30 julho, 2007

 

A nova Ibéria


Saramago em entrevista ao DN




http://dn.sapo.pt/2007/07/15/artes/nao_profeta_portugal_acabara_integra.html

http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=250328&idselect=13&idCanal=13&p=200

http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=833469

Comments:
Saramago acusado de ser "incapaz de defender Portugal"

ISABEL LUCAS

Dívida para com a língua portuguesa, ortodoxia marxista-leninista, interesse pessoal, uma provocação que deve ser motivo para reflexão... São algumas reacções à entrevista de José Saramago ao DN de ontem, em que o Nobel afirmou: "Portugal acabará por integrar-se na Espanha"

"A visão do sr. Saramago é uma visão do século XIX e não do século XXI. É muito fácil odiar Portugal no estrangeiro, o que é difícil é defender os interesses de Portugal no estrangeiro e isso o sr. Saramago é manifestamente incapaz de fazer." Foi desta forma que Martins da Cruz, ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Durão Barroso e antes disso embaixador de Portugal em Madrid, comenta as declarações do Nobel português.

Numa entrevista publicada na edição de ontem do DN, o escritor José Saramago afirmou: "Portugal acabará por integrar-se em Espanha." Uma declaração citada em vários órgãos de informação internacionais e que foi alvo de duras críticas não só por parte de Martins da Cruz mas também dos escritores Vasco Graça Moura ou Manuel Alegre. "Ele tem a responsabilidade de ter ganho o Nobel da Literatura com a língua portuguesa", disse ao DN o poeta/deputado. "Saramago concebe a realidade como sendo gerível com uma engenharia de racionalidade", sublinhou Graça Moura, que viu nestas um aspecto positivo: "Acho saudavelmente polémico pôr as coisas neste plano. Não perdemos nada em fazer uma reflexão sobre isso."

Muitos iberistas e não iberistas contactados pelo DN escusaram-se a comentar esta manifestação de iberismo defendida por Saramago. Casos de Odete Santos ou José Hermano Saraiva, que optaram pelo silêncio, por exemplo. Já Loureiro dos Santos escolheu ironizar. O general chamou a atenção para "as certezas" de muita gente que nunca se chegam a concretizar. Quanto ao jornalista catalão Ramon Font, antigo correspondente da TVE em Lisboa, declarou-se surpreso com as palavras de Saramago e concluiu: "Portugal aguentou oito séculos. Não estou a ver essa situação alterar-se."

DN, 16-7-2007
 
A tentação iberista na história das duas nações

A nostalgia da Hispânia tem sido um tema recorrente nos meios intelectuais portugueses. Camões e Gil Vicente deixaram obra em castelhano e, durante o período dos Filipes (1580-1640), autores portugueses como António de Sousa de Macedo e Duarte Gomes Solis defenderam quer a integração quer a autonomia do rectângulo lusitano dentro de uma unidade política peninsular. Depois da Restauração de 1640 os dois países seguiram uma política de costas voltadas. Na sequência das revoluções liberais de 1820 nos dois países falou-se, pela primeira vez, numa "Federação Ibérica", mas Manuel Fernandes Tomás opôs-se de forma decisiva às propostas do coronel espanhol Barrero.

Em 1868, quando Isabel II foi obrigada a abdicar, a coroa de Espanha foi oferecida a D. Fernando, pai do rei D. Luís de Portugal. Ciente da confusão que o esperava, recusou. Na segunda metade do século XIX, a corrente federalista ganhou força entre os intelectuais socialistas e republicanos, como Latino Coelho, Antero de Quental, Teófilo Braga e Magalhães Lima. Oliveira Martins avisou: "A união ibérica não é actualmente o programa de nenhum dos partidos espanhóis mas é o instinto de todos." Após o regicídio, em 1908, e sobretudo depois da implantação da República, Afonso XIII tentou por diversas formas intervir em Portugal. Durante a Guerra Civil espanhola, Salazar agitou o fantasma da união ibérica sob a égide do comunismo - mas era um sector da Falange, chefiado pelo cunhado de Franco, Serrano Suñer, que acalentava desejos expansionistas na península. O apego a Portugal de pensadores espanhóis como Unamuno e Ortega y Gassett (que cá esteve exilado), a permanência em Madrid de Almada Negreiros e, mais recentemente, o reconhecimento da obra de Fernando Pessoa nos meios culturais espanhóis, além do "exílio" de Saramago em Lanzarote dão conta da aproximação gradual entre intelectuais dos dois países.

JOÃO FERREIRA

DN, 16-7-2007
 
"O iberismo pode ser uma opção interessante"

PAULA SANCHEZ

António Edmundo, PRESIDENTE DA CÂMARA DE FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO

Portugal teria vantagem numa união Ibérica, como a preconizada por José Saramago?

Uma Ibéria traria mais vantagens para nós, que temos 10,5 milhões de habitantes. Mas as nossas oportunidades não valem só isso. Na aldeia global em que a cultura americana e o inglês se sobrepõem, o iberismo pode ser uma opção interessante. Teríamos vantagens em mercados como a China ou a América Latina.

Seríamos assimilados pelas autonomias regionais?

As muitas "Espanhas" que existem não estão assim tão distantes. Basta ver a Avenida da Liberdade, em Lisboa, quase toda na posse de espanhóis, ou o sector bancário. Muitos interesses específicos na nossa economia já estão na posse dos espanhóis. Mas nós também somos grandes consumidores de produtos espanhóis.

Como autarca de uma localidade de fronteira não receia que se perca a nossa identidade cultural?

Não, antes teria tendência a reforçar-se. As relações sociais entre os dois povos estão sedimentadas. Com Castilla y León temos mais afinidades do que eles com galegos ou catalães. Isso vê-se quando há um jogo entre uma equipa portuguesa e o Barcelona. Castilla está pelos portugueses. Nós somos mais atlânticos e mundiais, eles têm dificuldade em relacionar-se com outros povos. Mesmo aprender línguas é mais difícil para eles do que para nós.

A desertificação na raia não dá grande vantagem...

Lá não há cidades pequenas. É pior. Eles desenvolveram cidades médias, mas à volta o despovoamento é grande. Nós não queremos esse modelo, mas temos de criar condições para fixar população. Vamos criar um ninho de empresas, que permita a fixação de profissionais liberais. Ao contrário do que sucedia na minha geração, hoje os nossos jovens, que já conhecem o litoral, querem ficar aqui se tiverem condições de sustentabilidade.

Costuma ir a Espanha fazer compras?

Costumo ir a Espanha, mas não para fazer compras. Não é nenhuma espécie de nacionalismo, mas entendo que o IVA espanhol distorce a nossa competitividade. Em Lisboa, estes 5% de diferença no IVA não fazem muita diferença, mas aqui fazem. Em produtos como o gás, o tabaco e os produtos petrolíferos a diferença é grande e é entendível que as populações de fronteira procurem a optimização e comprem lá produtos em quantidade.

É um defensor dessa união ibérica?

Não diria tanto. Espanha é um Reino, que precisa de ter as autonomias sob a mesma Coroa Real. Nós somos uma República. Mas defendo um reforço da visão estratégica comum. Tenho 42 anos e não acredito que, na minha vida, veja uma união ibérica, mas estou convencido de que será acentuada a partilha de decisão. Trabalhando menos, eles têm mais produtividade que nós, maiores rendimentos e são dos povos com melhor qualidade de vida.

E isso deve-se a quê?

À descentralização administrativa. Os povos que a fizeram são economias de sucesso. Eles não precisam de ter um documento aprovado por três ou quatro entidades diferentes. Lá as autonomias resolvem os assuntos.|

DN, 16-7-2007
 
Ministro responde a Saramago sobre cenário de 'futura' Ibéria

JOÃO CÉU E SILVA

Governante tem outra perspectiva das relações entre Portugal e Espanha

A polémica afirmação do escritor José Saramago - "Portugal acabará por integrar-se na Espanha" -, feita na entrevista dada ao DN no domingo, teve ontem uma resposta oficial do Governo pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros. Luís Amado foi muito claro ao dizer aos jornalistas, durante a deslocação a Bruxelas, que discorda da ideia de uma integração de Portugal em Espanha defendida pelo escritor.

Considera o chefe da diplomacia portuguesa que José Saramago tem uma "perspectiva completamente diferente" das relações entre os dois países e que, apesar de respeitar "muito a figura do escritor José Saramago", este "tem todo o direito de fazer essas declarações, é um pensador livre, mas tenho uma perspectiva completamente diferente relativamente à dialéctica das relações entre Portugal e Espanha para as próximas décadas". Colocado perante as questões da comunicação social portuguesa sobre se a ideia de uma união ibérica constituía mais um cenário de ficção literária do que uma possibilidade, o ministro Luís Amado respondeu que se pode "categorizar" desse modo.

Cátedra em Granada

Ontem, no dia que se seguiu à cerimónia de casamento que uniu pela lei espanhola José Saramago e a sua mulher Pilar del Río, o casal - que há 20 anos tinha realizado o mesmo acto no Registo Civil em Lisboa - esclareceu que a repetição da cerimónia se devia ao facto de se terem esquecido de "levar os documentos portugueses ao consulado para que fossem registados". Foi este descuido que permitiu ao casal voltar a contrair o casamento em Castril, terra natal de Pilar del Río. Em declarações ao GranadaHoy, José Saramago revelou ainda que a mulher "tinha o desejo de se voltar a casar na povoação da sua mãe, com a família". Um projecto com algum tempo mas que, acrescentou, "infelizmente a mãe morreu em Fevereiro. Mesmo assim manteve a celebração, agora como uma homenagem à própria mãe, rodeada dos catorze irmãos".

Nesta estada em Castril, o casal deslocou-se ainda à Universidade de Granada para inaugurar a nova cátedra a que foi dado o nome do escritor. O reitor David Aguilar elogiou o autor que "nunca desejou ter uma cátedra específica para estudar a sua obra" mas que aceitou que a instituição académica granadina pudesse converter-se "numa referência" para os investigadores do Nobel português. De volta a Castril, o casal visitou a extensão da Fundação José Saramago, uma das três (as outras são Azinhaga e Madrid) presidida por Pilar del Río. Com Lusa

DN, 18-7-2007
 
"Quanto mais velho mais livre e quanto mais livre mais radical"

JOÃO CÉU E SILVA

Entrevista com José Saramago

A Ibéria

As suas declarações criaram um coro de protestos e artigos na imprensa internacional pouco habituais. O que pensa disto?

O que tinha a dizer sobre esta questão de Portugal e de Espanha está dito e não tenho mais nada a comentar. Está tudo na entrevista.

Mas o ministro aceitou classificar a sua profecia como um cenário de ficção literária!

Ah, não concorda...

A que se deve que as suas declarações tenham sido mais comentadas por colunistas no estrangeiro do que em Portugal?

Eu não me quero meter nesse assunto nem comentar as críticas. O que sei das reacções não é por via directa, chegam-me já com eco e ainda não sei bem o que é que se disse.

Para quando, então, a Ibéria?

É um assunto para o futuro.

Sente pressões quando fala ou escreve?

Não, exprimo exactamente o que quero e como quero.

Mas tem algum cuidado especial em certo tipo de questões?

Eu falo exactamente o que quero e vale a pena recordar a história de um velho professor de Matemática e amigo - eu hoje em dia até sou mais idoso do que ele era na altura -, que era o Alberto Candeias. Era um senhor que ia muito à editora onde eu trabalhava e que até fez algumas traduções para a Editorial Estúdios Cor, onde estive um bom par de anos. E um dia, estávamos ainda no fascismo, fez-me essa mesma pergunta: se eu pensava aquilo que escrevia nas crónicas que publicava no jornal? Eu respondi-lhe exactamente assim: que posso não ter dito alguma coisa que pensava, mas nunca disse nada que não tivesse pensado. Vivíamos, então, numa época em que poderia antes ter-lhe respondido que podia não ter dito o que pensava, porque a censura não mo permitia, ou coisa do género, mas nunca o fiz nem disse nada que não tivesse pensado, que não fosse pensado. Evidentemente que a mentira também é pensada, estou a levar isso em conta, mas nunca disse algo que não fosse uma convicção minha ou pelo menos uma opinião que do meu ponto de vista não estivesse fundamentada.

Radicalismo

Muitas vezes, os portugueses acham-no radical?

Eu disse há tempos que quanto mais velho mais livre me sinto e quanto mais livre mais radical sou. Claro que esta questão da idade não se pode aplicar indiscriminadamente, até porque a velhice é a negação de uma liberdade, mas, felizmente, no meu caso tenho saúde e a cabeça funciona. Por isso posso afirmar que de facto quanto mais velho estou mais livre me sinto e essa liberdade levou-me a expressar-me de uma maneira radical, com um radicalismo às vezes forte e próprio daquilo que penso.

E não se arrepende desse radicalismo?

Nunca me arrependi e não me arrependo.

Pensa voltar a viver ainda em Portugal?

Não, já não penso voltar a viver em Portugal. Virei aqui com todo o gosto, até porque tenho amigos cá e esta é a minha terra. Os emigrantes também vivem fora, no fundo, sou um emigrante. Dá vontade de dizer que sou um refugiado político...

Mas considera-se um refugiado político?

Não. Sou uma pessoa que mudou de bairro, alguém a quem um vizinho do patamar de cima incomodava com o muito barulho que fazia e decidiu ir para outra casa. Poderia ter acontecido de outra forma, houve uma altura em que andámos (o casal) a tentar encontrar outra casa, sem deixar aquela perto da Estrela, para estar fora de todo aquele ruído da zona. Então, estivemos em Mafra e andámos pela região a procurar, mas não encontrámos nada de jeito e era tudo muito caro. E é quando sucede, uma vez que já conhecia Lanzarote, que nasce a ideia de fazer uma casa na ilha para passar as férias. Obviamente, houve uma espécie de trauma na época que colocou a situação noutros termos e noutro plano. Aqui fui maltratado e censurado pelo Governo... Eu lembro-me de ter ido a Belém falar com Mário Soares e dizer-lhe: "Vou-me embora", porque nada tinha sido corrigido, nem foram pedidas desculpas. E quando achava que tinha a razão do meu lado ao estar contra a proibição de que o meu livro fosse levado ao júri europeu, foi algo que não suportei.

A fundação

E agora?

Agora, viverei o que faltar, aquilo que ainda tenho para viver e que com esta idade não podem ser muitos anos, mas vou tentar vivê-los bem por várias razões. Não é viver na farra, mas antes como tenho vivido com a Pilar, que foi algo que eu não podia esperar que me acontecesse quando tinha 63 anos e ela 36, e continuar com o meu trabalho. Vou pôr-me a escrever outro livro e ver até onde irei, lá chegará o momento em que, ao sentir que não terei nada para dizer, saberei que o melhor é calar-me.

Mas ainda tem muito para fazer?

Nos próximos tempos tenho a fundação, algo que estou a viver com muita gana e veemência, porque é ao mesmo tempo algo que estou a construir mas de que ao mesmo tempo me vou despedindo - tenho de o assumir, para que é que hei-de estar aqui com precauções, que é um tempo que é de despedida, porque o começa a ser -, no sentido de que a fundação é a vida, o trabalho da Pilar e das pessoas que irão estar ali. Portanto, é como se eu quisesse deixar um testemunho mais: está aqui a obra e está aqui uma coisa a que nós chamamos Fundação José Saramago, que para algo servirá. Dependerá das pessoas que lá estarão, que já estão convidadas, fazer daquilo algo que valha a pena e que se note na vida cultural e também na sociedade.

Quanto à sua biblioteca?

Está em Lanzarote e é para ficar ali. Se um dia a fundação for extinta, os bens pertencerão à Biblioteca Nacional de Lisboa, mas a biblioteca será levada para a Universidade de Granada - que já a está a catalogar -, onde constituirá um núcleo de literatura que tem a ver com a própria cátedra.

DN, 19-7-2007
 
"Quanto mais velho mais livre e quanto mais livre mais radical"

JOÃO CÉU E SILVA

Entrevista com José Saramago

A Ibéria

As suas declarações criaram um coro de protestos e artigos na imprensa internacional pouco habituais. O que pensa disto?

O que tinha a dizer sobre esta questão de Portugal e de Espanha está dito e não tenho mais nada a comentar. Está tudo na entrevista.

Mas o ministro aceitou classificar a sua profecia como um cenário de ficção literária!

Ah, não concorda...

A que se deve que as suas declarações tenham sido mais comentadas por colunistas no estrangeiro do que em Portugal?

Eu não me quero meter nesse assunto nem comentar as críticas. O que sei das reacções não é por via directa, chegam-me já com eco e ainda não sei bem o que é que se disse.

Para quando, então, a Ibéria?

É um assunto para o futuro.

Sente pressões quando fala ou escreve?

Não, exprimo exactamente o que quero e como quero.

Mas tem algum cuidado especial em certo tipo de questões?

Eu falo exactamente o que quero e vale a pena recordar a história de um velho professor de Matemática e amigo - eu hoje em dia até sou mais idoso do que ele era na altura -, que era o Alberto Candeias. Era um senhor que ia muito à editora onde eu trabalhava e que até fez algumas traduções para a Editorial Estúdios Cor, onde estive um bom par de anos. E um dia, estávamos ainda no fascismo, fez-me essa mesma pergunta: se eu pensava aquilo que escrevia nas crónicas que publicava no jornal? Eu respondi-lhe exactamente assim: que posso não ter dito alguma coisa que pensava, mas nunca disse nada que não tivesse pensado. Vivíamos, então, numa época em que poderia antes ter-lhe respondido que podia não ter dito o que pensava, porque a censura não mo permitia, ou coisa do género, mas nunca o fiz nem disse nada que não tivesse pensado, que não fosse pensado. Evidentemente que a mentira também é pensada, estou a levar isso em conta, mas nunca disse algo que não fosse uma convicção minha ou pelo menos uma opinião que do meu ponto de vista não estivesse fundamentada.

Radicalismo

Muitas vezes, os portugueses acham-no radical?

Eu disse há tempos que quanto mais velho mais livre me sinto e quanto mais livre mais radical sou. Claro que esta questão da idade não se pode aplicar indiscriminadamente, até porque a velhice é a negação de uma liberdade, mas, felizmente, no meu caso tenho saúde e a cabeça funciona. Por isso posso afirmar que de facto quanto mais velho estou mais livre me sinto e essa liberdade levou-me a expressar-me de uma maneira radical, com um radicalismo às vezes forte e próprio daquilo que penso.

E não se arrepende desse radicalismo?

Nunca me arrependi e não me arrependo.

Pensa voltar a viver ainda em Portugal?

Não, já não penso voltar a viver em Portugal. Virei aqui com todo o gosto, até porque tenho amigos cá e esta é a minha terra. Os emigrantes também vivem fora, no fundo, sou um emigrante. Dá vontade de dizer que sou um refugiado político...

Mas considera-se um refugiado político?

Não. Sou uma pessoa que mudou de bairro, alguém a quem um vizinho do patamar de cima incomodava com o muito barulho que fazia e decidiu ir para outra casa. Poderia ter acontecido de outra forma, houve uma altura em que andámos (o casal) a tentar encontrar outra casa, sem deixar aquela perto da Estrela, para estar fora de todo aquele ruído da zona. Então, estivemos em Mafra e andámos pela região a procurar, mas não encontrámos nada de jeito e era tudo muito caro. E é quando sucede, uma vez que já conhecia Lanzarote, que nasce a ideia de fazer uma casa na ilha para passar as férias. Obviamente, houve uma espécie de trauma na época que colocou a situação noutros termos e noutro plano. Aqui fui maltratado e censurado pelo Governo... Eu lembro-me de ter ido a Belém falar com Mário Soares e dizer-lhe: "Vou-me embora", porque nada tinha sido corrigido, nem foram pedidas desculpas. E quando achava que tinha a razão do meu lado ao estar contra a proibição de que o meu livro fosse levado ao júri europeu, foi algo que não suportei.

A fundação

E agora?

Agora, viverei o que faltar, aquilo que ainda tenho para viver e que com esta idade não podem ser muitos anos, mas vou tentar vivê-los bem por várias razões. Não é viver na farra, mas antes como tenho vivido com a Pilar, que foi algo que eu não podia esperar que me acontecesse quando tinha 63 anos e ela 36, e continuar com o meu trabalho. Vou pôr-me a escrever outro livro e ver até onde irei, lá chegará o momento em que, ao sentir que não terei nada para dizer, saberei que o melhor é calar-me.

Mas ainda tem muito para fazer?

Nos próximos tempos tenho a fundação, algo que estou a viver com muita gana e veemência, porque é ao mesmo tempo algo que estou a construir mas de que ao mesmo tempo me vou despedindo - tenho de o assumir, para que é que hei-de estar aqui com precauções, que é um tempo que é de despedida, porque o começa a ser -, no sentido de que a fundação é a vida, o trabalho da Pilar e das pessoas que irão estar ali. Portanto, é como se eu quisesse deixar um testemunho mais: está aqui a obra e está aqui uma coisa a que nós chamamos Fundação José Saramago, que para algo servirá. Dependerá das pessoas que lá estarão, que já estão convidadas, fazer daquilo algo que valha a pena e que se note na vida cultural e também na sociedade.

Quanto à sua biblioteca?

Está em Lanzarote e é para ficar ali. Se um dia a fundação for extinta, os bens pertencerão à Biblioteca Nacional de Lisboa, mas a biblioteca será levada para a Universidade de Granada - que já a está a catalogar -, onde constituirá um núcleo de literatura que tem a ver com a própria cátedra.

DN, 19-7-2007
 
Ibéria de José Saramago é uma utopia indesejada

MANUEL CARLOS FREIRE

Diário espanhol analisou ideia de união ibérica

A polémica ideia de uma união política entre Portugal e Espanha, defendida há uma semana pelo escritor José Saramago nas páginas do DN, é vista pela generalidade das fontes ouvidas pelo jornal espanhol El País como uma utopia não desejada.

Encimada por uma ilustração de André Carrilho, sob o título "Ibéria, capital Lisboa", a página 2 do jornal publicou uma reportagem em que as fontes portuguesas reconhecem a influência e o peso da presença espanhola - mas "mais não faz falta".

"Os portugueses já não odeiam nem olham os espanhóis com o rancor e os preconceitos de outros tempos (...) e, ainda que a sua economia dependa em grande medida do comércio com Espanha e adorem ir à Zara ou ao Corte Inglês, antes mortos que renunciar à pátria ou à bandeira para se converterem numa comunidade autónoma e fundirem-se num país de 55 milhões de habitantes chamado Ibéria", concluiu o seu correspondente em Portugal, Miguel Mora.

Miguel Á. Villena, autor do artigo da página 3 com o título "Quatro séculos de costas" e que inclui o retrato do conde-duque de Olivares pintado por Velásquez, afirmou que as fontes espanholas "defendem apaixonadamente" a "necessidade de uma relação cultural mais intensa", "uma mais ampla presença da história e cultura dos dois países nos sistemas educativos de um e de outro lado da antiga raia, de um orgulho comum por Cervantes ou Camões, por Eça de Queirós ou Benito Pérez Galdós".

Para Villena, "nem todos os espanhóis que dedicaram a sua vida ao estreitamento dos laços entre os dois vizinhos peninsulares se mostram favoráveis a uma união política. 'É uma utopia porque, com os dois países na UE, podemos dar como quase concretizada essa união. Em qualquer caso, creio que uma união política não é possível nem desejável'", disse Basílio Losada, catedrático de Filologia Galega e Portuguesa.

Segundo o deputado socialista João Soares, "o sentimento ibérico sempre existiu, mas uma união é impossível. O povo português tem um nacionalismo profundo e, se a Espanha tentasse integrar-nos, viriam à superfície todos os preconceitos anti-espanhóis."

Para Ramón Villares, especialista da História portuguesa na Universidade de Santiago de Compostela, "há que considerar que Portugal se construiu sobre uma hiperidentidade nacional que inclui um enorme receio de Espanha, ou, melhor dito, de Castela. (...) Em suma, o debate de Saramago é interessante, mas há que vê-lo com muita calma".

D. Duarte, herdeiro da monarquia lusa, frisou estar-se perante "mais uma fantasia de Saramago", mas a escritora Inês Pedrosa reagiu com humor: "Temo que tenham diminuído as vendas dos livros do mestre."

DN, 23-7-2007
 
O ZÉ NÃO FAZ FALTA

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

A literatura de Saramago é um aspecto altamente secundário da personagem. Ninguém, na posse das suas faculdades, está demasiado interessado nos romances, nas peças de teatro, nos poemas e, salvo pelo gozo perverso, nos diários. O que em Saramago provoca falatório são as teses levemente apocalípticas e desejavelmente "polémicas", que ele produz para remoer a derrota do comunismo e ser notícia. Regra geral, as teses vêm anexas aos livros: e se as pessoas deixassem de votar? E se deixassem de morrer? E se descobrissem que a tecnologia é nociva e o igualitarismo é a solução? E se os premiados com o Nobel não dissessem disparates?

A mais recente boutade, porém, chegou solta, numa entrevista ao DN de domingo. Curiosamente, não é demasiado disparatada. Curiosamente, causou mais barulho que todos os outros delírios juntos. Saramago profetizou a união de Portugal com Espanha e inúmeros patriotas ergueram a espada de D. Afonso e denunciaram a traição.

Calma, rapazes. Primeiro, mesmo não sendo exactamente um seu paladino, Saramago merece beneficiar da liberdade de expressão. Segundo, a experiência tem mostrado que nem tudo o que o homem diz se torna realidade. Terceiro, há coisas piores que a Ibéria: houve alturas em que o Nobel nos quis integrar, por consignação, na URSS; à época, muitos não desgostavam dessa ideia.

Eu não desgosto desta. O facto é que, descontado o "sentimento", não existe nenhuma razão premente para sermos portugueses. E se é verdade que não precisamos de um passaporte em castelhano para usufruir de Velázquez e Goya, de Cervantes e Buñuel, das "plazas" de Salamanca e Madrid e dos restaurantes da Catalunha, o passaporte é capaz de dar jeito para partilharmos o nível de vida assaz superior e evitarmos a alternativa patriótica, com as prósperas empresas deles cá e os nossos míseros operários lá.

Duas ressalvas à fusão: comparado com Zapatero, o eng. Sócrates assemelha-se a um primeiro-ministro decente; Saramago reside em território espanhol. Mas Zapatero não é eterno. E Saramago, embora no íntimo esteja convencidíssimo do contrário, também não.

DN, 22-7-2007
 
'LE STYLE EST L'HOMME'

Vasco Graça Moura
escritor

José Saramago propôs recentemente uma união política entre Portugal e Espanha. Não é por considerar que não temos uma identidade nacional, com todos os seus traços característicos no espaço e no tempo, como a história, a geografia, a língua, a cultura, as tradições, a consciência colectiva. Ele mesmo diz que manteríamos todas as nossas especificidades, ressalvadas as alterações decorrentes dos aspectos políticos envolvidos por essa união.

Não é por se filiar no iberismo mais do que ultrapassado do século XIX, e muito menos por nostalgia das veleidades alimentadas pelas coroas de Portugal e da Espanha, entre finais do século XV e meados do século XVI, de cada um dos reinos anexar o outro em razão de alianças matrimoniais com vocação para a sucessão dinástica. Nada disto o impressiona e, que eu saiba, não é entusiasta da dinastia filipina.

Não é por entender que somos mais fracos, mais pequenos, mais pobres, mais atrasados e mais incultos. Se fosse, teríamos de sustentar uma concepção darwiniana baseada na dominação do forte e do poderoso, como facto consumado, sobre o fraco e o desprotegido. Mas isto estaria em flagrante contradição com as posições políticas que ele tem tomado em relação a Cuba, à Palestina, às ex-colónias, etc., etc.

Não é por propugnar um capitalismo apátrida, para o qual não existem povos nem fronteiras, mas apenas lugares onde a mão-de-obra é mais barata e para onde tende a alastrar uma maior exploração dos trabalhadores, com fins de lucro ganancioso por parte das multinacionais intervenientes no processo. Sempre foi contra isso.

Não é por pretender legitimar que o capitalismo e o patronato espanhóis tomem conta de Portugal. Teria perdido a lucidez, se o fizesse.

Não é por uma questão de modelo político-constitucional. Que se saiba, Saramago não é monárquico, sendo a Espanha uma monarquia hereditária, e nunca se apresentou como defensor de um, nesse caso, inevitável centralismo madrileno.

Não é por ser partidário das democracias representativas de modelo europeu ocidental de que tanto Portugal como a Espanha são exemplos bem sucedidos. Nunca o foi.

Não é por apoiar a nossa integração na Europa. Até publicou A Jangada de Pedra quando Portugal e a Espanha aderiram à Comunidade Europeia, para acentuar a sua concepção de um destino terceiro-mundista para os dois países ibéricos.

Não é por estar de acordo com a livre circulação de pessoas, bens e serviços no espaço europeu, nem por se identificar com o modelo da União Europeia, quer na forma actual, quer na forma federal, quer na de uma Europa das regiões governada por Bruxelas em última instância. Nunca divergiu das posições do PCP em tais matérias.

Não é por pensar a sério que Espanha e Portugal, juntos, fariam uma unidade política mais forte no plano internacional. Perderíamos no equilíbrio entre os dois países e ficaríamos diluídos e diminuídos nas instâncias europeias. O peso da Espanha seria reforçado e o de Portugal neutralizado.

Não é por viver habitualmente em Espanha ou por lá ter casado. Façamos-lhe a justiça de considerar que ele nunca seria capaz de invocar tais razões.

Não é por ser ingénuo. Nunca lhe passará pela cabeça que a população portuguesa, em referendo, viesse dizer "sim" à união.

Saramago sabe que nem com uma engenharia das almas, nem com uma engenharia social ou política ditada pela fria racionalidade da sua própria lógica, o resultado de que fala seria atingido.

Se ainda acredita numa revolução pela cartilha marxista-leninista, poderia pensar-se que, não vendo maneira de acabar com a democracia burguesa na Europa, esta sua construção não só desenharia o fim da independência de Portugal e ainda, ipso facto, o do regime em que vivemos, como implicaria também a queda da monarquia espanhola... Mas essa seria uma outra forma de ingenuidade da sua parte.

Parábola então? Sim. Como já tive ocasião de dizer à TVE, creio que este será o tema de um dos seus próximos romances. "Uma vez que é insustentável, só um Prémio Nobel poderá tentar transformá-lo num exercício de estilo que valha a pena ler. E sabemos, desde Buffon, que le style est l'homme même."

DN, 15-8-2007
 
Cavaco considera
ideia de Saramago “absurda”

O Presidente da República diz ser "absurda" a ideia da
criação de uma federação ibérica, defendida, em Julho, pelo
Nobel da Literatura José Saramago.
"Basta conhecer a história de Portugal para dizer que essa
hipótese é um total absurdo”, reitera Cavaco Silva.
O comentário do Chefe de Estado português surgiu em resposta
a uma pergunta de uma jornalista espanhola, da agência
EFE, durante uma conferência de imprensa no âmbito da
sua visita ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo.
Na ocasião, Cavaco Silva pediu "imaginação" para ultrapassar
quaisquer dificuldades à realização da segunda Cimeira UEÁfrica,
em Dezembro, em Lisboa.
O Presidente da República lembrou que se trata de um
encontro ente dois continente e não entre dois países, aludindo
ao boicote ao Presidente Robert Mugabe, do Zimbabwé.

RRP1, 4-9-2007
 
Há um mês e meio, quando o jornalista João Céu e Silva conseguiu de José Saramago a entrevista que agitou os meios políticos portugueses (e espanhóis...), o DN não emitiu qualquer opinião sobre a ideia de federação ibérica lançada pelo escritor. Deixámos que a polémica decorresse sem explicitarmos o que o jornal pensa. Nestes casos, e como o leitor entenderá, respeitámos o facto de a entrevista ter sido publicada nas nossas páginas - e acresce que José Saramago é, além de uma personalidade relevante da cultura portuguesa, um homem com história no DN, onde em tempos exerceu o cargo de director adjunto.

Hoje, a propósito da reacção do Presidente da República, Cavaco Silva, é tempo de escrever que o DN não partilha das convicções de José Saramago.

Um País é muito mais do que uma convergência de mercados e a lógica, estranhamente liberal, do Nobel escritor português faz sentido num espaço mais amplo, o da Europa, e sem perda de autonomia política. É na Europa, e não na Ibéria, em absoluto pé de igualdade com todos os outros países desta aventura comum chamada União Europeia, que Portugal deve procurar novos caminhos - e, porventura, se for considerado de interesse comum, abdicar de alguns símbolos, como já aconteceu com o caso da moeda única.

Na tal Ibéria de Saramago a lógica seria a de um País grande ter conquistado um pequeno. Esta ideia seria o rastilho para uma guerra que poderia levar à balcanização da Península Ibérica. Acabaria, com certeza, com a excelente relação entre os dois povos e ainda teria efeitos perversos sobre os conflitos existentes no interior de Espanha.

Saramago teve uma visão, mas essa visão, como diz Cavaco Silva, "é absurda".

DN, 5-9-2007
 
Câmara de Mafra põe fim a polémica de 14 anos

ISABEL LUCAS

"Catorze anos de calúnias, insultos e mentiras limpam-se com uma medalha de mérito? Que méritos tenho hoje que me faltassem ontem? O meu primeiro e natural impulso foi rejeitar, mas depois pensei na fidelidade, na constância com que durante aquele tempo os meus leitores de Mafra sofreram comigo a repugnante injustiça. Será pois por gratidão a eles, e só por gratidão a eles, que aceitarei o distintivo."

Foi desta forma que o escritor José Saramago reagiu, ao DN, à decisão da Câmara Municipal de Mafra em lhe atribuir a medalha de mérito, categoria de ouro, pela obra Memorial do Convento. A proposta foi apresentada em reunião de câmara pelos dois vereadores do Partido Socialista daquela autarquia presidida pelo social-democrata José Ministro dos Santos e votada por unanimidade por toda a vereação, incluindo o próprio presidente que acumula o pelouro da Cultura. É o concluir de um processo que tem 14 anos.

Esta decisão ocorre pouco tempo depois da homenagem que o Palácio Nacional de Mafra prestou ao Nobel português quando se comemoraram os 25 anos da edição do romance que projectou o nome de Saramago, e que coincidiu com a data do seu 85º aniversário (16 de Novembro). Nessa altura os vereadores do PS apresentaram a proposta de atribuição da medalha, mas aquela não chegou a ser votada.

O escritor não esteve presente na homenagem por se encontrar doente, mas especulou-se sobre se haveria na cerimónia alguém da Câmara de Mafra, nomeadamente o seu presidente, o mesmo que em 1998, ano da atribuição do Nobel ao escritor , boicotou o nome de José Saramago para designar a escola secundária da cidade. Contra o então deliberado pela autarquia, a escola passaria a ter o nome do escritor por imposição do Ministério da Educação. Agora, a mesma edilidade atribui Saramago a medalha de ouro numa cerimónia ainda sem data de entrega. O DN tentou uma reacção de Ministro dos Santos, mas o presidente remeteu qualquer declaração para um comunicado a distribuir, terça-feira, dia 11.

com JOÃO CÉU E SILVA

DN, 8-12-2007
 
"Portugal está um pouco aborregado"

ANA MARQUES GASTÃO

Exposição é inaugurada hoje, às 18.00, no Palácio da Ajuda

"Esta é a primeira exposição do século XXI" porque ultrapassa a normalidade de qualquer mostra bibliográfica, que obedeceria aum cânone mais previsível. Dir-se-ia, por outro lado, revolucionária no sentido em que, depois dela, será difícil fazer algo de novo neste domínio." Palavras do Nobel da Literatura na conferência de Imprensa ontem realizada, no Palácio da Ajuda, por ocasião da inauguração hoje, às 18.00, na Galeria de Pintura do Rei D. Luís, de José Saramago. A Consistência dos Sonhos.

Esperam-se a presença do escritor e de sua mulher, Pilar del Río, do ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, e do seu homólogo espanhol, César Molina. Com abertura ao público prevista para amanhã, a mostra ficará patente, no Palácio da Ajuda até 27 de Julho, reunindo mais de 1200 documentos, fotografias, vídeos, recortes de jornais, objectos pessoais do escritor, cartazes e livros.

Depois de agradecer à equipa, portuguesa e internacional que, a todo vapor, montou a exposição, a começar pelo comissário Fernando Gómez Aguilera - em colaboração com a Fundação César Manrique, de Lanzarote - o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, definiu-a como "um romance, descrição de uma identidade singular absolutamente portuguesa e universal como é a de Saramago". Ao autor de Ensaio sobre a Cegueira, referiu- -se-lhe como "o maior escritor de língua portuguesa vivo".

Depois de confessar, sorrindo, a técnica de resistência passiva que utilizou para que A Consistência dos Sonhos não acontecesse ("Não vale a pena fazer a exposição, os livros estão escritos"), Saramago explicou que se rendeu ao projecto, perguntando hoje a si próprio: "É verdade que trabalhei tanto?" Apesar de sentir que apenas vai retirando do quotidiano fragmentos, episódios - já que não tem dentro de ele próprio um computador -, considerou que Fernando Gómez Aguilera, cujo trabalho elogiou, conseguiu "apresentar um bloco perfeitamente definido" da sua vida e obra.

"Dá-me a ideia de que tenho uma vida coerente, embora ser coerente não seja uma qualidade. Há que perguntar: coerente em quê? Um assassino em série é coerente, os que revolucionam a economia do mundo são coerentes, mas eu chamar-lhes-ia ladrões", disse.

Regozijando-se com a vinda da exposição para Portugal, depois do episódio Sousa Lara, e, após ter confessado que sofreu com o "tratamento injusto" que lhe coube, comentou que, ao chegar ao Palácio da Ajuda, não encontrou nenhuma camioneta da PIDE para o levar a Caxias: "Sinto-me no meu lugar com a diferença que posso entrar sem pagar."

Não deixando de dizer que "este é um país de coisas negativas, mas é o meu País", revelou que em Lanzarote descobriu o português: "Temos a língua mais bonita do mundo, ela é o ar que respiramos." "Todos somos responsáveis por ela, a começar pela Comunicação Social. Leiam Fernão Lopes, Camões, Bernardim Ribeiro, António Vieira, Pessoa, Eça, Camilo, Antero, Almada Negreiros", aconselhou.

Tendo lido na imprensa a frase "Portugal é insustentável", comentou que talvez sim, do ponto de vista económico: "Preocupa-me, porém, a falta de espírito crítico que existe entre nós. Estamos um pouco aborregados", salientou, acrescentando: "Quando éramos um milhão de portugueses, nos séculos XIV/XV, pusemo-nos em movimento para o mar. Temos agora de nos invadir a nós próprios para conseguirmos perceber que devíamos continuar a andar pensando."

"Quando defendi a união Portugal e Espanha, os patrioteiros denunciaram a minha traição, a vergonha que era... Chamem- -me o que quiserem. A história continua. Se uma ideia vai contra a maré, não se condene a ideia, discuta--se a ideia", relevou.

Centrando-se na sua saúde, disse, ainda, com ironia: "Pelo que se pode observar, não estou mal. A cabeça funciona, o que é importantíssimo. Estou a escrever um livro - que me perdoem as senhoras! -, mas não há maneira de nele encaixar uma história de amor. Recuperei 12 quilos, tinha 51 quando estive doente. Sempre tive este ar elegante. Não gostei de me ver como uma múmia andante", concluiu.

DN, 23-4-2008
 
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