprovação da lei, acorda para a realidade como se lhe tivessem decretado de surpresa as novas regras e como se leis como esta - e mais rigorosas que esta - não estivessem em vigor, há anos, noutros países, onde, diz-se, parece que também há casinos, e discotecas, e restaurantes, e cafés, e pubs e, imagine-se, fumadores. E onde, consta, ninguém foi à falência ou se suicidou.

DN, 4-1-2008
 
OS MALEFÍCIOS DO TABACO

Nuno Brederode Santos
jurista
brederode@clix.pt

A última coisa que apetece a um fumador pachola e contentinho, com quase meio século de cadastro e dois restinhos de pulmão ao seu dispor, é ver convertida em polémica filosófica e motivo de apaixonadas doutrinas a pequenina e mecânica pulsão de puxar por um rolinho de papel, entalá-lo entre os lábios e chegar-lhe um fósforo. Olhando para trás, não tenho o remorso do crime hediondo, premeditado a frio e na minúcia, com o tresloucado objectivo de extinguir os meus contemporâneos e de me apossar das riquezas do mundo, para meu mando e desmando. Não. Vejo mais um puto que foi ao café antes de tempo e que, por entre a curiosidade e a propensão para partilhar as liturgias conviviais, se foi habituando a meter lufadas de calor nas entranhas e a achar que, ao expeli-lo, os argumentos saíam muito mais inteligentes. E, afinal, o Hemingway fazia-o, o Albert Camus também e o Bogart, esse então, era inimaginável sem o cigarro na boca. Eu não via então no tabagismo uma vocação de raça ou tribo, princípio ou credo, confraria ou partido. E o mesmo sucedia com a maioria dos meus amigos, que o curso da vida iria levando a abdicar do cigarro (ou do charuto ou do cachimbo) ao ritmo dos sustos que a saúde lhes foi pregando. Retardatário, eu aguardo ainda o meu, numa qualquer esquina que bem pode ser a próxima. Mas ainda não me apeteceu empenhar as energias - que tudo na vida requer e para tudo na vida fazem falta - na abdicação de um pequeno prazer, mesmo que feito de mero hábito e auto-sugestão.

Sei que é um vício e gosto dele: como a personagem do Wilde, resisto a tudo menos à tentação. Não me imagino, por isto, herói nem mártir. Não me pinto vítima, nem resistente. Enuncio o mais rudimentar dos porque-sins da vida quotidiana, convencido, como sempre estive, de que é nela que a felicidade se joga. E sobre esta matéria, é o que tenho para dizer ao jovem médico que vi na televisão e que, de tão louro, imberbe e feroz no discurso sanitário de apuramento da raça, me fez evocar os netos das experiências do Dr. Mengele. E aos comissários europeus politicamente excedentários, que precisam de mostrar que o seu pelouro existe, para o que se dedicam a infernizar o nosso quotidiano com minúcias em papel timbrado e um puritanismo a que chamam rigor. E também aos deputados que deixaram a lei pendente de regulamentação, sem proclamar, preto no branco, que a mesma condicionava a aplicação do diploma (não porque tal fosse tecnicamente necessário, mas porque, como a experiência ensina e a prática deste início do ano comprova, era politicamente necessário). E ao Governo e todas as instâncias que objectivamente jogam com a falta de regulamentação para levar a incerteza e o medo dos comerciantes a instalar uma situação que não é a que a lei contempla e prevê.

Porque a questão que coloco é muito simples: o legislador tem de assumir a sua lei e as suas consequências. E se a lei suscita dúvidas de interpretação - talvez precisamente por não ter sido regulamentada, nos termos em que foi anunciado - não me interessam nada as interpretações da Direcção-Geral da Saúde ou da ASAE, entidades a que não compete nem uma interpretação autêntica nem a regulamentação da lei. Pelo que os seus facultativos contributos não valem mais do que o mérito técnico que tiverem - tal como as minhas e as de qualquer paisano, fumador ou não. Pois, para além da técnica, o que está aqui em jogo é uma dimensão de liberdade individual - e, dessa, ninguém sabe tanto como o indivíduo que é dela titular.

O inaceitável é a fuga às responsabilidades. É despejar o ónus de uma aplicação maximalista da lei sobre os atarantados donos de pequenos restaurantes que, querendo optar por fumadores ou apetrechar-se para áreas com e sem fumo, têm medo de o fazer segundo a sua própria leitura do diploma e virem depois a perder o investimento realizado. Isto é uma espécie de "por agora, isto é o maximalismo irlandês, mas o brando Portugal já aí vem" (com a regulamentação). Se a lei é a que foi votada, regulamente-se e cumpra-se "como nela se contém". Se é para endurecer, que volte ao Parlamento e dê a cara. Sob as leis de Atenas, não deve haver vida espartana.

DN, 6-1-2008
 
Lei do tabaco não pode ficar aberta a excepções

Do meio de uma pacífica aplicação da nova lei do tabaco eis que surge a magna questão do fumo nos casinos. Foi o tema da tarde, na primeira reunião que a equipa da Direcção-Geral da Saúde fez para debater o assunto. Isto não aconteceu porque dezenas de fumadores puxaram de um cigarro na noite de fim de ano na festa do Salão Preto e Prata do Casino Estoril. O mesmo se passou em centenas de discotecas, na mesma noite, de norte a sul do País. As discotecas, aliás, também reclamam ser uma excepção à nova lei, porque são locais de diversão nocturna - e não restaurantes, onde se vai para comer - e são lugares onde desde sempre os clientes se habituaram ao cheiro a fumo sem reclamações.

Mas não foram as discotecas que estiveram em causa, ontem. Nem tão-pouco os restaurantes, que aguardam que a Direcção-Geral da Saúde, ou outra entidade competente, decida avaliar a qualidade dos vários aparelhos disponíveis no mercado para retirar o fumo, para que possam, com segurança, despender uns milhares de euros para agradar aos seus clientes fumadores.

A urgência do Casino foi motivada pelo caso da cigarrilha que o presidente da ASAE fumou na noite da passagem de ano. Um caso de excepção ocasiona medidas de excepção. Espera-se que não seja sempre assim, com uma lei que tem de ser aplicada com bom senso, mas com muita firmeza.

DN, 8-1-2008
 
NOITE SEM CONTROLO SOBRE O TABACO

PEDRO MARQUES

À entrada do Casino de Lisboa, no Parque das Nações, um letreiro encarnado dá a entender que este é um espaço, regra geral, livre do fumo de tabaco. Puro engano. A proibição limita-se a uma estreita faixa que vai do bengaleiro até à zona de informações e a um pequeno rectângulo no primeiro andar. Mas até aí os fumadores se passeiam com total impunidade. Em todo o resto do edifício, os sinais azuis são verdadeiros salvo-condutos para quem queira fumar um cigarro.

Quando questionado sobre a dimensão excessiva da zona de fumadores, um empregado do casino reconhece que as salas estão feitas para agradar aos fumadores, afinal há hábitos difíceis de mudar e o negócio fala mais alto. "Sim, é verdade que se pode fumar em todos os três andares, mas convém referir que há excepções, como uma pequena zona para não fumadores." Ainda assim, mesmo nesse local, segundo aquilo que o empregado deixou perceber, não é garantido que quem estiver de cigarro na mão seja chamado à atenção. "Pode ser que sim, pode ser que não." Pelo que a reportagem do DN pôde testemunhar, a fiscalização nessas zonas é inexistente.

A excepção a que o funcionário do Casino de Lisboa faz referência devia ser a regra. Segundo a alínea I) do artigo 4.º da lei do tabaco, é proibido fumar em "recintos de diversão e recintos destinados a espectáculos de natureza não artística". Ainda no dia 7, o director-geral da Saúde, Francisco George, informou a agência Lusa que "a limitação do fumo do tabaco é imposta no sentido de regra geral de proibição", embora possam ser criadas excepções. Francisco George lembrou que "o uso de um dístico azul (identificador de uma zona de fumadores) não é suficiente para poder criar essas excepções e, para além da sinalização, são obrigatórias barreiras físicas entre espaços". No caso do Casino de Lisboa, ao contrário das indicações do director-geral da Saúde, a limitação do fumo de tabaco é a excepção à regra e a única barreira que delimita a zona de não fumadores do resto do casino é um fino dístico de interdição de tabaco suspenso do tecto.

Para João Paulo, 30 anos e frequentador "usual mas nunca viciado" das slot machines (máquinas de jogo), esta situação é normal e desejável neste local. "A vida nestas salas é feita de rituais. O jogo é uma actividade de emoções, não faz sentido praticá-la sem podermos beber um copo e fumar um cigarro. E deixemo-nos de hipocrisias: os casinos são vistos como locais de vícios, para quê agora armarmo-nos em moralistas e tentar proibir o tabaco neste ambiente", pergunta João Paulo, num tom "politicamente muito incorrecto".

Este desenhador de Lisboa reconhece que pode haver muitas situações em que a nova lei protege os não fumadores, mas isso não se aplica aos lugares de jogo. "Quem aqui está não veio com certeza ao engano. As pessoas sabem o que vão encontrar num casino e têm de se sujeitar a isso. Afinal, isto não é propriamente como ir passear ao jardim", conclui, em tom irónico.

Acabada a conversa, por entre a orgia de luzes e de metal a entrar nas máquinas, João Paulo acompanha a colocação de mais uma moeda na slot machine com o acender de um cigarro.

À saída do casino passamos outra vez pela faixa supostamente livre de fumo. Por ironia, colada a esta chamada zona higiénica, a tabacaria do casino continua a vender a bom ritmo.

Junto ao balcão das informações, cruzamo-nos com um grupo de amigos que conversa animado, enquanto assiste a um espectáculo no palco principal. Entre profundas e fumarentas baforadas de cigarros.|

DN, 13-1-2008
 
Porque há tanta confusão à volta da lei do tabaco?

Uma lei é o seu texto, a sua aplicação e as circunstâncias desta. A do tabaco não é excepção. Os que a cumprem nunca lerão os 31 artigos e dois anexos. A prática da lei do fumo tem sido rigorosa. Alguns restaurantes proibiram o fumo por razões financeiras, é caro instalar os extractores de fumo de que precisam para ter zonas de fumadores. As discotecas também não fizeram essas zonas porque não sabiam se eram consideradas "lugares de diversão" ou "estabelecimentos de bebidas". Mas Portugal transformou-se. Tem cafés e restaurantes livres de fumo, passou a ver-se pessoas na rua a fumar porque não o podem fazer no trabalho.

Na quinta-feira, os donos das discotecas saíram da reunião com a Direcção-Geral da Saúde dizendo que, afinal, o espaço reservado para fumar nestes locais não tinha de restringir-se aos 40% que valem para os restaurantes. Foi com base nesta informação que o DN fez manchete com o recuo na lei. E era já a segunda notícia em que se falava de excepção à proibição - a primeira foi a dos casinos. Ontem, o director-geral da Saúde veio corrigir a informação, dizendo que o espaço para fumar nas discotecas devia ser excepcional e pequeno. Mas na entrevista ao DN de hoje volta a dizer que esse espaço pode ser o mesmo que o dos restaurantes, 40%.

Ontem foi outra vez notícia o facto de a ASAE aguardar directivas para fiscalizar a lei. De tudo isto, o que os leitores registam é que a confusão está instalada - ou então, que há quem não queira ver a lei bem aplicada.

DN, 19-1-2008
 
DURA LEX SED LEX?

Maria José Nogueira Pinto
jurista

Na nossa tradição portuguesa é conhecida a febre legislativa que tem conduzido a leis mal pensadas e pior redigidas. Ora uma má lei é pior que lei nenhuma e uma lei repleta de contradições, omissões e lacunas vai perdendo os fundamentos e os objectivos que a justificaram, de excepção em excepção, transformando-se num mero articulado que todos querem furar. Foi o que aconteceu com a lei do tabaco que, com menos de um mês de vida, já está condenada pelas suas contradições, pelas dificuldades de interpretação que vão abrindo a porta a excepções duvidosas, pelo sentimento generalizado de que se está a limitar a esfera da liberdade privada sem que fique claro qual é o "interesse publico" e em nome de que "bem comum".

A primeira facada nestes princípios veio do lado dos casinos, o facto agravado pela eventual excepção ser personificada pelo próprio senhor da ASAE, (esse novo justiceiro na pior versão nacional) ao saudar, no casino, o novo ano e a nova lei com um charuto ( ou seria um cigarro?) na boca. Uma infelicidade...seguiram-se as discotecas que, legitimamente, colocaram dúvidas sobre como se encaixavam no articulado e assim começou uma dança interpretativa por entre o emaranhado dos artigos 4.º e 5.º e respectivas alíneas. E aqui surge a primeira surpresa: o interprete desta lei é o director-geral da Saúde em pessoa e estão mesmo em curso interpretações conjuntas com a ASAE e o contributo dos interessados, como é o caso dos casinos.

Confesso, eu modesta licenciada em Direito, não conhecer esta forma de interpretação "extensiva". Mas as surpresas não ficam por aqui. Lendo a entrevista dada pelo director- -geral da Saúde ao DN fico a saber coisas extraordinárias, tais como os casinos serem do Estado e por isso terem um regime especial; que de acordo com a "verdade científica" não existe nenhum mecanismo de extração do ar que permita satisfazer os requisitos impostos pela lei; que quem vai certificar a qualidade do ar é o técnico que coloca o equipamento; que os inspectores que fiscalizam o cumprimento da lei não têm capacidade de verificar os parâmetros do ar interior.

Para tudo isto, o director-geral da Saúde encontra uma explicação. Segundo ele próprio afirma a lei é clara nos seus objectivos mas de leitura reconhecidamente difícil. Talvez ele não saiba que, neste ponto, os objectivos esfumam-se, incluindo o da saúde pública, e só ficam perguntas, tais como: mesmo que os casinos fossem do Estado (que não são) deviam ter um regime próprio?

Então não são do Estado os serviços públicos onde a lei proíbe fumar? E se não existe sobre a face da terra mecanismo algum de extração do ar com os requisitos que a lei exige, porque é que os mesmos estão previstos? Como uma remota possibilidade? Se a qualidade do ar é um dos aspectos mais relevantes pode a mesma ser certificada pelo técnico que coloca o equipamento? Mas não é esse técnico parte interessada e por isso não isenta? E se os inspectores que fiscalizam o cumprimento da lei não têm capacidade para verificar os parâmetros do ar interior, o que vão eles lá fazer? E qual é a diferença de fumar, à noite, num casino, numa discoteca ou num restaurante? É porque no restaurante se manipulam alimentos? Mas o fumo faz mal aos alimentos ou aos comensais?

Note-se que esta podia e devia ser uma boa lei. Todos percebem que fumar faz mal e ninguém, verdadeiramente, se insurge contra medidas que desencoragem práticas que lesam a saúde própria e de terceiros. Mas não sendo crime fumar, sendo livre a venda do tabaco da qual o Estado, aliás, arrecada grossas receitas e registando Portugal uma elevada taxa de alcoolismo e toxicodependência, a ferocidade com que o legislador saltou sobre os fumadores obrigava-o a fundamentar esta medida de em princípios transparentes de razoabilidade e equidade.

É tudo isto que vai retirando legitimidade a essa lei "clara nos objectivos, mas de difícil leitura", para citar as palavras de Francisco George. Porque não é só a leitura que é difícil, a mente do legislador também está confusa e a equidade comprometida.Esta lei não é dura. É uma anedota.

DN, 24-1-2008
 
Não fumadores passam ao ataque

FERNANDA CÂNCIO

Aos protestos contra lei sucede exigência do seu cumprimento e fiscalização
Duas petições online a exigir ao Governo e Presidente da República que façam cumprir a lei com rigor, um pedido de audiência da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo à nova ministra da Saúde - que consideram "uma apoiante" - "para falar sobre a fiscalização da lei e do que é necessário melhorar", um apelo do Sindicato de Hotelaria do Norte à Direcção-Geral da Saúde para que "actue com firmeza no cumprimento da lei". É, no balanço de um mês da entrada em vigor da proibição de fumar em recintos fechados de utilização pública, o contra-ataque dos não fumadores.

A reacção surge como resultado da percepção de que as excepções previstas na lei - que apesar de ter como regra a proibição de fumar em espaços fechados, permite a possibilidade de criar espaços para fumadores em restaurantes e similares e a criação de salas de fumo na generalidade dos locais - foram sendo, devido ao "fenómeno inesperado" (como lhe chama Luís Rebelo, da Confederação da Prevenção do Tabagismo na entrevista ao lado) da cigarrilha do inspector--geral no réveillon do Casino Estoril, interpretadas de modo progressivamente menos rigoroso ao longo destes trinta e um dias. Nos quais, acusa Francisco Figueiredo, do Sindicato de Hotelaria do Norte, "houve um incumprimento concertado da legislação nos casinos e salas de bingo", que Luís Rebelo considera ter tido "um efeito de arrastamento" para o sector da diversão nocturna.

Francisco Figueiredo considera aliás ser incontroverso que "discotecas e boites são estabelecimentos de bebidas com espaço de dança". Dizer que não, como fez o director-geral da Saúde, Francisco George, é na perspectiva do sindicalista "um recuo do cumprimento". Considerando que os casinos devem beneficiar "das excepções previstas na lei para os estabelecimentos de restauração e bebidas" (ou seja, devem poder dividir o espaço com um máximo de 40% para fumadores), o sindicato "oficializou o director-geral de saúde para que tome as medidas, designadamente solicitando à ASAE que vá fiscalizar os casinos, as discotecas e os estabelecimentos de diversão nocturna". A pressão interna, avisa, também vai continuar: "Demos um prazo aos casinos para cumprirem a lei, e o prazo já acabou. Vamos continuar a exigir às empresas que a cumpram, e apelamos as clientes para que reclamem mais espaços para não fumadores."

A discussão pública da lei estará aliás, diz Figueiredo, a criar a percepção errada sobre a forma como a lei foi acatada pelos clientes dos espaços. "A nível geral está a ser bem acolhida. Estive a fazer um levantamento em vários estabelecimentos e mesmo nas salas de jogo boa parte dos fumadores preferem permanecer em espaços livres de fumo. Só vão à parte de fumadores quando querem fumar. Por outro lado, não há nenhuma quebra de receitas na restauração e bebidas. Por exemplo a Confeitaria Cunha, do Porto, apareceu a dizer no Prós & Contras que teve em Janeiro uma quebra de 60% a 70%. Ora isso é falso, os trabalhadores dessa casa recebem à percentagem e transmitiram ao sindicato que este mês houve um aumento de receita em relação a Janeiro de 2007" .

A ausência de fiscalização surge a Luís Rebelo como o principal motivo de escândalo. "É inconcebível, impossível que ao fim de um mês de aplicação da lei a ASAE não exista. Devia ter estado na rua no dia 2 de Janeiro a fiscalizar, como sucedeu nos outros países. Mas a ASAE ficou ferida de morte com o episódio do inspector no casino." Quanto às interpretações da lei que têm sido veiculadas oficialmente, o médico é taxativo: "Esta é uma lei do ministério da Saúde, e tem de ser fixada nesse sentido, o da defesa da saúde. O mais depressa possível." Manifesta a sua total discordância em relação à possibilidade de se admitir, como fez recentemente o director-geral da Saúde, a divisão de locais de trabalho entre fumadores e não fumadores. "O que a lei diz é que se pode criar um lugar para as pessoas irem fumar, e que não serve para mais nenhuma função. Nem para trabalhar, nem para comer..."

DN, 1-2-2008
 
Acupunctura e hipnose têm 'efeitos nulos' para deixar de fumar

RUTE ARAÚJO

Estudo diz que os remédios são eficazes

Não falta evidência científica sobre os efeitos negativos do tabaco na saúde. E também não faltam tratamentos para deixar de fumar. Contudo, nem todos têm o mesmo efeito. Para ajudar a avaliar a eficácia de cada um, foi ontem apresentado um guia dirigido aos médicos para que aconselhem os melhores métodos aos seus pacientes. As conclusões dizem que os medicamentos são os mais eficazes e que as técnicas alternativas, como a acupunctura, a hipnoterapia ou os estímulos electromagnéticos têm "efeitos nulos".

Desenvolvido pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, da Faculdade de Medicina de Lisboa, as normas para deixar de fumar partiram da análise dos estudos científicos realizados nos últimos 30 anos, tendo sido escolhidos 54. O director, António Vaz Carneiro, refere que quando se diz que um determinado método não tem efeito é porque não existem provas científicas que o comprovem. Para o coordenador do guia, o tabagismo "é uma das áreas da biomedicina em que mais se investiga" actualmente. E acrescenta que, no caso das técnicas alternativas, "até podem funcionar em alguns casos, mas o objectivo é que os médicos utilizem as terapias que resultem no maior número de doentes". "Infelizmente, esses instrumentos são basicamente inúteis ou têm um efeito negligenciável", defendeu, acrescentando que uma abordagem do tabagismo feita por um médico numa consulta "tem 300 vezes mais resultados".

Além dessa abordagem personalizada numa consulta, os medicamentos, como as pastilhas de substituição de nicotina ou os que bloqueiam os receptores destas substâncias, têm efeitos comprovados. Depois, há técnicas que funcionam como auxiliares. É o caso do acompanhamento telefónico durante o tratamento ou do exercício físico (apesar de, por si só, não produzir efeitos).

O estudo lembra ainda que há populações de risco para as quais o tabaco tem efeitos ainda mais nefastos. É o caso dos doentes com problemas cardiovasculares, respiratórios e das grávidas - "estima-se que a cessação durante a gravidez possa prevenir 10% das mortes perinatais, 35% dos recém-nascidos de baixo peso e 15% dos partos prematuros". António Vaz Carneiro lembra que, apesar de os medicamentos serem o método mais eficaz, nem todos os fumadores têm de ser tratados desta forma. "Deve tentar-se primeiro outras abordagens num jovem de 25 anos sem doenças, que apresenta uma situação completamente diferente da de um doente coronário com 55 anos", exemplifica.

A primeira abordagem aconselhada aos médicos passa sempre por avaliar o grau de dependência e o grau de motivação do fumador para largar o cigarro.

DN, 28-2-2008
 
Fumo permitido em discotecas até 100 m2

MARIA JOÃO CAETANO

As discotecas consideradas como "estabelecimentos de bebidas destinados a dança" com menos de 100 metros quadrados podem permitir fumar em todo o espaço, desde que cumpram os requisitos de sinalização, ventilação e extracção de fumo. Esta é a definição que consta de um acordo assinado na semana passada entre a Direcção-Geral de Saúde (DGS) e a Associação de Discotecas Nacional (ADN).

"As discotecas têm vários tipos de licenciamento e, no momento de aplicar a lei do tabaco, criou-se uma grande confusão. Por isso, pedimos à DGS para entrarmos em diálogo e chegarmos a um acordo quanto à interpretação", explica Francisco Tadeu, director executivo da ADN. "O que fizemos foi clarificar a lei, para que não restem dúvidas para os nossos associados e para evitar problemas em termos de vistorias e fiscalizações."

Assim, segundo o documento, a lei do tabaco é obrigatoriamente aplicada tendo por base a definição de discotecas como "locais de trabalho", "recintos de diversão e recintos destinados a espectáculos de natureza não artística" e "estabelecimentos de bebidas com espaços destinados a dança".

Quando consideradas "estabelecimentos de bebidas com espaços destinados a dança", com uma dimensão inferior a 100 metros quadrados, as discotecas podem optar por permitir ou não o fumo, desde que cumpram as regras quanto à qualidade do ar - ventilação e extracção do fumo - e tenham a sinalização adequada.

No caso de serem consideradas "estabelecimentos de bebidas com espaços destinados a dança" tendo mais de 100 metros e quando consideradas como "recintos de diversão e recintos destinados a espectáculos de natureza artística", as discotecas podem criar zonas de fumadores, com uma dimensão que será de 30% a 40% dos espaço total, consoante tenham ou não separação física.

As zonas para fumadores terão de estar identificadas através de dísticos, separadas fisicamente ou com um dispositivo de ventilação, desde que autónomo - para evitar que o fumo se espalhe - e uma ventilação para o exterior.

De acordo com a Lusa, o documento refere ainda que a melhor opção para espaços maiores é a separação física, uma vez que "quanto maior o espaço, mais difícil será a possibilidade de criar uma área para fumadores sem separação física cumprindo os requisitos da ventilação e extracção."

"Trata-se de uma clarificação. Assim, os nossos associados sabem como interpretar a lei e como terão de agir", explica Francisco Tadeu, ressalvando, no entanto, que entre os cerca de mil espaços de diversão representados pela ADN não tem havido grandes problemas. "Estamos a cumprir a lei. Os nossos associado estão a aplicar as normas em vigor. É uma pena termos que dividir as pessoas que fumam e não fumam, porque são espaços de diversão, mas temos que o fazer."

Isto não significa que a associação esteja contente com a lei do tabaco. "Esta é a lei que temos e enquanto estiver em vigor temos que a cumprir, daí a necessidade de esclarecer a sua interpretação. Mas não desistimos de lutar pela mudança na lei", afirma Francisco Tadeu.

Neste momento, a associação encontra-se a recolher estudos de forma a tentar provar que a lei do tabaco contraria a lei da qualidade do ar. "Para pedir uma mudança da lei à Assembleia da República temos que ter uma fundamentação", explica Francisco Tadeu, sem perder a esperança.

DN, 10-3-2008
 
Quebra de 15% no tabaco evita 400 mortes por ano

DIANA MENDES

Bastava uma redução de 15% no consumo de cigarros para que 400 mortes fossem evitadas todos os anos em Portugal. A isto junta-se o decréscimo de mais de 2200 casos de patologias graves. O cenário, traçado para 2030, é baseado num estudo que integra o projecto europeu PESCE e que envolveu 27 países. Os resultados são apresentados na terça-feira.

A determinação do que os países ganhariam com a redução do consumo de cigarros é uma parte do projecto. No caso de Portugal, conclui--se que uma quebra de 3% já evitaria 152 casos/ano de cancro de pulmão, além de 45 de doenças coronárias e 27 de doenças pulmonares obstrutivas crónicas (DPOC). Num ano, seriam menos 50 enfartes e 78 mortes.

Se a redução fosse de 15% - desde Janeiro as vendas caíram mais de 10% em relação a 2007 - os ganhos seriam ainda maiores: menos 765 cancros do pulmão, 245 enfartes e 872 DPOC. Poupar-se-iam 7,5 ou 37, 4 milhões por ano, com a contracção do consumo de 3% ou 15%.

O projecto, financiado em exclusivo pela Comissão Europeia, visa "identificar causas e soluções relacionadas com o facto de, na Europa, os clínicos gerais não estarem tão envolvidos como deviam na cessação tabágica", explica António Vaz Carneiro, director do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, que representou o País. No entanto, "são os que têm mais influência nos utentes", afirma. O grupo vai apresentar 15 recomendações para contrariar isto. As consultas de cessação, diz, " devem ser deixadas para os casos mais complexos".

DN, 2-5-2008
 
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