31 julho, 2007

 

Os Simpsons


Uma família como qualquer outra...



http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Simpsons

http://www.snpp.com/

http://simpsonizeme.com/#

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A família mais disfuncional da América chega hoje ao cinema

JOSÉ MÁRIO SILVA

Depois do verde de Shrek, é tempo do amarelo dos Simpsons. O segundo grande filme de animação de 2007 estreia hoje em Portugal e tentará satisfazer os muitos admiradores de uma série que entrará, em Setembro, na sua 19.ª temporada de emissão consecutiva na estação de TV de Robert Murdoch (a Fox). Uma longevidade que só se explica pela fidelidade de milhões de espectadores no munto inteiro, pela qualidade reconhecida anos a fio (54 nomeações e 23 estatuetas nas entregas de Emmys) e pela solidez à prova de bala dos seus desvairados argumentos, escritos por uma vasta equipa de criativos que conseguem levar o potencial narrativo de cada episódio (vinte minutos) até ao limite dos limites.

Ao pé de Shrek 3, que explorou as mais recentes e sofisticadas técnicas de animação digital, Os Simpsons - O Filme vai parecer convencional. E é mesmo. Realizado por David Silverman (um nome que já conhecíamos da ficha técnica televisiva), a versão cinematográfica não se afastou do modus operandi da série. Ou seja, tudo o que tem a ver com o desenho da história, das personagens e dos fundos foi feito nos EUA (em dois estúdios de Burbank e Glendale, na Califórnia), enquanto o processo de coloração com tintas digitais esteve a cargo de uma empresa de Seul, na Coreia do Sul.

Para Matt Groening, criador dos Simpsons, que acompanha de perto tudo o que diga respeito às suas criaturas amarelas (incluindo as milhentas formas de merchandising), a opção pelas técnicas clássicas a duas dimensões, que tornam o filme "deliberadamente imperfeito" e próximo do estilo algo tosco da série, é uma forma de prestar tributo à arte cada vez mais rara da animação feita manualmente.

Talvez por isso, o orçamento do filme não ultrapassou os 100 milhões de dólares (72,3 milhões de euros), enquanto Shrek 3 custou cerca de 200 milhões de dólares (144,7 milhões de euros). Falta agora saber até que ponto Homer e companhia conseguirão imitar os recordes de bilheteira atingidos pelo ogre da Dreamworks.

Uma espécie de apocalipse

O grande desafio de David Silverman e Matt Groening, ao ampliarem para quase hora e meia uma história que costuma ser contada em vinte e poucos minutos, estava no equilíbrio narrativo. Desde 2001, quando a produção começou finalmente a ser concretizada (depois de outras tentativas de passagem ao grande ecrã terem falhado), houve uma equipa fixa de 11 argumentistas a testar e seleccionar um sem número de enredos e sub-enredos, a maioria dos quais acabou por desaparecer na montagem final. A habitual vertigem, essa, está garantida. Bem como as breves aparições de figuras reais - por exemplo, a banda rock Green Day ou o governador Arnold Schwarzenegger, no papel de presidente dos EUA.

Sem querer levantar demasiado o véu, pode dizer-se que Os Simpsons - O Filme segue o modelo dos episódios apocalípticos em que a inépcia, a negligência ou a pura estupidez de Homer Simpson colocam em risco a sua cidade (ou até mesmo o mundo). Desta vez, o desastre é ecológico e Lisa tem oportunidade de personificar uma paródia a Al Gore, ao defender com unhas e dentes um projecto intitulado An Irritating Truth (Uma Verdade Irritante).

Um dos momentos mais curiosos do filme acontece quando a população de Springfield em peso procura Homer para lhe demonstrar o seu ódio, permitindo aos espectadores uma espécie de recapitulação acelerada das 18 temporadas televisivas, já que da multidão se destacam, um a um (nalguns casos com direito a falar), as mais de 320 personagens secundárias que sempre fizeram a riqueza e diversidade da série.

As primeiras reacções da crítica têm sido positivas, tanto nos EUA como na Europa. A Variety considerou o filme "inteligente, audaz e satírico", enquanto o britânico The Guardian garante que "nos é dado tudo o que podíamos desejar", embora os 85 minutos não façam justiça a 18 anos de "génio humorístico". Já Groening garante que tinha material suficiente para fazer dois filmes. Material que será incluído, em princípio, na futura edição em DVD.

DN, 26-7-2007
 
Entre o burlesco e a tragédia

JOÃO LOPES

Os Simpsons não pertencem ao universo da moderna animação que nos deu preciosidades que vão de O Rei Leão a À Procura de Nemo. Num certo sentido, tudo "desaconselhava" até que se passassem os Simpsons para cinema (parecendo que não, decorreram quase 18 anos desde o lançamento da série televisiva nos EUA, em Dezembro de 1989). Era duvidoso que a energia específica dos episódios de 25 minutos pudesse sustentar uma longa-metragem de cerca de hora e meia; além disso, como poderia funcionar o mundo de Springfield, com as suas bizarras personagens amarelas, na grandeza de um ecrã de cinema?

As respostas são, felizmente, positivas e até surpreendentes, mesmo no que diz respeito ao rigor da composição das imagens. O filme utiliza o formato largo, em scope, portanto diferente do clássico "quadrado" televisivo, e consegue uma boa dinâmica visual que não cede a "modernices" digitais (antes procurando preservar o aspecto um pouco "tosco" dos desenhos originais). Acima de tudo, Matt Groening (criador da série) e David Silverman (realizador do filme) compreenderam que, para lá das diferenças técnicas, importava não abdicar da dimensão essencial do produto televisivo. Ou seja: a família Simpson continua a ser uma espécie de retrato "deformado" dos valores tradicionais do american way of life, sempre oscilando entre o burlesco e tragédia.

Um dos aspectos mais surpreendentes do filme é o facto de a continuada crise de relações entre Bart e o pai, Homer, levar o primeiro a uma inesperada aproximação afectiva do vizinho (noutras alturas repelido como "atrasado"). Assim nasce uma mini-ficção que sublinha, com ironia, um dos fundamentais temas simbólicos da série: a decomposição dos laços tradicionais entre pais e filhos.

Obviamente, não tem nada de casual que os problemas de defesa do ambiente constituam o cerne da história do filme (inclusive, com a sempre admirável Lisa a assumir-se como herdeira do combate ecológico de Al Gore). Os Simpsons nunca deixaram de manter uma relação próxima com a actualidade social e política, organizando-se como uma típica soap americana que, subitamente, se apresenta desviada da sua lógica mais ou menos normativa: as personagens tornam-se tanto mais "monstruosas" quanto mais parecem emanar da norma (veja-se, por exemplo, o continuado esforço de Homer para combater a sua tendência para engordar).

O filme não terá a intensidade dramática e a contundência moral dos melhores episódios da série. Em todo o caso, representa o resultado feliz de uma bem pensada relação entre cinema e televisão. Em ambos os registos, para além da harmonia "natural" de Springfield, anuncia-se uma profunda e cruel amargura.

DN, 26-7-2007
 
O homem que inventou os Simpsons e nunca mais conseguiu ver-se livre deles

Nascido em Portland, no Oregon, há 53 anos, no seio de uma família de raízes norueguesas e alemãs, Matt Groening começou por ser cartoonista, como o pai. E se hoje é um dos nomes mais influentes no mundo do entretenimento norte-americano, o caminho não deixou de ser árduo.

O passo decisivo na sua carreira deu-se em 1977, quando se mudou para Los Angeles, aos 23 anos, com a ideia de se tornar escritor. A dureza desses primeiros tempos inspirou uma tira cómica que fotocopiava para os amigos e cujo título não podia ser mais esclarecedor: Life in Hell (A vida no Inferno). Foi justamente essa tira, que entretanto começou a publicar em jornais (e que ainda hoje desenha todas as sextas-feiras), a abrir-lhe o caminho para o que viria a ser Os Simpsons, uma das mais longas e premiadas séries da televisão americana.

Em 1985, impressionado com o humor cáustico de Groening, o produtor James L. Brooks propôs-lhe uma versão animada de Life in Hell, para passar em segmentos curtos no The Tracey Ullman Show. Diz a lenda que Groening, enquanto esperava por uma reunião criativa com Brooks, esboçou em 15 minutos o núcleo central da família Simpson e pôs em marcha um dos maiores fenómenos da cultura popular das últimas décadas. Curiosamente, os nomes das personagens principais foi buscá-los à própria família: o pai chama-se Homer; a mãe, Marge; e as duas irmãs mais novas, Lisa e Margaret (Maggie). Só escaparam os irmãos mais velhos, Patty e Mark (em quem diz ter-se inspirado para a figura de Bart).

Mas se Os Simpsons foram um ovo de Colombo, o mesmo não se pode dizer de outros projectos de Groening. Entre vários falhanços, só conseguiu impor Futurama, uma ficção científica passada no ano 3000, que lhe deu um Emmy - contra os nove arrecadados com a família amarela.| J. M. S.

DN, 26-7-2007
 
'BART, GOZA COM QUEM É DIFERENTE DE TI'

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

É como as pessoas. A comédia televisiva americana atingiu a maioridade quando abandonou a doutrinação política. As séries de maior sucesso nos anos 60, 70 e 80, de Uma Família às Direitas a M.A.S.H., passando por Quem Sai aos Seus, eram abertamente liberais (ao modo da esquerda dos EUA). Hoje, são dificilmente suportáveis. À entrada da década de 90, os herdeiros do humor "descomprometido" de David Letterman criaram as melhores sitcoms conhecidas: o genial niilismo de Seinfeld e The Simpsons.

Ao invés de Seinfeld, os Simpsons não são apolíticos. Apenas não se percebe que tipo de políticos são. Sem particular originalidade, o vulgo considera-os uma "denúncia" da classe média americana. Mas numerosos ensaios (entre os quais o famoso Homer Never Nods, de Jonah Goldberg) tentam recrutá-los para o conservadorismo, e evidenciar a observância, ainda que subtil, dos valores familiares, patrióticos e até religiosos. Atendendo a que o seu principal argumentista é John Swartzwelder, libertário, antiambientalista, defensor do direito de posse de arma e, de acordo com os padrões em curso, um reaccionário, a hipótese não é absurda. É só desnecessária: farejar orientação ideológica na vertigem iconoclasta dos Simpsons é perder boa parte da piada, verificável em 400 episódios e, escusado lembrar, no filme que agora estreou. A graça dos dogmas é sempre inadvertida.

DN, 29-7-2007
 
O ESQUERDISMO, ESSA DOENÇA INFANTIL

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

O estadista Hugo Chávez proibiu a transmissão de Os Simpsons num canal privado da Venezuela, sob o pretexto de que a série televisiva constitui uma má influência para as crianças. Inevitavelmente, o gesto evoca outro dos grandes combates da esquerda latino-americana: a erradicação do Tio Patinhas.

Não brinco. A esquerda local também não: no Chile do dr. Allende, dois vigaristas, perdão, intelectuais publicaram Para Ler o Pato Donald, denúncia da contribuição da Disney para subjugar os oprimidos da Terra ao imperialismo dos EUA. Recorrendo a Marx, aos teóricos do subdesenvolvimento e aos Irmãos Metralha, Ariel Dorfman e Armand Mattelart tentaram provar que os bonecos do velho Walt suprimem o orgasmo, que a submissão de Donald ao tio distorce o conflito de classes e que a ordem de Patópolis (isto é, de Washington e da CIA) é racista, colonialista, capitalista e responsável pela pobreza na América Latina e na Terra em geral.

Dado que Para Ler o Pato Donald foi um sucesso mundial, Dorfman e Mattelart apenas conseguiram provar que o mundo está repleto de idiotas. Eu li o livrinho com onze ou doze anos e, nas limitações de um fedelho, achei durante cinco minutos que os argumentos (digamos) faziam sentido. Na América Latina e não só, houve gente crescida que o leu e que misteriosamente achou o mesmo. O facto diz menos sobre as intenções da Disney do que sobre a vocação paranóica da esquerda terceiro-mundista (uma redundância).

Uma vocação aliás intacta. Em 2008 como em 1972, as desgraças do Chile à Venezuela continuam a ser explicadas através da culpa alheia. Para os próceres desse marxismo folclórico (outra redundância), os países do Sul mantêm-se inimputáveis e permeáveis ao papão do Norte, que os ameaça com o Tio Sam ou com a Vovó Donalda. No fundo, eles lá sabem: cada criatura adopta as crenças que entende. E não se estranha que quem toma Boaventura Sousa Santos por um pensador se amedronte com Peninha ou com Homer. Nem se estranha que a abolição de Os Simpsons se justifique com a protecção das crianças. Apesar de o programa se dirigir a uma audiência adulta, o mesmo não se pode dizer de Chávez e do que Chávez representa.

DN, 13-4-2008
 
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