24 junho, 2007

 

Pedro Abrunhosa


Ele é um gajo do Porto!



http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Abrunhosa

http://pedro-abrunhosa.letras.terra.com.br/

http://www.myspace.com/abrunhosa

Comments:
Entrevista a Pedro Abrunhosa:
"Não consigo viver a olhar para trás"

NUNO GALOPIM

Teve, muito antes do primeiro sucesso com o álbum Viagens (em 1994), uma longa pré-história quase invisível, de mais esforço que visibilidade...

Fundei uma escola, que tinha uma série de grupos, uns quartetos e quintetos. Depois tive a Banda do Bolso, que foi um dos meus primeiros grupos. Houve os Magrinhos e Feios... Mais tarde, muitos grupos de jazz. Da escola, que co-fundei, fiquei com a Orquestra. Fazia os arranjos, e dirigia a orquestra. Com a Orquestra de Jazz do Porto corri o país inteiro. Foi, para mim, uma grande escola porque eu era obrigado a escrever, a dirigir e a ensinar.

Não era frustrante tanto esforço quase sem visibilidade?

Não, nada! Sem querer parecer que estou a ser pedante, nunca quis ser famoso. O star system foi uma coisa que entrou na minha vida pela porta do lado. Tive muito gozo. Ainda continuo a ter algum... Mas tenho muito os pés na terra.

Tirou conclusões de uma fase de de sobreexposição que não lhe foi tão favorável?

Essa foi uma etapa de aprendizagem, tal como o foi o ter dirigido a orquestra. Quanto ao reconhecimento, já antes o tinha, embora não do grande público. Eu venho da música clássica! Mais concretamente da contemporânea. Fui bolseiro da Gulbenkian. Vim estudar música contemporânea, que é uma coisa sem visibilidade nenhuma. Cheguei a tocar na inauguração de um museu em Madrid, numa sala em que éramos mais os músicos a tocar que as pessoas a assistir. Por isso, a ideia de fama era uma coisa que para mim estava muito longe. Quando regresso a Portugal desse périplo, formo a Banda de Bolso. A Orquestra de Jazz do Porto transformo-a em Máquina do Som. Essa banda é feita pelos melhores elementos da escola de jazz do Porto. Mais tarde A Cool Jazz Orchestra nasce da Máquina do Som...

E essa já com alguma visibilidade.

É por essa altura que começo a ouvir acid jazz. E a pensar: alguém tem de fazer isto em Portugal. E isto dá no Viagens, que é o encerrar de um enorme capítulo.

O disco é também o ponto de apresentação para uma figura crítica que o país então descobre. Foi até figura do ano no DN em 1994...

Teve a importância que teve... O Eduardo Lourenço, que é um dos maiores pensadores portugueses, disse que Portugal não constrói o futuro porque vive a olhar para o passado. E eu não consigo viver a olhar para trás. Senão não me liberto.

Mas como convive com a consciência de ter sido inclusivamente um motor de acontecimentos políticos, como o foi o concerto na Caparica na véspera do buzinão?

A relevância política daquele momento teve a ver com a atitude dos dez anos que o precederam, mais que com o facto de estar no sítio certo na hora certa. Não se pode exigir uma reacção ácido/base se não se tiver um e outro. Olho apenas para trás num sentido dialético de fechar e arrumar. E passou para a frente. Às vezes acertou, outras falhou. O Bolívar dizia que não se podia saborear a vitória sem conhecer a derrota. E já saboreei muitas derrotas. A Máquina do Som foi uma delas.

E nos Bandemónio, teve já um disco fracassado...

Foi o Silêncio. Um disco esquecido, completamente. Nos concertos mais íntimos, toco muitas coisas desse disco. O público é sempre mais reaccionário que nós. Está sempre à espera que nós estejamos a olhar para trás. Neste momento, acho que chegou a altura em que posso assassinar os meus próprios êxitos. Pode ser doloroso, mas é legítimo fazê-lo.

Assassiná-los, como?

Neste momento estou a fazer uma versão do Tudo o Que Eu Te Dou para esta formação dos Bandemónio. Se calhar não o devia fazer. Mas se calhar sou o único que o pode fazer. Nesta fui longe demais. Tanto que as miúdas de 17, 18 anos vêm ter comigo e dizem que tinham vindo para ouvir o Tudo o Que eu Te Dou... E respondo-lhes que foi a primeira canção que ouviram no concerto. Pode não estar muito reconhecível... Mas quem quiser ouvir como era, está no disco!

Como se equaciona a satisfação do músico e a do espectador?

Ui, isso é uma dialéctica! É um compromisso perigoso. Se vamos demasiado atrás do que o público quer, deixamos de ser nós. E passamos a ser um instrumento nas mãos do público. Noutro dia o Lou Reed foi tocar ao Porto. Não tocou uma única música antiga. Só tocou coisas do The Raven e do Ecstasy. No final estive com ele e ele perguntou-me se eu achava que tinha tocado muitas coisas novas. Não! Para mim, não. Mas os mil e duzentos que lá estavam queriam o Walk On The Wild Side... Mas, disse ele, essa música tem quase 40 anos! Percebo os dois pontos de vista. E eu também gostava de ter ouvido o Walk On The Wild Side... Ou seja, eu toco o Tudo o Que Eu Te Dou, mas à minha maneira. O Socorro também está diferente.

Mas essas canções não estão mortas...

Não, mas estão em disco.

São memórias de um 1994 em que Viagens se impôs pelo som, mas também pela imagem. Essa preocupação visual foi fundamental?

Lembro-me de estar a ensaiar os Bandemónio e lhes dizer que a "aula" desse dia ia ser sobre como entrar e sair do palco... Fazíamos aulas assim. Até chegar ao momento do refinamento total. Trabalhava-se a atitude de palco e o vestir. Mas já nos tempos da Máquina do Som, nos anos 80, tinha essa preocupação.

O "professor" foi importante para formar os Bandemónio?

Na altura foi. Eles também foram muito importantes para mim. Como dava aulas de grupo, tinha capacidade de os trabalhar como plasticina.

Uma das suas primeiras canções com os Bandemónio [É Preciso Ter Calma] falava abertamente de sida. Não era temática habitual na música portuguesa... Foi a facilidade de expressão do homem do Norte?

Não sei... Acho que ser do Norte é uma coincidência. Para já são questões de uma emergência muito grande. Desde 1992 que canto essa canção. E era complicado na altura. Havia quem perguntasse se era uma história de amor que eu tinha vivido... Eu vou buscar as histórias às minhas entranhas, e também às entranhas dos outros. Gosto quando as luzes se apagam, de olhar para as fachadas das casas e ler o que se passa lá dentro. E muitas das coisas que ali se passam são tragédias. Naquela altura aquela canção fazia todo o sentido.

Ser músico era destino inevitável para si?

Na revista American Songwriter, que leio, tenho reparado que muitos re-ferem o ambiente musical que tinham em pequenos. E é mesmo muito importante. E formador. Não esqueço as noites na Juventude Musical Portuguesa, no Círculo Portuense de Ópera. Vi o Bernstein e o Sviatoslav Richter... O Porto tinha uma vida cultural espantosa nessa altura. Por outro lado, chegava a casa e tinha muita música à disposição. Que havia de dar senão músico?

Quem mais o motivou, depois, como autor?

Havia três nomes em particular: o Fausto, o José Afonso e o Carlos do Carmo. Que acabam para me empurrar para a escrita em português. O Jorge Peixinho [que foi seu professor] deu-me, por seu lado, um lado científico, cerebral, que depois também usei ao sabor das canções.

DN, 16-6-2007
 
"Ao descobrir Zappa o futebol deixa de interessar"

O seu chamamento para a música, em criança, fez-se pelas palavras ou pelos sons?

Pelas coisas. Estão as duas no Frank Zappa. E ouvi muito Zappa. Na verdade comecei a ouvir muito por duas vertentes. Por um lado, uma vertente festiva, mas sempre com um lado muito irónico. E isso está no Zappa. Por outro lado era um sujeito com uma capacidade intelectual brutal.

Mas começou por Frank Zappa?

A canção chegou a mim por duas frentes. Por um lado, pelos meus pais, com a chanson française. Portugal foi buscar muita coisa à cultura francesa até há uns 20 anos. Em casa ouvíamos muito Brel, que era belga, e também o Ferré e o Reggiani. Simultaneamente a Mahalia Jackson. Ouvi-a a cantar o Rock Of Ages, quando tinha aí uns seis ou sete anos... E foi aí que fui buscar o swing. Depois, via meus irmãos, tinha o funk. Entrava o James Brown e muita música negra. E foram eles quem me trouxeram para casa os primeiros discos do Frank Zappa. E quando se descobre aquilo, o futebol deixa simplesmente de interessar.

Já pensava então que poderia vir a ser músico?

Nunca quis ser bombeiro ou futebolista. Não me revia nas aventuras dos miúdos da minha idade. E já passava horas a tocar piano em casa dos meus avós. Eles viviam numa casa típica do Porto, de três andares, e tinham um piano. Era o meu fascínio. E comecei a descobrir que aquilo podia exprimir qualquer coisa. Primeiro tentei reproduzir o que ouvia, e depois comecei a fazer uns acordes. Nem sei ao que soava, mas criava emoções...

Os avós e os pais assustavam-se de o ver a "perder" tanto tempo com a música?

Não, nunca se assustaram. E os meus gostos na altura não tinham nada a ver com aquelas coisas tribais. Fumar um charro, ir a uma discoteca, acompanhar grupos. Não encontrava kick no que os miúdos gostavam na altura. Mas sentia que o tinha em casa, às três da manhã, com toda a gente a dormir, ficar a ouvir discos. Como o da Mahalia Jackson.

Mas já sentia a vontade de fazer canções?

Ainda não.

Essa é descoberta posterior, com as viagens de que o álbum Viagens é resultado?

Exactamente. Andava a experimentar o mundo de guitarra às costas. Comecei a ganhar dinheiro, com os Interails, a tocar guitarra na rua. Tocava Johnny Cash.

Onde cantava?

Sobretudo na Escandinávia, onde se ganhava bem a tocar na rua. E no Sul da Europa, por causa do Verão e da diversão. Eu acabava o liceu e metia-me no primeiro Interail. E desaparecia. E não havia telemóveis. Uma vez, na Grécia, em setenta e pouco, estava ao pé de uma cabine a tentar falar para casa. Estava de guitarra. E enquanto esperava pela minha vez na cabina, ia tocando e ganhando dinheiro.

Teve, além dessas aprendizagens feitas nos discos e na estrada, aulas de música...

O Jorge Peixinho foi meu professor. Já trazia aquela coisa festiva de tocar na rua, nos Interails. E depois veio o científico, o racional. Mais asceta, mais complicado. E mais rico.

DN, 16-6-2007
 
"Políticos têm de ouvir pensadores e criadores"

Em 1994, Pedro Abrunhosa foi uma das mais vivas (e visíveis) forças de oposição à então maioria absoluta de Cavaco Silva. 13 anos depois, Luz chega sob outra maioria, desta vez do PS de Sócrates. Quais as diferenças? "Dois sintomas de autismo", começa por responder Pedro Abrunhosa. Mas logo acrescenta que "ser músico é, primeiro que tudo, fazer música". E, explica: "Este disco é sintomático em relação ao que foram os últimos 33 anos de democracia." Fala de 33 anos que "têm produzido alguns embaraços", pelo que, diz que"chegou a altura de os políticos ouvirem mais os pensadores e aqueles que na realidade escrevem a história do País, que são os criadores. A história escrita deste país não é feita por quem constrói auto-estradas", sublinha. Para si, a história portuguesa do século XX será escrita por António Lobo Antunes, Mário Cláudio, Eduardo Lourenço. "São estes que vão relatar os factos aos que daqui a 300 anos farão a história deste século. É a filosofia quem conduz o estado ético das coisas. Os políticos não têm a exclusividade de pensar o país e a democracia não lhes aufere o conceito divino de ser um Deus só. Nós, em última análise, temos uma opinião que ainda não foi eventualmente ouvida. E foi menos partilhada ainda."

Abrunhosa mostra a Ota como caso paradigmático desta sua visão: "Os estudos dizem que é um mau local. E depois há uma questão muito importante, que é o apagar do aeroporto do Porto, que fica desprovido de sentido. Onde estão, então, as vozes a Norte do Mondego que se oponham a isto de forma sistemática? E sendo a Ota uma não prioridade, de repente revela que o país está sem uma voz política."

Abrunhosa acredita que canditaturas de cidadania, como se verificaram já nas presidenciais e, agora, nas autárquicas intercalares em Lisboa, são um reflexo disto mesmo. E "53 por cento de abstenção é um sinal claro para reflectir", acrescenta. Ou seja, "está aberto caminho para a candidatura de cidadania, que pode ser perversa, porque no interior do país não podemos esquecer os caciquismos"... Por outro lado, diz, "esta democracia criou um espaço para o aparecimento de subfenómenos, sobretudo à extrema-direita. Também à extrema-esquerda. E aquele cartaz no Marquês de Pombal não é à toa". Pedro Abrunhosa defende que "foi dado espaço para que se criasse uma espécie de imagem de saudade do passado". Acontecimentos que, diz o músico, só são compreensíveis pela dissociação do cidadão em relação ao poder político. Porque 33 anos de democracia já são suficientes para que o poder político ouça melhor e resolva esta questão simples: a política serve para melhorar a condição de vida das pessoas". Abrunhosa salienta que "muita coisa mudou para melhor" depois do 25 de Abril. Mas, adverte que "não podemos evoluir sem formação, sem cultura, sem educação, sem nivelamento de riqueza".|

DN, 16-6-2007
 
Um disco que conta histórias das gentes do dia-a-dia

"Preciso de tempo de viver. Não consigo criar para inglês ver", diz Pedro Abrunhosa. Tempo para observar o mundo que lhe inspira as canções: "No jornal saem os factos. A dor, essa é exorcisada de outras formas mais etéreas", explica. "Vou buscar aos jornais muitas das histórias que conto. Quer a realidade irónica do país, no Dealer e Dilema, quer a realidade trágica da história da Gisberta", que canta na Balada de Gisberta. Para si, Luz "é um disco que se insere muito, dentro do espaço do songwriting, na crónica do dia a dia", ou seja, é um álbum feito de canções que contam " as histórias das pessoas" e que lhes "vivem a pele". Uma vez mais Pedro Abrunhosa surge como um comentador da vida, do país. A sua música sendo, assim, o primeiro reflexo do mundo à sua volta,

O título do disco fala de uma luz. Uma "luz que é a luz da escuridão. De personagens sombrias". Tarde Demais, por exemplo é a história de uma prostituta. Uma "história de saltos altos no passeio". Um dos muitos tabus que o disco aborda sem receio. Porque, como o próprio explica: "Quem fomenta a prostituição é quem fomenta o próprio tabu."

É, contudo, impossível deixar de lado a arrepiante Balada de Gisberta. "Reuni muita documentação, fiz um trabalho quase jornalístico", recorda Pedro, que a esta história chegou não só pela relação pessoal com o local onde foi espancada e morta, como pelo próprio "ciclo de violência" que toda a situação convocou. "Esta é a história dela", apresenta a canção. "Ele era um sujeito humilde, que vivia no interior de São Paulo. É muito complicado vir de uma família pobre, juntar dinheiro, vir para a Europa e exercer aquela actividade. Quando chega impõe-se na noite do Porto e de Madrid. Era, de facto, uma rainha da noite. E teve momentos de glória. De glória sombria." Sombria não apenas pela morte trágica, mas pela própria etapa de decadência que viveu nos seus últimos anos, uma recta final de existência quase miserável. "São miseráveis a exercer poder sobre outros miseráveis. Foi este o ciclo de violência que me chocou", remata Pedro Abrunhosa.

Musicalmente, o seu novo disco é também distinto do anterior Momento, esse um disco surgido "na ressaca da morte" do seu irmão. "Este disco é um reencontro com a atitude Bandemónio, que marcou 1994. Foi gravado ao vivo no estúdio, com toda a gente na sala ao mesmo tempo, eu a dirigir ao piano, e o Mário [Barreiros, co-produtor] na sala ao lado. Pedro anuncia que, ao vivo, o som de Luz vai ditar mudanças. Repetir vezes sem conta mais do mesmo não o estimula.

DN, 16-6-2007
 
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