09 junho, 2007

 

Crianças soldado


Soldados criança

O problema:



Um caso concreto:



E um sobrevivente:




12 de Fevereiro - Dia internacional contra a utilização de crianças-soldados

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=31641
http://ww1.rtp.pt/noticias/index.php?article=269577&visual=26

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"O pior foi lembrar tudo sem as drogas"

PATRÍCIA VIEGAS

Aos 12 anos já matava. Aos 26 quer salvar crianças da guerra
"O pior foi lembrar tudo sem as drogas"

Ishmael Beah sabe que é um rapaz com muita, muita sorte. É um dos poucos ex-meninos soldados da Serra Leoa totalmente reabilitados. Teve a oportunidade de estudar e de voltar a fazer parte de uma família. Hoje consegue conviver com o passado e faz questão de usar a sua sorte para ajudar outros como ele e chamar a atenção do mundo para o uso de crianças em conflitos armados. "O que fiz com a minha sorte foi lançar uma fundação com o meu nome que ajude as crianças e escrever um livro com a minha história", conta numa entrevista ao DN, com o ar cansado de quem termina em Portugal um mês de promoção editorial por vários países da Europa. No livro, Uma Longa Caminhada: Memórias de um Menino Soldado, conta como viveu uma infância de Kalashnikov ao ombro, matando pessoas, roubando, drogando-se para não sentir.

"A combinação das drogas [marijuana e cocaína com pólvora] dava- -nos muita energia e tornava-nos violentos. A ideia da morte nunca me passara pela cabeça e matar tornou-se tão fácil como beber um copo de água. A minha mente não só parou durante a primeira morte, como também parou de sentir remorsos, ou pelo menos assim pareceu."

Esta é uma das muitas descrições que Ishmael faz no livro, para explicar como passava os dias depois de ser recrutado à força pelo exército, quando tinha apenas 12 anos. O seu inimigo principal eram os rebeldes da Frente Unida Revolucionária (RUF) que, disseram-lhe, tinham matado os seus pais e irmãos. "Os nossos recursos vinham da luta com os outros grupos. Nós atacávamos quem tinha armas, drogas, comida ou potenciais recrutas", conta num luxuoso hotel lisboeta, enquanto autografa um caixote de livros.

Após três anos de luta, foi resgatado por funcionários da UNICEF. "Não sei que tipo de acordo tinham com o exército para que eles deixassem ir crianças como eu. Talvez o facto de saberem que um dia a guerra iria acabar e eles iriam querer beneficiar de uma amnistia", diz, esclarecendo ser apenas uma hipótese. Quando chegou ao centro de reabilitação de Freetown, a capital, comportava-se como um delinquente, agredindo funcionários e vendendo na rua o material escolar.

No início pensou em voltar. "A lavagem cerebral funcionava tão bem que eu não via mais nada. Estes grupos eram como a nossa família depois de a nossa família ser morta." Não suportava ouvir que a culpa do que aconteceu não era dele. "Nós sentíamos que éramos soldados e dizerem-nos isso, na altura, era quase como um insulto. Era estarem civis a dizer que afinal nós não tínhamos o poder que pensávamos."

O momento mais difícil da reabilitação, lembra, foi a desintoxicação. "O pior foi lembrar-me de tudo sem as drogas. Foi muito duro sentir a dor e tomar consciência plena daquilo a que havíamos pertencido e das coisas brutais que tínhamos feito." No livro lembra alguns episódios: "À noite, alguns acordavam com pesadelos, a bater com a cabeça nas paredes para expulsar as imagens que continuavam a atormentar mesmo quando já não estávamos a dormir. Os auxiliares estavam de guarda para controlar as explosões. Mesmo assim, todas as manhãs alguns eram encontrados escondidos nas ervas junto ao campo da bola."

Foram vários os dias que passou no hospital de Freetown, onde na altura a guerra ainda não chegava, acabando por travar amizade com uma enfermeira, Esther, que lhe emprestava o walkman para ouvir cassetes de música rap e reggae. O tio, que desconhecia ter, acolheu-o e incentivou-o a ir falar nas Nações Unidas. Apesar de só acreditar que estava realmente em Nova Iorque quando recebeu um telefonema em que Ishmael contava que tinha visto coisinhas brancas a cair do céu.

Foi nesse encontro de crianças vítimas da guerra que travou conhecimento com Laura Simms, contadora de histórias de profissão, que lhe enviaria dinheiro para Freetown e o ajudaria a fugir, primeiro para a Guiné Conacri, depois África do Sul, Costa do Marfim e, por fim, Nova Iorque. "Esta é hoje a minha casa longe de casa. Eu saí da Serra Leoa em Setembro de 1997 e cheguei aos EUA em Junho de 1998", explica Ishmael, hoje com 26 anos, filho (único) adoptivo de Laura.

"Ela não queria que eu voltasse para a guerra e ajudou-me. É por isso que acho que tive sorte. Muitos dos meus amigos que voltaram não sobreviveram e outros tiveram de ir novamente para a reabilitação", conta, acrescentando que os programas "podem ser melhorados para se adaptarem ao trauma de cada pessoa e oferecerem oportunidades para ajudar a refazer vidas. É óbvio que no início há erros. No entanto, eu apoio estes programas de reabilitação como o da UNICEF".

Apesar de quase não fazer referências ao contexto político no livro, "porque queria mostrar como as pessoas que menos têm que ver com a política eram as mais severamente afectadas pela guerra civil", o ex-menino soldado serra-leonês formou-se em Ciências Políticas. Aceita, por isso, falar do pós--guerra e do futuro dos países africanos. " É positiva a prisão de Charles Taylor [antigo presidente da Libéria acusado de crimes de guerra por armar as milícias da Serra Leoa com o objectivo de explorar os diamantes]. Mas é preciso fazer muito mais para que seja criado um efeito dissuasor."

Questionado sobre o que a Europa poderia fazer no sentido de ajudar África a desenvolver-se e a evitar genocídios ou o recrutamento de menores para conflitos armados, enumera três aspectos: "Não vender armas a estes países, não deixar os líderes corruptos ter contas em bancos europeus, instalar a indústria ligada à exploração de matérias-primas como os diamantes nos próprios países, criando emprego em vez de ir apenas lá explorar." Numa frase resume o que é preciso: "A vontade política é a solução em si mesma."

A noção de que é preciso fazer mais, muito mais para lutar contra a indiferença com que o mundo olha para África e para os seus mortos, leva Ishmael a endurecer o tom. Numa conferência, em Paris, afirmou que não participaria noutro evento do género com as mesmas pessoas, caso não cumprissem as promessas. "Não vamos desperdiçar tempo", diz, ensaiando uma expressão irónica e realçando, porém, aspectos positivos como a libertação das crianças-soldado no Chade. E remata: " O mais importante de tudo é não desistir, porque senão acontece o pior, que é cair no esquecimento das pessoas".

DN, 9-6-2007
 
História de um menino-soldado
editada em Portugal

Veste calças de ganga largas e usa ténis. O sorriso sailhe
fácil, mas a voz é pausada. Ishmael Beah tem 26 anos e
uma vida marcada pela guerra na Serra Leoa. Conta tudo em
“Uma Longa Caminhada” e a Renascença ouviu-o.
Ishmael Beah foi uma criança-soldado, obrigada a combater
no exército na Serra Leoa quando tinha apenas 12 anos. Resgatado
pela UNICEF, vive actualmente em Nova Iorque.
“Por vezes, quando as pessoas tomam contacto com este
conflito – e é uma das razões pela qual escrevi este livro –
pensam que naquela parte do mundo todas as pessoas são
violentas e que, por isso, houve uma guerra. Mas não. A
população nunca foi violenta, foi empurrada para isso. É essa
ligação humana que falta e eu quero que os leitores façam
quando ouvem falar sobre estes conflitos longínquos”, explica
à jornalista da Renascença Maria João Costa.
Por isso, o livro serve para que as pessoas vejam “o que a
guerra faz às pessoas, ao espírito humano; como destrói as
culturas, as comunidades, rouba a humanidade de cada um”.
De início, Ishmael pensou em escrever o livro para transmitir
a sua experiência, mas, no final, percebeu que serviu também
como terapia, “porque me levou a sítios que, de outra
forma, voluntariamente eu não iria”.
As memórias são muita e a aprendizagem, feita à sua custa,
grande: “A palavra «inimigo» é manipulável, é apenas
uma forma de desumanizar alguém para que tu o possas atacar.
Mas uma coisa que eu percebi, depois de combater na
guerra, é que, ao desumanizarmos alguém, estamos a desumanizarmo-
nos a nós próprios. Tornamo-nos nossos inimigos,
deixamos de ser nós próprios”.
Salvo pela UNICEF, depois de três anos na guerra, Ishmael
vive actualmente em Brooklin, Nova Iorque, mas a Serra Leoa
continua a ser a sua pátria.
“Eu adoro aquele país. Uma das razões que me dá força para
continuar a viver vem da minha infância, do que aprendi ali,
da minha cultura, da tradição. No ano passado, quando
regressei, consegui dormir de forma profunda como nunca
tinha dormido desde a guerra. Portanto, acho que o meu
corpo reconhece que é a minha pátria”, descreve.
Ishmael trabalha hoje na Human Rights Watch, no Comité de
Defesa das Crianças. "Uma Longa Caminhada" é o livro das
suas memórias, editado em Portugal pela Casa das Letras.
As declarações de Ishmael à Renascença estão disponíveis
em www.rr.pt.

RRP1, 12-6-2007
 
Um relato extraordinário e hipnotizador contado com verdadeira forçaliterária e comovente senceridade!

Aos 12 anos já matava. Aos 26 quer salvar crianças da guerra
"O pior foi lembrar tudo sem as drogas"
 
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