10 junho, 2007

 

10 de Junho


Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades

Em 1977, o Governo Democrático Português decretou que o “Dia 10 de Junho”, devia ser uma trindade. “Dia de Portugal”, “Dia de Camões” e “Dia das Comunidades Portuguesas Espalhadas pelo Mundo”. Desde aquela data, passamos a ter como patrono exclusivo o maior poeta universal da Língua Portuguesa, Luís Vaz de Camões, autor de “Os Lusíadas”, o épico imortal de Portugal. Os emigrantes aceitam de bom grado o Dia de Camões como “Dia do Emigrante Português”, pois Camões também foi emigrante durante dezassete anos.10 de Junho é o Dia de Portugal, de Camões e da Raça, agora dito de “Camões e das Comunidades”.

Paula Vicente – Agente do GEA de Vimioso

http://pt.wikipedia.org/wiki/Portugal
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_Vaz_de_Cam%C3%B5es
http://www.secomunidades.pt/

http://www.emigrantes.org/mundo.htm

http://jpn.icicom.up.pt/2004/06/09/estado_novo_10_de_junho_e_dia_da_raca.html
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=246194&idselect=92&idCanal=92&p=200

http://www.presidencia.pt/diadeportugal2007/

Comments:
O DEVER DE COMEMORAR

Pedro Lomba
jurista
pedro_lomba@netcabo.pt

Vem aí o 10 de Junho. Prometo que não vou lamentar aqui a decadência da Pátria, o esquecimento de Camões ou o desinteresse pelo dia. Na verdade, nunca me espantou que Portugal não celebrasse condignamente o seu feriado nacional, nem, de resto, qualquer outra data relevante (tirando as religiosas). O Sr. Presidente da República queixou-se, no seu discurso do 25 de Abril, que é preciso reinventar as comemorações da data. O Sr. Presidente não abordou o problema como deve ser. Porque a explicação é outra: Portugal não celebra nada. Nós, portugueses, não celebramos nada. Somos ensinados para não celebrar nada. Pior, somos ensinados para uma espécie de vergonha e silêncio. A existência de uma cultura de celebração requer abertura à distinção e à solenidade, coisas que a nossa baixa educação cívica e histórica repele. No ensino ou fora, o português é treinado para desprezar símbolos, memórias, rituais, tudo o que no mundo real das sociedades e das pessoas há de mais emotivo e não racional.

Esclareço que nem estou a pensar nos símbolos nacionais, como o hino ou a bandeira. Não faço nenhuma defesa de uma política nacionalista de exaltação, quase sempre apócrifa, do País. O problema é que uma comunidade que pretenda funcionar como comunidade, que não queira ser só um amontoado de leis e poderes, precisa de uma política de símbolos, imagens e valores. Um país precisa de uma certa retórica pública, da celebração de que há valores acima das nossas cabeças. Há um livro recente, de Ajume Wingo (Veil Politics in Liberal States) que explica a importância da função de véu dos símbolos políticos nas sociedades democráticas. Esta função de véu reside no facto de os símbolos intermediarem a relação entre os cidadãos e as estruturas políticas, fazendo com que, através da sua força sugestiva, as pessoas adiram a valores importantes. A América leva a sério o "em busca da felicidade" da Declaração da Independência. O discurso prevalecente em Portugal é o de desprezo por qualquer retórica pública. Quais são os valores em que assentamos a nossa consciência colectiva? Por exemplo, não somos capazes de ser justos com os ex-combatentes de África, não tratamos dos nossos monumentos, não respeitamos a memória, não comemoramos: em quantas escolas, da primária à universidade, se celebra com dignidade o início do ano lectivo, a atribuição de diplomas, os feitos dos melhores estudantes? Para que serve Portugal no fim de contas?

Talvez porque andámos demasiado divididos no último século, talvez porque não sabemos distinguir os símbolos colectivos das mitologias políticas de esquerda e de direita, consentimos que se generalizasse uma atitude de suspeição por tudo o que possa ser visto como conservador e passadista. Mas os símbolos políticos nada têm de conservador. Uma política de símbolos é vital para as sociedades. A sua ausência só traz vazio e vulgaridade.

DN, 7-6-2007
 
Pátria para os de fora, pátria para os de dentro

Para as comemorações do Dia de Portugal, Cavaco Silva escolheu três assuntos: os emigrantes portugueses, as Forças Armadas e o crescimento nacional. No discurso em que disse que não se resignava à falta de desenvolvimento, o Presidente da República fez referência ao exemplo que os grandes portugueses dos descobrimentos deram e falou da exposição que irá inaugurar em Washington, no dia 20, sobre o tema, chamada "Abraçando o Mundo".

Mas abraçar o mundo, para os portugueses de hoje, tem de ser mais do que fazê-lo só em relação aos emigrantes. É verdade que eles actualizam a diáspora iniciada com as descobertas, espalhando-se e marcando presença tantas vezes muito importante. São um orgulho. E devem ser acarinhados.

Mas há o outro lado dessa herança de povo global: os imigrantes que Portugal acolhe.

Alguns são um legado directo, vêm dos lugares por onde Portugal andou. Tornar Portugal mais a pátria deles, e a eles mais portugueses, podia ser uma das batalhas do futuro. Dar- -lhes uma ideia maior do que é Portugal, ir além dos grandes momentos em que imigrantes e portugueses cantam as vitórias da selecção nacional no futebol.

Fazer uma pátria maior, esse podia até ser o mote de um destes 10 de Junho que aí vêm.

DN, 11-6-2007
 
CIRCULAÇÃO LIVRE MAS SEMPRE POBRES

Céu Neves
jornalista

Esta não foi a minha primeira tentativa como emigrante. Em 1982, Portugal não tinha entrado para a União Europeia, tentei viver em Inglaterra. Acabara o curso de Jornalismo e queria fazer um estágio na BBC e trabalhar em Londres.

Comprei um bilhete de avião de ida e volta para não suspeitarem de que seria mais uma imigrante laboral. Denunciaram-me as míseras libras que, segundo a polícia inglesa, não me sustentariam mais que um dia. Ainda por cima, apanharam uma prima que viajou no mesmo dia num outro avião e tinha estado a trabalhar ilegalmente em Londres. Espiolharam as agendas e viram que tínhamos o contacto uma da outra. Somaram dois mais dois e decidiram devolver-nos à procedência: Portugal.

Dormimos numa casa no Aeroporto de Gatwick que só mais tarde percebi ser um Centro de Detenção Temporária. Nós, um traficante e um casal de argentinos, a quem a polícia fez questão de dizer: "Falkland is ours!" Estava bem presente a Guerra das Malvinas, que opôs o Reino Unido à Argentina, em 1982.

Quatro anos depois, Portugal juntou-se ao grupo dos Quinze e acabaram os interrogatórios nas fronteiras. Os portugueses passaram a circular livremente no Espaço Schengen. Foi a principal mudança, porque milhares continuam a emigrar em busca de melhores condições. Passámos para a mesa dos adultos, mas não conseguimos ascender aos lugares da cabeceira. E arriscamo-nos a ser ultrapassados pelos mais novos que vão atingindo a "maioridade".

DN, 10-6-2007
 
Cada cabeça sua pátria no Dia de Portugal e de Camões

JOÃO PEDRO HENRIQUES

A pátria é só uma, mas a ideia dela é de cada um
Oiça-se Odete Santos, comunista, quando se lhe pede uma ideia de Pátria: "Ai, é melhor não dizer!" Depois, sem que na verdade seja preciso insistir, lá explica o que "é melhor não dizer": "Lembra-me aquela coisa fascista do "Deus, Pátria, Família." E portanto, quando se insiste, a ex-depu- tada comunista e presidente da Assembleia Municipal de Setúbal, que ontem acompanhou durante todo o dia o Presidente da República nas celebrações do Dia de Portugal, diz que a ideia de pátria a remete para o hino. E começa a cantarolá-lo, numa versão antiga. "Família? Não!"

Depois oiça-se João Bénard da Costa, cineasta, figura de proa, durante a ditadura, da esquerda católica que combateu Salazar. "Pátria é uma ideia de família. De lar, da nossa casa, com os nossos pais, com a nossa história. É uma ideia de passado mas também uma ideia de futuro - as famílias também se renovam".

E aqui onde entram dias como o 10 de Junho? "São rituais, são símbolos importantes, nas famílias também existem rituais, como os almoços de Natal."

Razão tem Viriato Soromenho Marques, filósofo, ex-presidente da Quercus. "As pátrias implicam uma construção. São uma obra de arte e não uma obra da natureza. E sempre em permanente renovação: para uma pátria não há idade de reforma."

Perante a actualidade, o filósofo reconhece "uma certa apatia cívica" porque "há muito que Portugal tem mais de memória do que de futuro".

O que, acrescenta, de certa forma até é natural: "Não há nenhum país tão pequeno que consiga ter a sua língua espalhada pelo mundo como Portugal tem. Nenhum país imperial de dimensões semelhantes à nossa conseguiu isso. Veja a Holanda, por exemplo, esteve pelo mundo todo mas a língua não se espalhou. Só quem conseguiu isso foram grandes nações, como a Espanha ou a Inglaterra. O caso português é absolutamente único."

Por isso "falta um projecto". E depois diz qual é o "projecto": "Discutir a Pátria é discutir a Europa, Portugal na Europa." Portanto, mais uma vez Portugal é um país que parece só conseguir imaginar-se fora das suas fronteiras.

Ora pela Europa anda José Mourinho, há muito anos. Nado e criado em Setúbal, o treinador de futebol que os ingleses conhecem por the special one compareceu ontem num almoço convocado pelo Presidente da República (ele e vários outros VIP dos distrito, como Dulce Pontes, o cantor e compositor Toy, os motards Ruben Faria e Hélder Rodrigues, entre outros, todos exemplos de portugueses bem sucedidos no estrangeiro).

Falando ao DN, explicitou como a ideia de pátria se cria de fora para dentro: "Estar aqui [em Portugal] faz- -me diluir a ideia de pátria. É lá fora que penso mais nisso." E depois foi submerso por jornalistas que o queriam a comentar o "deserto" do ministro Mário Lino.

DN, 10-6-2007
 
Uma velha festa e uma festa velha

Desde que se tornou Presidente da República, Cavaco Silva tem alertado para a necessidade de chamar a população em geral, e a juventude em particular, para a comemoração de dias como o 25 de Abril ou o 10 de Junho. No entanto, estas continuam como eram: "festas" envelhecidas, protocolares, gastas. Entre a literatura e a música clássica, o Presidente fala e os militares desfilam. É assim que, ano após ano, os organizadores de sempre entretêm a elite, convivem com o corpo diplomático e convidam os portugueses a irem à praia se não tiverem algo mais interessante que fazer.

Neste sentido, o melhor da era Cavaco foi a opção por descentralizar, levando o Dia de Portugal para fora de Lisboa (o Porto, no ano passado, e Setúbal, agora). O Presidente preparou discursos marcantes e tenta motivar (os pobres, os jovens, agora os emigrantes), mas o patriotismo consubstanciado por bandeiras à janela e T-shirts com símbolos nacionais continua exclusivo do futebol.

A verdade, também, é que, ao contrário do que acontece em países jovens, nenhum português duvida da sua nacionalidade, velha de 800 anos, nem sente necessidade de a mostrar. Talvez por isso Portugal seja dos poucos países que não optaram pelo data da sua fundação para dia nacional e escolheu a data de nascimento daquele que é considerado o seu maior poeta.

E um dia, não percamos a esperança, as comemorações serão finalmente entregues a gente que acredite que Portugal não se esgota nos livros e nas pautas. E que goste de ver pessoas a divertirem-se.

DN, 10-6-2007
 
Cavaco quis acordar o País (e não só o Governo)

PAULA SÁ

No discurso comemorativo do 10 de Junho, o Presidente da República disse não se resignar "à passividade" perante os "indicadores persistentes do nosso atraso em relação aos parceiros europeus". Esta frase foi entendida por Mira Amaral, condecorado neste mesmo dia por Cavaco Silva, como um grito para despertar o País: "Ele quis dar uma dose de ambição aos portugueses." Na opinião do antigo ministro do Trabalho e, depois, da Indústria, mais do que uma mensagem ao Governo, o Chefe do Estado quis lembrar ao País que o Governo não conseguirá sozinho resolver os problemas económicos do País. "O que não impede que o Governo tenha de fazer o trabalho de casa para pôr Portugal a crescer à média europeia. O nosso actual crescimento é uma vergonha. Temos de fazer as reformas estruturais que só agora começaram." E cita os casos da administração pública, da educação e da justiça

Mira Amaral considera que o actual Executivo começou "com uma coragem" que outros não tiveram, mas o controlo do défice foi feito à custa do corte no investimento público e com aumento de impostos. "Não é sustentável a médio prazo e não faz o País crescer."

O economista António Nogueira Leite, antigo secretário de Estado do Tesouro e das Finanças no Governo de António Guterres, considera que a intervenção de Cavaco se insere no "apoio estratégico" ao Governo no sentido de prosseguir com as reformas, sem que os ciclos eleitorais interfiram. É neste sentido que enquadra o facto de Cavaco ter repetido que a tarefa de levar o País por diante "é de todos". "Portugal só vai crescer se investirmos bem. Esta tarefa tem de ser partilhada pelos agentes públicos e privados."

A título de exemplo de investimento sem retorno, Nogueira Leite lembra o dinheiro gasto em formação profissional desde a adesão de Portugal à União Europeia sem que exista ainda uma mão-de-obra qualificada capaz de responder aos desafios da competitividade.

Cavaco Silva chamou, aliás, a atenção para este facto, entre outros, no seu discurso do 10 de Junho. "Não me resigno aos fracos níveis de crescimento económico, ao abandono escolar preocupante, à pobreza e exclusão social de tantas famílias, à escassa dimensão das componentes científica e tecnológica no nosso aparelho produtivo."

O presidente da Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, o social-democrata António Patinha Antão, entende as palavras do Presidente também como um recado ao Governo. "O primeiro-ministro tem afirmado que o crescimento económico é virtuoso. Não é! Deve-se ao crescimento das exportações, o que é positivo, mas não se tem comunicado ao investimento produtivo, que continua em queda."

Na sua opinião, o que falha essencialmente na política económica do Executivo é um corte insuficiente na despesa improdutiva e uma política fiscal dirigida às empresas, sobretudo às pequenas e médias com grande potencial de crescimento nos mercados globais.

DN, 12-6-2007
 
Cavaco acha transmissão da RTP "inaceitável"

NUNO CARDOSO

Cavaco Silva, Presidente da República, está indignado com a RTP. A razão do seu descontentamento diz respeito à transmissão que a estação pública fez das Cerimónias Oficiais do 10 de Junho, emitidas no domingo, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

A Presidência da República enviou ontem uma queixa ao Conselho de Administração da RTP, por considerar "incompreensível que a transmissão daquelas cerimónias haja sido interrompida, contrariando uma prática há muito estabelecida e sem que quaisquer razões de programação o justificassem".

O anúncio da insatisfação para com a RTP é feito no site oficial da Presidência da República, que acrescenta que "ao proceder deste modo, e ao invés do que tem acontecido em anos anteriores, o canal público de televisão privou os portugueses e as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo de acompanharem na íntegra as cerimónias, facto que a Presidência considera inaceitável".

De facto, Cavaco Silva refere-se aos intervalos publicitários que a RTP colocou no ar entre as 10.00 e as 13.00 - duração da transmissão das cerimónias oficiais. Foram dois, mais precisamente. Entre as 11.43 e as 12.01, e entre as 12.04 e as 12.12.

A transmissão obteve um share de 23,1 e uma audiência média de 3,9 pontos percentuais.

Fonte da RTP disse ao DN desconhecer se o Conselho de Administração, liderado por Almerindo Marques, já recebeu ou não a queixa do Presidente da República. Mas a indignação de Cavaco Silva era já do conhecimento da estação pública, talvez porque o protesto tenha sido divulgado no site da Presidência.

Até à hora de fecho desta edição, nem o Conselho de Administração da televisão pública nem a Direcção de Programas tinham um comentário oficial a fazer acerca do protesto do Presidente da República.

DN, 13-6-2007
 
RTP pede desculpas a Cavaco Silva

INÊS DAVID BASTOS E NUNO CARDOSO

Num curto comunicado de dois parágrafos, a RTP pediu desculpas públicas ao Presidente da República por não ter transmitido integralmente as comemorações do 10 de Junho e comprometeu-se a exibir as partes que foram cortadas. E nada mais. Não houve contra-argumentação, explicações (públicas), justificações. Houve somente uma retractação pública. "O Conselho de Administração da RTP esclareceu hoje a Casa Civil do Presidente da República sobre o ocorrido na cobertura das cerimónias do dia 10 de Junho, apresentando as devidas desculpas", lê-se no comunicado do canal público, um dia depois de Cavaco ter enviado uma carta à Administração da RTP a qualificar de "inaceitável" a atitude da estação pública ao cortar com publicidade a transmissão das comemorações do Dia de Portugal.

No mesmo comunicado, a RTP adianta que "no próximo domingo, dia 17, pela mesma hora, será exibida a parte não emitida das comemorações do dia 10 de Junho".

No seu protesto, Cavaco Silva lembrava "as especiais responsabilidades inerentes à prestação do serviço público de televisão" e "a prática há muito estabelecida [pela RTP]" de emitir integralmente as cerimónias. A prática corrente tem sido essa, segundo o Presidente, porque legalmente nada está estabelecido que obrigue o canal público a emitir todas as comemorações, como esclareceu ao DN Felisbela Lopes. "

"Não há nenhuma tipologia em relação à obrigatoriedade da RTP em transmitir as cerimónias do 10 de Junho na íntegra. Eu pelo menos não tenho conhecimento. Pode, sim, existir um entendimento. E o que é feito nos outros anos não implica necessariamente ser feito da mesma maneira este ano", explicou ao DN a investigadora do Departamento de Ciências e Comunicação da Universidade do Minho, acrescentando: " No jornalismo, existem muito trabalho feito sob pressão e, muitas vezes, ocorrem incidentes."

Também um membro da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) criticou o facto de "a RTP estar tendencialmente sempre a pedir desculpa por tudo e por nada, assumindo logo à partida que tem que dar a transmissão na totalidade". A mesma fonte adverte que o pedido de desculpas da RTP "leva a que no futuro não possam fugir a este padrão estabelecido".

DN, 14-6-2007
 
Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

CELEBRAR A INDIGÊNCIA

Com o alegado fim de entreter os emigrantes, a RTP enviou Júlio Isidro e Roberto Leal ao Luxemburgo. Crueldades de lado, nunca percebi a associação do Dia de Portugal com o Dia das Comunidades Portuguesas. Entre parêntesis, não percebo igualmente o que faz Camões no meio da pompa, embora esse seja um assunto diferente.

Aqui, o assunto é a singular leveza com que se comemora, em simultâneo, as virtudes da pátria e o facto de regularmente haver quem foge da pátria em busca de uma vida decente. Que se saiba, as inúmeras pessoas que empurrámos - e continuamos a empurrar - para o exterior não partiram devido aos encantos e oportunidades que Portugal lhes proporcionou. Partiram porque Portugal chafurda metodicamente nos arredores da pobreza, e um académico ou um operário da construção civil tem dez vezes mais possibilidades de prosperar em Boston ou em Barcelona.

Claro que, conforme dizia Tevye, em "Um Violino no Telhado", e o prof. Salazar pacientemente nos explicou, não é vergonha ser pobre. Só que, ao contrário do prof. Salazar, Tevye acrescentava: "E também não é orgulho nenhum." É absurdo negar a mal remediada pelintrice indígena, que uns suportam por cá e outros, movidos por superior desespero ou coragem, não. Mas é um absurdo maior exaltar, na mesma data, a nossa imaginária grandeza e as vítimas da nossa real penúria.

Se houvesse um mínimo de pudor, a relação do Estado com os emigrantes resumir-se-ia à assistência consular, aliás em acelerado declínio. Servir-se deles para proclamar a "vocação universalista" e façanhas afins é, além de cínico, um involuntário exercício de comédia. O "universalismo" português advém de uma deplorável evidência: contas feitas aos sacrifícios e aos salários, milhões de portugueses preferem algum lugar do resto do mundo ao país. E usar o Dez de Junho para publicitar isto é um disparate que nem o melancólico discurso de Cavaco atenuou.

DN, 17-6-2007
 
EU OBEDECI A CAVACO E ASSISTI ÀS CONDECORAÇÕES DO 10 DE JUNHO

João Miguel Tavares
jornalista
jmtavares@dn.pt

APresidência da República disse que era importante. O Conselho de Administração da RTP admitiu que era importante. E eu sou uma pessoa que respeita muito as instituições nacionais. Por isso, no domingo, à hora de almoço, sentei-me em frente ao televisor para assistir às cenas que a RTP1 miseravelmente cortou durante a cerimónia do 10 de Junho. Durante 30 minutitos, pude enfim apreciar a arte de Cavaco a colocar fitinhas, a pendurar colares e a pregar medalhas. E tive de admitir: realmente, como é possível que uma estação de televisão prefira colocar no ar o Jornal da Tarde à hora marcada, em vez de mostrar em directo a atribuição da Ordem do Infante D. Henrique ao professor doutor Arsélio Pato de Carvalho? Não se percebe.

É que aquilo foi giro que se fartou. Sobretudo o pot-pourri de imagens que antecedeu a tão aguardada "cerimónia de investidura das entidades condecoradas": lanchas a navegar bravamente em alto-mar, marinheiros de fatinho branco engomado como nos filmes de Jean Genet, e finalmente o presidente Cavaco, de olho fito no horizonte, a andar pelas águas (salvo seja) numa embarcação modernaça. Tudo isto, sublinhe-se, acompanhado por uma bela música de boda matrimonial. Supimpa. Depois, já com um coro heróico a cavalgar o hino nacional, desembocámos nas condecorações, filmadas num elegante contraluz, certamente para não se ver a cara dos presentes. Tudo somado foram 37 os condecorados: 28 homens (militares, professores doutores, ex-ministros de Cavaco e o Rão Kyao), cinco mulheres (duas delas especialistas em línguas, como a esposa do Presidente) e quatro associações. Fui buscar a máquina de calcular: 76% de medalhinhas para homens, 11% para mulheres. Cavaco tinha razão: é importante transmitir estas cerimónias em directo, para que se veja o País que temos.

Mas há um problemito na exibição forçada da coisa, com uma semana de atraso. É que, no discurso do 10 de Junho, Cavaco garantiu ao povo, pela 16.ª vez, que "não se resigna". Não se resigna a isto, não se resigna àquilo, não se resigna " à passividade perante os indicadores persistentes do nosso atraso". Mas quando a RTP decide cortar as emissões, ao fim de três horas de desfiles, ele emite uma nota onde afirma ser "incompreensível que a transmissão das cerimónias haja sido interrompida, contrariando uma prática há muito estabelecida". Ou seja, o homem que não se resigna aos velhos males portugueses exige que a RTP se resigne às suas velhas tradições, sustentando horas de transmissão de chachada pública. O senhor Presidente que me desculpe: não tem nada de melhor com que se entreter?|

DN, 19-6-2007
 
Franco achava os portugueses "cobardes"

ANA SÁ LOPES

O que Franco pensou sobre o 25 de Abril agora revelado no 'El País'
No Verão Quente (português) de 1975, o ditador espanhol Francisco Franco estava hospitalizado e praticamente já não falava, embora os jornais espanhóis dessem uma ideia completamente diferente: as personagens que visitavam o ditador no hospital diziam-no atento aos problemas do país e do mundo.

Mas não. Num texto publicado ontem no El País, o médico Ramiro Rivera, que acompanhou o ditador espanhol na sua doença, afirma que na maior parte do tempo Franco encontrava-se incapaz de falar e os quatro médicos que o atendiam pouco mais lhe conseguiam ouvir do que monossílabos.

Mas, a dada altura, Ricardo Franco, um dos médicos, perguntou a Franco: "Meu general, está o senhor a par do que se passa em Portugal? Não acredita que ali se vai armar uma grande confusão e vai correr muito sangue?"

Segundo o testemunho de Ramiro Rivera, Franco ficou calado du-rante um bocadinho enquanto todos os médicos o olhavam, expectantes. E em seguida disse: "Não acredi- te nisso, os portugueses são muito cobardes." E o médico Ramiro Ri- vera lembra, em sequência, que "la Revolución de los Claveles" - como os espanhóis chamam à nossa Re- volução dos Cravos, o 25 de Abril, "acabou com quarenta anos de di- tadura sem que tivesse havido vítimas".

Ramiro Rivera revela também, nas suas memórias, o encontro que teve com o actual Rei D. Juan Carlos, no Palácio da Zarzuela, por esses dias e que se desenrolou num clima que "confiança" que surpreendeu o médico. Juan Carlos contou-lhe que não tinha querido aceitar a transmissão de poderes até ter a certeza de que Franco estava de acordo. Registou que estava numa posição "muito incómoda", que lhe tinham atirado para cima "toda a responsabilida- de", mas "nem o presidente nem os ministros o informavam de nada". Juan Carlos não sabia ainda se Franco pensava ou não retomar os seus poderes. Rivera diz que saiu "muito confuso" da entrevista, porque a "franqueza" e "simplicidade" de Juan Carlos lhe pareceram sinto- ma de "uma ingenuidade preocupante" para as suas futuras funções.

DN, 20-11-2007
 
UMA ZARZUELA COMO TROCO DE UM INSULTO

Ferreira Fernandes

Franco morreu em 20 Novembro de 1975, faz hoje anos. O jornal El País publicou, ontem, as memórias de um dos médicos que acompanharam o ditador na agonia que se prolongou por mais de um ano. Em Abril de 1974, informado da revolução portuguesa e do perigo de aquilo ir demasiado longe, Franco exclamou: No lo crea, los portugueses son muy cobardes. Há dias, foi o rei, como a sua por qué no te callas?, êxito mundial. Agora esta frase de Franco, que vai ser badaladíssima em Portugal. As frases curtas e bombásticas dos chefes do Estado espanhol devem ser a maneira deles para difundir o castelhano. Mas eu, de Franco e daquela época, prefiro uma frase em francês. Foi capa do jornal satírico Charlie-Hebdo: manifestações de um lado (em França, em Maio de 1974, Mitterrand tinha esperanças de ganhar as eleições), e manifestações do outro lado (em Portugal, era o 25 de Abril) - no meio do desenho, o velho espanhol entubado. E a frase, traduzo-a: "Aos 81 anos, Franco descobre a estereofonia."

DN, 20-11-2007
 
"Ternura portuguesa" operou milagres nas antigas colónias

CADI FERNANDES

Historiador do Senegal lança um livro sobre a colonização portuguesa
A "ternura portuguesa", de que falava Léopold Sédar Senghor, fez milagres na África colonizada, como a mestiçagem, mas também causou "sofrimento". Quem o afirma, em entrevista ao DN, é Abou Haydara, historiador senegalês, que este ano publicou o livro L'Envers de L'épopée Portugaise en Afrique ("O Outro Lado da Epopeia Portuguesa em África"). A obra cobre o extenso período entre os séculos XV e XX.

Licenciado em Paris, chefe do Departamento de Línguas e Civilizações Romanas na Universidade Cheik Anta Diop, em Dacar, onde o Instituto Camões tem um Centro de Língua Portuguesa, Haydara galvaniza-se quando afirma que, "graças às suas viagens marítimas, os portugueses alargaram as fronteiras do mundo". Deram mundos ao mundo.

"Povos distantes e raças até então desconhecidas entraram em contacto. A mestiçagem racial e a circulação de novas plantas industriais criaram uma revolução ecológica e, mesmo, económica. Praticamente, foi o início da globalização", acrescenta.

Por outras palavras, mas igualmente elogiosas: "Portugal deu um contributo fundamental à formação da civilização universal."

Mais elogios: "O longo contacto com outros povos, por um lado, e as suas próprias origens, por outro, explicam o facto de Portugal, melhor do que outra nação, ter tido uma forte capacidade de adaptação lá fora. Os portugueses resultam de uma simbiose de raças, começando pelos pré-indo-europeus, passando pelos celtiberos, os germanos, os árabes, sem esquecer os negros, que, desde os Descobrimentos, não deixaram de afluir a Portugal, oriundos da Guiné e do Congo."

"Viver sob todos os céus"

Lusófilo, Abou Haydara dedica-nos estas palavras de um imenso carinho: estas características permitem aos portugueses "viver sob todos os céus".

Sob os céus de Macau, por exemplo. "Macau beneficiou de um regime particular, decorrendo de um acordo entre Portugal e a China. O povo não se sentiu partilhado entre duas forças inimigas, como aconteceu noutras colónias. No plano económico, há bastante liberdade. Macau constitui um dos raros exemplos de descolonização relativamente bem acabada."

A "ternura africana"- quem senão Senghor disse que "a emoção é negra e a razão é grega", no sentido de helénica? - levou o grande poeta presidente a pedir, em Epitáfio, "quando eu morrer, meus amigos, deitem-me sob Joal-la-Portugaise/ das pedras do Forte façam o meu túmulo/ e os canhões guardarão o silêncio"? Homenagem sentida à terra onde nasceu, Joal-la-Portugaise. Se já o era, ao lembrá-lo, Haydara ficou ainda mais "senghorista".

Os elogios de Abou Haydara acabam aqui - exactamente aqui. O que vem a seguir são críticas. E das fortes.

DN, 24-11-2007
 
Portuguesas emigram aliciadas por salários falsos

CARLA AGUIAR

Partiram por 1900 euros. Hoje vivem com dificuldades

"Está desempregado ou procura um emprego melhor? Temos a oportunidade para si." Foi atrás de anúncios como este, que divulgam salários chorudos na Internet, que Natália Carvalho e mais sete mulheres portuguesas largaram família e emprego e rumaram a Inglaterra. Manchester era o destino e uma fábrica de embalamento de legumes o posto de trabalho prometido, onde esperavam ganhar 1900 euros por mês. Mas a aventura cedo se revelou um pesadelo, feito de enganos, fome, desespero e humilhação.

"Vi a oferta de trabalho no site da empresa Cubislabor, fui ao Porto para me oferecer, confirmaram-me o salário e pediram-me logo 60 euros só para a inscrição. Passado uma semana chamaram-me a dizer que tinham arranjado o emprego e que, por isso, tinha de pagar mais 157 euros a título de comissão", conta Natália Carvalho.

Mesmo antes da partida, no início de Fevereiro, as oito mulheres assinaram um papel com a Cubislabor, no qual já não era referido o salário, apenas a indicação de que iriam trabalhar com um horário mínimo de 30 horas e um máximo de 60 horas semanais.

Ex-trabalhadora de uma fábrica de componentes automóveis na zona de Leiria, Natália não desconfiou, até porque em Dezembro, na época de Natal, já tinha estado em Inglaterra e conseguiu ganhar 1300 euros em 12 dias de trabalho, o que não conseguia sequer alcançar em dois meses de trabalho na empresa onde trabalhava e da qual se despediu, propositadamente, para experimentar a sorte em Inglaterra. O mesmo fez Natércia Gameiro que trabalhava na mesma empresa, com um contrato temporário.

A aventura estava fadada para a desgraça. Chegadas a Londres, ninguém estava à sua espera, devido a um problema de comunicação sobre o nome do aeroporto entre a Cubislabor e outra agência de recrutamento, em Londres - a Netos UK, detida por portugueses -, que as encaminharia para o seu destino final: uma empresa de trabalho temporário. Nunca chegaram a ingressar na fábrica, mas tiveram de pagar a pernoita numa pensão, até que, no dia seguinte, depois de vários transportes, chegaram a Bolton, Manchester.

Chegadas à empresa de trabalho temporário, a SmartStaff, cujo gerente também é português, as ilusões caíram por terra. "Foi-nos dito que estávamos na época baixa do sector e que a empresa não tinha recebido tantos legumes para embalar, pelo que só podíamos esperar trabalhar 20 horas por semana, ou seja, três vezes menos do que o esperado." Atendendo a que naquele regime de trabalho se pratica uma tabela de 5.52 libras por hora, equivalente ao salário mínimo, facilmente se percebe que qualquer semelhança entre a expectativa criada

pelos anúncios da Cubislabor e a realidade era pura coincidência.

Por outro lado, o alojamento teria de ser pago: 50 euros por semana, por um quarto partilhado por duas pessoas, numa casa isolada no meio de uma quinta, longe de tudo. O mesmo se aplicava ao transporte para as instalações, que julgavam ser gratuito. Razões de sobra para algumas das oito mulheres se terem recusado a assinar o contrato de trabalho.

Em declarações ao DN, o gerente da SmartStaff, Carlos, rejeita qualquer responsabilidade nos equívocos que envolveram as oito portuguesas, remetendo as culpas para a Cubislabor, no Porto. "Eu nunca poderia ter prometido um horário de oito horas semanais, os sete dias da semana, porque sei que as fábricas só contratam à medida das necessidades." O problema, acusa, "está nessas empresas de Portugal que enganam as pessoas e lhes prometem mundos e fundos".

Contactada a agência de recrutamento Netos, o administrador Domingos Cabeças disse nunca ter prestado informações erróneas, tendo apenas servido de intermediário entre a Cubislabor e a empresa de trabalho temporário. Foi ele, aliás, que acabou por encaminhar algumas das portuguesas, como Natália, para outros trabalhos em restaurantes.

O administrador da Cubislabor garante nunca ter assinado um contrato de trabalho, porque "não somos empregadores, mas apenas divulgamos ofertas de trabalho em vários países através da Internet", disse Alberto Rocha. Aquele responsável assegura que reembolsou em 400 euros duas das trabalhadoras, a que não terá sido alheia a intervenção do cônsul português em Manchester. Mas Natália, ainda em Londres, continua a reclamar um reembolso, acusando a empresa de não a atender sequer.

DN, 11-3-2008
 
Cavaco quer Portugal a atrair emigrantes

PAULO JULIÃO, Viana do Castelo

10 de Junho. Viana do Castelo é a sede oficial das comemorações do Dia de Portugal. As festas começaram ontem e o Presidente, já na cidade, cometeu a gaffe de chamar ao feriado "dia da raça" o nome que se usava no antigo regime

Só Bloco deu ênfase à gaffe do Presidente

A "diáspora portuguesa" esteve ontem no centro do primeiro dia das comemorações do 10 de Junho, com o Presidente da República a enaltecer o "imenso capital social e humano", do País, com "uma história feita de determinação e engenho". Cavaco Silva exortou o País a atrair e acarinhar os portugueses que vivem e trabalham no estrangeiro e que pretendam regressar, como factor de desenvolvimento para Portugal.

Mas foi em declarações aos jornalistas, que Cavaco protagonizou uma gaffe. O Presidente da República usou a expressão "dia da raça", - que era o nome oficial do 10 de Junho até ao 25 de Abril de 1974 - para se escusar a comentar a paralisação dos camionistas, garantindo, ainda assim, que está a acompanhar a situação. "Hoje eu tenho que sublinhar, acima de tudo, a raça, o dia da raça, o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas", afirmou o chefe do Estado, perante a insistência dos jornalistas.

"A acompanhar sim, mas não a fazer comentários no dia de hoje", referiu. Declarações que mereceram entretanto fortes críticas do Bloco de Esquerda. Numa nota enviada à comunicação social, o BE manifestou "perplexidade" com a expressão usada por Cavaco - uma " terminologia racista e segregadora do Estado Novo". Para os bloquistas, perante "estas polémicas declarações", o Presidente da República tem agora o "dever, perante todos os portugueses, de esclarecer o que entende ser o espírito do 10 de Junho".

Banhos de multidão

O Presidente da República foi ontem brindado com vários banhos de multidão no primeiro de dois dias de estadia em Viana do Castelo por ocasião do 10 de Junho. Num dia dedicado às comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, defendeu que "Portugal deve saber atrair e acarinhar os portugueses que, estando no exterior, pretendem regressar e, desta forma, contribuir com investimentos, formação e experiência para o desenvolvimento económico e social do País". Numa mensagem dirigida a partir da Praça da Liberdade, o Presidente defendeu que este regresso poderá ser feito "com o empenhamento da sociedade civil, devendo ser complementada e consolidada através do desenvolvimento de mecanismos formais, como, por exemplo, as câmaras de comércio, as novas redes comerciais, sem esquecer as instituições tradicionais de origem portuguesa".

Por outro lado, o Presidente da República apelou igualmente à mobilização dos cinco milhões de portugueses e de lusodescendentes que vivem e trabalham no estrangeiro para a "afirmação" de Portugal no plano internacional. " Mas, sendo este um desígnio nacional, caberá ainda ao Estado português fomentar as relações entre Portugal e as suas comunidades", afirmou, sustentando: "Os recursos e os conhecimentos dos portugueses no exterior podem contribuir para uma maior afirmação de Portugal no plano internacional, apoiando, por exemplo, a entrada de produtos e de empresas nacionais em novos mercados".

Autarca do PS critica Governo

O presidente da Câmara de Viana do Castelo aproveitou a presença do chefe de Estado na cidade para avançar um pedido a Cavaco: combater "o crescente centralismo do aparelho do Estado" fazendo uso da sua "ampla legitimidade democrática de que está investido". Discursando na recepção ao Presidente, Defensor Moura criticou o "crescente centralismo do aparelho do Estado" que mesmo nos sectores onde ainda mantêm serviços, "vai minimizando progressivamente as atribuições e a autonomia de muitos profissionais, até ao total desaparecimento dos serviços".

Numa cerimónia que decorreu nos antigos Paços do Concelho, o autarca socialista foi mais longe nas críticas ao sistema político, afirmando não estar preocupado com um dos maiores motivos de preocupação de Cavaco: a participação dos jovens. Defensor Moura criticou as "profissionalizadas juventudes dos partidos", assim como "o clientelismo e o carreirismo com a ascensão sem mérito" que reflecte um "decadente sistema partidário".

O primeiro dos dois dias que Cavaco Silva dedica a Viana foi passado com várias incursões pelas ruas da cidade, sempre debaixo de flashes de cidadãos anónimos.

DN, 10-6-2008
 
Cavaco quer rigor para assegurar o futuro

PAULO JULIÃO, Viana do Castelo

10 de Junho. O Presidente da República comemorou ontem o Dia de Portugal em Viana do Castelo, com um discurso virado para os militares e outro com vários recados, nomeadamente exigindo "instituições fiáveis" para que o País avance

José Sócrates voltou a ser apupado

O Presidente da República insistiu ontem na necessidade de os portugueses serem "exigentes e rigorosos" para o País vencer as dificuldades.

No tradicional discurso do Dia de Portugal, em Viana do Castelo, Cavaco Silva sublinhou que o universalismo representa a "verdadeira imagem de marca" dos portugueses, pelo que "urge investir" nas redes diplomática e consular do País para que "correspondam cabalmente ao que delas se espera".

As cerimónias do 10 de Junho, que se realizaram pela primeira vez em Viana do Castelo, permitiram ao Chefe do Estado receber vários banhos de multidão, ao contrário da reacção mista dos populares - e alguns sindicalistas - para com o primeiro-ministro. Isso foi evidente nas dezenas de metros que que José Sócrates percorreu a pé, entre a tribuna onde decorreram as cerimónias militares e o pavilhão onde teve lugar a imposição de condecorações.

O chefe do Governo foi alvo da fúria verbal dos manifestantes, onde sobressaía um grupo de pessoas afectas ao Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local e vestidas com "t-shirts" onde se lia "também somos Portugal". Impávido e sorridente, José Sócrates ia acenando aos populares que também o aplaudiam e encorajavam.

DN, 11-6-2008
 
A importância do que Cavaco Silva não disse

Assenta como uma luva ao discurso do 10 de Junho do PR o aviso de Peter Drucker lembrando-nos que o mais importante em comunicação não é o que está a ser dito.

O mais importante do discurso de Viana de Castelo foi Cavaco Silva ter-se abstido de enviar recados a um Governo que enfrenta nas ruas e estradas uma vaga de contestação ateada pela escalada dos preços dos combustíveis.

Ao evitar falar da megamanifestação da Intersindical e ao recusar comentar o bloqueio dos camionistas, demonstrou o elevado sentido de Estado que também foi a marca de água de um discurso a que não faltou uma piscadela de olho a Sócrates, elogiado pela eficácia dos esforços diplomáticos que estiveram na origem do Tratado de Lisboa.

Cavaco sabe que não é atirando com gasolina que se apaga uma fogueira, pelo que passou por cima da espuma da pequena política para se concentrar nas grandes questões que, no seu entender, estão a impedir o País de prosperar.

O que o Presidente não disse - e é outra das importantes mensagens do seu discurso - foi que a culpa pela estagnação em que Portugal caiu não é do povo, mas sim das elites que o governam. A enorme capacidade de inovar e criar riqueza dos portugueses da diáspora está aí a gritar esta verdade de sangue.

DN, 11-6-2008
 
RAÇA MALDITA

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

O povo é que faz a língua? Não exactamente. Há um comité tácito a determinar a língua que o povo deve ou não deve fazer. A última vítima do comité foi o próprio Presidente da República, que mencionou o Dez de Junho como o "dia da raça" e viu-se logo torpedeado por protestos do BE e do PCP. "Raça" não se diz.

Por acaso, há quem discorde. E não, não é um skinhead. É, por exemplo, um cientista chamado Mark Pagel, que no corrente número da revista britânica Prospect recupera o conceito com intenções sérias. Resumindo imenso, Pagel defende que o uso grotesco do termo ao longo da História não o invalida: não sendo "superiores" ou "inferiores", as raças existem e traduzem-se nas múltiplas diferenças (genéticas, culturais) entre os grupos humanos. O ponto de Pagel é que, a partir da biologia, cada grupo (ou raça) tende a distinguir-se pela partilha de valores. Porém, todos os grupos se distinguem dos restantes animais por, juntamente com os valores, partilharem expectativas de cooperação, ou seja, a faculdade de nos relacionarmos com outrem sem esperarmos retribuição imediata. Se a cooperação é favorecida dentro de um determinado grupo, não está, graças ao egoísmo da espécie, restrita a tais fronteiras: as pessoas entendem-se com as pessoas que aceitam entender-se com elas. Dito de outra maneira, as particularidades desenvolvidas no interior de uma raça são o instrumento que permite ultrapassar as respectivas barreiras.

Mas que interessam as reflexões científicas, ainda que talvez demasiado optimistas? De certeza que as considerações de Pagel não pesaram na distraída afirmação do prof. Cavaco. E não pesaram na fúria com que cidadãos honrados da estirpe de um Fernando Rosas a denunciaram. O episódio não passou de um pretexto para a extrema-esquerda praticar o seu desporto favorito: apontar o dedo a "fascistas".

Já agora, e dado que ócio não lhes falta, lembro aos vigilantes que condenar as referências à raça não basta. Só a designação actual do Dez de Junho encerra uma série de alusões discriminatórias. Mesmo sem nos inquietarmos com a ofensiva designação do "Dia de Camões", uma prepotência colonialista que omite inúmeros vultos literários da lusofonia, de Pepetela a Mia Couto, convém notar que "Dia de Portugal" é de um nacionalismo atroz e que "Dia das Comunidades Portuguesas" é pura xenofobia.

Se eu fosse o prof. Rosas, não descansava até corrigir a coisa para Dez de Junho, Dia da Terra e da Humanidade em Geral. Isto se não se ofender os extraterrestres, em que o prof. Rosas muito provavelmente acredita.

DN, 15-6-2008
 
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