11 julho, 2007

 

11 de Julho


Dia mundial da população


http://pt.wikipedia.org/wiki/Popula%C3%A7%C3%A3o

Comments:
Portugal não tem estruturas de
apoio, dizem os especialistas

As mães portuguesas são das que mais trabalham na
União Europeia – um dado que não é alheio à quebra de nascimentos
verificada em Portugal em 2006.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o índice
sintético de fecundidade apresentou, no ano passado, o valor
mais baixo de sempre com o número médio de filhos por
mulher em idade fértil a cair de 1,41 para 1,36.
É a maior quebra de nascimentos conhecida desde que há
estatísticas. E é acompanhada por um adiamento da maternidade
– ou seja, as mulheres têm menos filhos e mais tarde.
A revelação não surpreende Teresa Ribeiro, professora de
Psicologia da Família na Universidade de Lisboa, para quem
inverter esta tendência passa por uma mudança de mentalidades.
Teresa Ribeiro lembra em declarações à Renascença que as
mulheres portuguesas são das que mais trabalham no espaço
europeu, o que, aliado à falta de estruturas sociais de apoio,
leva a que as mulheres optem por não ter muitos filhos.
A especialista, que colabora no Instituto de Ciências da Família
da Universidade Católica, apela por isso ao sentido de
responsabilidade social das empresas, apontando algumas
medidas concretas que poderiam fazer a diferença:
“Flexibilidade no horário de trabalho, possibilidade de conjugar,
entre marido e mulher, o trabalho a tempo inteiro e
parcial, redes de serviços e equipamentos sociais”.
As mesma medidas – e outras, de promoção da família – são
defendidas também pela Associação Portuguesa de Famílias
Numerosas, estrutura para a qual, face ao declínio da natalidade,
o INE tem agora de rever as projecções realizadas até
2050, que apontam para o nascimento em média de 1,7 filhos
por mulher.
Os números apresentados pelas estatísticas não constituem,
mais uma vez, uma surpresa para esta associação, que acusa
o actual Executivo de não estar sensibilizado para este problema.
No entender de Ana Gonçalves, porta-voz da Associação Portuguesa
das Famílias Numerosas, os portugueses querem ter
mais filhos, mas não se sentem apoiados para levar esse projecto
por diante.
“No último inquérito realizado às famílias, o número de
filhos desejado é 2,1 e neste momento o que as famílias têm
é 1,36. Isto demonstra a enorme penalização que em Portugal
existe em relação às famílias portuguesas”, afirma.
Os dados da natalidade em Portugal foram divulgados pelo
INE, a propósito do Dia Mundial da População, que hoje se
assinala.
Apoios à natalidade estão “fora de questão”
O Governo português afasta a possibilidade de dar apoios
directos à natalidade.
Ao contrário de outros países europeus, como Espanha e Alemanha,
que decidiram atribuir incentivos financeiros à natalidade,
fonte do Ministério da Solidariedade garantiu esta
manhã à Renascença que o nosso país não optará por essa
possibilidade.
Em Espanha, o Governo do socialista Zapatero dá 2.500 euros
por cada nascimento.
Na Alemanha, o subsídio de nascimento pode chegar aos
25.000 euros.
Por cá, o Gabinete de Vieira da Silva garante que não será
seguido esse tipo de política.
O Ministério da Solidariedade diz apostar, por outro lado,
numa política integrada para a família que, no que diz respeito
à criança passa, por exemplo, pela duplicação do
número de lugares em creches e mediante uma distribuição
geográfica adequada ao local de trabalho dos país.
O gabinete de Viera da Silva recorda ainda que no âmbito da
revisão do Código de Trabalho estão a ser alteradas as políticas
de maternidade e de protecção de paternidade.
Ainda não está definida uma verdadeira política de apoio à
família mas o Ministério da Solidariedade recorda que foi
constituído um grupo de trabalho que até ao final do ano irá
apresentar sugestões para aperfeiçoar as medidas já em curso.

RRP1, 11-7-2007
 
JÁ TENTOU HOJE?

Pedro Lomba

Ontem, Dia Mundial da População, ouvimos outra campainha de alarme. Não há dia mundial de coisa nenhuma que não termine com uma nota apocalíptica. Mas, desta vez, o pessimismo é justificado. Os números do Instituto Nacional de Estatística mostram que os portugueses continuam a envelhecer. Aumentou a população com mais de 80 anos. E decresceu a população abaixo dos 30: menos 15% de jovens desde 1987. O nosso maior problema, como noutros pontos da Europa, é a redução da natalidade. Em 2006, nasceram menos 4100 crianças que no ano anterior. Somos um dos países mais envelhecidos do mundo. Temos falta de imensa coisa: recursos, mercado, massa crítica. Percebemos agora que também temos falta de filhos. Estamos em vias de extinção.

E porque é que nos faltam filhos? Antes de prosseguir, mais alguns números. Diz o INE que, em média, entre 1987 e 2006 as mulheres atrasaram três anos a chegada do primeiro filho. A idade média para começar a ter filhos era até há pouco tempo 26,8 anos. Em 2006, subiu para 29,9 anos. Isto significa que os casais portugueses secundarizam completamente a maternidade face a outras escolhas de vida. A cada um os seus caminhos. Há uma mudança cultural em curso: ter filhos tornou-se trabalho para trintões. E toda a gente se fica por um ou dois rebentos. Evitamos exageros. Quem não preserva histórias heróicas de avós que tiveram os seus 14 filhos e sobreviveram? Parece, no entanto, que sobreviveram mal. E fica a pergunta: os portugueses não têm filhos porquê?

O primeiro problema de uma pessoa aos 25 anos é conseguir um mínimo de autonomia financeira que lhe permita pagar os seus próprios prazeres e consumos. As famílias garantem, pelo menos, protecção. Neste país conservamos ao máximo o nosso estatuto de infantilidade. Fazemos tudo mais tarde. Saímos de casa tarde. Começamos a trabalhar tarde. E, naturalmente, habituamo-nos tarde à disciplina e ao crescimento que o trabalho exige. O trabalho apenas nos dá uma ilusão de estabilidade. Com salários baixos, carreiras rígidas, mérito mal recompensado e nenhuma cultura de mobilidade, o português pensa que a vida não é será diferente no próximo ano do que foi neste. E vai adiando. Os filhos ficam para o fim.

Já é difícil fazer reformas em Portugal. Os grandes ignoram os pequenos. Os instalados perpetuam-se. As elites reproduzem-se com outras elites. Os que estão dentro tapam o caminho aos que estão fora. Mas a nossa grave crise de natalidade ameaça dificultar ainda mais a renovação do País. Tudo seria bem melhor se os portugueses percebessem o que têm de fazer em cada dia. Levantar cedo, pôr os filhos na escola, trabalhar, encher o bucho, trabalhar outra vez, regressar a casa a 60 km/hora, buscar os filhos, ver televisão, dormir. No dia seguinte repetir a dose.|

DN, 12-7-2007
 
OS SINAIS DOS EXPOSTOS

Maria José Nogueira Pinto
jurista

Há mais de 20 anos entregaram-me o Arquivo Histórico da Misericórdia de Lisboa. Fui ver como era e deparei-me com uma cave escura, uma entrada de garagem, no chão poças de água suja, beatas e folhas soltas do Crime e da Bola. Não era um começo promissor, mas segui em frente acolitada por uma equipa feita com a prata da casa e um jovem estagiário licenciado em História.

O simples gesto de abrirmos as primeiras caixas e de desatarmos os cordéis que amarravam os pacotes poeirentos e amarelados pareceu revelar--se como que uma profanação, só atenuada pela reverência da nossa curiosidade. Do primeiro maço de cartas constavam as guias de remessa de recém-nascidos, assinadas pelo Enfermeiro-Mor do Hospital de Todos-os-Santos. Eram os sobreviventes de gravidezes ocultas, famintas e desamparadas que haviam causado a morte das mães. Mas foi das caixas que saíram, intactos no meio do farelo em que o papel se tinha transformado, os primeiros sinais dos expostos. Havia sinais de todos os géneros: os de pedras preciosas, ouro e prata ou confeccionados em tecidos ricos como o brocado, o veludo ou a seda revelavam a origem nobre do exposto; outros, muito mais modestos, eram feitos em tecidos pobres, bordados em singelo ponto de cruz ou ponto pé-de-flor e, por vezes, uma pequena medalha.

Enquanto que das crianças enviadas pelo Enfermeiro-Mor não se sabia mais nada, as que eram deixadas na Roda levavam, quase sempre, aquele sinal. Mãos amorosas tinham-nos confeccionado no desespero de uma circunstância fortuita e na esperança de um reencontro futuro. As mãos que abandonavam eram as mesmas. Paradoxo? Não me parece; apenas um derradeiro esforço de impedir que o tempo tudo apagasse ou um acto final de expiação.

Não minto se disser que aqueles sinais, resistentes ao tempo, que no seu conjunto contavam séculos de histórias, dramas, sofrimento e, decerto, também redenção foram tão avassaladoramente esclarecedores que nada do que li ou experimentei depois me elucidou tanto.

O abandono de recém-nascidos é antigo como o mundo, existiu em todas as classes sociais, consta de muitas das lendas e contos que passaram de geração em geração. Heróis da mitologia e figuras bíblicas foram mesmo despojados de qualquer maternidade como se assim assumissem mais plenamente a sua grandeza: Rómulo e Remo alimentados por uma loba, Moisés deixado numa cesta deslizando pelas águas do Nilo até às mãos com- passivas da irmã do Faraó. Ao longo de séculos, gerações de mulheres abandonaram os filhos e em muitos casos esse foi, ainda, um acto de amor.

Os tempos modernos criaram a ilusão de que tais factos, agora apelidados de "fenómenos", eram residuais, que as causas que os provocavam iam desaparecer. Não foi assim. A Roda acabou mas foi substituída por uma pirâmide burocrática sem coração e sem rosto. As mãos que, após o toque da sineta, faziam girar a roda e acolhiam a criança exposta foram substituídas por um Estado que, como se viu em Portugal, deixa impunemente que as crianças sejam usadas e abusadas. A condição humana é imutável e a sua pseudo-sofisticação parece não ter resultado.

Prova disso mesmo está no recente relatório do Conselho da Europa sobre as novas Rodas ou as "Caixas de Bebés", que proliferam oficialmente em países europeus como a Suíça, Itália, Alemanha e Bélgica, nos Estados Unidos e, mais recentemente, no Japão. Aos argumentos contra, assentes no incitamento a práticas criminosas e à desresponsabilização dos progenitores que estas Caixas podem fomentar, surgem os argumentos a favor, da preservação da integridade física e da vida destas crianças. Acresce que as novas rodas acarretaram uma salutar alteração legislativa: criança deixada na Caixa é imediatamente registada e, decorrido um curto período em que os pais a podem reclamar, é entregue sem mais formalidades aos candidatos à adopção.

Este realismo lúcido confortou-me. Tanto, devo dizê-lo, como me tem inquietado a cartilha oficial do abandono, em Portugal. Muitas crianças, poucos sinais...

DN, 3-7-2008
 
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