16 julho, 2007

 

Miguel Torga


12-8-2007 - Centenário




http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Torga

http://dn.sapo.pt/2007/08/08/tema/coimbra_evoca_miguel_torga.html
http://dn.sapo.pt/2007/08/09/tema/imagens_um_lobo_solitario.html
http://dn.sapo.pt/2007/08/10/tema/um_poeta_a_a_z.html
http://dn.sapo.pt/2007/08/11/tema/o_homem_nao_perdoava_politicos.html
http://dn.sapo.pt/2007/08/12/tema/o_diario_guarda_anos_mundo.html
http://dn.sapo.pt/2007/08/13/tema/governo_ausente_centenario.html

http://www.iantt.pt/instituto.html?menu=closed&conteudo=umanoticia&conteudo_nome=Notícias&noticia_id=175

http://www.youtube.com/youtorga

Comments:
A fronteira da nacionalidade bem marcada por Torga

JOÃO CÉU E SILVA

Quase a fazer cem anos sobre o nascimento de Miguel Torga, são reeditados de uma assentada três volumes que representam o melhor de dois dos lados de um autor bastante ecléctico: Portugal e Poesia Completa I e II.

Mas antes de irmos a eles há que pensar um pouco a existência torguiana à sombra desta distância que só faz bem à perenidade das obras que se querem imortais. Até porque no seu caso não há dúvidas - dissiparam-se a partir da década de 50 -, porque o autor decidira esculpir nas duras pedras de granito transmontano, de que tanto gostava, o perfil que desejava registar no seu futuro verbete da história da literatura portuguesa.

Basta lembrar as memórias de Eduardo Lourenço sobre o significado da presença deste 'lobo solitário' em Coimbra para consecutivas gerações que subiam a rampa do Quebra Costas até à Universidade: "Era um mito que todos queriam conhecer e ser amigo dele, mas que o próprio Torga afugentava ao escolher os que aceitava..."

O transmontano era assim e conseguiu manter esse negativo da película original sempre que o tentavam revelar para o positivo da posteridade de um outro modo. Não quer com isto dizer-se que não fosse um dos mais calorosos portugueses, mas, como os seus conterrâneos, não estava aberto à devassa do seu íntimo a não ser em circunstâncias privadas. Facto, aliás, que se confirma em grandessíssima parte da sua obra, pois o tom autobiográfico submerge-a em enorme amplitude. Torga não receava expor-se, fê-lo n'A Criação do Mundo e em dezasseis volumes de um Diário que é uma história crítica do Portugal salarazista, marcelista e abrilista e até ao início dos 90.

Estes dois volumes, de quase 500 páginas cada, são testemunho dessa entrega à verdade, uma das componentes que exigia à personalidade e à sociedade que o cercava. São, também, uma exposição clara e conflituante na sua obra poética, onde não encobre ou esconde sentimentos e dúvidas contraditórios sobre Deus e a morte. Em Poesia Completa I e II tem o leitor uma vasta expedição pelo interior do ser e do pensar de Torga, aquela parte da obra em que é mais sincero porque a poesia, apesar de ter também parto difícil, ficava definitiva e desautorizava-o de fazer as habituais dúzias de emendas. Facto que se comprova nas mínimas alterações aos poemas em cada reedição de um livro porque, dizia, era-lhe impossível reescrever o que vinha de dentro. Até porque, enquanto um outro poeta produzia dez poemas, Torga teimava na finalização de um verso.

A reprodução manuscrita nas capas de Poesia Completa de algumas linhas do poema "Ariane" não é suficiente para o leitor (virgem) se aperceber da tortuosa concepção da sua literatura, mas, ao ler estes dois volumes, entenderá essa forma do ser torguiano. Anulados que foram por vontade própria os primeiros livros - sob o nome de baptismo (Adolfo Rocha) -, e dos quais o autor apenas aceitou reproduzir um verso, vieram uma ampla série de volumes que a seu tempo lhe deram a fama de poeta e o proveito que Torga mais desejava, pois se lhe quisessem colar um rótulo que não o de médico agradecia que fosse o de poeta.

De norte a sul

Curiosamente, e dê-se aqui o salto temporal para o ano deste centenário, apesar de ter escrito 1167 poemas, parece que é pela prosa que Torga ficará mais perene na leitura dos portugueses. Assim o dizem alguns dos seus mais profundos conhecedores, como Manuel Alegre, trazendo Sophia de Mello Breyner Andresen à colação - a sensibilidade dos poetas torna-os os melhores prosadores. Por isso, esta oportuna reedição permitirá que tal fôlego torguiano não fique esquecido nas livrarias, como está a acontecer com a maioria dos autores nacionais recém--falecidos, calcados pelo lixo literário que resulta do boom editorial. Até porque a sua poesia permite, mais do que conhecer um lugar que é marca de um século acabado, entender o ser do homem que não se transformou com a viragem do século e que nasce do homem em mudança.

Está nessa Poesia Completa incluída a série dos Poemas Ibéricos, que permite saltar para a outra reedição, a de Portugal. Existiu em Torga uma luta constante entre a necessidade de viver a totalidade de um pensamento iberista e o orgulho de ser português sem ceder a investidas contra a nossa independência - nem mais tarde, às da União Europeia. Para Torga, a exigência de partilhar cultural e espiritualmente a península até aos Pirenéus traduziu-se na admiração dos Miguéis Unamuno e Cervantes, mas jamais aceitou que da fronteira para cá passasse mais do que isso. Editado em 1950, eleva e enleva a pátria sem ser um mero exercício de nacionalismo, porque não era dessa têmpera e insurgia--se contra o poder da força que promovia uma errada concepção de fecho à modernidade.

DN, 15-7-2007
 
Uma ausência que as férias não explicam

O Governo devia ter-se feito representar ao mais alto nível na cerimónia do centenário de Miguel Torga. Não tinha de ser necessariamente o primeiro-ministro, José Sócrates, nem a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima - ambos têm direito a férias e o País não se faz só de homenagens -, mas a ocasião exigia mais do que apenas o delegado regional da Cultura do Centro. Não está em causa António Pedro Pita, está o facto de o Governo ter deixado os cem anos de um dos maiores escritores portugueses de sempre, várias vezes nomeado para Nobel, entregues a funcionário.

Com a agravante de ainda há pouco mais de um mês lhe ter concedido honras de Estado, com o próprio primeiro-ministro a fazer questão de estar presente na cerimónia de apresentação do projecto do Espaço Miguel Torga. "Governo Presente", o nome da iniciativa no âmbito da qual José Sócrates visitou S. Martinho de Anta, em Junho, confirma que algo falhou.

Mais uma vez, o Executivo socialista volta a ser a sua oposição mais corrosiva. Além da passagem de Sócrates pela terra natal de Torga, não faltará quem lembre a presença de vários ministros na tomada de posse de António Costa, na Câmara Municipal de Lisboa. Ou que tudo isto acontece com o primeiro-ministro ausente, sem o seu anterior n.º 2, o que implicou que o Governo esteja entregue, pela primeira vez, à gestão de Teixeira dos Santos.

Esta ausência, ao contrário da não recondução de Dalila Rodrigues como directora do Museu de Arte Antiga, não tem defesa possível. Uma mensagem oficial, como a que enviou Cavaco Silva, que nem sequer estava convidado, teria minimizado o erro. Mas nem isso o Governo fez.

DN, 13-8-2007
 
TORGA: ESQUECIDO E PRESENTE

Baptista-Bastos
escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

Ainda bem que o Governo esteve ausente nas homenagens a Miguel Torga. O Governo não tem nada a ver com Torga. E, se pouco tem a ver connosco, nada tem a ver com a cultura. O Governo desconhece que a cultura é um dos interesses da política e que a política é uma disciplina da cultura. Embora ajam em esferas diferentes. Um político inculto possui algo de deformado. E um homem culto que se diz indiferente à política revela amolgadelas de carácter: mente porque, em rigor, defende pareceres desonrados. O Governo não se lê porque não lê. Para actuar em consonância com a ética da cultura seria necessário que pensasse culturalmente.

Não dei conta de nenhuma manifestação de desagrado, por módica que fosse, daqueles destemidos intelectuais, apoiantes discretos ou descarados deste Executivo. Aguardam benesses e sinecuras, atenções. Há ministros e adjacências que, habitualmente, fazem parte de júris de prémios, e para atribuição de "bolsas"; são "comissários" de feiras e de "embaixadas" culturais; designam adidos; decidem sobre quem vai ou não, aqui e acolá, representar a "cultura" portuguesa; os escolhidos pertencem sempre ao mesmo grupo, dispõem de idêntico sainete, cortejam iguais gostos, nomeiam os mesmos autores. Nada de correr riscos desnecessários.

Os destemidos intelectuais são brandos, cuidadosos, cautos, prevenidos. Também eles nada têm a ver com Miguel Torga, que nada teria a ver com eles. São paixões em tudo opostas, desordens do espírito só explicáveis pela natureza abúlica de uma gente que embaça e desacredita, moralmente, os testamentos herdados.

Observamos os nomes destes cúmplices no silêncio e certificamos que traíram os antecedentes, sem os substituir ou sequer lhes suceder. Os contemporâneos de Torga eram: Aquilino, Tomaz de Figueiredo, Jorge de Sena, Nemésio, Pessoa, Pascoaes, Miguéis, Almada, Raul Brandão, João de Araújo Correia, Ferreira de Castro, Régio, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca, Domingos Monteiro, José Gomes Ferreira, Armindo Rodrigues, Eugénio de Andrade, Sophia, Redol, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Irene Lisboa, Maria Judite de Carvalho, Abelaira, Mário Dionísio, Namora, José Cardoso Pires. Foram estes que, em diversos momentos, reafirmaram o perfil da pátria medular e cívica.

Em meados dos anos de 60, Jorge Amado, de visita a Portugal, encontrou-se com Ferreira de Castro, amigo de sempre. A RTP quis fixar o momento. Com altiva dignidade, Castro apostrofou: "A televisão, que ignorou Mestre Aquilino, não me filma, certamente, porque a proíbo!"

Esta gente era a minha e a nossa gente.

DN, 15-8-2007
 
Cavaco “presente”...
Governo ausente

As comemorações do centenário de Miguel Torga ficaram marcadas pela mensagem do Presidente da República, mas também pela notada ausência de membros do Governo.
As críticas vieram das mais variadas direcções.
O Presidente da República considera que a obra do escritor
Miguel Torga constitui um reencontro com Portugal, “naquilo
que a nossa pátria tem de melhor e mais profundo”.
“Na sua escrita forte como um grito, um apelo da terra que o
viu nascer, na sua exemplar dignidade cívica, na inteireza do
seu carácter, reencontramo-nos com Portugal”, escreveu Cavaco Silva na mensagem divulgada pela Presidência da República.
Na nota, que assinala os 100 anos do nascimento do escritor,
o Chefe de Estado recordou as palavras do escritor: “”Nesga
de terra debruada de mar”, assim qualificou Torga o nosso País. Não foi por acaso que utilizei esta expressão no discurso da minha tomada de posse como Presidente da República.
Ela é a síntese perfeita do Portugal que somos”.
Cavaco Silva fez questão de deixar um testemunho “de grande apreço por esta figura maior de homem de letras e de cidadão”, sublinhando ainda que Miguel Torga “foi, para
várias gerações, a voz da insubmissão. Hoje, em que há liberdade para todas as vozes, ele é o orgulho de sermos portugueses
de uma maneira diferente e autêntica”.
“A projecção nacional e
internacional da sua obra, a certeza de que as páginas que escreveu são um património afectivo e literário que perdurará nas gerações futuras, constituem
motivo para prestar a minha sincera e grata homenagem a
esta personalidade ímpar da nossa cultura”, salientou ainda o
Presidente da República.
Criticada ausência do Executivo
“Um sinal de ignorância”, assim classificou António Arnaut a
ausência do Governo das comemorações do centenário do
nascimento de Miguel Torga.
Em declarações à Renascença, o fundador do PS criticou o
que considera ser a desorganização
da agenda dos altos cargos
do Ministério da Cultura.
“A senhora ministra, quando foi
convidada para estar presente,
não foi apanhada de surpresa
porque devia saber que o centenário
ocorria hoje, mas, mesmo que tivesse algum compromisso, há o secretário de Estado que até tem a particularidade de ser de Coimbra. Significa, de facto, uma certa ignorância do que é a obra de Torga. A senhora ministra ainda pode corrigir o lapso – no caso de se tratar de um lapso – porque as celebrações não acabarão hoje e talvez ainda possa ter uma atitude que mostre o apreço do Governo por uma grande figura da cultura como é o Miguel Torga”, disse Arnaut.
As críticas de António Arnaut são partilhadas pelo autarca de
Coimbra. O social-democrata Carlos Encarnação considera estranho que nem a ministra nem o secretário de Estado da Cultura se tenham mostrado disponíveis para presidirem às cerimónias.
“Eu convidei a senhora ministra pessoalmente. Ela disse-me
que porventura estaria de férias por esta altura, mas mandei-
lhe um convite escrito e o Ministério da Cultura também
é um secretário de Estado e, portanto, hoje toda a gente
sentiu a ausência do Governo. A dimensão de Torga e a dimensão de um centenário num escritor como Torga mereciam sem sombra de dúvida a presença de um membro do
Governo.

RRP1, 13-8-2007
 
DE FÉRIAS SEM TORGA

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt


Já dediquei férias inteiras a seguir roteiros biográficos, como os de Kafka ou Haydn. E, à semelhança da ministra da Cultura e do primeiro-ministro, eu não interromperia umas férias para celebrar o centenário de Miguel Torga, que está longe de ser autor da minha preferência. A diferença é que a dra. Pires de Lima e o eng. Sócrates ocupam lugares ditos de responsabilidade, logo o país guardou a imagem de um Governo que não se preocupa com Torga, logo com os escritores, logo com a cultura, logo com o país. Portugal tem péssimos índices de leitura, não produz um dramaturgo desde Gil Vicente, nunca produziu um compositor a sério e o expoente da nossa pintura chama-se Maria Helena Vieira da Silva, um rodapé em escassas histórias da arte. Ainda assim, ou se calhar por isso, não haverá nação que tanto sacralize a ideia de Cultura, com gigantesco "C" e inúmeras vénias. Ninguém estranha que ninguém leia Torga no metro, seja por culpa dos utentes, seja por culpa de Torga. Por outro lado, levanta-se um moderado tumulto se o aniversário do homem não suscita as reverências da praxe. A cultura, do alto da sua solenidade, não serve aqui para ser consumida: serve para ser "assinalada" e "celebrada", na presença de "entidades", "personalidades" e luminárias afins. Sobretudo, na presença do poder. O próprio Pessoa, evidentemente um génio, era uma irrelevância pública até à beatificação oficial ocorrida cerca de 1988. Através da legitimação que confere, e que se anseia que confira, o Estado estabelece o cânone. O processo não é bonito, mas é o que temos. De resto, se um titular da Cultura não respeita os hábitos e se dispensa de louvar os vultos mortos, a função do ministério resume-se a sustentar os vultos vivos. O que sai ligeiramente mais caro.

DN, 19-8-2007
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?