29 maio, 2007

 

Senhor de Matosinhos


Terça-feira, 28 de Maio


http://cmmatosinhos.wiremaze.com/PageGen.aspx?SYS_PAGE_ID=828210

http://www.ograndematosinhos.com.br/bom_jesus.htm

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Sobreviveu a mais de dez naufrágios e aos 95 anos ainda gosta de... namorar

ALFREDO MENDES

Ele encarna um rude manual de sobrevivência. Sempre enganchado à vida, que jamais o enfadou, Luís Mendonça é um cidadão tranquilo, de assinalável possança, diz.

"Mais conhecido que o tremoço", garantem os companheiros das lides marítimas, também eles aposentados como fossem destroços de épocas gloriosas. E juram estar ali o pescador mais velho do mundo, e com mais naufrágios inscritos na história trágico-marítima dos que lavraram o oceano à cata de pão.

No Lar dos Pescadores, em Matosinhos, Luís Mendonça espera conviva para dois dedos de cavaqueira. Recorda as vezes que ficou insepulto nas entranhas do mar, as ganas de espadarte a relampejar à tona da mágoa mal os vagalhões salivavam fúrias, os camaradas morriam e as viúvas gritavam e os dentes da fome rondavam a miséria das "ilhas".

Sal, salário, salvação. A trilogia que lhe é familiar. Ergue-se e, maciço, quase emproado, vai de narrar aventuras no oceano raivoso. De permeio, um ringue de boxe, golpes desferidos no adversário e no destino, profundamente áspero.

"Nasci em Espinho, Abril de 1912. Filho de caixoteiro, aos três anos vim numa bateira rumo a Matosinhos, pois não havia dinheiro para o comboio. Passava-se fome de cão. O meu pai andava ao mar e eu, mal fiz a comunhão, dei em tanoeiro." Aos 11 anos, o Luís, moço de traineira, conheceu as amarguras que polvilham o Atlântico. Um dia...

"Estava no rio Leça quando o barco de pesca São Cosme se virou. Vi o Gabriel ir ao fundo, lancei-me à água, zumba, zumba e salvei-o. Recebi, então, uma medalha de prata da Capitania. Aí por 1928, andava na traineira Pescador. Ao contramestre, que ia ao leme, deu-lhe o sono, morreu aos meus pés, perdendo-se o barco. Salvei-me por uma unha negra. Em 1931, com 19 anos, estava no salva-vidas na barra do Porto e salvei uns alemães. Morreram sete dos meus camaradas. Fui condecorado no Palácio da Bolsa."

Luís da Silva Mendonça faz uma pausa. Depois, de afogadilho: "Aos 24 anos estava em terra, doente, preparava-me também para casar, quando saltei da cama e fui salvar os tripulantes do vapor Oránia. Mais tarde, aos 30 anos, na traineira Carlos Alberto, a morte rondou-me. Armou-se forte temporal, caí às ondas, mas consegui escapar. Tinha feito 35 anos quando na traineira Passos Manuel fiquei só, depois de terem morrido quatro homens. Safei-me num cabo vaivém. Veio o célebre naufrágio de 1947 e, aos 40 anos, na Viatodos, entrou água. Novamente, fiquei só, a bordo. Estive à beira do fim. Aos 54 anos, numa viagem à Rússia, o barco foi ao fundo. Sobrevivi numa jangada, com alemães e espanhóis. Passaram anos e, um dia, no mar do Senhor da Pedra, a pescar biqueirão, embatemos num casco. Mais uma vez, fiquei sozinho, no cimo do mastro. Valeu-me um barquinho a remos que passou por ali. Tive outros naufrágios, mais alguns, mas já nem me lembro. Tão-pouco dos mortos. Digo isto: nunca esmoreci. Tinha Deus pelo meu lado. Não estou para me gabar, mas aguentava bem. Não era homem de medo."

DN, 18-8-2007
 
Os longos e festivos dias do Senhor de Matosinhos

FRANCISCO MANGAS
AMIN CHAAR

Pelo número de ex-votos se vê a devoção dos homens do mar pelo Senhor de Matosinhos. Em muitas situações de tormenta - remotas, outras mais recentes -, a evocação do seu nome aplacou a fúria das águas e dos ventos. Milagres de que os pescadores de Matosinhos e redondezas não duvidam e milhares de forasteiros, todos os anos, agradecem, num longa celebração, onde o sagrado e profano partilham o tempo e espaço. Afinal, como noutras romarias. O Senhor de Matosinhos, uma das maiores romarias do Norte, começou no dia 1 e prolonga-se até ao dia 18 deste mês.

No de 2007, segundo a autarquia, terão passado por Matosinhos quase um milhão de visitantes nos 18 dias da festa. Este ano, o programa, diversificado, promete cativar muita gente, devotos ou não do Senhor. Além da feira de louça e da feira de artesanato, com trabalho ao vivo de 65 artesãos de vários pontos do País, a não perder a exposição, na galeria Nave, Fragmentos do Mar, que reúne artefactos ligados à navegação mercante e de pesca.

Os pintores, Francisco Laranjo, Isabel Sabino, Vitor Costa e Alexandro Cruz, no dia 12, na galeria Municipal, dão uma visão pessoal sobre a festa, evento que integra o II Simpósio Internacional de Pintura. A participada procissão do Senhor de Matosinhos é domingo, dia 11; na noite anterior é a demorada sessão de fogo de artifício.

DN, 4-5-2008
 
FAZER CIDADE, DESFAZER CIDADES

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

Após um discurso naturalmente devotado ao louvor da própria (e decerto excelsa) obra, Fernando Ruas, presidente da câmara de Viseu, reagiu com insinuações curiosas a um deputado municipal que o acusou de tiques "soviéticos". Como o deputado em questão é Hélder Amaral, representante do CDS também em São Bento e de origem africana, o episódio ganhou aura de "racista", mas esse não é o ponto.

O ponto é que não se percebe a irritação do dr. Ruas. Para o autarca nacional médio, a comparação com a URSS devia ser uma medalha no currículo. Para quem acumula com o cargo de presidente da Associação Nacional de Municípios, devia ser requisito obrigatório. Nunca uma classe profissional, sindicalistas incluídos, fez tanto quanto os autarcas para aproximar as nossas povoações dos encantadores subúrbios do antigo Leste europeu.

A pretexto do "progresso", o municipalismo dito democrático esforça-se há décadas por arrasar a paisagem existente e reconstruí-la segundo os rigorosos princípios que orientam a cabeça de cada cacique. Uma interessante mistura de culto da personalidade, inventividade financeira e geral incompetência descambou, como não poderia deixar de descambar, na interminável parada que por aí vai. Enterrámos o país miserável e bonitinho e, num ápice, erguemos um país remendado e grotesco, repleto de rotundas, "espelhos de água", bairros melancólicos, barracões, entulho diverso e, a título de pechisbeque, "arte" pública.

Enquanto manifestação do indiscriminado poder de cada régulo, a mera "arte" pública daria um compêndio. Por limites de espaço, dou apenas um exemplo. Em Matosinhos, onde nasci, pretendeu-se há anos esconder a praia atrás de edifícios medonhos e dos delírios do sr. Souto Moura. Aos poucos, conseguiu-se. Restou, porém, um bocadinho de mar a descoberto, que urgia tapar. A solução passou pela encomenda a uma "escultora" americana: uma rede gigantesca suspensa num aro de metal. Inaugurada em 2004, a aberração custou 940 mil euros e, esteticamente degradada à nascença, materialmente degradou-se logo a seguir. Um problema? Nem por isso. Por estes dias, a câmara substituiu a rede (170 mil euros) e negociou uma compensação com a "artista": a doação ao município de nova "escultura" de valor semelhante. Ou seja, conseguiu duas aberrações saloias pelo preço de uma (mais arranjos), proeza que encheu de orgulho o autarca indígena.

Sucede que o autarca de Matosinhos não é amostra rara: é o padrão vigente entre os membros da associação a que o sr. Ruas preside com orgulho. E cuja acção só não é "soviética" num pormenor: na URSS, o povo era obrigado a engolir o horror; aqui, a julgar pela indiferença, o povo tolera-o sem dificuldade e, em certos casos, até o aprecia. Melhor para o povo.

DN, 29-6-2008
 
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