05 junho, 2007

 

Da pobreza,


à portuguesa.





"Em Portugal há pelo menos dois milhões de pobres e destes
40% são trabalhadores por conta de outrem ou por conta
própria. 30 são pensionistas. Como se explica esta realidade
denunciada por Bruto da Costa no último Diga Lá
Excelência...?"

RRP1, 4-6-2007

http://www.rr.pt/PopUpMedia.Aspx?&FileTypeId=3&FileId=326948&contentid=209293

http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=245768&idselect=11&idCanal=11&p=200

http://sic.sapo.pt/online/noticias/dinheiro/20070622+Viver+no+limiar+da+pobreza.htm

http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=924950&sec=3

Comments:
Não é fácil encontrar uma explicação além daquela que o
professor Bruto da Costa adiantou no programa: em Portugal
o problema da pobreza não se resume a um problema
de “redistribuição”, ou seja, não se explica apenas pelo
facto de existir um baixo crescimento que não permite que
se crie suficiente riqueza que possa depois ser redistribuída
juntos dos mais pobres, socialmente excluídos.
O problema é ainda mais básico. Tem a ver com o facto da
própria riqueza gerada ser logo à partida mal distribuída. O
trabalho fica com uma percentagem cada vez mais reduzida
do bolo da riqueza criada enquanto o capital (sob a forma
de juros, lucros, rendas ou mais-valias) se apropria de
uma fatia crescente da riqueza criada. Pior: o salário obtido
pelo trabalhador não lhe garante, em muitos casos, a si
e à família uma subsistência acima do limiar de pobreza
(60% do salário médio nacional).
Daí que se repitam as causas de pobreza embora se encontrem
novas formas de exclusão que nem sempre passam
pela falta de rendimentos. É o caso dos idosos isolados.
O estudo sobre a pobreza que alerta para esta situação não
está ainda concluído e centra-se no período de 1999 a
2000. Mas o acompanhamento do fenómeno no terreno
prova que a situação só piorou entretanto.
Há, aliás, um dado muito preocupante: as famílias pobres,
ao contrário do que se passa na sociedade americana, ou
nas sociedades europeias mais desenvolvidas, não são
maioritariamente disfuncionais. São famílias “tradicionais”
cuja solidez estrutural não as colocou na pobreza. A monoparentalidade,
que é sempre um factor de maior “risco de
pobreza”, continua a gerar uma percentagem insignificante
entre os pobres.
Por outro lado “apenas 3% dos pobres” estão desempregados
no período em análise. Hoje, é provavelmente superior,
mas o que importa reter é que a situação de pobreza
não é meramente conjuntural. Pelo contrário: é um fenómeno
essencialmente estrutural. Daí que não espante que
nos seis anos analisados se verifique que 72% dos pobres se
encontram nessa situação “dois ou mais anos seguidos”.
Como se muda esta política económica geradora de cada
vez mais pobres? Para já é preciso ganhar a batalha das
mentalidades: só quando um terço dos portugueses deixar
de considerar a pobreza inevitável e o outro deixar de culpar
os pobres pela sua “preguiça” as políticas anti-pobreza
deixarão de estar votadas ao fracasso.

Graça Franco

RRP1, 4-6-2007
 
Endividamento das famílias subiu em 2006

O endividamento das famílias portuguesas aumentou 7%, no ano passado, ascendendo a 124% do rendimento disponível.

Este valor é revelado pelo Banco de Portugal, no Relatório sobre Estabilidade Financeira.
Apesar da dimensão do endividamento, o Banco de Portugal refere que os níveis de incumprimento dos particulares são ainda residuais, embora tenham aumentado face a anos anteriores.

O Banco de Portugal faz notar que o elevado endividamento dos particulares constitui um risco relevante da economia portuguesa, sobretudo quando há previsão de aumento das taxas de juro, a que se junta o facto do mercado de trabalho ser muito incipiente.

Já no caso das empresas, começa a ser mais visível algum nível de incumprimento do serviço da dívida, mas, ainda assim, sem grande expressão...

Para o sector financeiro, o banco central sublinha que, apesar dos elevados níveis de rendibilidade do sistema bancário, este não está imune aos riscos associados ao aumento das taxas de juro e ao endividamento do sector privado.

Na análise global da economia portuguesa, o Banco de Portugal chama a atenção para o risco de uma eventual recaída do crescimento mundial, que pode afectar as exportações e travar a tendência positiva da economia nacional.

O Banco de Portugal sublinha ainda o risco de uma ruptura internacional no mercado imobiliário, que pode aumentar a vulnerabilidade da economia nacional, ainda que de forma moderada.

RRP1, 5-6-2007
 
Menos férias e mais feriados

RUDOLFO REBÊLO

Países de Leste trabalham menos que Portugal
Contas feitas, os finlandeses têm mais dez dias de férias e feriados do que os portugueses. E não se pense que os cidadãos do ex-bloco comunista são na União Europeia a 27 dos que mais trabalham: na Estónia, Lituânia, Eslováquia e na Eslovénia os dias extras de descanso variam entre os 36 e os 40.

Ao todo, entre férias e feriados os portugueses gozam, em média, 34 dias anuais, enquanto em terras da Nokia (Finlândia) as folgas somam os 44 dias. Os portugueses laboram o mesmo que os alemães e mais que os franceses (ver quadro). Isto comprova que as economias avançadas do Norte da Europa trabalham menos dias, mas conseguem, ainda assim, ser mais tecnológicas e competitivas.

Um estudo da Mercer, uma conceituada consultora de recursos humanos, hoje a divulgar em Lisboa, coloca Portugal na média europeia de dias gozados sem trabalho. Isto, claro, levando em conta os cinco dias semanais de trabalho, com pelo menos dez anos de serviço.

Reino Unido, Holanda e a Roménia estão entre as nações que menos dias livres concedem aos seus cidadãos. Com resultados - em termos económicos - distintos. Estas nações conseguem reduzir os "dias de folga" porque cortaram nos feriados. Regra geral, as férias representam 20 dias úteis, enquanto que os feriados não ultrapassam os sete ou oito dias. O estudo da Mercer destrói vários mitos. Um deles é o que se passa com os países de Leste, o que pode merecer a atenção - e o alerta - dos departamentos de recursos humanos das multinacionais com planos para se deslocarem para o Leste.

Em geral, as nações resultantes da desagregação do "império soviético", como a Eslováquia e a Eslovénia, detêm o recorde de feriados, com 15 e 16 dias de gozo, respectivamente. E, nesta contabilidade, não são levados em conta os "feriados regionais", evocativos de festas religiosas ou nacionalistas. Bem como, claro está, a concessão de "tempos extras" legais, concedidas por muitos Estados, por motivo de casamentos ou licenças por funerais.

Portugal está creditado na Mercer com 12 feriados - entre oficiais e religiosos, estando ligeiramente acima da média europeia (11 feriados). No calendário da vizinha Espanha estão marcados 14 "domingos" nacionais e o mesmo sucede com a Finlândia. Mas, são excepções entre os países mais desenvolvidos.

Menos folgas, menos pontes

Regra geral, parece existir mais cuidado com a quantidade de feriados entre as nações europeias mais desenvolvidas. A Irlanda e a Holanda, por exemplo só admitem 9 e 8 feriados anuais, respectivamente. Os alemães gozam mais dois dias de férias que os portugueses, mas têm menos dois dias de feriados.

Não há explicações directas para esta preferência pelo número de dias de férias em detrimento das folgas. Mas é provável que os Estados mais industrializado do Norte da Europa queiram aumentar a probabilidade de escapar aos caprichos dos calendários, evitando as famosas "pontes".

DN, 5-6-2007
 
Famílias vão ter mais dificuldades no crédito

PAULA CORDEIRO

Agregados mais jovens correm maior risco
As famílias portuguesas vão ter mais dificuldades em pagar as suas dívidas no futuro próximo. Os efeitos negativos da actual situação económica "tenderão a assumir particular relevância nos estratos mais vulneráveis dos particulares, nomeadamente as famílias com menor riqueza financeira, rendimentos tendencialmente mais baixos e maior propensão a transitar para uma situação de desemprego ou de salário menor". Este é o alerta deixado pelo Banco de Portugal, no Relatório de Estabilidade Financeira 2006, ontem divulgado.

No ano passado, o rácio de incumprimento do crédito a particulares diminuiu face a 2005, representando cerca de 1,75% do crédito total concedido. O Banco de Portugal explica que esta redução ficou a dever-se a montantes de crédito abatidos ao activo superiores aos verificados em anos anteriores e à cedência de créditos vencidos por parte dos bancos, a instituições especializadas.

Na verdade, descontada estas duas práticas, " o fluxo de novos créditos vencidos e outros de cobrança duvidosa apresentou um aumento expressivo em 2006", para níveis próximos dos registados em 2002 e 2003, refere o relatório da autoridade de supervisão.

O Banco de Portugal avança com as razões que o levam a prever um agravamento da situação no futuro. Um nível elevado de taxa de desemprego, a ainda esperada subida dos juros e o esgotamento progressivo dos efeitos de diferimento temporal do serviço da dívida, ou seja, as iniciativas criadas pelos bancos que permitem beneficiar de períodos de carência de capital e diferimento da capital dos empréstimos poderão ditar mais dificuldades.

No ano passado, a taxa de crescimento do crédito concedido pelos bancos a particulares manteve-se elevada, com um nível igual ao do ano anterior, mais 10%, refere o banco central.

Mas as evoluções foram diversas nos dois segmentos: enquanto o crédito à habitação desacelerou, verificou-se "uma aceleração marcada do crédito para consumo e outros fins".

No que respeita aos empréstimos concedidos por instituições financeiras a empresas (sociedades não financeiras) registou-se uma aceleração em 2006, "tendo a taxa de variação anual dos empréstimos totais aumentado para aproximadamente 6%, sendo a mais elevada no caso do crédito às grandes empresas". Também no que se refere ao sector empresarial, o relatório do Banco de Portugal espera um acréscimo no rácio de incumprimento, "ainda que de extensão relativamente limitada", afectando "principalmente as empresas que operam em sectores de actividade mais negativamente afectados pelo processo de reestruturação sectorial da economia portuguesa".

O Relatório de Estabilidade Financeira do banco central refere ainda que a capacidade de financiamento dos particulares diminuiu significativamente, traduzida na diminui- ção da taxa de poupança dos particulares, para pouco mais de 8% do seu rendimento disponível. Verificou-se um menor nível de investimento por parte dos particulares, que passou de 3,4% do PIB em 2005, para 2% do PIB no ano passado.

Estes números resultaram num novo aumento do endividamento dos particulares, ou seja, o total de empréstimos em dívida por parte das famílias portuguesas já representava 90% do PIB, no final do ano passado.

Quando medido em relação ao seu rendimento disponível, o endividamento dos portugueses já atinge os 124%. Isto quer dizer que o total de os empréstimos pedidos pelas famílias ultrapassa, em 24%, o seu rendimento anual.

Este endividamento corresponde a pouco mais de 70% dos activos financeiros de maior liquidez (depósitos, carteia de títulos, unidades de participação em fundos, excluindo planos poupança reforma) nas mãos de particulares.

DN, 6-6-2007
 
Salário mínimo português está a perder poder de compra

RUDOLFO REBÊLO

O poder de compra de um salário mínimo espanhol é 25% superior ao de um português e os franceses conseguem comprar o dobro dos produtos de consumo nas lojas, de acordo com um relatório ontem divulgado pela Comissão Europeia, para os 20 Estados membros e candidatos que mantêm em vigor a obrigatoriedade de uma retribuição mínima.

Nos últimos quatro anos os espanhóis ganharam poder de compra em relação aos portugueses a um ritmo avassalador. Entre 2004 e 2007, diz Bruxelas, o poder de compra do salário mínimo espanhol subiu 18%, contra os 9% observados para o salário luso.

Em Janeiro deste ano, 4,7% dos portugueses recebiam o salário de referência, cerca de 40% do salário médio mensal auferidos nos sectores da indústria e dos serviços. Um português auferia 470 euros a titulo de salário mínimo, enquanto um assalariado espanhol embolsava 666 euros. O cidadão vizinho ganha mais 30%, mas quando convertido em Paridades de Poder de Compra significa um ganho de 25%. Assim, 470 euros, "rendem", na realidade, 546 euros, enquanto para os espanhóis os 666 euros significam 725 euros, tendo em conta o mesmo cabaz de produtos, definido pelos critérios da Comissão Europeia.

Mais distantes, em termos de rendimentos, estão os luxemburgueses ou os franceses. O pequeno Luxemburgo acaba mesmo por ser o paraíso de quem ganha apenas o salário de referência. Cerca de 1503 euros (em PPC) em 2007 e, importante, um ganho real de 13,7% desde 2004. Pouco mais de 16% dos assalariados franceses auferiam um mínimo legal de 1254 euros - a França é o país da União Europeia com mais trabalhadores nesta situação - o que em PPC representam 1150 euros. Ainda assim um pouco menos do dobro do auferido por um português.

DN, 19-6-2007
 
Desempregados baixam 59,5 mil num ano

RUDOLFO REBÊLO

Em apenas um ano o número de de-sempregados inscritos nos centros de emprego diminuiu 59,5 mil, uma redução de 13%, de acordo com os dados ontem divulgados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional. O IEFP não justifica as causas de redução do desemprego registado, mas no final de Maio existiam pouco mais de 397 mil referenciados nos ficheiros como estando sem trabalho, o nível mais baixo desde 2004.

Até ao fim de Maio, os pedidos de emprego somaram os 477 mil, um número próximo de desempregados indicados pelo INE. Cerca de 42% dos inscritos no IEFP estão sem trabalho há mais de um ano, o que os coloca na situação de "desempregados de longa duração". Entre Abril e Maio último, o número de desempregados que deixou de estar em condições de receber subsídios de desempregos - por diversos motivos - ascendeu a cerca de 23 mil, um decrés- cimo mensal de 5,5%.

O que se sabe é que nem todos os trabalhadores que saíram dos ficheiros "conseguiram" um emprego. Basta dizer que da parte das empresas e instituições o IEFP recepcionou 11,7 mil ofertas de emprego em Maio, mais 0,6% em relação ao mesmo mês do ano passado e 27,3% em comparação com Abril deste ano.

No mesmo mês, as colocações de desempregados, através do IEFP, totalizaram as 6074, uma queda de 3,2% quando comparada com Maio do ano passado. Mas, em termos acumulados, "as ofertas de emprego que ficaram por satisfazer" somavam as 14,7 mil. Os dados estatísticos referem que as colocações "incidiram sobretudo", diz o instituto, em serviços de protecção e segurança, e foram pedidos "trabalhadores não qualificados dos serviços e comércio". Construção civil, minas e indústria transformadora estão, igualmente, na fila da frente dos pedidos. "Empregados de escritório, manequins, vendedores e demonstradores" são outras classes.

Ao longo do último mês, foram formulados 45,6 mil novos pedidos de emprego, uma média diária de 1,5 mil pedidos. O fim do "trabalho permanente" é, à semelhança dos últimos meses, o principal motivo para a inscrição de desempregados, representando 32,3% dos que recorrem aos centros de emprego.

Qual o retrato-robô do típico desempregado registado no IEFP? Como candidatos a novo emprego, um pouco mais de um terço dos inscritos possuem apenas o primeiro ciclo do ensino básico. Cerca de 58% provêm do sector dos serviços e 38,1% da actividade industrial e apenas 3,6% do sector agrícola.

DN, 23-6-2007
 
Poder de compra de portugueses
muito abaixo da média europeia

De acordo com o Eurostat, o poder de compra dos
portugueses está 25% abaixo da média da UE. Os dados têm
por base as estimativas preliminares para 2006, tendo em
conta o PIB por habitante.
Portugal está em décimo segundo lugar na lista de países
com o poder de compra mais baixo, com valores inferiores
aos da Grécia, Eslovénia, República Checa e Malta. Com o
pior poder de compra surge a Bulgária, e no extremo oposto
está o Luxemburgo.
Entretanto, os mesmos cálculos preliminares, avançados hoje
pelo Gabinete de Estatística da União Europeia, apontam
para que a inflação em Junho se mantenha estável, nos 1,9%
pelo quarto mês consecutivo.
Os valores definitivos para a inflação nos treze países do Euro
serão conhecidos no dia 16 de Julho.

RRP1, 29-6-2007
 
Grandes fortunas nacionais valem 34 mil milhões

As grandes fortunas portuguesas cresceram 35,8% este ano face a 2006, um aumento influenciado pelas movimentações e investimentos na bolsa portuguesa, segundo um ranking da revista Exame. As 100 maiores grandes fortunas de Portugal valem, este ano, 34 mil milhões de euros, um valor que equivale a 22,1% do produto interno bruto (PIB) português (a preços correntes) e que supera os cerca de 25 mil milhões registados em 2006.

Este crescimento é, em parte, justificado pelo desempenho do PSI 20, segundo refere a revista económica. Depois de ter subido 29,9% em 2006, o principal índice da bolsa portuguesa cresceu, nos primeiros seis meses deste ano, 18,8%. Um cenário de euforia que influenciou tanto a riqueza dos milionários já "habituais" desta lista, mas também as novas fortunas

Belmiro de Azevedo, o dono da Sonae, continua a ser o homem mais rico de Portugal, tendo duplicado este ano a sua fortuna de 1779,5 milhões de euros para 2989,3 milhões de euros. Em segundo lugar surge Américo Amorim, com 2784,4 milhões, contra os 1542,33 milhões de euros que tinha em 2006.

José Manuel de Mello e Horácio Roque mantém-se em terceiro e quatro lugares, respectivamente, com fortunas avaliadas em 2197,6 milhões de euros e 1047 milhões de euros. Um dos principais destaques é a subida de Joe Berardo, da nona para a quinta posição, fixando a sua fortuna nos 890,1 milhões de euros. O empresário madeirense ganhou protagonismo com a intervenção na Portugal Telecom, a OPA sobre o Benfica e, mais recentemente, com a guerra de poder no BCP onde passou a ser um dos maiores accionistas.

Entre os novos ricos, estão os irmãos Carlos e Jorge Martins da Martifer, empresa que entrou na bolsa este ano, a família Rocha dos Santos Vasconcellos, ligada à Ongoing que é accionista da Portugal Telecom e BCP, a família Botton, dona da Logoplaste, e o presidente do Benfica. Luís Filipe Vieira está em 75.º lugar com 149 milhões de euros.

LUSA e AMIN CHAAR

DN, 15-8-2007
 
Complemento solidário pago a 50 mil idosos

MANUEL ESTEVES

Cerca de 30 mil pessoas com idades compreendidas entre os 70 e os 80 anos passaram este ano a receber o Complemento Solidário para Idosos (CSI) este ano. Os números foram avançados pelo ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, em entrevista ao DN, publicada na edição de domingo passado.

Estes 30 mil juntam-se aos 20 mil idosos com mais de 80 anos que começaram a receber a prestação ainda em 2006, elevando para 50 mil o número total de beneficiários desta nova prestação, que foi apresentada como a grande bandeira social de José Sócrates, enquanto candidato do PS a primeiro-ministro, no início de 2005.

O apoio médio transferido pela Segurança Social ronda os 75 euros, o que representa um acréscimo superior a 20% do rendimento médio destes idosos. O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social considera que este valor "é muito relevante do ponto de vista da diminuição da pobreza".

Recusados 25% dos pedidos

No início deste ano, o limite etário do CSI desceu de 80 para 70 anos, o que levou a Segurança Social a enviar cerca de 400 mil cartas a reformados cujas pensões auferidas se situavam abaixo dos 361,6 euros mensais (ou 309 euros por cada um dos 14 meses). Segundo adiantou Vieira da Silva ao DN, a taxa de indeferimento anda na casa dos 25%, o que significa que daquele universo de 400 mil, cerca de 100 mil não terão cumprido os requisitos necessários, ficando de fora da prestação social.

Mas o que aconteceu com os restantes 270 mil idosos que receberam cartas da Segurança Social em casa porque, aparentemente, reuniam as condições necessárias para aceder ao CSI? Uma grande parte tem rendimentos efectivamente superiores a 361,6 euros mensais (condição imprescindível para receber o apoio social), na maioria dos casos proveniente de sistemas de protecção social de outros países (ex-emigrantes) explicou o ministro ao DN. "É o caso de grande parte dos reformados com pensões [nacionais] muito baixas", que tiveram uma carreira contributiva muito reduzida e por isso recebem reformas tão pequenas.

Por outro lado, muitos dos reformados que têm pensões inferiores a 309 euros beneficiam de outros rendimentos que são tidos em conta, desde os prediais, aos de capitais, passando ainda por contas bancárias.

"Subaproveitado" em 40%

Ainda assim, o ministro admite que este apoio do Estado pode estar a ser subaproveitado. Ou seja, através das apertadas condições de recursos (financeiros), o Ministério do Trabalho terá conseguido evitar os desperdícios, ou seja, que a prestação fosse atribuída a quem não precisava dela.

"Este tipo de medidas sujeitas a condição de recursos tem dois riscos fundamentais: um é terem acesso à medida pessoas que não cumprem as condições e que não têm efectiva necessidade dela. O outro é o de nem todos conseguirem aceder à prestação por problemas de gestão da informação. Acho que evitámos o primeiro risco, mas o segundo tem de ser melhorado", explicou Vieira da Silva.

Estudos do Ministério realizados em alguns distritos apontam para uma taxa de subaproveitamento de 40%. Ou seja, quatro em cada 10 idosos que receberam as cartas em casa não só não solicitaram o apoio à Segurança Social como demonstraram não o conhecer. Perante isto, a Segurança Social está a preparar uma "campanha promocional" do CSI, que vai muito além dos habituais suportes publicitários nos centros de atendimento, insistindo-se no contacto directo com os beneficiários.

90 milhões disponíveis

O alargamento do universo de beneficiário do Complemento Solidário para Idosos obrigou a um natural reforço da dotação orçamental. Para este ano, o Ministério colocou de parte 90 milhões de euros, quase o triplo do que foi gasto no ano anterior. Porém, é expectável que aquele montante não venha a ser utilizado integralmente, dado o reduzido número de beneficiários.

Sem ser irrisório, o peso desta prestação no orçamento da Segurança Social não deixa de ser reduzido quando comparado, por exemplo, com o Rendimento Social de Inserção, o qual deverá implicar gastos de 335 milhões de euros só durante este ano.

DN, 22-8-2007
 
8 perguntas a José Vieira da Silva (MINISTRO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL): "O CSI é muito eficaz na redução da pobreza"

O Complemento Solidário para Idosos (CSI) chegou a menos gente do que o Governo esperava. Há menos pobres do que pensava ou a prestação não está a ser eficaz?

Eu gostaria de deixar a resposta a essa questão para quando completarmos a cobertura de todo o universo previsto [maiores de 65 anos e por enquanto só têm direito os idosos com mais de 70 anos]. Nós neste momento temos cerca de 50 mil.

Mas o que falhou?

Há várias razões. No primeiro ano, nós trabalhámos fundamentalmente com escalões etários mais avançados em que o acesso à informação e a disponibilidade para se candidatarem a uma nova prestação social não é tão alta como nos outros escalões etários. Por outro lado, os estudos que temos feito da aplicação da medida mostram que no nosso universo potencial [reformados com menos 361,6 euros por mês] existe uma percentagem significativa de pessoas que tem acesso a outros rendimentos que vão além da pensão. Mas os estudos mostram também que temos de fazer mais para a divulgação da medida.

Mas o que se pode fazer mais? Inicialmente, até disse que a Segurança Social iria ter com as pessoas...

E isso aconteceu, mas não é fácil chegar a todos. Estamos aqui num domínio próximo da acção social...

Não haverá falta de recursos humanos para uma medida deste tipo?

Os recursos são sempre inferiores aos que gostaríamos de ter. Não tenho todos os meios que gostaria, mas é um objectivo prioritário e, por isso, temos de o cumprir.

Por ventura, a medida tem pouca eficácia por não ser exequível?

Não diria que é pouco eficaz. Já existem 50 mil beneficiários, que têm um acréscimo médio de rendimento significativo, superior a 20%, à volta do 75 euros. E isso é do ponto de vista da diminuição de pobreza muito relevante.

Qual é o nível de falha no universo dos potenciais candidatos?

Próximo de 40%. Este tipo de medidas sujeitas a condição de recursos tem dois riscos fundamentais: um é terem acesso à medida pessoas que não cumprem as condições e que não têm necessidade dela. O outro é o de nem todos conseguirem aceder à prestação por problemas de informação. Evitámos o primeiro risco, mas o segundo tem de ser melhorado. Há uma margem de melhoria significativa na abrangência da medida e antes do final do ano vamos lançar uma campanha e depois instrumentos de promoção. Além da divulgação nos centros distritais, temos utilizado principalmente o contacto por escrito.

Mas o que significa esse subaproveitamento de 40%?

Nos estudos que fizemos detectámos no universo de potenciais beneficiários essa percentagem que não tinha informação sobre a prestação e que não a solicitou. Não estou a dizer que esses 40% teriam necessariamente direito à prestação. Em teoria, podiam recebê-la porque cumprem os requisitos de acordo com as pensões que recebem, mas não a solicitaram e demonstraram não a conhecer.

Este ano enviaram 400 mil cartas a idosos. Quantos concorreram e acederam à prestação?

Esses 400 mil eram potenciais beneficiários no sentido em que tinham pensões pagas pelo sistema nacional inferiores a 300 euros. Acontece que muitos acumulam pensões de outros países. Este ano entraram cerca de 30 mil e a taxa de indeferimento ronda os 25%.

DN, 22-8-2007
 
Salários mais altos triplicam os menores

MANUEL ESTEVES

Os 10% de trabalhadores por conta de outrem mais bem pagos em Portugal têm salários líquidos que triplicam os dos 10% mais mal pagos. O diferencial não é novo e tem-se mantido estável desde, pelo menos, 1998, o que sugere que a desigualdade salarial no mundo do trabalho não se agravou nos últimos oito anos.

Os números constam de um estudo de Sónia Torres, integrado no último Inquérito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE), publicado há cerca de uma semana. Destes dados não se deve concluir que a desigualdade não tem aumentado em Portugal pois os números referem-se exclusivamente aos salários auferidos no trabalho por conta de outrem, pelo que deixam de fora não só as retribuições do trabalho independente, como outras importantes formas de remuneração (de capitais, de propriedades, juros, entre outras).

Se estas formas de remuneração forem tidas em conta, os resultados são bem mais preocupantes. conforme revelam os dados mais recentes do Eurostat. Aí, não só o diferencial entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres passa para 8,2 vezes, como a tendência é de agravamento.

O contraste entre os dois indicadores aponta para que o aprofundamento do fosso entre ricos e pobres se tem feito sobretudo por via de outros rendimentos que não os de trabalho. Ou seja, o povo parece ter razão quando diz que não é a trabalhar (pelo menos para outros) que se enriquece.

Pouco para ser rico

Em termos salariais, é preciso pouco para se ser rico, ou seja, para se estar incluído nos 10% mais bem pagos. É que cabem nesse décimo da população residente em Portugal todos os que recebem salários líquidos mensais superiores a 1 224 euros (245 contos em moeda antiga). No extremo oposto, está o décimo da população que recebe do seu patrão menos de 380 euros mensais líquidos. Dividindo o primeiro valor pelo segundo, obtém-se as tais 3,2 vezes, que quantificam a desigualdade de rendimentos entre os assalariados mais e menos bem pagos.

Desigualdade suspensa

Em termos de desigualdade salarial, Portugal parece não ter mudado nos últimos oito anos. Em 1998, aquela diferença era de 3,3 vezes e depois de um período de queda continuada até 3 vezes em 2002, a tendência voltou a inverter-se.

A comparação entre os 10% mais ricos e os que auferem salários medianos também quase não mudou. Houve uma quebra nos últimos anos da década de 90 até 2002, mas depois voltou a subir. A mesma conclusão se retira quando se compara o ordenado líquido mediano com os 10% mais pobres, o que significa que a classe média que trabalha para terceiros não está nem mais pobre nem mais rica.

Norte paga pior

É na Região Norte de Portugal continental onde os salários mais baixos têm um peso maior e a tendência é decrescente à medida que se vai para o Sul. Segundo os dados do INE, 4,9% das pessoas que trabalham para terceiros ganham menos do 310 euros. Esta percentagem desce para 4,1% no centro, 3,1% em Lisboa, 3% no Alentejo e 2,4% no Algarve.

Em todas as regiões, exceptuando Lisboa e Vale do Tejo, é no escalão entre os 310 e 600 euros que se encontra a maioria dos trabalhadores por conta de outrem. No Norte, são mais de metade (53%), o dobro da percentagem em Lisboa (25). No Centro, Alentejo e Algarve, este escalão remuneratório abrange 44,5%, 46,2% e 38,5%.

É por haver tanta gente nos escalões remuneratórios inferiores que o vencimento líquido mediano se afasta tanto do médio. O valor médio é de 712 euros, mas o mediano, que leva em conta a distribuição das pessoas pelos vários escalões, é de apenas 560 euros. Ou seja, metade dos portugueses ganha até 560 euros.

DN, 26-8-2007
 
Portugal tem
dois milhões de pobres

Dois milhões de portugueses – cerca de um quinto da
população - encontrava-se em situação de risco de pobreza
em 2005.
Os dados são do Instituto Nacional de Estatística (INE) e mostram,
ainda, que, neste ano, 19% dos portugueses vivia com
360 euros por mês ou ainda menos.
Os cidadãos com 65 anos ou mais apresentavam uma taxa de
risco de pobreza de 28%, seguidos dos menores de 16 anos
com 23%.
A população entre os 25 e os 49 anos é a que apresentava a
mais baixa taxa de risco de pobreza: 15%.
Por agregado familiar, o risco de pobreza mais elevado – 42
por cento – referia-se a idosos que viviam sós e a mesma taxa
aplicava-se a casais com três ou mais crianças.
A taxa de risco mais baixa era para os agregados familiares
de dois adultos sem crianças.
Em 2005 Portugal apresentava, segundo os dados disponíveis
da União a 15, uma taxa de risco de pobreza só superada por
Espanha, Grécia e Irlanda, mas igual à da Itália.
Os dados do INE explicam ainda que em Portugal, e caso não
fossem contabilizadas as várias ajudas sociais, em 2005, 41%
da população estaria em risco de pobreza.

RRP1, 16-10-2007
 
Pobres, outra vez!

Um salário mínimo de 426 euros é pouco. Muito pouco.
Continua abaixo da linha de pobreza relativa que grosso
modo corresponde a cerca de metade do salário médio.
Mas, porque a média não é uma boa medida, a Carta
Social Europeia recomenda que o salário mínimo não se
fique aquém de 60 por cento do salário “ mediano” (um
valor mais próximo do obtido por metade dos trabalhadores …).
Este ano não se cumpria a recomendação. O salário mínimo
ficou, ainda, meia dúzia de euros abaixo da fasquia
europeia. Com o novo aumento, talvez cheguemos lá! É
um primeiro passo.
Mesmo os parcos 426 euros, agora fixados, implicam um
aumento de vinte e três euros. Mais 5,7%, ou seja, mais do
dobro da inflação esperada.
É muito! Protestam os empresários.
O “possível”. Reconhecem os sindicatos.
O maior aumento da década! Reclama o Governo.
E quem consegue viver com tão pouco? Pelo menos 250
mil! Os que fazem a inveja aos outros 444 mil em situação
muito pior: no desemprego!
A realidade é triste. Estamos de regresso à velha condição
de país pobre. Com muitos de nós, como há 40 anos, de
malas aviadas. Prontos para alimentar a nova escravatura
da próspera Holanda, onde o salário mínimo é mais do
dobro do nacional.
De regresso ao Luxemburgo, onde as autoridades não
sabem como combater o insucesso escolar dos portugueses,
filhos de emigrantes, que vão chegando, em levas
sucessivas, a meio do ano escolar. Candidatos ao salário
mínimo que é quase o triplo do nosso!

Graça Franco

RRP1, 19-12-2007
 
Taxa de risco baixou

A taxa de risco de pobreza em Portugal diminuiu em
2006, face ao ano anterior, situando-se nos 18%, de acordo
com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em
2006, indica que 18% dos indivíduos residentes em Portugal
se encontravam em risco de pobreza, o que reflecte uma
redução face aos dois anos anteriores.
A taxa de pobreza situou-se nos 19%, em 2005, e nos 20%, em
2004.
A taxa de risco de pobreza corresponde à proporção de habitantes
com rendimentos anuais por adulto equivalentes ou
inferiores a 4.386 euros no ano anterior (cerca de 366 euros
por mês).
A distribuição caracteriza-se por uma acentuada desigualdade,
tendo em conta que o rendimento dos 20% da população
com maior provento era 6,8 vezes o ganho dos 20% da população
com menor receita (6,9 nos dois anos anteriores).

RRP1, 15-1-2008
 
Lisboa e a “paisagem”

Graça Franco

Não somos um. Somos vários países diferentes. Tão diferentes
que o retrato do conjunto - traçado esta semana
pelo INE - assusta.
Uma frágil área litoral, com indicadores de progresso
razoável, e uma fatia cada vez mais larga de um país
pobre, desértico, desinformado e anémico.
Um país em que os índices da capital se afastam do conjunto
tanto ou mais quanto Portugal se afasta do resto da
média Europeia. Onde a região da Grande Lisboa domina
na sua aparente prosperidade. Com uma riqueza per capita
67% superior à média (três vezes superior à do Tâmega!),
responsável, já em 2004, pela criação de quase 40%
da riqueza total. Lugar de destino de boa parte dos quadros.
Em média, só 14% da nossa população activa completou o
ensino superior, mas em Lisboa a percentagem sobe para
quase um quarto, enquanto nos Açores não chega aos dez.
Há municípios, como a Amadora, com 7 mil habitantes por
quilómetro quadrado, ou seja, 60 vezes mais do que a
média nacional. Quando em Alcoutim ou Mértola não chega
à meia dúzia o número de habitantes por quilómetro.
Eis a verdade da desertificação: em mais de metade dos
municípios a população reduziu-se em 2006. Em quase
70%, a diferença entre nascimentos e óbitos foi negativa.
Em Lisboa, em municípios como Sesimbra e Alcochete, a
população disparou mais de 4%. Local de destino de parte
da população que continua em fuga do Alentejo e do Norte
Interior...
Centrado em Lisboa o poder vive cada vez mais longe do “
país real”.

RRP1, 16-1-2008
 
A realidade para além das estatísticas

Portugal é um dos países da União Europeia com maiores desigualdades e em que a pobreza está a aumentar.
Desemprego e pobreza andam quase sempre de mãos dadas, mas ter trabalho nem sempre significa fugir a privações.
Oficialmente, a taxa de pobreza em Portugal desceu de 20% para 18% entre 2004 e 2006, mas a realidade distorce as estatísticas.
A vergonha esconde falhas em bens essenciais que só podem ser adquiridos depois de pagas as despesas fixas com casa, água, luz ou empréstimos. Quando é possível pagá-las.
O endividamento familiar cresce assim como o número daqueles que procuram ajuda nas instituições de solidariedade social. Entre os pobres, estão muitos empregados: há
quem fale em 35%-40%. Em 2005, 10% dos activos recebiam menos do que os 337 euros do salário mínimo da altura. Agora que o valor da remuneração mínima cresceu, a mancha que pode rondar os 20%.
A taxa oficial de desemprego é de 8%, mas a real, segundo o INE é de 10,5% - 0,2% acima da de 2006.
Mulheres jovens sãos dos mais afectados pelo desemprego.
Nos centros de emprego estão cerca de 400 mil desempregados inscritos, mas os que não têm trabalho ultrapassam o meio milhão.
Tanto na precariedade como no desemprego, mulheres, maiores de 50 e jovens são os mais atingidos. Os mais velhos dificilmente voltam ao mercado e os licenciados sem emprego são mais de 50 mil. Quase outros tantos têm empregos sem qualificação, a ganhar o salário mínimo ou menos. Mais de 36 mil têm um trabalho de baixa qualificação.
Os números que confirmam esta realidade são os beneficiários
do Rendimento Social de Inserção. Em Janeiro, eram 40% do total de 313 mil beneficiários. Pertencem muitas famílias que recebem uma das prestações de combate à pobreza.

RRP1, 3-3-2008
 
OS MIÚDOS COM FOME

Baptista-Bastos
escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

Relatórios internacionais dizem que temos fartura de tudo: de miséria, de desespero, de desemprego, de resignação, de mentiras; e falta do que confere a uma pátria a fisionomia moral, cultural, cívica, social e política. O retrato perturba. Perturba quem? As camadas da população mais sovadas: eu, tu, nós. Eles, vós, os outros, pertencem à lista que reivindica uma outra forma de viver: na abastança obscena, causadora da mais excruciante das desigualdades. Ainda há horas, recebi, mensagem electrónica, o rol de alguns privilegiados, cujos ordenados, mordomias, pensões, subsídios, indemnizações pertencem à etimologia da pouca-vergonha. E o DN de anteontem adicionou, ao infortúnio do viver português, a desgraça de que um quinto dos nossos miúdos está em risco de pobreza. A saber: a miséria nunca toca duas vezes.

O desemprego: origem de todos os males. E o emprego está sempre em risco. Mesmo trabalhando, milhares de pessoas sobrevivem na faixa da pobreza. O eterno divórcio entre política e moral, e entre História e ética não justifica a reprodução, multiplicada, dos privilégios. Estes valores dominantes, sustentados por partidos ditos de "esquerda", estão a criar o favorecimento da sua própria relegação. Quando a Sedes, sempre com atrasos históricos consideráveis, alerta para os perigos de uma grave cisão social, com eventuais convulsões de rua, reabilita, toscamente, o que Ortega y Gasset chamou "a rebelião das massas".

O pensamento sistemático da "globalização" não conseguiu sistematizar o mundo; e o monotema do "socialismo moderno", com Tony Blair na batuta e Guterres e Sócrates na flauta, foi a metáfora de um capitalismo desprovido (como, aliás, lhe compete) de emoção humana. O capitalismo nunca anunciou a felicidade na Terra, enquanto o "socialismo moderno", e seus habilidosos e loquazes tribunos, prometeram tudo e mais alguma coisa

As duas páginas que o DN consagrou à pobreza atingem-nos como uma afronta. Mas é importante que jornais importantes persistam em falar na importância da infâmia. A denúncia da atroz realidade não constitui um ressentimento sem motivo nem um ódio monográfico aos grandes privilégios, embora Balzac tivesse escrito que todas as fortunas assentam num crime - e quem sou eu para desdizer Balzac?

As convulsões sociais que se pressagiam vão carecer de mediadores capazes de compreender o que está em jogo. Assim como de reavaliar os conceitos de "exploração" e de "alienação", que permitem explicar, de uma outra maneira "política", o País onde vivemos. Este país, dirigido por uma gente improvisada e insensível, a tal ponto, que empurra dois milhões de miúdos para a faixa da pobreza. Eufemismo que quer dizer: têm fome.

DN, 27-2-2008
 
A inflação e o rigor estatístico

Se há coisa desde já certa neste ano de 2008 é que a inflação anual não vai ser de 2,1%, como o Governo previa, nem nada que se pareça. Segundo a Comissão Europeia, a subida dos preços no consumo da Zona Euro atingirá 3,2%. Mesmo que os nossos valores continuem a ficar quatro a cinco décimas abaixo desta previsão, o ano fechará com uma inflação meio ponto percentual acima do esperado. O impacto social desta realidade, nova e surpreendente pela amplitude das subidas no sector alimentar, agrava em particular o nível de vida dos mais pobres, cujo cabaz de compras se baseia em produtos que subiram mais de 10%.

Ou seja, o imposto inflacionário está aí, de volta, escondido em milhões de pequenas transacções diárias, minando a bolsa das famílias mais necessitadas. Em particular, a dos idosos que viram as suas magras pensões actualizadas em 2,4% à luz das novas fórmulas de cálculo da Segurança Social. Estas regras ligam a despesa do Estado com pensões ao desempenho real da economia. Trata-se de um modo de evitar o ciclo do bodo aos pobres em véspera de eleições, logo seguido de quebras reais correctivas depois de encaixados os votos.

Só que o INE tem vindo a corrigir em definitivo o crescimento real da economia portuguesa, ano após ano, e sempre no sentido da subida do produto. As correcções chegam a atingir os 0,4 pontos percentuais a mais, como em 2005: em vez dos repetidamente citados 0,5%, afinal o PIB cresceu 0,9%! Ora, basta que o PIB em 2007 acabe por ter sido superior aos 1,9% estimados para que a grande maioria das pensões, segundo a tal fórmula, devesse ter um aumento de +0,5%. O suficiente para responder melhor às tensões inflacionistas sentidas na carteira. Vai o Governo esperar dois anos para constatar, fora de tempo, o que devia ter feito em 2008? Ou arrisca corrigir já uma distorsão estatística que penaliza injustamente o poder de compra de boa parte da população?

DN, 29-4-2008
 
Famílias pessimistas dizem que não conseguem poupar dinheiro

O estado anímico das famílias atingiu o ponto mais baixo de sempre. Nos próximos 12 meses, comprar um carro ou mesmo uma casa pode passar à categoria de "sonho", algo que era próprio das décadas de 60 a 80 do século passado...

Os empréstimos contraídos na banca para a compra de casa estão a cair e as queixas são muitas. Os salários estão a crescer abaixo da inflação, o desemprego não descola dos 8% da população com idade de trabalhar e os dados referentes ao consumo (compras de bens alimentares e duradouros, como electrodomésticos) "dizem" que os portugueses contraíram os gastos em Março deste ano em comparação com o mesmo mês de 2007.

Ainda esta semana a Comissão Europeia dava conta de que as famílias portuguesas são das mais pessimistas da Europa do euro. É que, relatam, a sua situação financeira doméstica atingiu o "chão" e para as estatísticas confessam que não têm grandes esperanças em proceder a poupanças durante os próximos meses.

Pelo terceiro ano consecutivo, diz a Comissão Europeia, o poder de compra dos portugueses vai cair em 2008 (os salários reais, descontada a inflação, deverão cair 0,2%). Para piorar, os preços de bens essenciais, como o pão ou a carne de vaca, subiram na ordem dos dois dígitos nos últimos cinco anos. Por exemplo, entre princípios de 2007 e Março deste ano, o leite de vaca subiu 15,1%.

Não é só a inflação que está a corroer os salários. As taxas de juro sobem desde meados de 2006, penalizando os titulares de empréstimos à habitação e para consumo em algumas dezenas de euros.

Em que é que os portugueses gastam o dinheiro? Em média mensal, já "limpos" de impostos, os salários e rendimentos (de rendas de habitação e juros de aplicações financeiras) dos portugueses chegava aos 1845 euros (dados de 2006). Em 2006, os dados estatísticos afirmam que 80% deste montante era consumido na compra de bens e serviços. Entre estes, para além da conta com a mercearia, figuram as facturas com os telemóveis ou viagens.

Os gastos com a mesa doméstica "comiam" cerca de 15,5% dos salários mensais. Os transportes, pessoais e colectivos, esvaziavam 12,9% da carteira enquanto as despesas com a casa (manutenção, água, electricidade, gás e seguros, e prestação bancária) absorviam 26,6% dos ordenados. Aliás, as famílias estão a gastar mais com a habitação. Em 1990, as despesas domésticas apropriavam apenas 19% das receitas mensais das famílias.

Ou seja, de acordo com dados estatísticos (inquéritos às despesas das famílias), os encargos médios anuais dos portugueses - o que inclui despesas com a alimentação, saúde, educação) rondam os 17,6 mil euros. Os lisboetas e algarvios são os "mais gastadores", enquanto os alentejanos (que ganham apenas 60% da média nacional) são os mais poupados.

DN, 2-5-2008
 
E DESIGUALDADES

Mário Soares

Não posso dizer que tenha ficado surpreendido com o Relatório da União Europeia (Eurostat) e o trabalho, coordenado pelo Prof. Alfredo Bruto da Costa, do Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS), intitulado "Um olhar para a pobreza em Portugal", divulgados há dias, que coincidem em alertar para o facto de a "pobreza e as desigualdades sociais se estarem a agravar em Portugal". Surpreendido não fiquei. Mas chocado e entristecido, isso sim, por Portugal aparecer na cauda dos 25 países europeus - a Roménia e a Bulgária ainda não fazem parte da lista - nos índices dos diferentes países, quanto à pobreza e às desigualdades sociais e, sobretudo, quanto à insuficiência das políticas em curso para as combater.

Recentemente, cerca de 20 mil cidadãos portugueses, impulsionados pela Comissão Justiça e Paz, dirigiram à Assembleia da República um apelo aos legisladores para aprovarem uma Lei que considere a pobreza uma violação dos Direitos Humanos. Foi uma manifestação de consciência cívica e de justa preocupação moral - que partilho - quanto à pobreza crescente na sociedade portuguesa. E acrescento: a revolta quanto às escandalosas desigualdades sociais, que igualmente crescem, fazendo de Portugal, trinta e quatro anos depois da generosa Revolução dos Cravos, o país da União Europeia socialmente mais desigual e injusto, ombreando, à sua escala, naturalmente, com a América de Bush... Ora, a pobreza e a riqueza (ostensiva e muitas vezes inexplicável) são o verso e o reverso da mesma moeda e o espelho de uma sociedade a caminho de graves convulsões. Atenção, portanto.

Eu sei que o mal-estar social e as dificuldades relativas ao custo de vida que, hoje, gravemente afectam os pobres, mas também a classe média - e se tornaram, subitamente, muito visíveis, por força da comunicação social - vêm de fora e têm, evidentemente, causas externas. Entre outras: o aumento do preço do petróleo, que acaba de atingir 135 dólares o barril; a queda do dólar, moeda, até agora de referência; o subprime ou crédito malparado, em especial concedido à habitação (a bolha imobiliária); a falência inesperada de grandes bancos internacionais e as escandalosas remunerações que se atribuem os gestores e administradores; o aumento insólito do preço dos géneros alimentares de primeira necessidade (cereais, arroz, carne, peixe, frutas, legumes, leite, ovos, etc.); a desordem geostratégica internacional (com as guerras do Afeganistão, do Iraque e do Líbano, a instabilidade do Paquistão, o eterno conflito israelo-palestiniano e as guerras em África); o desequilíbrio ambiental que, a não ser de imediato corrigido, põe o Planeta em grande risco; a agressiva concorrência dos países emergentes, que antes não contavam; etc...

Tudo isto configura uma situação de crise profundíssima a que a globalização neoliberal conduziu o Mundo, como tantas vezes disse e escrevi. Uma crise financeira, em primeiro lugar, na América, que está a alargar-se à União Europeia, podendo vir a transformar-se, suponho, numa crise global deste "capitalismo do desastre", pior do que a de 1929. Uma crise também de civilização que está a obrigar-nos a mudar de paradigma, tendo em conta os países emergentes, e os seus problemas internos específicos, uma vez que o Ocidente está a deixar de ser o centro do mundo. Não alimentemos ilusões.

Claro que com o mal dos outros - como é costume dizer--se - podemos nós bem. É uma velha frase que hoje deixou, em muitos casos, de fazer sentido. Vivemos num só Mundo em que tudo se repercute e interage sobre tudo.

No entanto, no nosso canto europeu, deveremos fazer tudo o que pudermos, numa estratégia concertada e eficaz, para combater a pobreza - há muito a fazer, se houver vontade política para tanto - e também para reduzir drasticamente as desigualdades sociais. Até porque, como têm estado a demonstrar os países nórdicos - a Suécia, a Dinamarca, a Finlândia - as políticas sociais sérias estimulam o crescimento, contribuem para aumentar a produção e favorecem novos investimentos. Este é o objectivo geostratégico para o qual deveremos caminhar, se quisermos evitar convulsões e conflitos.

Depois de duas décadas de neoliberalismo, puro e duro - tão do agrado de tantos que se dizem socialistas, como desgraçadamente Blair - uma boa parte da Esquerda dita moderada e europeia parece não ter ainda compreendido que o neoliberalismo está esgotado e prestes a ser enterrado, na própria América, após as próximas eleições presidenciais. A globalização tem de ser, aliás, seriamente regulada, bem como o mercado, que deve passar a respeitar regras éticas, sociais e ambientais.

Em Portugal, permito-me sugerir ao PS - e aos seus responsáveis - que têm de fazer uma reflexão profunda sobre as questões que hoje nos afligem mais: a pobreza; as desigualdades sociais; o descontentamento das classes médias; e as questões prioritárias, com elas relacionadas, como: a saúde, a educação, o desemprego, a previdência social, o trabalho. Essas são questões verdadeiramente prioritárias, sobre as quais importa actuar com políticas eficazes, urgentes e bem compreensíveis para as populações. Ainda durante este ano crítico de 2008 e no seguinte, se não quiserem pôr em causa tudo o que fizeram, e bem, indiscutivelmente, para reduzir o deficit das contas públicas e tentar modernizar a sociedade. Urge, igualmente, fortalecer o Estado, para os tempos que aí vêm, e não entregar a riqueza aos privados. Não serão, seguramente, eles que irão lutar, seriamente, contra a pobreza e reduzir drasticamente as desigualdades.

Já uma vez, nestes últimos anos, escrevi e agora repito: "Quem vos avisa vosso amigo é." Há que avançar rapidamente - e com acerto - na resolução destas questões essenciais, que tanto afectam a maioria dos portugueses. Se o não fizerem, o PCP e o Bloco de Esquerda - e os seus lideres - continuarão a subir nas sondagens. Inevitavelmente. É o voto de protesto, que tanta falta fará ao PS em tempo de eleições. E mais sintomático ainda: no debate televisivo da SIC que fizeram os quatro candidatos a Presidentes do PPD/PSD, pelo menos dois deles só falaram nas desigualdades sociais e na pobreza, que importa combater eficazmente. Poderá isso relevar - dirão alguns - da pura demagogia. Mas é significativo. Do que sentem os portugueses. Não lhes parece?...

DN, 27-5-2008
 
O bom conselho de Soares a Sócrates

Num país como o nosso em que um milhão de pessoas sobrevive com menos de dez euros por dia, é indispensável escutar vozes como a de Mário Soares, que num lúcido artigo, publicado na edição de ontem do DN, apelou ao Governo PS para não ignorar o agudizar das desigualdades sociais.

O pai da democracia portuguesa emprestou o peso das suas palavras a uma causa justa, pois a crise lavra num tecido social debilitado. No 1.º trimestre, 137 mil portugueses confessaram a sua impotência e desistiram de continuar a procurar emprego, um abandono que maquilha as estatísticas do desemprego (passam do contingente de desempregados para o de "inactivos"), mas aumenta as manchas de pobreza.

Numa altura em que 41% dos desempregados já não têm direito a subsídio, o primeiro-ministro fará bem em seguir o conselho do fundador do seu partido e dar a prioridade à adopção rápida de políticas de combate ao agravamento das desigualdades sociais.

Soares teve o mérito de colocar no topo da agenda política um assunto que já lá devia estar, demonstrou que um político nunca se reforma, e relembrou que Portugal não pode prescindir da sabedoria e experiência dos seus senadores.

Ao alertar para os riscos de hemorragia de votos para a esquerda, caso Sócrates persista em não dar ouvidos ao descontentamento das classes médias, Soares revela que continua a ser um homem de partido.

E ao chamar a atenção para a ênfase que os candidatos à liderança do PSD têm posto nos novos pobres e na questão social, apontou os holofotes para a obsoleta arquitectura de um sistema partidário em que as diferenças entre os dois partidos de governo não são observáveis à vista desarmada.

DN, 27-5-2008
 
O título do artigo do sr. DR. Mário Soares é bem Pobreza e desigualdades.

RJMS
 
O bom conselho de Soares a Sócrates

Num país como o nosso em que um milhão de pessoas sobrevive com menos de dez euros por dia, é indispensável escutar vozes como a de Mário Soares, que num lúcido artigo, publicado na edição de ontem do DN, apelou ao Governo PS para não ignorar o agudizar das desigualdades sociais.

O pai da democracia portuguesa emprestou o peso das suas palavras a uma causa justa, pois a crise lavra num tecido social debilitado. No 1.º trimestre, 137 mil portugueses confessaram a sua impotência e desistiram de continuar a procurar emprego, um abandono que maquilha as estatísticas do desemprego (passam do contingente de desempregados para o de "inactivos"), mas aumenta as manchas de pobreza.

Numa altura em que 41% dos desempregados já não têm direito a subsídio, o primeiro-ministro fará bem em seguir o conselho do fundador do seu partido e dar a prioridade à adopção rápida de políticas de combate ao agravamento das desigualdades sociais.

Soares teve o mérito de colocar no topo da agenda política um assunto que já lá devia estar, demonstrou que um político nunca se reforma, e relembrou que Portugal não pode prescindir da sabedoria e experiência dos seus senadores.

Ao alertar para os riscos de hemorragia de votos para a esquerda, caso Sócrates persista em não dar ouvidos ao descontentamento das classes médias, Soares revela que continua a ser um homem de partido.

E ao chamar a atenção para a ênfase que os candidatos à liderança do PSD têm posto nos novos pobres e na questão social, apontou os holofotes para a obsoleta arquitectura de um sistema partidário em que as diferenças entre os dois partidos de governo não são observáveis à vista desarmada.

DN, 28-5-2008
 
Bispo da Guarda preocupado com falta de respostas

Os investimentos não se têm traduzido na redução da
pobreza e por isso é preciso repensar as estratégias do
país para tornar efi caz o combate a esta chaga social.
A preocupação foi expressa à Renascença pelo Bispo da
Guarda, D. Manuel da Rocha Felício, na qualidade de
porta-voz dos Bispos do centro do país.
Os prelados das seis Dioceses reuniram-se para analisar
a melhor forma de tornar mais efi caz o trabalho dos
centros sociais e paroquiais no combate às novas formas
de pobreza.
“É preciso ir ao terreno, ao encontro das pessoas,
valorizar a vizinhança, descobrir as novas pobrezas e
responder-lhe caso a caso. Além de que a pobreza não
está a diminuir em Portugal”, refere o Bispo, em entrevista
ao jornalista Domingos Pinto.
O Bispo da Guarda diz que os centros sociais “paroquiais,
tal como todas as IPSS respondem a um quadro
de necessidades tipifi cado, mas há muitas necessidades,
até as mais prementes, a que temos que responder,
que não estão tipifi cadas nas valências normais”.
D. Manuel da Rocha Felício dá como exemplo os casos
de “pobreza envergonhada, de pobreza encoberta, de
solidão, de abandono… Há problemas morais, com os
quais as pessoas sofrem e que as IPSS não respondem
imediatamente. Temos que sem dúvida contar com os
centros sociais paroquiais, mas ir mais longe, ir mais
ao terreno, ir ao encontro das pessoas. Por exemplo,
valorizar a vizinhança, descobrir as novas pobrezas e
responder-lhe caso a caso. Além de que, a pobreza não
está a diminuir em Portugal”.
D. Manuel Felício diz também ser preciso ir para além
das qualifi cações técnicas das pessoas que trabalham
nas instituições da Igreja.

RRP1, 27-5-2008
 
Quase metade dos portugueses está vulnerável à pobreza

PATRÍCIA JESUS

Estudo. Entre 1995 e 2000, 47% das famílias passaram por dificuldades

Cerca de 60% das pessoas com mais de 75 anos são pobres

Entre 1995 e 2000, 47% das famílias portuguesas passaram pela pobreza, em pelo menos um dos seis anos. Quer isto dizer que cerca de metade dos agregados nacionais vivem numa situação vulnerável à pobreza. A conclusão é do estudo "Um olhar sobre a Pobreza", publicado em livro e apresentado ontem no Centro Nacional de Cultura, em Lisboa.

O coordenador da investigação, Alfredo Bruto da Costa, salientou que este indicador mostra que a pobreza em Portugal é mais extensa do que reflectem as taxas anuais, que rondam os 18%, e só apanham metade do fenómeno. Por outro lado, realçou o carácter persistente da pobreza - mais de metade das famílias que passaram dificuldades, estiveram nessa situação durante três ou mais anos, e 6,5% durante todo o período estudado. Para Alfredo Bruto da Costa, estes dados mostram que os pobres não são sempre os mesmos, mas que o fenómeno se mantém, "uma distinção fundamental para compreender a pobreza em Portugal", diz.

Pobres trabalham

Uma conclusão surpreendente deste estudo, como realçou Manuela Silva, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, é que mais de metade das famílias que passaram por situações de pobreza têm como principal fonte de rendimento o trabalho. Ou seja, conclui o estudo, a precariedade coloca os trabalhadores em situações de grande vulnerabilidade, mas os baixos salários são a principal causa de pobreza. Manuela Silva referiu mesmo a necessidade de criar um Fundo de Compensação Salarial, criado com rendimentos retirados das remunerações mais elevadas, para compensar os baixos salários. Para o ministro da Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, já existem mecanismo de redistribuição suficientes, "é necessário é que sejam mais eficazes".

Vieira da Silva salientou que os baixos salários estão ligados aos baixos níveis de qualificação. Por isso, e porque este é um dos ciclos viciosos da pobreza -"o pobre tem baixo nível de educação por ser pobre e é pobre por ter níveis baixos de escolaridade" - a qualificação é uma batalha fundamental para quebrar o ciclo.

Por outro lado, os ordenados baixos reflectem-se no valor das pensões e mais de metade dos reformados no País são pobres, diz o estudo.

Mas o grupo etário mais representado entre os pobres é o dos jovens com menos de 17 anos, que representa 24% do total. Para os autores, "é particularmente preocupante que mais de metade dos jovens e crianças tenha experimentado a pobreza em pelo menos um dos seis anos de estudo".

DN, 4-7-2008
 
POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL

Mário Soares

Não tive ocasião, como tanto gostaria, de assistir, há dias, ao lançamento do livro colectivo do prof. Alfredo Bruto da Costa (coordenador), que tanto admiro e estimo, e dos co-autores: Isabel Baptista, antropóloga, Pedro Perista e Paula Carrilho, sociólogos. É um livro editado pela conceituada editora Gradiva, Um Olhar sobre a Pobreza, que tem como subtítulo: Vulnerabilidade e Exclusão Social no Portugal Contemporâneo.

Trata-se de um livro de grande rigor e seriedade científica que se ocupa de uma temática complexa e extremamente actual, que não afecta só Portugal. É um problema que pela sua dimensão e importância entrou na ordem do dia, com os objectivos do milénio (muito bem intencionados mas que, até agora, ficaram no papel), no início do século, ainda no tempo de Kofi Annan, e que constitui uma tragédia global em África, em alguns países da Ásia, da América Latina - onde as populações convivem com vagas endémicas de fome, há séculos - e que se está a intensificar, dada a crise financeira, económica e alimentar dos nossos dias, e a afectar fortemente vários países europeus, entre os quais, infelizmente, Portugal.

Preciso que se trata de um trabalho científico, mas de leitura muito acessível e sem ponta de demagogia. Os autores têm em conta trabalhos pioneiros anteriores, como o de Manuela Silva, de 1982, Crescimento Económico e Pobreza em Portugal (1950- -1974). E, obviamente, outros mais recentes e os dados estatísticos conhecidos, até 2005.

A primeira parte do livro ocupa-se de "pobreza e exclusão social: problemáticas, conceitos, reflexões". Diga-se que pobreza e exclusão social, embora complementares, não se confundem. A pobreza é - para os autores - uma "situação existencial, para a qual concorrem não só as necessidades materiais (carências graves) como elementos de ordem psicológica, social, cultural e espiritual". Aliás, como se escreve no livro, o grande economista (e Prémio Nobel, creio) Amartya Sen associa a pobreza à falta de liberdade, conferindo ao conceito liberdade, como direito humano, uma dimensão económica e social.

Paul Spicher, outro autor citado no livro, fala dos diversos significados de pobreza, que agrupa em três categorias: "A necessidade material; as circunstâncias económicas; e as relações sociais." A pobreza, assim, implica dependência, em virtude da falta de recursos materiais, que gera a privação de bens essenciais à vida. Daí que a pobreza seja entendida como um atentado a um direito humano fundamental, a vida. Mas não se trata só da privação de alimentos ou de água potável, que também escasseia - bens essenciais -, porque há outras necessidades igualmente básicas para a sobrevivência, como a habitação, o abrigo contra o frio, o tratamento em caso de doença, etc.

No n.º 2 da primeira parte do livro há ainda um subcapítulo, intitulado: "O conceito de exclusão social e a sua relação com a pobreza". Trata-se de um conceito recente. A exclusão social foi um tema mais trabalhado por analistas franceses, enquanto a pobreza tem preocupado mais os anglo-saxónicos. Mas nos dois casos trata-se sobretudo de uma questão de ênfase, como dizem os autores. Há obviamente uma complementaridade entre os dois. A pobreza representa sempre uma forma de exclusão social, ou seja - sublinham os autores -, "não há pobreza sem exclusão social. Mas o contrário não é verdadeiro, porque existem formas de exclusão social que não implicam pobreza". Exemplo: os idosos. Mas há outros: as discriminações que ainda sofrem as minorias sociais. Aqui entra outro conceito: o das desigualdades sociais de que sofrem certas pessoas, pela maneira como se relacionam com o sistema social a que pertencem (mercado de trabalho, sistema educativo, serviços de saúde, integração nas famílias, e redes sociais com que se relacionam). E com tudo isto jogam a equidade e a justiça.

A segunda parte do livro trata da "Pobreza e Exclusão Social em Portugal: Velhas Questões, Novos Contributos". Passa- -se dos conceitos gerais para o caso específico português. Parte-se de inquéritos e dados estatísticos seguros para uma comparação com o que ocorre nos países europeus.

Não posso, evidentemente, entrar em detalhes, dada a riqueza de elementos de informação que resultam do livro. Houve, obviamente, grandes progressos no desenvolvimento de Portugal desde a Revolução dos Cravos (1974) e, sobretudo, depois da nossa adesão à então CEE (Janeiro de 1986). Mas a riqueza criada foi distribuída muito desigualmente. Somos hoje um dos países com maiores desigualdades sociais da União Europeia. O que para quem sempre sonhou com um Portugal livre, democrático, pluralista e mais justo representa uma imensa e intolerável desilusão.

As mulheres são mais sujeitas à pobreza do que os homens, a ruralidade mais pobre do que as cidades médias, estas, com populações, em média, mais ricas do que as grandes cidades, onde existem muitos excluídos. A concentração da riqueza está, cada vez mais, nas mãos de menos pessoas. E a pobreza em geral alastra e começa a atingir as classes chamadas médias.

Como é que um tal fenómeno, tão triste e desagradável, vai resolver-se? E em que tempo será possível fazê-lo? São questões pertinentes e complexas, naturalmente. A crise global agravou a situação, como se tem visto. Assim não podemos continuar. Não nos podemos resignar. Há que mudar. Precisamos de um modelo de desenvolvimento diferente, com maior dimensão social e ambiental. Para poder mudar as políticas em geral. Tenho esperança que a globalização venha a ser regulamentada. Se não, o Ocidente entrará em inevitável decadência. Esta é uma questão de que nos devemos tornar conscientes. A pobreza e as desigualdades sociais não são fatalidades. Os países e as regiões mudam. Mas não será com sucessivas conferências do G8, como a que decorre em Tóquio, espelho de impotência e incapacidade, que as crises poderão resolver-se. Sobre isso, o livro fala com bom senso, pertinência e rigor nas últimas dez páginas, intituladas: "Considerações Finais - O Paradoxo da Pobreza na Sociedade Portuguesa". Aconselho vivamente a sua leitura.

DN, 8-7-2008
 
ASSISTENCIALISMO

João Miranda
investigador em biotecnologia
jmirandadn@gmail.com

A pobreza em Portugal é persistente. A oposição defende mais apoio aos pobres. O Governo toma medidinhas. Mas há uma pergunta que fica sempre por responder. Porque é que ainda existe pobreza? Antes de se tomarem novas medidas de combate à pobreza, talvez valha a pena descobrir porque é que os inúmeros mecanismos de combate à pobreza que já existem não estão a produzir resultados. Se os pobres já têm direito a habitação social, educação gratuita, saúde gratuita e rendimento mínimo garantido, porque é que ainda são necessários mais mecanismos de combate à pobreza?

Os mecanismos de combate à pobreza são eles próprios mecanismos de empobrecimento da sociedade. Por regra, não produzem riqueza. São mecanismos que se limitam a transferir riqueza produzida pelos membros mais produtivos da sociedade para os membros menos produtivos. Os pobres ficam com os seus problemas de curto prazo resolvidos, mas não adquirem os hábitos de trabalho nem os conhecimentos necessários para produzir riqueza. Os pobres não passam a produzir riqueza. Ficam cada vez mais dependentes do Estado.

Os mecanismos de combate à pobreza deviam ser mecanismos de emergência, mas não são. São direitos permanentes que funcionam como um desincentivo à criação de riqueza. Quem tem as suas necessidades económicas básicas satisfeitas, não precisa de estabelecer relações económicas responsáveis com os seus pares nem precisa de desenvolver uma actividade económica permanente. Os efeitos são particularmente devastadores em comunidades imigrantes com problemas de integração. Os mecanismos de combate à pobreza tornam estas comunidades dependentes do Estado, mas auto-suficientes em relação ao resto da sociedade. Os membros destas comunidades não precisam de entrar na economia formal externa à sua comunidade nem de se adaptarem às normas de conduta da sociedade em que supostamente vivem. Os mecanismos de combate à pobreza tornam-se assim em mecanismos de perpetuação da pobreza e fonte de comportamentos irresponsáveis e de exclusão social.

DN, 19-7-2008
 
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