03 junho, 2007

 

Juízes,


justiça e afins...

De um extremo



a outro

http://www.youtube.com/watch?v=eprH_T0D9Ys

http://pt.wikipedia.org/wiki/Juiz
http://pt.wikipedia.org/wiki/Justi%C3%A7a

http://www.conselhosuperiordamagistratura.pt/index.php?idmenu=12&lg=1
http://www.asjp.pt/

http://www.mj.gov.pt/sections/home
http://www.provedor-jus.pt/
http://www.stj.pt/
http://www.ombudsman.europa.eu/home/pt/default.htm
http://opj.ces.uc.pt/

http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=245083&idselect=10&idCanal=10&p=200

Acórdão n.º 451/2008, D.R. n.º 216, Série II de 2008-11-06
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 169.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais na interpretação de que é de 30 dias o prazo de impugnação contenciosa das deliberações do Conselho Superior da Magistratura respeitantes a oficiais de justiça

Lei n.º 63/2008, D.R. n.º 224, Série I de 2008-11-18
Assembleia da República
Décima primeira alteração ao Estatuto dos Magistrados Judiciais

Comments:
"Os juízes têm de aprender a comunicar, explicar-se ao povo"

FERNANDA CÂNCIO

Rogério Alves

Nasceu em 1961

Licenciado em Direito, em 1984, pela Universidade Católica, onde rege o Seminário de Retórica Forense do 5.º ano de Direito

Advogado desde 1987

Comentador habitual de temas jurídicos em diversos órgãos de comunicação social

Mais novo que os antecessores mas menos truculento, o actual bastonário dos advogados comunga com eles do tom de quem se deslumbra com a própria oratória e do gosto pela política. Junta- -lhe o futebol: dirigente do Sporting, festeja o "bom ano". Da venda de Nani diz que foi um bom negócio. E que o clube é "o maior exportador de talento da Europa - do mundo, talvez". Exageros que se perdoam
Tem estado a ser muito discutido um acórdão do Supremo que diminui a pena a um abusador de um jovem de 13 anos. Parece-lhe que o escândalo que se criou se justifica?

Creio que é muito útil que se discutam as decisões dos tribunais. As pessoas aceitam-nas tanto mais quanto as compreendam. Durante muitos anos, a discussão dessas decisões estava muito reservada aos juristas e às revistas técnicas da especialidade. A mediatização da justiça transportou para o público a discussão. É natural que uma frase ou outra possam causar mais comoção. Mas é fundamental dizer que só devíamos discutir os acórdãos dos tribunais depois de os lermos... E é muito costume discutir-se acórdãos por dois ou três extractos. Além disso, acho que se podem discutir acórdãos sem se entrar numa espécie de histeria, que foi um pouco o que sucedeu neste caso. O crime de abuso sexual de menores é sempre um crime gravíssimo e repugnante. E o tribunal, apesar de ter diminuído a pena, não disse em momento algum que tinha de se contemporizar com o crime, que é o que por vezes parecia resultar da

discussão.

O caso teve a particularidade muito incomum de se ter visto um juiz do Supremo a justificar um acórdão que assinou. O que, aliás, pode vir a ser considerado uma quebra do dever de reserva pelo Conselho Superior de Magistratura. Como vê esta atitude do juiz?

Parece-me bem, saudável. Muitas regras da justiça portuguesa estão fora do tempo e do mundo. Se toda a gente está a discutir uma coisa, não pode ser o gerador da coisa que fica fora da discussão. Claro que podemos questionar se deve ser o próprio magistrado a fazê-lo ou deve haver outra fórmula. É preciso encontrar formas de pôr a justiça a comunicar. Os juízes não estavam habituados a comunicar, nem bem nem mal. Proferiam decisões. Mas hoje abre-se a TV e o A e o B estão a comentar decisões judiciais. E isso impeliu um pouco os tribunais a virem explicar-se. Isso parece-me positivo. O problema é que as formas como isso é feito têm geometria variável.

Muito variável... O Conselho Superior de Magistratura (CSM) não tem gabinete de imprensa, os tribunais também não... A comunicação faz-se por várias vias e muitas vezes ínvias.

O CSM deveria claramente ter um gabinete de imprensa a funcionar eficazmente, que pudesse esclarecer qualquer dúvida em casos de debate público. Porque é impressionante a quantidade de imprecisões que se dizem sobre os casos judiciais. É fundamental que se possa esclarecer antes de se instalar a confusão. E se talvez não se justifique um gabinete de Imprensa em cada tribunal, com certeza que o Supremo e as Relações deveriam tê-los. Para que o debate, o questionamento das decisões, seja esclarecido e permita fazer avançar a jurisprudência.

Acha que é isso que se tem passado?

Acho que uma maior abertura e permeabilidade entre o mundo judiciário e outros mundos... Tem de ouvir as opiniões exteriores.

E as interiores. Tem havido juízes a criticar sentenças que levam processos disciplinares por esse facto. O que parece dar a ideia de que existe um acantonamento corporativo das instituições que representam os juízes...

Pode acontecer, e tem acontecido haver esse tipo de processos... Mas creio que se tem evoluído nessa matéria. Agora o que é preciso também é adaptar o sistema para acabar com este divórcio entre os cidadãos e a justiça. Os juízes achavam que estavam numa torre de marfim, e agora já não há torre de marfim. Mas creio que os magistrados são, em regra, julgados com enorme injustiça. Os juízes julgam muito melhor do que são julgados.

Ainda a propósito da geometria variável da forma como a Justiça comunica, no caso Madeleine assistimos a conferências de Imprensa quase diárias da Polícia Judiciária, divulgação do retrato robô de um suspeito... Como vê esta forma de as instituições se moldarem às exigências mediáticas?

Em primeiro lugar, revela uma coisa: a força absolutamente arrasadora, abrasiva e imparável da comunicação social. É uma força brutal, de ciclone. E ninguém consegue ser-lhe indiferente. O que é que se criticava à PJ? Não dizer nada das investigações. E então a polícia alterou um pouco a sua conduta, e passou a ter um porta-voz.

Bom, não é verdade que a PJ não costume dizer nada sobre as investigações. O que se passa é que a informação passa por certos canais, sem transparência, e muitas vezes sem garantias de rigor.

Sim, as coisas chegam por fugas cirúrgicas. Claro que prefiro a fórmula oficial, em que a polícia, se é do interesse público, deve pronunciar-se, respeitando obviamente o que não deve ser divulgado. Sou aliás um crítico acérrimo do segredo de justiça, que, tal como está formatado, é uma coisa absolutamente imprópria, que caiu no ridículo nacional e é um símbolo do achincalhamento das instituições, porque parece que só existe para ser violado. Claro que há casos em que se justifica. O problema é que se aplica nesses e nos outros todos. O segredo de justiça só serve para duas coisas: proteger a qualidade da investigação e a identidade das pessoas. Mais nada.

Precisamente, no caso Madeleine a identidade dos suspeitos não só não foi protegida como foi exposta de forma que o representante da secção de Direitos Humanos da OA, Carlos Pinto de Abreu, considerou inaceitável.

Compreendo a posição de Carlos Pinto de Abreu.

Mas não sei se, malgrado os custos incríveis para o visado, era evitável a divulgação da imagem do suspeito. Isso não deve servir para desculpabilizar ninguém, mas há situações em que a viabilidade prática dessa protecção é nenhuma.

A comunicação mais frontal por parte da PJ aconteceu desta vez mas nada garante que seja a regra daqui por diante.

Esperemos que o precedente não seja fechado. A nossa justiça não tem mostrado jeito para as relações públicas. Espero que os casos recentes a façam perceber que deve comunicar oficialmente, de rosto descoberto, com a população. O que evitaria muitas confusões e muitas calúnias. |

A OA lançou o debate sobre as incompatibilidades. Começou pelos presidentes de Câmara, passou para os vereadores... Há quem tema que falte a coragem para falar dos deputados.

Falta coragem?! Ora essa. Então já se causou um alvoroço tão grande em relação ao simples anúncio do debate... Vamos convocar a advocacia portuguesa a debater a sua Ordem, e vamos reabrir esse debate. Não há falta de coragem, temos é alergia a situações panfletárias.

Qual pode ser a incompatibilidade entre ser advogado e deputado?

Por um lado, a igualdade entre advogados, porque um deputado pode ter uma posição mais preponderante pela proximidade com o poder legislativo. E de alguma forma também a fronteira da independência.

Acha que os deputados-advogados devem votar num assunto que 'os corta ao meio'?

Calma! Lançámos agora o debate, estamos muito longe de votações no Parlamento. Mas acho que devem votar.

Fala há muito em fixar um salário para o bastonário. Qual seria o salário justo?

Vários congressos aprovaram a existência desse salário, mas nunca foi fixado. Há vários critérios na Europa. Desde o que se ganhou no ano anterior, até um salário fixo, que não deve ir para além do Procurador da República ou do Presidente do Supremo. Também há o debate sobre tal implicaria dedicação exclusiva...

Não se ganhando nada, pelo contrário, outras coisas tornam o lugar apetecível...

A honra de ser eleito pelos colegas. E a preocupação com a advocacia, a coisa pública.

E um palco mediático e notoriedade.

Claro que sim. Mas, repare, eu enquanto presidente do conselho distrital de Lisboa já era muito conhecido. Porque o sortilégio da mediatização da justiça fez com que tivesse uma presença pública muito assídua na TV.

Põe-se a hipótese de lhe interessar a política. É assim?

Vou responder sem sofisma. A política interessa-me. O governo da coisa pública interessa-me, o estado do País interessa-me. Mas no meu horizonte está o regresso à advocacia a tempo inteiro, que é uma coisa que a vida pessoal me impõe.

DN, 3-6-2007
 
Justiça? Qual Justiça?

É fácil perceber que é difícil provar que alguém encomendou
a morte da mulher, sobretudo se o crime não chegou
a concretizar-se e a mulher permanece viva…
É fácil perceber que, sem se conseguir “provar” o crime,
não há forma de condenação.
É fácil perceber que, para ser justa, a Justiça precise, às
vezes, de abdicar da aplicação de condenações e penas,
cujos crimes apenas supõe – sem prova – que foram ou
pretendiam ser cometidos.
O que não se pode compreender é que alguém possa encomendar
o assassínio da mulher a dois homens que, chocados
com a perversidade da “encomenda”, correm a denunciá-
lo à polícia; conseguem reunir todas as provas necessárias
à prisão e julgamento do criminoso; para o verem
depois “absolvido” porque, para casos assim, a lei não
“prevê condenação”.
A lei que fixa penas para os que caçam raposas, ou fumam
em locais proibidos esqueceu-se de prever a existência de
assassínios “encomendados” que não chegam a ser consumados
só porque a polícia, informada a tempo, age prendendo
o mandante e salvando a vitima.
Passou-se esta semana em Portugal.
E foi este “buraco” na lei que fez um juiz afirmar que a
leitura de uma sentença de absolvição, lhe deixava um
“sabor estranho”….
Aos que não somos juízes deixa muito mais do que isso:
uma enorme vontade de clamar justiça contra um sistema
judicial de tal forma injusto e ineficaz.
Um sistema assim não merece nem a nossa confiança nem
o nosso respeito. Confiança e respeito ganham-se!
E alguém poderá explicar-nos, ao menos, de quem é a
culpa da existência de um tal “buraco” na lei?

Graça Franco

RRP1, 11-7-2007
 
A função pública de magistrados e juízes

Entrámos - todos o dizem - no período de silêncio que antecede a decisão do Presidente da República sobre a nova lei dos vínculos, carreiras e remunerações na função pública. Mas juízes e magistrados do Ministério Público recusam esta inclusão profissional nas regras gerais aplicáveis à generalidade dos servidores do Estado, lançando a suspeita de que se trata de uma tentativa de tutelar politicamente um órgão de soberania, um argumento poderoso porque sabem ser inadmissível.

O Governo e o partido que o apoia respondem que os estatutos próprios de juízes e procuradores não serão beliscados em nada. Já no que respeita aos outros aspectos do exercício das suas actividades, as mudanças regem-se pelos mesmos princípios aplicados em nome de uma simplificação e racionalização dos servidores do Estado, em sentido lato. Ora, são exactamente estas alterações, que têm consequências nas contrapartidas salariais e nas progressões de carreira destes elementos cruciais do aparelho judicial, que motivam o fogo de barragem contra o diploma a que se tem assistido nos últimos dias.

O árbitro será o Presidente da República. Tudo visto e ponderado, Cavaco Silva terá de decidir se o que esta lei preserva é suficiente para garantir a separação de poderes, o mais importante e fundamento intocável do edifício democrático. Mesmo prejudicando financeira e profissionalmente os magistrados.

DN, 23-11-2007
 
Juízes acusam Governo de não conviver com autonomia judicial

FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA

Juízes acusam Governo de não conviver com autonomia judicial

Sujeição de magistrados à função pública é a razão das críticas da ASJP
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) acusa o poder político de ter dificuldade em conviver com um poder judicial independente. "Dificuldade que não é apenas um pressentimento ou um sentimento, pois é bem concreta e levou o Governo a dar corpo, em proposta de lei, à integração dos juízes na administração pública", defendeu António Martins, presidente da ASJP, numa mesa redonda inserida no Seminário Internacional "O perfil do juiz na tradição ocidental, a independência e o estatuto dos juízes", que decorreu ontem, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que organizou, juntamente com o Conselho Superior da Magistratura, o encontro.

Em causa está o diploma aprovado no dia 16 de Outubro sobre carreiras, vínculos e remunerações da administração pública, que equipara juízes a funcionários públicos.

Diploma esse que viola a independência da magistratura, segundo o que a ASJP, o Conselho Superior da Magistratura e mesmo o Supremo Tribunal de Justiça têm vindo a defender no último mês.

No entanto, e apesar das reivindicações dos magistrados judiciais, o ministro da Justiça, Alberto Costa, já veio a público esclarecer que pretende alterar a lei para que fique claro que juízes e magistrados não são abrangidos pelo diploma.

Este fim-de-semana, o diploma encontra-se já em Belém para ser analisado por Cavaco Silva.

Durante a semana passada, foi o próprio grupo parlamentar do PS que propôs a alteração à lei do Orçamento do Estado, de forma a que os magistrados não fiquem sujeitos a este regime geral da função pública.

"Nunca tanto como agora, na recente história democrática de Portugal, a independência dos juízes esteve ameaçada", defendeu António Martins no seminário. "E, pelos vistos, é preciso demonstrar o quanto é fundamental este princípio para que continuemos a viver num Estado de direito", sublinhou.

Já o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, veio admitir há dois dias um recuo na reivindicação, assumindo que "este é um problema ultrapassado graças à proposta de alteração do PS". O seminário, que decorreu ontem e sexta-feira, contou ainda com a presença de investigadores e docentes internacionais e alguns dos chefes dos supremos tribunais mundiais.

DN, 25-11-2007
 
Atrasos na Justiça são 70% das queixas ao provedor

FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA

Atrasos na marcação de julgamentos e nas sentenças são as queixas mais recorrentes entre as que dão entrada no gabinete da Provedoria de Justiça. Das quase 300 queixas recebidas este ano por Nascimento Rodrigues relativas à actuação dos tribunais, 70% - ou seja, 181 - são relativas à morosidade do sistema.

O diagnóstico está, assim, mais uma vez, confirmado. Há atrasos nos tribunais e essa é, na maioria dos casos, a falha apontada ao sistema.

Na área dos processos-crime são os atrasos para a marcação das audiências que mais deixam advogados e cidadãos indignados. "Os tribunais têm agendas muito preenchidas", conforme explicou José Miguel Pereira dos Santos, coordenador da Provedoria no departamento de "Administração da Justiça".

"Cheguei a estar três anos à espera que me marcassem um julgamento", explicou um advogado, autor de uma das queixas feitas a Nascimento Rodrigues, contactado pelo DN. Noutro caso identificado pelo DN, foram necessários dois anos para marcar uma sessão de julgamento.

Já na área do civil, ou seja, acções de pedidos de indemnizações, as queixas são relativas ao tempo em que o juiz demora a proferir uma sentença. Segundo os mesmos advogados, a responsabilidade destes atrasos, quer no cível quer no criminal é, na maioria dos casos, dos juízes ou magistrados do Ministério Público.

O facto de estarmos a falar de titulares de órgãos de soberania pode tornar este estado das coisas de difícil resolução. Isto porque, na prática, a Provedoria de Justiça apenas pode "transmitir ao Conselho Superio da Magistratura ou do Ministério Público as situações de que tem conhecimento", explicou Pereira dos Santos. " E, a partir daí, esperar que os Conselhos Superiores nos transmitam as razões desses atrasos para explicarmos aos queixosos", sublinhou. Queixosos esses que são, na sua maioria, advogados e cidadãos. Sendo que muitas vezes as queixas são feitas por advogados que não assumem que o são mas que "pela linguagem que utilizam se percebe facilmente que são juristas", explicou o coordenador da Provedoria. Apesar destes dados, em 2005, as queixas de atrasos na tramitação dos processos foram mais altas: mais de 300. Ou seja, mais 30 do que no ano passado.

O restante número de queixas que afectam o sector judicial prende-se com a liquidação das taxas de Justiça - a inicial e a que é feita a meio do processo. Isto porque a maior parte dos utentes dos tribunais não tem conhecimento da obrigatoriedade de pagamento destas duas taxas. Dificuldade que será ultrapassada com o novo regime das custas processuais, aprovado pelo Governo este ano, passa a existir apenas a cobrança de uma taxa única de Justiça.

DN, 29-11-2007
 
Sindicato defende esclarecimento
dos Procuradores do Porto

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério
Público (SMMP) sustenta que os Procuradores do Departamento
de Investigação Criminal do Porto têm o direito de se
defender das acusações de que foram alvo.
António Cluny diz estar em causa o prestígio de todo o Ministério
Público e que os magistrados têm o direito a “repor a
verdade” sobre o arquivamento do caso das agressões ao exvereador
da Câmara de Gondomar, Ricardo Bexiga.
Indignados com as críticas feitas pela equipa de Maria José
Morgado, os Procuradores do Porto querem fazer a defesa da
honra e, nesse sentido, 35 Procuradores do Departamento de
Investigação e Acção Penal do Porto enviaram ontem um
abaixo-assinado ao Procurador-Geral da República, Pinto
Monteiro. No texto, é pedido que lhes seja levantado o dever
de reserva, para poderem contar publicamente a sua versão
dos factos.
Segundo a imprensa de hoje, a responsável do Departamento
de Investigação Penal do Porto é um dos rostos deste protesto.
Hortênsia Calçada confirma que, no documento enviado
ao PGR, os Procuradores falam em afrontas à dignidade e
honra profissional.
O clima de “guerra aberta” entre os Procuradores de Lisboa e
do Porto começou em 2006, com a nomeação da equipa de
Maria José Morgado para investigar o processo “Apito Dourado”.
Recentemente, surgiram as críticas de Morgado, que
apontou responsabilidades aos procuradores do Porto pelo
arquivamento do caso de agressão ao ex-vereador de Gondomar,
Ricardo Bexiga.
Contactado pela Renascença, Ricardo Bexiga não quis
comentar este facto, lembrando apenas ter pedido a abertura
de um inquérito ao arquivamento do caso.

RRP1, 13-2-2008
 
Juízes deixam apelo
sobre mapa judicial

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP)
quer que o Governo garanta que os poderes do juiz presidente
nos tribunais se limitem à gestão efectiva dos serviços.
A proposta foi apresentada ao ministro da Justiça, Alberto
Costa, numa reunião sobre a reestruturação judiciária, que
contou também com a presença do secretário de Estado Conde
Rodrigues e de Helena Ribeiro, da Direcção-Geral da
Administração da Justiça.
No final, António Martins, presidente da ASJP, manifestou a
esperança de que "o Ministério tenha abertura suficiente
para analisar as razões" pelas quais apresentaram as suas
propostas.
Sobre a figura do juiz presidente dos tribunais, o dirigente da
ASJP sublinhou ser necessário "colocar a questão dos poderes
em termos de gestão efectiva e tornar claro que não vai
mexer com as funções jurisdicionais de cada um dos juízes".
No que toca à questão de reorganização do território, a proposta
da ASJP pretende “assegurar a especialização dos tribunais
nas diversas matérias e, por outro lado, garantir a
proximidade dos tribunais no acesso dos cidadãos à Justiça".
Questionado sobre a posição do sindicato sobre um eventual
encerramento de alguns tribunais, António Martins afirmou
que o documento que o Governo apresentou e que irá estar
em discussão pública "não permite tirar neste momento a
conclusão de quais são os tribunais concretos que o Ministério
vai instalar em cada uma destas novas circunscrições".
O novo mapa judiciário é um dos pontos inseridos no Pacto
da Justiça assinado entre o PS e o PSD e prevê a conversão
das 230 comarcas actualmente existentes em 35 tribunais
regionais, devendo esta mudança iniciar-se em Setembro
com uma experiência-piloto em três das futuras circunscrições:
Baixo Vouga, Lisboa-Sintra e Alentejo Litoral.

RRP1, 13-2-2008
 
Juízes responsabilizados pelos atrasos nas decisões

LICÍNIO LIMA

A nova lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, que entra em vigor no final do mês, com reservas por parte do Presidente da República, que a vetou uma vez, retira aos magistrados a liberdade de decidirem sem receio de, logo em seguida, serem alvo de um processo de responsabilidade civil com pedido de indemnização por erro judiciário. E responsabiliza-os pelo atrasos das decisões.

A críticas são da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) e do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que vêm no novo diploma, publicado em Diário da República a 31 de Dezembro de 2007, um modo de o poder político interferir na sua autonomia e independência.

Constitucionalmente, os magistrados são irresponsáveis no exercício da suas funções. Ou seja, se um procurador acusa um indivíduo de homicídio, e depois se prova a sua inocência, não será responsabilizado por isso. Do mesmo modo, se um juiz profere uma condenação e depois um tribunal superior a considera errada, também não é por isso que será responsabilizado, na base do mesmo princípio. Excepto, se o erro foi cometido com dolo (intenção) ou culpa grave (má aplicação da lei). As pessoas que forem alvo de decisões erradas podem demandar o Estado e exigir-lhe uma indemnização, o qual paga, se um tribunal assim o decidir, sem responsabilizar o magistrado. Mas, se se provar que houve dolo ou culpa grave, o Estado pode propor o direito de regresso, isto é, exigir ao magistrado que lhe devolva a verba referente à indemnização paga à pessoa lesada.

Mas as actuais alterações à lei vieram confundir tudo. Desde logo, no artigo 12.º refere-se a possibilidade de a administração da justiça ser responsabilizada pelos atrasos nas decisões, equiparando a função administrativa e a função jurisdicional. Porém, lembra António Martins, da ASJP, nunca ninguém disse a um juiz quantos processos tem de resolver num mês, por exemplo, entregando-lhe apenas os que pode resolver em tempo considerado razoável.

Por tudo isto, e criticando o poder político de querer condicionar os magistrados, o SMMP e a ASJP estão a celebrar contratos de seguros de responsabilidade civil. Para se protegerem.

DN, 14-1-2008
 
JUÍZES 'PUNIDOS' PELAS DEMORAS

Sindicâncias a comarcas passam a ser realidade

Os juízes vão passar a ser fiscalizados pelo tempo que demoram na conclusão de um processo. Segundo a proposta de lei do novo mapa judiciário que o Governo entregou ao PSD e à Associação Sindical dos Juízes Portugueses, vai ser criada a figura do presidente do tribunal, com função de "acompanhar o movimento processual do tribunal, identificando os processos pendentes por tempo considerado excessivo", pode ler-se no documento a que o DN teve acesso.

No total, são 35 juízes presidentes que vão representar cada um dos também 35 tribunais de comarca que passam a substituir as actuais 58 circunscrições judiciais. Esses juízes presidentes, com funções de gestão, são responsáveis por dirigir o tribunal, avaliar a actividade do tribunal e o desempenho dos juízes e dos funcionários judiciais, realizando reuniões periódicas de planeamento e avaliação dos resultados dos tribunais.

Nomeados, por escolha, pelo Conselho Superior da Magistratura, pelo período de três anos, terão de contar no seu currículo com, no mínimo, dez anos de serviço. Este juiz presidente, que será ajudado por um administrador de tribunal, poderá ainda pedir ao Conselho Superior da Magistratura a realização de inspecções extraordinárias aos juízes ou de sindicâncias às comarcas.

Por agora, desta proposta, que terá para já três experiências-piloto em Aveiro, Sintra e Santiago do Cacém (ver caixa em baixo), sabe-se que o novo mapa dos tribunais vai passar a ser definido por 35 comarcas, com base no modelo de organização das actuais regiões administrativas (NUT). Comarcas e não "supertribunais regionais", garante fonte do gabinete de Conde Rodrigues, secretário de Estado adjunto da Justiça. Desta forma, vão ser menos de 50 comarcas para albergar os quase 500 tribunais que existem actualmente. Isto porque, apesar de esta matéria estar no segredo dos deuses, o Governo garante que "não vão ser encerrados tribunais. Todos eles serão reagrupados", explicou Conde Rodrigues há um mês. Ontem, contactado pelo DN, Conde Rodrigues assume que esta é uma primeira fase da nova organização dos tribunais, sendo que a segunda passará pela concretização do conteúdo de cada uma dessas comarcas.

A verdade é que este novo mapa judiciário, esperado há um ano, e que faz parte integrante do Pacto para a Justiça assinado entre PS e PSD, ainda na era de Marques Mendes, aparece como uma mera "operação de cosmética". O Governo recusa o encerramento de tribunais, mas não explica como se passa das actuais 233 comarcas para as apenas 35 apontadas pela proposta do Governo. "É-nos apresentado um projecto de uma casa, mas sem explicar quantas divisões esta vai ter", explicou António Francisco Martins, em declarações ao DN (ver entrevista em baixo).

Maior especialização e uma maior eficácia na gestão dos tribunais são, segundo o próprio documento avança, os principais objectivos do diploma. "Simplificação da resposta judicial, reforço do modelo de especialização e autonomia de cada um dos tribunais surgem como as principais linhas de orientação da nova geografia dos tribunais.

Ao Conselho Consultivo, que acompanha a nova figura do juiz presidente, compete emitir sugestões relativas à administração e funcionamento dos tribunais. Este órgão vai contar com um representante da Ordem dos Advogados e da Câmara dos Solicitadores, entre outros. No âmbito de cada uma das 35 circunscrições, a proposta do Governo prevê um tribunal de 1.ª instância que poderá desdobrar-se em juízos de competência genérica ou especializada.

Esta proposta final foi entregue no passado dia 20 de Dezembro ao PSD, mais concretamente a Pedro Santana Lopes, pelas mãos do ministro da Justiça, Alberto Costa. Foi ainda entregue no dia 7 deste mês a António Francisco Martins, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, de forma a ser apreciada e a serem feitas sugestões.

DN, 15-1-2008
 
Cavaco diz que leis "nem sempre se distinguem pela qualidade"

SUSETE FRANCISCO

Presidente contraria tese de Menezes e elogia independência dos juízes

Foi um discurso cheio de elogios aos méritos do Tribunal Constitucional (TC). Um dos quais encerra uma crítica a outras instâncias. O Presidente da República, Cavaco Silva, participou ontem na sessão solene comemorativa do 25.º aniversário do TC. Entre os desafios que se colocam à instituição apontou o de "garantir com maior eficácia o princípio da segurança jurídica". E porquê? "Em face de um ordenamento jurídico", explicou o Chefe do Estado, "integrado por leis que nem sempre se distinguem pela qualidade, pela objectividade ou pela previsibilidade na sua aplicação". A ouvi-lo estavam as duas instâncias legisladoras - o chefe do Governo, José Sócrates, e um dos vice-presidentes da Assembleia da República, em representação de Jaime Gama.

Na cerimónia que decorreu no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, o Presidente destacou o papel do TC enquanto "órgão central" de garantia do respeito pela Constituição. E referiu que, tratando-se de "um órgão judicial dotado de uma legítima e natural componente política", nunca o TC "se deixou envolver na espuma conjuntural da conflitualidade político-partidária". O que resulta da independência dos juízes do palácio Ratton, que Cavaco ontem sublinhou: "demonstra a prática institucional que sempre imperou uma regra de efectiva independência dos juízes constitucionais no exercício das suas funções, assim se assegurando a imparcialidade e rigor."

Palavras em sentido contrário às proferidas pelo líder social-democrata, Luís Filipe Menezes, no último congresso do PSD - o presidente "laranja" questionou então a independência das decisões do Constitucional. Menezes foi mais longe, defendendo a extinção do TC e a sua agregação ao Supremo Tribunal, e também nisso foi ontem contrariado por Cavaco. Para o Presidente da República, o actual modelo "tem propiciado um elevado número de decisões de mérito na defesa dos direitos fundamentais". Pelo que, sustentou, não há "por ora oportunidade à discussão sobre a sua reforma, através da ponderação de soluções alternativas". Palavras proferidas perante uma plateia onde se incluíam os presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, e do Tribunal de Contas, Guilherme d' Oliveira Martins, o procurador Geral da República, Pinto Monteiro, o ministro da Justiça, Alberto Costa, e o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto.

TC "vítima" do seu sucesso

Já o presidente do Tribunal Constitucional, Rui Moura Ramos, destacou o progressivo alargamento das competências do TC (nomeadamente o controlo da actividade dos partidos ou o assegurar da transparência da actividade política) para alertar que esta situação não pode pôr em causa aquela que é a função central deste órgão - o controlo da constitucionalidade. Considerando que o TC tem sido vítima do seu sucesso, o juiz presidente defendeu que "haverá que atentar na possível consideração de mecanismos de filtragem". "Caberá porventura interrogarmo-nos sobre a amplitude das outras competências que têm sido devolvidas à jurisdição constitucional", afirmou Moura Ramos.

DN, 10-4-2008
 
O DEVER DE RESERVA DOS JUÍZES

António Martins
presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses

Após a divulgação da deliberação do plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) sobre o dever de reserva, a imprensa publicou editoriais, artigos e opiniões acusando o CSM de impor a "lei da rolha" e de querer "silenciar" os juízes.

Não me cabe justificar a deliberação do CSM, nem quero, até porque não tenho mandato para o efeito.

Reafirmo, porém, a posição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) nesta matéria que, na sua essência, é de concordância com tal deliberação e é essa, também, a perspectiva da generalidade dos juízes portugueses.

Além disso, gostava de salientar duas coisas simples.

O dever de reserva não foi estabelecido agora. Está consagrado no art.º 12.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais desde 1985 e aquela deliberação apenas foi interpretativa da lei.

Acresce que tal dever não é uma inovação portuguesa. Com designação equivalente e consagração ou não em lei, existe restrição semelhante na generalidade dos países europeus.

Dito isto, deve ainda destacar-se o facto - curiosamente também esquecido - de que o direito à informação é acautelado na própria deliberação ao referir-se nela que, salvaguardados os segredos de justiça, profissional e de Estado, além da reserva da vida privada, "os juízes podem dar todas as informações sobre as decisões e seus fundamentos".

Aliás, já há algum tempo a esta parte a ASJP vem divulgando no seu site (www.asjp.pt) as decisões dos tribunais que têm suscitado interesse público. Precisamente por considerar que as decisões dos tribunais devem ser conhecidas dos cidadãos, em termos integrais, para que o escrutínio público seja possível e possa ser exercido adequadamente. É uma boa via de fazer a ligação directa dos cidadãos à justiça e assegurar assim a legitimação do poder judicial, como as reacções que nos têm chegado dos cidadãos que a elas têm acedido o demonstram.

Creio assim que esta deliberação pode ter a vantagem de permitir um melhor exercício do direito à informação.

Desde logo porque o CSM adquire especiais responsabilidades.

Não pode mais continuar a eximir-se às suas obrigações, consagradas na sua actual lei orgânica, de ter uma estrutura adequada (chame-se gabinete de comunicação ou não), que faça a ligação dos tribunais com a comunicação social e os cidadãos e que dê efectivo conteúdo ao dever de informar e ao direito à informação.

Depois porque, atento o fundamento do dever de reserva e os valores protegidos pelo mesmo, assim considerados pelo próprio CSM, ou seja, a protecção da imparcialidade e da independência dos juízes, a confiança dos cidadãos na justiça, o prestígio e a dignidade institucional dos tribunais, a não implementação dessa estrutura é uma admissão da incapacidade do CSM em preservar tais valores, o que não é aceitável.

Finalmente porque, nada fazendo, o CSM acaba por dar desculpas a que a comunicação social contacte tudo e todos, não só os juízes titulares dos processos, como os juízes que estejam disponíveis para "comentar" ou "opinar".

DN, 10-5-2008
 
O ESTADO DAS ELITES

João Miranda
investigador em biotecnologia
jmirandadn@gmail.com

Os juízes do tribunal de Santa Maria da Feira cancelaram os julgamentos até Setembro. Queixam-se. Dizem que as instalações são inseguras. Os reitores das universidades portuguesas queixam-se periodicamente que não têm dinheiro para pagar salários. Esta semana, voltaram a queixar-se. Juízes e reitores são escolhidos de entre os melhores. São os melhores de entre os melhores. São as elites. Das elites, a sociedade espera liderança e iniciativa. Espera soluções. Não espera queixas.

Juízes e reitores comportam- -se como os funcionários burocratizados que de facto são. Juntam- -se às dezenas de corporações que se queixam. Mas queixam-se a quem? Quando as elites de uma sociedade protestam, protestam contra quem? Se os juízes se queixam, se os advogados se queixam, se os reitores se queixam, se os médicos se queixam, se os professores se queixam, queixam-se todos a quem?

Se, numa sociedade, os melhores de entre os melhores abdicam de liderar, não resta ninguém para o fazer. Todos os outros já estão há muito tempo do lado dos que protestam, dos que esperam que alguém, lá em cima, no topo da hierarquia, faça alguma coisa. Se as elites não estudam os problemas, não criam as soluções e não lideram a mudança, mais ninguém o poderá fazer. Um país em que as elites protestam, reivindicam, pedincham, exigem, vai ser liderado por quem? Se todos pedem, quem dá? Se os melhores entre os melhores não assumem a responsabilidade pelo seu destino, se esperam que alguém lá no topo os dirija e lhes resolva os problemas, quem é que devemos colocar no topo?

Tenho plena consciência de que esta crónica é incompreensível. Fala de duas ideias estranhas. Fala de elites e da responsabilização das elites. O membro de uma elite é alguém que, pelas suas qualidades, se eleva acima dos outros. Numa democracia, a elite é inaceitável. Somos todos iguais. Protestamos todos, em igualdade. A ideia da responsabilização das elites é ainda mais estranha. Ninguém quer responsabilidades. Todos exigem direitos.

DN, 28-6-2008
 
A PIOR DAS RESPOSTAS

Os juízes do Tribunal da Feira decidiram suspender os julgamentos. Decidiram fazer exactamente o contrário do que deviam. Depois de dois juízes terem sido agredidos, deviam querer julgar mais, não menos e mais tarde. Porque há, pelo menos, um julgamento que urge: o dos dois tipos que agrediram os juízes. Suspender julgamentos porque os criminosos abusaram equivale a remeter a justiça portuguesa para a Guerra de Solnado: "Sargento, fiz um prisioneiro!" - "Onde é que ele está?" - "Não quis vir." A justiça que tanto sabe e pratica símbolos - ele é togas, ele é vendas nos olhos, balanças e espadas - devia saber que sinais está a passar: a malta dá- -lhes umas lamparinas e eles fecham a loja... Mas que órgão de soberania (tanto ano de latim devia ter-lhe ensinado: quer dizer, de mando, de poder, de autoridade) é este que se encolhe quando ofendido? A hora é sobre este assunto (tão grande e tão grave): dois juízes foram agredidos no tribunal. E mais nada.

Ferreira Fernandes

DN, 28-6-2008
 
MERECER SER MERITÍSSIMO

Ferreira Fernandes
jornalista
ferreira.fernandes@dn.pt

Só para lembrar: prosseguem os julgamentos em Palermo e na Sardenha, ou não? Sim, na Sicília, onde ser mulher de juiz pode levar, no mercado, a escutar esta pergunta assustadora: "A senhora mora na rua X, no terceiro esquerdo, não é?" Sim, na Sardenha, a capital dos raptos, onde os filhos dos juízes vão à escola. E, então, os juízes continuam a julgar? Pelo que eu sei dos costumes indígenas (os da minha terra), não deviam. Deviam suspender por falta de condições de segurança.

Já vi um julgamento de mafiosos em Palermo. Agora é que me dou conta do que devia ter achado estranho e me fizeram, lá, passar por natural: havia uma cabina à prova de bala e, dentro, não estavam os meretíssimos. Protegia, sim, os mafiosos. Lembro-me, ainda (na altura não me dei conta, notícias recentes é que mo fizeram recordar): os juízes estavam de cara à mostra. Não deviam tapá-la ou esconder-se por trás de uma cortina? Não dar o seu nome à notícia pública do julgamento? Se deviam, não o fizeram. Estranho.

E porque me agarro ao caso da Sicília? Em Espanha não há juízes que processam e julgam e condenam os assassinos da ETA? Porque não se escondem? É que os bandidos de lá é a tiro na nuca. Porque é que o juiz Baltasar Garzón não se faz simplesmente chamar X? Ou, melhor, não suspende as suas investigações já que o Estado espanhol não lhe garante as condições normais de qualquer cidadão espanhol: andar na Gran Via, a assobiar e sem guarda-costas? O Estado não lhe dá isso, e ele, naturalmente, suspendia as sua funções. "Não há condições", como antigamente dizia o Zé Maria do Big Brother para tratar das galinhas e dizem alguns juízes da minha terra. Garzón não viu o Zé Maria, não se deixou influenciar, continuou a trabalhar.

Claro que exigiu guarda-costas. Ele e os juízes de Palermo, da Sardenha e do País Basco não são suicidas, nem aqui os chamaria se fossem heróis tolos. Não misturam é o cu com as calças: o facto de serem alvo dos bandidos não os impede de exercer o que são. Não fecham as portas ao primeiro susto. Combatem quem os assusta tornando-se mais eles, mais juízes. Porque o susto os convenceu ainda mais que são necessários. As agressões do Tribunal da Feira deviam ter convencido os juízes, assim: "Olha, sou mesmo necessário." Em vez disso, suspenderam-se.

Um juiz que suspende julgamentos porque durante um julgamento se cometeu um crime, é um juiz que não acredita que os julgamentos servem para combater os crimes. E, já agora, do ponto de vista do criminoso: se um crime num julgamento acaba temporariamente com os julgamentos numa comarca, porque não mais crimes desses para prolongar a suspensão de julgamentos? E porque não estender a táctica a todos os tribunais portugueses?

DN, 29-6-2008
 
AS FACES DA LEI

Nuno Brederode Santos
jurista
brederode@clix.pt

Os deuses decidem o destino dos homens pela mediação de um juiz de Direito. Com as magras (mas tremendas) excepções da fisiologia do cósmico e da má têmpera das grandes massas humanas (o clima, as catástrofes naturais, as invasões, os genocídios), a alta gestão das nossas vidas jaz - transida, frágil e ansiosa - no regaço negro de uma beca. É claro que nem só os juízes nos condicionam. Desde logo, porque cada eu esbarra no outro. E depois porque há o polícia autoritário, que diminui e humilha o cidadão, e há o político que se fecha com a sua consciência para resolver se somos mais amigos do Kosovo ou da Sérvia (ou qual a amizade que mais nos convém, o que é quase, quase, o mesmo). Mas são coisas que pouco mais fazem do que decorar o quotidiano: questões de Fabergé na vitrina ou de naperon debaixo da fruteira. Não resistem a três dias de conversas de roda de amigos, num total de três bicas pela manhã e três imperiais ao fim da tarde. Talvez atrapalhem a monitoria fina da qualidade de vida. Mas não mais. Porque quem nos liberta e prende; quem nos atribui ou denega a herdade do avô; quem decide da infância dos nossos filhos no divórcio; quem sabe dos ocultos critérios para a fruição de um riacho entre vizinhos de sequeiro; quem, enfim, com a ponta plebeia de uma bic, faz a gestão da felicidade individual em sociedade, são os juízes. E se o juiz não faz a lei, que apenas interpreta e aplica, e isto mais não for do que a percepção popular do cargo que ele habita e do mandato que lhe cumpre, acreditem: não há outra percepção que valha a pena.

E vem de longe, do mais remoto da memória que ainda guardo. De tempos em que o juiz partilhava as dificuldades materiais da classe média e só dela sobressaía pelo prestígio social que a independência funcional lhe dava. Não seria, claro está, a independência que a democracia lhe confere: tinha por óbvio limite o que fosse caro à ditadura (num exemplo extremo, um juiz que aceitasse funções no Tribunal Plenário bem sabia o que vendia e a que preço). Mas, contido no crime ou no cível, ele pairava por sobre todas as cabeças da comarca, no pobre Portugal de então. Onde isto vai… Em bem menos de três décadas, julgando que os espíritos são linearmente tão mais livres quanto mais os corpos estiverem a salvo das contingências materiais do dia-a-dia, o regime democrático tomou a classe nos seus desvelos e deu-lhes um estatuto de excepção: os melhores ordenados do Estado e as mais singulares regalias (no activo e na reforma). E o que é mais: o silêncio das instituições, enquanto na classe iam grassando as piores ilusões - como a de a independência ser um direito seu (em vez de um dever para connosco), ou a de, substituindo a sujeição ao sufrágio por um rápido curso no Centro de Estudos Judiciários, se tornarem titulares de um órgão de soberania (em vez de estarem ao seu serviço). É verdade que muitos magistrados houve a alertar-nos para estes e outros riscos. Mas também o é que a vontade profissionalmente organizada e o desleixo do Estado democrático consentiram que se chegasse aos protagonismos que costumam prenunciar a república dos juízes. Com a singular agravante de, nem por aspirarem a ar fresco na cabeça, renunciarem aos pés devidamente aquecidos. E daí o permanente ziguezague - por vezes, numa sobreposição que nem sequer se interroga - entre o impulso de co-autoria das leis e a reivindicação corporativa dos seus direitos adquiridos.

Só isso explica termos chegado ao ponto de, perante uma agressão (nem percebi se consumada, mas não importa) aos julgadores, cometida por dois condenados na própria sala de audiências (improvisada, ao que parece), a reacção dos juízes de Santa Maria da Feira ser a de deixarem de julgar. Cavaco não pode deixar de promulgar enquanto não lhe concertarem o ar condicionado. O Governo não deixa de reunir porque há uma Hi-Ace a vender T- -shirts na Gomes Teixeira. E o cidadão não deixa de pagar os seus impostos porque um vizinho o agrediu impunemente. O que há de tão especial em Santa Maria da Feira?

Descansem os intranquilos. Não é preciso ser devoto do que há de académico e laboratorial e precário na corrente reforma da Justiça. Nem sequer - vejam lá - é necessário reconhecer, a este propósito, o absurdo de ser quem mais se ornamenta em soberano quem mais exige direitos de funcionário. Nada disso. Basta tão só que quem existe para meter juízes na ordem o faça, em vez de ir à Feira recobri-los com a sua "soberana" solidariedade. Como fez o presidente do Conselho Superior da Magistratura.

DN, 29-6-2008
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?