31 julho, 2007

 

Auto-estima


Porque para querer é preciso crer



http://www.pensador.info/p/frases_para_levantar_auto_estima/1/

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AUTO-ESTIMA

Maria José Nogueira Pinto
jurista

Até há pouco tempo a felicidade era um conceito subjectivo. Quando eu era criança lembro-me que os adultos distinguiam os infelizes, que não tinham nada nem ninguém e aos quais aconteciam grandes desgraças, daqueles que não tinham jeito para a felicidade, não agarravam as oportunidades, eram negativos e pessimistas. Por outro lado, alguns que conduziam muito mal a própria vida eram apelidados de bon vivant, pelo que a censura ao modo de vida não prejudicava o juízo de valor sobre o bem que a desfrutavam. Também se distinguia o ser feliz do estar feliz já que ninguém acreditava num estado de permanente felicidade e a todos era reconhecido o direito de estarem mal dispostos de quando em vez. Em suma, nesse tempo, não se acreditava em receitas para ser feliz, aplicáveis a todos, como uma dieta para emagrecer ou um truque para tirar nódoas difíceis.

Da auto-estima nem se falava! Que me lembre havia os fracos e os fortes, os que enfrentavam as tormentas e os que fugiam delas, os que se fortaleciam na vivência e na convivência e os que não aguentavam os infortúnios. Nada era adquirido mas sempre visto como um processo de auto-aperfeiçoamento assente na ideia de que cada um pode melhorar como pessoa, reforçar as suas qualidades, limar os seus defeitos. As pessoas que não gostavam de si próprias também não gostavam dos outros e dizia-se que eram "complexadas".

Em suma, tudo muito pouco científico, empírico e subjectivo, obscurantista, dirão alguns, injusto, dirão outros. Mas tinha uma inegável vantagem: a ideia que cada um podia fazer-se a si mesmo, para o melhor ou o pior, que a autodeterminação era possível, para lá da circunstância das origens sociais, culturais, económicas de cada um e, até mesmo, do grau de afectos e cuidados. A história recente está cheia de casos destes, os made self men (e agora também women) nas artes, nas ciências, na política, na economia. Podia-se ser tudo, com quase nada à partida. Hoje, com o aumento da depressão e o triunfo do stress, aquilo que eram meros estados de espírito ou o resultado de naturezas fracas começou a ser tratado como doença e apropriado pela ciência. Foi o caso da felicidade em geral, e da auto-estima em particular.

Rojas Marcos é considerado um guru em matéria de auto-estima. Ele próprio confessa ter fugido da sua Sevilha natal e imigrado para os Estados Unidos porque a sua auto-estima estava acabrunhada. Devia ter razão pois aí se tornou num reputadíssimo psiquiatra e professor na universidade de Nova Iorque. O seu último livro é, porém, inquietante. Segundo o mestre, um terço da nossa auto-estima é explicada exclusivamente por uma componente genética. Os outros dois terços dependem em grande parte da infância que se teve, e só a partir deste ponto se entra em linha de conta com a vontade e o carácter de cada um.

Porém, em sociedades altamente competitivas como as nossas, a auto-estima depende ainda do sucesso que se obtenha, dos resultados alcançados e de um permanente reconhecimento dos outros, uma espécie de confirmação social que deve ser muito cansativa por precária e aleatória.

Para nos defendermos de tantos imponderáveis aconselha-nos a "diversificar as parcelas de felicidade". Ou seja, há que comportar-se como um verdadeiro investidor nunca pondo todos os ovos no mesmo cesto. Não tarda serão clinicamente desaconselháveis as grandes paixões, um único amor, uma grande causa, uma vocação, em suma nada que nos deixe descalços quando menos esperamos, com a auto-estima irremediavelmente de rastos. Algo tão mais perigoso quanto esta tem uma influência directa, ao que parece cientificamente comprovada, na esperança de vida!

Fico também a saber que com a auto-estima se passa o mesmo que com o colesterol: há a má e a boa. Por isso não basta ter auto-estima, é preciso que ela seja de boa proveniência.

Um desalento, não fora uma frase de Rojas que, qual lapsus linguae, me reconduz ao princípio desta divagação: "Sem uma dose de auto-engano a vida seria insustentável." Fica, assim, por conta de cada um, o "manto diáfano da fantasia".

DN, 26-7-2007
 
AUTO-ESTIMA

Maria José Nogueira Pinto
jurista

Até há pouco tempo a felicidade era um conceito subjectivo. Quando eu era criança lembro-me que os adultos distinguiam os infelizes, que não tinham nada nem ninguém e aos quais aconteciam grandes desgraças, daqueles que não tinham jeito para a felicidade, não agarravam as oportunidades, eram negativos e pessimistas. Por outro lado, alguns que conduziam muito mal a própria vida eram apelidados de bon vivant, pelo que a censura ao modo de vida não prejudicava o juízo de valor sobre o bem que a desfrutavam. Também se distinguia o ser feliz do estar feliz já que ninguém acreditava num estado de permanente felicidade e a todos era reconhecido o direito de estarem mal dispostos de quando em vez. Em suma, nesse tempo, não se acreditava em receitas para ser feliz, aplicáveis a todos, como uma dieta para emagrecer ou um truque para tirar nódoas difíceis.

Da auto-estima nem se falava! Que me lembre havia os fracos e os fortes, os que enfrentavam as tormentas e os que fugiam delas, os que se fortaleciam na vivência e na convivência e os que não aguentavam os infortúnios. Nada era adquirido mas sempre visto como um processo de auto-aperfeiçoamento assente na ideia de que cada um pode melhorar como pessoa, reforçar as suas qualidades, limar os seus defeitos. As pessoas que não gostavam de si próprias também não gostavam dos outros e dizia-se que eram "complexadas".

Em suma, tudo muito pouco científico, empírico e subjectivo, obscurantista, dirão alguns, injusto, dirão outros. Mas tinha uma inegável vantagem: a ideia que cada um podia fazer-se a si mesmo, para o melhor ou o pior, que a autodeterminação era possível, para lá da circunstância das origens sociais, culturais, económicas de cada um e, até mesmo, do grau de afectos e cuidados. A história recente está cheia de casos destes, os made self men (e agora também women) nas artes, nas ciências, na política, na economia. Podia-se ser tudo, com quase nada à partida. Hoje, com o aumento da depressão e o triunfo do stress, aquilo que eram meros estados de espírito ou o resultado de naturezas fracas começou a ser tratado como doença e apropriado pela ciência. Foi o caso da felicidade em geral, e da auto-estima em particular.

Rojas Marcos é considerado um guru em matéria de auto-estima. Ele próprio confessa ter fugido da sua Sevilha natal e imigrado para os Estados Unidos porque a sua auto-estima estava acabrunhada. Devia ter razão pois aí se tornou num reputadíssimo psiquiatra e professor na universidade de Nova Iorque. O seu último livro é, porém, inquietante. Segundo o mestre, um terço da nossa auto-estima é explicada exclusivamente por uma componente genética. Os outros dois terços dependem em grande parte da infância que se teve, e só a partir deste ponto se entra em linha de conta com a vontade e o carácter de cada um.

Porém, em sociedades altamente competitivas como as nossas, a auto-estima depende ainda do sucesso que se obtenha, dos resultados alcançados e de um permanente reconhecimento dos outros, uma espécie de confirmação social que deve ser muito cansativa por precária e aleatória.

Para nos defendermos de tantos imponderáveis aconselha-nos a "diversificar as parcelas de felicidade". Ou seja, há que comportar-se como um verdadeiro investidor nunca pondo todos os ovos no mesmo cesto. Não tarda serão clinicamente desaconselháveis as grandes paixões, um único amor, uma grande causa, uma vocação, em suma nada que nos deixe descalços quando menos esperamos, com a auto-estima irremediavelmente de rastos. Algo tão mais perigoso quanto esta tem uma influência directa, ao que parece cientificamente comprovada, na esperança de vida!

Fico também a saber que com a auto-estima se passa o mesmo que com o colesterol: há a má e a boa. Por isso não basta ter auto-estima, é preciso que ela seja de boa proveniência.

Um desalento, não fora uma frase de Rojas que, qual lapsus linguae, me reconduz ao princípio desta divagação: "Sem uma dose de auto-engano a vida seria insustentável." Fica, assim, por conta de cada um, o "manto diáfano da fantasia".

DN, 26-7-2007
 
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