05 junho, 2007

 

Combatentes


Em guerra ou pela paz... Sempre.




Histórias, heróis, mortos em combate:

http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=245099&idselect=9&idCanal=9&p=200
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=245241&idselect=9&idCanal=9&p=200
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?idCanal=9&id=245349
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?idCanal=9&id=245439
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=245538&idselect=9&idCanal=9&p=200
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?idCanal=0&id=245692
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=245757&idselect=9&idCanal=9&p=200
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=245880&idselect=9&idCanal=9&p=200

Directório de links no Sapo:
http://directorio.sapo.pt/sociedade/associacoesfundacoesemovimentoscivicos/militareantigoscombatentes/

Alguns outros:
http://www.apvg.pt/index.php
http://www.adfa-portugal.com/

E para matar saudades:
http://www.sanzalangola.com/primeira.php
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/


Lei n.º 3/2009. D.R. n.º 8, Série I de 2009-01-13
Assembleia da República
Regula os efeitos jurídicos dos períodos de prestação de serviço militar de antigos combatentes para efeitos de atribuição dos benefícios previstos nas Leis n.os 9/2002, de 11 de Fevereiro, e 21/2004, de 5 de Junho


Declaração de Rectificação n.º 3/2009. D.R. n.º 17, Série I de 2009-01-26
Assembleia da República
Rectifica a Lei n.º 3/2009, de 13 de Janeiro, que regula os efeitos jurídicos dos períodos de prestação de serviço militar de antigos combatentes para efeitos de atribuição dos benefícios previstos nas Leis n.os 9/2002, de 11 de Fevereiro, e 21/2004, de 5 de Junho

Comments:
"É aqui que se celebra Portugal, é aqui neste local"

10 de Junho. Ex-combatentes dizem-se esquecidos pelo poder político

"Não temos nenhum reconhecimento do poder político. Para eles somos colonialistas." Vítor Manuel Rodrigues Alves, ex-comando, foi uma das centenas de ex-combatentes que ontem se reuniram em Belém, junto ao monumento de homenagem aos combatentes. Um encontro que ontem se repetiu pela décima quarta vez, sem que entretanto tenham mudado as reivindicações.

"Na contagem para a aposentação só me contaram o tempo normal, 27 meses em vez de 54", afirma o ex- -combatente. A pensão atribuída pelo Governo não veio mudar nada: "Trinta e poucos contos por ano? Isso é uma esmola, não preciso de esmolas." Exactamente a mesma expressão usada por Augusto Freitas, presidente da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra. "Não queremos esmolas, queremos ser tratados com dignidade". Entenda-se contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentação (a lei nunca foi regulamentada) ou a isenção de taxas moderadoras na saúde.

Mas nem só de questões materiais se queixam os ex-combatentes. "Porque é que o Presidente da República não está aqui, porque é que a parada militar não é aqui?", lamenta outro ex-comando. Ao lado, Vítor Alves aponta a lápide onde estão inscritos os nomes dos militares mortos na guerra do Ultramar - "Tenho ali 12 amigos. Lamento não sermos reconhecidos pelos governantes como soldados da Pátria." Nos altifalantes, a leitura de um poema antecede o hino nacional: "É aqui que se celebra Portugal, é aqui neste local."

Numa cerimónia que é também o reencontro anual entre camaradas de armas - e que teve ontem Ernâni Lopes como orador convidado -, o momento de homenagem aos soldados mortos na guerra é a excepção ao ambiente festivo. Mesmo apesar das críticas e queixas - de que os ex- -combatentes já antecipam a repetição no próximo 10 de Junho. -S.F.

DN, 11-6-2007
 
Antigos combatentes em turismo de memória

Ex-combatentes levarão nas suas viagens livros e roupas para distribuir

A Federação Portuguesa das Associações de Combatentes pretende promover um "turismo de memória" nos países onde os antigos combatentes estiveram em guerra, ajudando, ao mesmo tempo, os mais necessitados desses territórios.

O anúncio foi feito ontem, no final da primeira reunião da Federação constituída em Setembro, e que integra cinco associações: a Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, a Associação de Apoio aos Ex-combatentes Vítimas de Stress de Guerra, a Associação Nacional de Combatentes do Ultramar, a Associação Social e Cultural dos Vilacondenses Ex-combatentes do Ultramar e a Associação Portuguesa de Ex-Combatentes Militares.

"Queremos relembrar os sítios por onde passámos e dar o testemunho do que sentimos hoje da irmandade com os povos africanos", justificou António Ferraz, presidente da Federação.

António Ferraz lembrou que, se "na altura do combate, os guerrilheiros eram inimigos, hoje, em tempo de paz, são irmãos de uma mesma luta".

Neste âmbito, a Federação vai começar negociações com uma agência de viagens no sentido de obter boas condições para que os grupos de antigos combatentes possam concretizar este "turismo de memória".

O dirigente da federação explicou que as viagens serão aproveitadas para levar bens às comunidades mais necessitadas desses países, como roupas e livros.

"Será feito um peditório de roupas, mas com dignidade. Não será depositar roupas usadas em bidões à porta dos supermercados. É levar roupa em bom estado", explicou.

Na reunião realizada durante o último fim-de-semana, em Tondela, ficou também prevista a realização de um congresso, em princípio a ter lugar em Lisboa, "onde podem participar todos os combatentes, independentemente de estarem ou não filiados", disse António Ferraz.

A Federação pretende também lançar uma revista bianual, devendo o primeiro número ser lançado em Junho próximo.

Ficou também decidido neste encontro que as reuniões serão rotativas pelas sedes das associações filiadas na federação, estando a próxima, que se realiza dentro de dois meses, marcada para Sines.

DN, 17-12-2007
 
Caminhos de África cruzam-se em Portugal

DAVID BORGES

Em A Casa do Rio, o escritor angolano Manuel Rui conta-nos a delicada e emotiva história do regresso de um homem (angolano? português? luso--angolano?) a África, recuperando, trinta anos depois, o espaço de paisagens, cheiros, sabores e falas em umbundu que a ele está umbilicalmente ligado e a absorção desse espaço, "o seu espaço", é tão grande que, num momento, ele ergue os braços para o céu e grita "esta terra é minha!"

A esta história de resgate pessoal, espécie de "desretorno" do "retornado", se ligam, neste tempo de acertos com o passado, inúmeras outras histórias que revelam o que parece ser um crescente regresso a África e nos transmitem sinais que apontam para uma partilha de horizontes, como será o caso de um antigo militar português combatente na Guiné e que na fria Estocolmo escreveu, numa mensagem para guineenses, sobre "a terra que abraçávamos com violência quando a ela nos comprimíamos em chão de emboscadas… Essa Guiné que foi vossa/nossa, mas que sendo hoje vossa/vossa é bem mais nossa do que antes…"

África, sobretudo a África do passado português, os países de fala lusitana, rola, poderosa, em muitas estradas de comunicação virtual. Uma viagem por elas revela os fortes laços que amarram Portugal a esses espaços. E a comunicação que nelas se desenvolve reflecte paixões antigas, novos amores, intensas descobertas, memórias e pesadelos e anuncia novos turismos: de memória, de saudade, de busca de origens, de aventuras.

Há dois espaços na Internet em que se buscam, de um lado, lembranças de antigas comunidades, fragmentadas pelas independências; do outro, confortos e memórias de antigos combatentes, vislumbrando-se em ambos idades avançadas, cabelos brancos e traumatismos passados.

A "Sanzalangola" é uma comunidade virtual de angolanos espalhados pelo mundo e não poucos em Angola e o diálogo, às vezes com discussões intensas, faz-se sobre o que é de agora e o que é de antes, com recordações à flor da pele e fotografias de juventudes bruscamente transferidas para espaços estranhos e onde tiveram de aprender a viver e a rir de outra maneira…

Com cerca de dez mil membros e cinco anos feitos em Dezembro de 2007, a "Sanzalangola" é um fenómeno de partilha de memórias. Por isso nele se apela, enquanto é tempo, para que se junte o espólio de tão grande concentração de gente nascida e com vida em Angola, tendo em vista a criação de uma grande biblioteca e de dinâmicas capazes de, através de uma fundação, dar origem a movimentos, como o da elaboração de uma colectânea de poetas de Angola.

Noutro ponto desta geografia luso-africana, emerge o espaço de antigos combatentes na Guiné-Bissau, "Graça & Camaradas", assente em memórias da experiência de guerra, e não pretendendo que sejam outros a contar a sua história, se vai juntar já no dia 17, em Monte Real, Leiria, no terceiro encontro nacional desta tertúlia que revela ligações forjadas em quartéis e ambientes de guerra e conta histórias de violência e morte.

DN, 4-5-2008
 
Deficientes militares perdem a paciência


MANUEL CARLOS FREIRE
Raul da Conceição Piedade tem 61 anos e três das principais condecorações militares por feitos em combate: uma de valor militar com palma e duas cruzes de guerra, de primeira e segunda classes. Também tem um grau de incapacidade de 85%, devido à explosão de uma mina anticarro que lhe fez perder uma perna e causou outros danos menores.

Este deficiente de guerra vive próximo da Nazaré e foi um dos muitos (cerca de 1500, segundo fontes da PSP) que, ontem, vieram a Lisboa para desfilar entre o Hospital Militar Principal da Estrela e a Assembleia da República - "a primeira manifestação do século XXI" e a segunda vez em 33 anos, segundo os responsáveis da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), trazendo à memória o dia de 1975 em que bloquearam, ao mesmo tempo, a Ponte 25 de Abril e a portagem da actual A1 para exigir respostas do Estado.

"A Pátria é o nosso patrão, somos deficientes do Estado", diz o antigo primeiro cabo Piedade, evocando memórias das emboscadas em que caiu no Norte de Angola, nos finais da década de 1960. Este deficiente recorda também os tempos em que, regressado a Portugal, parava de repente à frente de um carro e exigia ao condutor que lhe desse boleia até ao hospital militar. "Estava apanhado de todo, [as chefias] diziam que não havia vagas" nos quartéis e aquela era uma solução expedita de obter apoio sempre que necessário.

"Há 20 anos talvez se ultrapassassem [os problemas]. Agora não, temos 60 e muitos anos, queremos uma velhice digna", sublinhou Raul Piedade, lembrando que desistiu de usar a última prótese (foi mal feita) que lhe substitui a perna direita. "Agora definem orçamentos para as próteses, pelo que as casas da especialidade fazem-nas mais baratas. O problema é que, enquanto antes uma perna [artificial] durava cinco, seis anos, agora nem duram dois anos" e acabam por implicar custos maiores para o Estado, adiantou.

Próximo de Raul Piedade, ainda no Largo da Estrela, estava o guineense José Abdul Nhamajo, um dos muitos africanos que lutaram ao lado das forças portuguesas nas guerras ultramarinas. Membro do grupo do mítico comando Marcelino da Mata, foi ferido numa emboscada em Lamel. Além das cicatrizes de bala nas duas pernas, ficou com estilhaços na cabeça, de que resultou o reconhecimento de um grau de incapacidade de 5%. O problema é que esse processo demorou 12 anos, "de 1991 a 2003", contou o antigo soldado.

O protesto da ADFA contra a continuada falta de respostas do poder político às suas necessidades, a que se juntaram estruturas representativas dos veteranos de guerra e dos militares que agora estão no activo, terminou com a entrega de uma moção ao presidente do Parlamento e aos grupos parlamentares.

"Geração da guerra colonial não suporta a indiferença do poder" e "a força justa das vítimas de uma guerra injusta" foram dois dos slogans gritados pelo milhar e meio de deficientes de guerra e familiares concentrados frente ao Parlamento. "O problema é o tempo", disse ao DN o presidente da ADFA, José Arruda, vítima da explosão de uma granada que o deixou cego e sem uma mão.

DN, 15-5-2008
 
Notáveis da política em peso no dia do combante

MANUEL CARLOS FREIRE

O Encontro Nacional de Combatentes inclui este ano, pela primeira vez nas suas 15 edições, uma conferência que reúne nomes de peso dos mundos político, diplomático, militar e académico.

Subordinada ao tema "Os valores da nação e o papel das Forças Armadas nas sociedades desenvolvidas", a conferência realiza-se na véspera das tradicionais celebrações do 10 de Junho junto do Monumento aos Combatentes do Ultramar (em Belém, Lisboa).

Os professores Adriano Moreira, João Ferreira do Amaral, Joaquim Aguiar. Jaime Nogueira Pinto e Carlos gaspar, o embaixador Leonardo Matias, o general Gabriel Espírito Santo, o economista Vítor Bento ou o ex-presidente do BCP Paulo Teixeira Pinto são alguns dos oradores convidados pela organização daquelas comemorações.

A necessidade da defesa nacional, a política externa e a defesa nacional, o papel das Forças Armadas no apoio à política externa como objectivo nacional, os elementos da decisão política para o emprego da força militar, a natureza futura das operações militares, a defesa dos valores universalistas versus a defesa dos valores nacionais, as operações de apoio à paz ou as implicações possíveis para a segurança à luz da actual conjuntura nacional e externa, são assuntos a abordar pelos conferencistas.

Da agenda das comemorações do 10 de Junho, destaque para a habitual cerimónia inter-religiosa que une católicos e muçulmanos - muitos deles combateram na guerra colonial, em especial na Guiné, sob a bandeira portuguesa - e um discurso do professor César das Neves.

As Forças Armadas também se associam a esta cerimónia paralela às das comemorações oficiais do Dia de Portugal, através de meios da Força Aérea e com pára-quedistas.

DN, 16-5-2008
 
Regresso a casa de três páras mortos em combate na Guiné

MANUEL CARLOS FREIRE

Projecto da Liga dos Combatentes recupera corpos sepultados em Guidaje

Soldados caíram durante uma emboscada no Norte da Guiné, em Maio de 197

Os restos mortais de três pára-quedistas portugueses mortos em combate na Guiné, durante a guerra colonial, chegaram a Lisboa na noite de sexta- -feira, onde foram recebidos por antigos camaradas de armas.

"Pode dizer-se que assim se encerra, para os pára-quedistas, a guerra em África", disse ao DN um dos oficiais que acompanharam a transferência das urnas - envolvidas na bandeira portuguesa - para a capela do aeródromo militar de Lisboa.

As cerimónias fúnebres realizam- -se no próximo dia 26, no Mosteiro dos Jerónimos, seguindo as urnas depois para a Escola dos Páras, em Tancos, e daqui para os locais de origem. Até lá, os caixões ficam na Igreja da Força Aérea (a que os páras pertenciam naquela época), em Benfica.

Os soldados José de Jesus Lourenço (nascido a 20 de Julho de 1953 na freguesia de Cadima, concelho de Cantanhede), Manuel da Silva Peixoto (24 de Janeiro de 1951, na freguesia de Gião, concelho de Vila do Conde) e António Neves Vitoriano (14 de Fevereiro de 1952, freguesia e concelho de Castro Verde), morreram a 23 de Maio de 1973 - o Dia da Casa-Mãe das Tropas Pára-Quedistas, em Tancos -, durante uma emboscada junto a Guidaje, norte da Guiné-Bissau.

A trasladação dos restos mortais realizou-se no âmbito de um projecto da Liga dos Combatentes (LC), apoiado pela União Portuguesa de Pára- -Quedistas (UPP). A par de familiares de um dos soldados mortos, entre as cerca de 30 pessoas presentes estavam os generais Chito Rodrigues (presidente da LC), Heitor Almendra e Avelar de Sousa (ambos páras).

DN, 6-7-2008
 
Inseparável saudade do passado em Sá da Bandeira

LUÍS NAVES

Todos os anos, em Julho, se juntam milhares de pessoas, unidas pela memória que possuem de Sá da Bandeira, actual Lubango. Uma suave nostalgia marcou o encontro deste ano, nas Caldas da Rainha, temperada por amargura. "Não quero ir lá. Prefiro ficar com o sonho", diz um dos 'Inseparáveis de Huíla'

Ilídio Ferreira Lino, 79 anos, mostra maior dificuldade com as emoções quando conta a sua fuga de Sá da Bandeira, em 1975. Tinha vistos, bilhetes, tudo, mas no último momento pediram-lhe mais dez contos por cada membro da família. Pagou, mas mesmo assim não havia lugar para todos. "Nunca queira passar por uma coisa dessas", diz, olhos congestionados, a voz a tremer: "Imagine a aflição, eu e a minha mulher dentro do avião, os meus dois filhos cá fora", uma rapariga de 16 anos, um rapaz de sete. "Havia falta de lugares no avião, os meus filhos vieram em pé". E alguém confirma, a seu lado, que "recordar estas coisas magoa muito".

Cada família conta as suas mágoas. É uma história por escrever. Aqui, nesta mata das Caldas da Rainha, um pouco acima do hospital, em local fresco, à sombra de uma pequena floresta de plátanos, junta-se um grupo alargado de pessoas que tem em comum uma poderosa sensação de perda. Os encontros são em Julho e realizam-se sem interrupções há 31 anos, desde que a catástrofe se abateu sobre estas famílias.

Vieram de Huíla em 75. Muitos são descendentes de madeirenses que se instalaram naquela parte de Angola. Outros nasceram em Portugal continental, emigraram, regressaram. O exílio português era por pouco tempo, até as coisas melhorarem. Foi uma eternidade.

Em 75, os que são mais velhos viviam na cidade (então portuguesa) de Sá da Bandeira, hoje Lubango. Tinham profissões, estavam instalados, perderam tudo. "Ainda tenho o bilhete da TAP, de ida e volta", conta Joaquim Santos Correia, de 68 anos. "Acreditei que ia regressar. A minha mulher não me deixou trazer nada". Sobre o governo de então, não há contemplações: "considero que fui vendido", diz.

A reunião anual dos "Inseparáveis de Huíla" é uma espécie de reencontro familiar, num gigantesco piquenique cheio de nostalgia amargurada. Começa numa sexta-feira e acaba num domingo, sempre o dia mais concorrido.

Há grupos espalhados, abraços, risos, conversas sérias no meio da alegria geral. Entre o arvoredo nasceu uma pequena cidade de tendas e ouve-se na mata o rumor dos reencontros. Em torno do parque da cidade, já não há lugares para estacionar.

As pessoas vieram de todo o país, brancas, mulatas, sobretudo mais idosos. E, quando se fala de Sá da Bandeira (hoje Lubango), alguém explica, não sem tristeza, que "recordar é viver". Para Ilídio Lino, o importante é o que fica dessa memória: "Não quero ir lá mais, prefiro a ideia de como aquilo era". E Joaquim Santos Correia conclui a frase: "Ficar com o sonho".

Ao contrário dos mais velhos, as pessoas novas que circulam pelo recinto do convívio anual dos Inseparáveis têm de África uma memória difusa. As gerações renovam-se, mas diminui o entusiasmo pela saudade. A associação que sustenta o convívio tem cada vez maior dificuldade em encontrar quem queira continuar o trabalho.

Para os mais velhos, o passado é tema difícil. As suas vidas foram transformadas de súbito, devido à guerra, e usam a palavra "retornado" como se descrevesse uma mancha.

Deixaram para trás anos e anos de trabalho. E o ressentimento é uma chaga. Quando regressaram, muitos não pagaram à segurança social os anos de Angola, "não tínhamos dinheiro", e isso reflecte-se agora nas reformas magras.

E as casas que deixaram para trás são outras feridas sangrentas. Num grupo que se junta, alguém conta que num destes convívios em certo ano apareceu um antigo vizinho que ficara no Lubango. "E como está a minha casa?", perguntou--lhe o narrador. Ao que o outro respondeu que estava bem. "E quem mora lá?" Hesitação e resposta do ex-vizinho: "Sou eu."

DN, 13-7-2008
 
OS HERÓIS QUE FICA RAM PARA TRÁS

FRANCISCO MANGAS

Trinta e cinco anos depois de terem caído na Guerra Colonial, no Norte da Guiné, os restos mortais de três pára-quedistas são hoje sepultados, em Vila do Conde, Cantanhede e Castro Verde. As famílias encerram, assim, um longo luto. É uma história de silêncio e esquecimento, de três jovens mortos em combate, inumados na mata, porque os corpos entraram em decomposição e não podiam ser retirados para Bissau, de uma tropa especial que tem por princípio não deixar ninguém para trás. A Liga dos Combatentes teme que esteja a abrir uma caixa "que nunca mais conseguimos fechar".
Num azulejo, sobre a porta de entrada, a aparição de Fátima aos pastorinhos. A bicicleta preta, pedaleira remota, encostada à parede, que termina num canteiro de margaridas e sardinheiras ressentidas do calor de Julho. É a casa de Lurdes Jesus Faim e Avelino Lourenço, na aldeia de Fornos, Cantanhede, um casal de velhos tocado por infinda tristeza. Hoje, pela tarde, sepultam o filho, que perderam na Guerra Colonial, e talvez a dor.

Um filho ou um anjo? "Era um anjo, por isso não me pertencia." Fala a mãe, comovida, a rever o jovem fardado, no preto e branco das fotos. José Jesus Lourenço, soldado pára-quedista, foi morto em combate na tarde de 23 de Maio de 1973, numa emboscada na zona de Guidaje, no Norte da Guiné. Tinha 19 anos e um secreta paixão a arder no coração. Dois outros camaradas tombaram no mesmo ataque.

Acossada pelos guerrilheiros do Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo verde (do PAIGC), que também controlavam o espaço aéreo, a Companhia de Caçadores Pára-quedistas 121 - porque "ninguém fica para trás" - rompeu com os seus mortos até ao aquartelamento de Guidaje, flagelado há meses pelo inimigo. A aviação, temendo os mísseis, fica em terra, longe do perigo. Os corpos "começaram a entrar em decomposição, cheiravam mal". Foram inumados na mata, no dia 25 de Maio, junto à cerca de arame farpado. E aí permaneceram, com uma mortalha de silêncio e ervas daninhas, trinta e cinco longos anos.

No lugar de Fornos, quarta-feira passada, a primeira pessoa que encontrámos, um homem de bicicleta, antes de nos indicar a casa dos pais do pára-quedista Lourenço, contou-nos, sem esconder o orgulho, outra coisa: "Fui ao juramento de bandeira dele, a Tancos." É da família? "Não, ele era um rapaz bom." Retoma a viagem, a pedalar lentamente como se desse modo iludisse o sol do meio-dia, canto das cigarras e alguma tristeza.

Na base dos pára-quedistas, em Tancos, soubemos depois, desaguou em festa uma pequena multidão, gente de Fornos e de aldeias vizinhas, a testemunhar o gesto de amor à pátria do jovem José Jesus Lourenço. Foi um autocarro cheio. "Parámos em Fátima, dormimos em Tomar e no dia seguinte, pela manhã, estávamos em Tancos". Ele "era o rapaz mais bonito do lugar", lembra Lurdes Faim, a mãe.

Cedo começa a "ganhar a vida", logo após terminar a instrução primária. "A trabalhar no duro", recorda Avelino Lourenço, o pai. Completa, em breve, 81 anos, mas continua a ir a Cantanhede (a 10 km de Fornos) receber a reforma, na pedaleira preta que vimos encostada à parede, junto das margaridas e sardinheiras. "As minhas pernas são a bicicleta." Avelino foi lavrador, "tinha gado" e assim tocava a vida.

José, o seu segundo filho, " cozia cal, enfornava os fornos". Trabalho duro, não há dúvida, para um adolescente. José apaixonou-se por Maria ("um namorico", diz a mãe), mas no horizonte irrompia a tropa, o trágico ir à guerra que tolheu, atormentou, roubou a alegria aos jovens portugueses nos anos sessenta do século passado. O enfornador de cal alista-se como voluntário nos pára-quedistas: tem pressa de ir para voltar depressa e cumprir a paixão.

No dia da partida rumo à distante Guiné, veio muita gente despedir-se do militar à casa dos pais. "Ele levava a mãe no coração, quando saiu à porta pressenti que era o funeral, estava-me a despedir dele para sempre." Lurdes Faim contém as lágrimas, trinta e cinco anos de luto incompleto dá-lhe essa derradeira força.

Hoje, sábado, 26 de Julho de 2008, os pais, as três irmãs e o irmão, sobrinhos e muitos amigos voltam a encher um autocarro. Vão a Lisboa, e voltam com os restos mortais do José."A vinda dele dá-me paz", confidencia a mãe. "Tenho dito às pessoas: cantem e batam palmas quando o meu filhinho chegar à nossa terra. Por favor, não me abracem, não chorem nem me dêem os sentimentos."

A dor, o choque mais duro, conta Lurdes Faim, 77 anos, sentiu-a faz muito tempo. E, por certo, jamais esquecerá esse "28 de Maio" de 1973: pároco de Fornos a entrar-lhe em casa, também destroçado, com a notícia. Foi um choque para a família e para o povo da terra e aldeia vizinha: morria o destemido herói, tão novo ainda. "Era um anjo, não podia ser meu", insiste a mãe, a sublimar a perda.

"Nunca se viu uma coisa tão triste." Agora é Avelino, que se manteve em comovido silêncio a ouvir a mulher, a "recordar a dor". Maria, a namorada vestiu o luto, e todas as raparigas da aldeia, num sentido gesto solidário, "botaram lenço preto" durante largos dias.

No dia 25 de Junho de 1973, Lurdes e Avelino são informados de que o filho já estava inumado, algures na densa mata guineense, e só passado sete anos "poderiam mandar os restos mortais". Mentiram. Afinal, deixaram para trás ("ninguém fica para trás" é o lema pára-quedistas), em terra estranha, José e os outros dois camaradas da companhia mortos na emboscada de 23 de Maio: Manuel da Silva Peixoto, 22 anos, de Gião, Vila do Conde, e António Neves Vitoriano, 21 anos, natural de Castro Verde.

"Esperámos e desesperámos, a coisa estava de modos a apagar-se", refere Avelino Lourenço. Há dois anos, perdeu a esperança de dar sepultura ao filho, que passou apenas três meses na guerra. José seguia na frente da coluna, atrás de Manuel Peixoto, o primeiro a tombar, atingido por várias balas. Pouco depois de regressar da ex-colónia portuguesa, um camarada veio a Fornos contar à família o que se passou na emboscada, preparada pelas forças de libertação da Guiné. Peixoto resistiu e pediu socorro: "Acode-me, Lourenço!" Este rompeu, porque ninguém pode fica para trás, e é flagelado pelo fogo inimigo. "Morreu para salvar o outro", diz a Lurdes Faim. E lembra as últimas palavras do filho, que o companheiro lhe trouxe, da longínqua mata africana, como se fosse um tesouro: "Ai a minha mãe! Ai a minha namorada!".

A família de Manuel Peixoto, que não resistiu aos ferimentos, também não contava com o regresso das ossadas desta pára-quedista. Gostava de boxe, aprendiz de carpinteiro antes de partir para a Guiné. A mãe não assistirá hoje o funeral, no cemitério de Gião, Vila do Conde, no mesmo dia da romaria da terra, com Marco Paulo como cabeça de cartaz. A mãe de Peixoto morreu em 1996; o pai emigrou para o Brasil, tinha o filho poucos meses, não mais voltou.

Resta um irmão, uma irmã e alguns sobrinhos, que esperam hoje à tarde os restos mortais do militar. "Logicamente, o corpo devia ter vindo logo na hora", refere António Peixoto, que soube da morte do irmão em França, onde está emigrado há quase três décadas. A família não irá a Lisboa para, depois, acompanhar os restos mortais até Vila do Conde.

Maria Alice Carvalho é a guardiã das memórias de Manuel Peixoto, seu cunhado. A memória repartida por dezenas de fotografias . No verso de uma das fotos, que mostra vários companheiros no interior de uma aeronave, o pára-quedista escreveu o seguinte: "Dentro do avião quando íamos para o quartel do exército que está perto da fronteira. Uns riem-se e outros pensam no que podia acontecer perante as operações, mas correu muito bem só tivemos um morto. Pelo contrários, os turras."

A legenda termina assim, sem se saber o número de "turras" mortos nesse combates. A baixa de um militar do lado dos pára-quedistas, segundo soldado Peixoto, nem era assim tão mau. Isto prova o sufoco que as tropas portuguesas sofreram na zona de Guidaje, junto à fronteira do Senegal, nos últimos anos da Guerra Colonial. Peixoto, Lourenço e Vitoriano morrem na operação das forças especiais portuguesas destinada a furar o cerco que os guerrilheiros do PAIGC faziam ao aquartelamento de Guidaje.

Anacleto Costa pertenceu à companhia de Peixoto, não esteve, no entanto, envolvido na missão que vitimou os seus três camaradas. Participou, contudo, noutras situações de conflito ao lado do jovem vilacondense. "Era um homem destemido, uma verdadeira máquina de guerra: eu ouvia um tiro e escondia atrás das árvores, ele não, ele rompia para o inimigo". O irmão confirma, "já aqui era valente, faz parte da família".

Conhecida a notícia da morte, os familiares escreveram algumas cartas ao general António de Spínola - na altura comandante das forças portuguesas na colónia da Guiné -, sem resposta. O silêncio, sempre o silêncio a cobrir os jovens pára-quedistas, sepultados à pressa, num cemitério improvisado.

"Companheiros meus", lembra Anacleto Costa, "queriam ir buscar os seus mortos" a Guidaje. "Os graduados não admitiram, o Spínola também não autorizou." Um anos depois do falecimento, por altura do 25 de Abril, a família recebeu um convite para ir a Lisboa "receber uma medalha de honra" pelos serviços de soldado Peixoto prestados à Pátria.

Saíram bem cedo, regressam de madrugada com as mãos vazias. "Esperámos até à uma da manhã e não recebemos medalha nenhuma. A cerimónia transformou-se num grande comício, viemos embora sem nada", recorda Maria Alice Carvalho.

Os três pára-quedistas da Companhia 121 regressam hoje às suas terras, onde serão sepultados com dignidade, trinta e cinco anos depois de tombarem aos serviço de Portugal. As famílias, que foram ouvidas e autorizaram a exumação e trasladação das ossadas, podem agora, enfim, encerrar o luto. "Agora já posso partir, o regresso do meu filho dá-me serenidade." Diz Avelino Lourenço, a despedir-se de nós à porta da sua casa, na aldeia de Fornos, Cantanhede. Na fachada, o azulejo com a aparição de Fátima; no interior da habitação,vimos mais imagens de Nossa Senhora e os retratos dos filhos, netos e bisnetos.

As cigarras, indiferentes à melancolia do velho, cantam, cantam por dentro da tarde quente.

DN, 26-7-2008
 
António queria ser piloto e em criança fazia aviões de papel

JOSÉ MANUEL OLIVEIRA

Em criança, António Vitoriano fazia aviões de papel: sonhava ser piloto de aviação. A guerra levou-o para a Guiné e de lá só voltaram as suas ossadas. Que descem hoje à terra. Mariana Neves, sua mãe, vive agora "um segundo luto". Na sua casa, em Castro Verde, é com lágrimas nos olhos que afaga a fotografia do filho. Chegou ao fim o sonho que acalentou durante 35 anos: que ele pudesse estar vivo, num país qualquer. "Era muito activo, liberal e ambicionava viver em Inglaterra. Quando alguém de noite batia à porta da minha casa, pensava logo 'será o meu António?' Agora, apesar de tudo, já posso morrer descansada, pois ele está junto do pai e sempre que quiser posso visitá-los no cemitério."

Foi a própria filha de Mariana que acabou por ajudar a pôr um ponto final neste "sonho". Conceição Vitoriano fez parte da equipa de arqueólogos portugueses que em Março deste ano foi recuperar os corpos dos três militares mortos na emboscada de Guidaje, na Guiné-Bissau, a 23 de Maio de 1973. António, natural da aldeia de Geraldos, no concelho de Castro Verde, tinha chegado há três meses àquela antiga colónia portuguesa. "Tive uma sensação de alívio por saber que era ali, mas já não fui capaz de escavar o espaço onde estava enterrado o meu irmão. Não queria ficar com essa imagem na minha memória, preferido guardar a que tinha dele em jovem."

A cicatriz causada pela queda do burro

Ao contrário de outros militares, o corpo dos pára-quedistas estavam depositados na terra, sem qualquer cobertura. "O meu irmão encontrava-se a 70 centímetros de profundidade", conta Conceição Vitoriano. Foi a informação sobre uma clavícula fracturada, com a ligação óssea reposta, e uma cicatriz na cabeça quando aos 10 anos caiu de um burro, que acabou por permitir aos técnicos identificarem o esqueleto de António Vitoriano. A prospecção no local com um radar que assinalou "umas zonas com anomalias" foi determinante para descobrir onde havia ossadas. Ao longo da semana em que permaneceram na Guiné-Bissau, os técnicos tiveram de percorrer, logo de manhã, 30 quilómetros em terreno "muito picado e durante três horas" até chegar ao local.

Em vésperas de enterrar o filho, Mariana recorda como soube da sua morte - já tinham passado três dias sobre a emboscada - através da Guarda Nacional Republicana, que lhe bateu à porta com a notícia. Mais tarde, o general António Spínola informou que o pára-quedista tinha desaparecido em combate. Mas os familiares não acreditaram. Só com a certidão de óbito passou a haver certezas. No Natal de 2005, receberam um telefonema de Manuel Rebocho, sargento-mor pára-quedista na reserva e residente em Évora, sobre a possibilidade de serem recuperadas as ossadas de António Vitoriano.

"Se eu morrer, mais dinheiro a mãe recebe"

Mariana Neves, que teve de autorizar que o filho iniciasse o serviço militar em Tancos por não ter idade na altura, ainda tentou impedir a sua ida para a Guiné. "Preparei toda a papelada para ele assinar, já que era amparo de mãe, porque o meu marido tinha morrido num acidente de viação na Suíça, para onde emigrou. Mas nunca chegou a assinar porque queria mesmo ir à tropa e resolver a sua vida. E quando lhe disse 'tu vais morrer lá', respondeu-me: 'Se morrer, mais dinheiro a mãe recebe'. Tenho uma pensão de sangue de 252 euros, o que é uma miséria", lamenta Mariana Neves, que gostaria de ver uma placa toponímica em Castro Verde com o nome do filho. Numa carta (que já não existe) enviada à mãe, António Vitoriano contava-lhe: "aqui o combate é o pão-nosso de cada dia". Não chegou a receber uma encomenda com linguiças, tabaco e bolos, entregue a um companheiro de armas, que estava de férias no Alentejo...

Depois de completar a quarta classe com dez anos e sem condições económicas para os prosseguir os estudos, António Vitoriano, nascido a 14/02/1952 numa família de cinco irmãos (dois rapazes e três raparigas), começou a trabalhar em Castro Verde como barbeiro. Aos 13 anos foi viver com o irmão, para Lisboa, que já ali estava, onde continuou a actividade, então, num salão de cabeleireiro. Antes de ir para a Guiné, ainda foi barman em Monsanto. "Era um miúdo muito vivo, divertido e gostava de contar anedotas. Nos tempos livres ia muito para o Estádio da Luz praticar atletismo. Tinha amigos e namoradas de ocasião", recorda o irmão, Jorge Vitoriano. "Nos nove meses em que esteve em Tancos, mostrou sempre entusiasmo e abertura de espírito para ser pára-quedista. Encarou a Guiné com naturalidade e como um desafio."

A maior mágoa da família é que "com a euforia do 25 de Abril, e a independência da Guiné logo a seguir, tudo tivesse caído no esquecimento durante anos". Porque entende que o Estado português tinha a obrigação de recuperar o corpo António e de todos os outros militares mortos na guerra.

DN, 26-7-2008
 
"Se os nossos mortos votassem, estariam cá todos"

JOSÉ MANUEL OLIVEIRA

Foram ontem sepultados três antigos pára-quedistas mortos no Ultramar

Antigos pára-quedistas da Companhia 121, veteranos da guerra colonial, regressaram ontem à Escola de Tancos para uma homenagem sentida a três camaradas de armas que morreram em Guidage, Norte da Guiné-Bissau, e cujos restos mortais regressaram agora a Portugal. Os soldados José Lourenço, António Vitoriano e Manuel Peixoto respectivamente Cádima (Cantanhede), Castro Verde e Gião (Vila do Conde) regressam ainda ontem às terras que os viram nascer para serem sepultados.

Orgulho e paz de espírito. Foi este o sentimento expresso, ontem à tarde, na localidade de Castro Verde, durante as cerimónias fúnebres do soldado pára-quedista António Neves Vitoriano, morto em combate há 35 anos na Guiné. Eram 19.00 horas quando a pequena urna de metal contendo as ossadas daquele militar, deu entrada no gavetão nº. 55, junto à capela (onde foi celebrada missa) transportada por dois pára-quedistas. Em simultâneo, à porta do cemitério, ouviram-se salvas de morteiros pelos pára-quedistas em formatura. Mesmo por cima de um monte de várias coroas de flores e junto à foto de António Vitoriano, foi colocado um símbolo destes militares - um pequeno pára-quedas.

Com a emoção estampada no rosto, Mariana Neves, mãe do militar, falecido com 21 anos, no dia 23/05/ /1973, estava acompanhada pelos filhos, num ambiente dominado por antigos camaradas de armas. No total, estiveram presentes nesta cerimónia mais de meio milhar de pessoas. As ossadas de António Vitoriano serão depositadas em campa rasa num futuro próximo, de forma a ficar junto ao pai.

"A minha mãe está calma, porque o seu grande desejo era ter cá os restos mortais do filho", referiu ao DN Ercília Martins, uma das irmãs de António Vitoriano. "Este momento pode significar para os familiares o reavivar do sofrimento sentido na altura da morte, mas acima de tudo representa uma imensa paz de espírito para eles, que a partir de agora poderão estar, finalmente, próximo de quem perderam há tantos anos", disse ao DN o padre Carlos Catarino, de 54 anos, tenente-coronel capelão militar em Évora.

Quem também não escondeu a emoção e um "sentimento de orgulho" na hora do adeus foi Vítor Gravina, da Associação de Pára-Quedistas do Sul, sedeada em Baixa da Banheira, uma das representadas no funeral. "A amizade, a mística do pára-quedista é aquilo que nos une. O nosso lema é "todos por um e um por todos, nunca deixar um camarada para trás" e a prova, ao fim de 35 anos, é temo-lo cá", observou ao DN. Embora lamentando o atraso de décadas, aquele antigo militar responsabilizou os sucessivos governos pelo sucedido. "A culpa é dos nossos governantes. Se os nossos mortos votassem, eles estariam cá todos. Estes vieram por nossa conta, da União dos Pára-Quedistas e da Liga dos Combatentes, numa operação que custou milhares e milhares de euros. Os governos, todos eles, a partir do 25 de Abril de 1974, nunca se interessaram minimamente por aqueles que deram a sua juventude em defesa da bandeira portuguesa", lamentou Vítor Gravina.

DN, 27-7-2008
 
Estado discrimina veteranos de guerra em matéria de reformas

MANUEL CARLOS FREIRE

Provedor de Justiça quer que o Governo corrija situações de injustiça

A Caixa Geral de Aposentações (CGA) tem de reconhecer, para efeitos de aposentação e reforma, o tempo de licença sem vencimento aos militares a quem o Estado impôs essa medida por interesse próprio.

Esta posição consta da recomendação que o Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, enviou há uma semana ao ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira, e a que o DN teve ontem acesso. Em causa está a "desigualdade de tratamento" entre militares que estão adstritos à CGA e à Segurança Social, uma vez que este regime faz aquela contagem de tempo "de acordo com as indicações fornecidas pelo Ministério da Defesa".

Com base em duas reclamações recebidas já este ano, e havendo um número indeterminado de ex-militares na mesma situação, Nascimento Rodrigues confirma que a CGA não efectua "a contagem, como tempo de serviço para efeitos de aposentação e reforma, do tempo de licença registada por imposição a que os reclamantes estiveram sujeitos durante a prestação do serviço militar obrigatório, designadamente aquando da guerra colonial".

Esse tempo tem sido "contado como faltas", uma vez que a CGA - "a não ser que exista norma legal expressa nesse sentido", realça Nascimento Rodrigues - alega não poder fazer a referida contagem de tempo à luz do Estatuto da Aposentação, assinala o Provedor de Justiça.

Nascimento Rodrigues cita depois o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, onde se estabelece que "a licença registada pode ser concedida exclusivamente a requerimento do interessado, por motivos de natureza particular que o justifiquem, não lhe podendo ser imposta". Essa concessão, observa o Provedor, "implica a perda total de remunerações e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, aposentação e sobrevivência, o que se compreende atendendo à natureza privada dos interesses que fundamentam o seu requerimento".

Ora esse não é o caso dos militares "a quem os respectivos serviços impuseram, de acordo com interesses exclusivamente públicos, a situação de licença registada" - pelo que "importa proceder à respectiva correcção da presente situação, por forma a que os militares prejudicados (...) não tenham de continuar a suportar as consequências da mesma", enfatiza Nascimento Rodrigues.

Na sua recomendação, o Provedor acrescenta que a CGA deve proceder "à revisão da situação de todos os militares que tenham estado sob essa licença e que, mesmo já aposentados ou reformados, o venham a requerer", o que exige uma articulação de esforços entre os ministérios da Defesa e das Finanças.

DN, 1-8-2008
 
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