08 agosto, 2007

 

A um ano de mais uns JO


Outra vez os mesmos!

"Há uns meses, um grupo de trabalhadores chineses ia provocando uma verdadeira rebelião em Luanda, destruindo várias casas edificadas em cima de uma linha de comboio que era susposto dever ser reabilitada. É como se a China agisse sempre como um elefante em loja de porcelana. E é disso que a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch acusam as autoridades chinesas de fazer também em Pequim.Para preparar a sua capital para os Jogos Olímpicos de 2008, o Governo chinês mandou destruir vários bairros de Pequim, forçando os moradores a mudarem-se, sem os indemnizar. Um repetição do que foi feito na construção da barragem das Três Gargantas, que afectou mais de um milhão de pessoas, fazendo submergir 13 cidades e milhares de aldeias.Os relatórios da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch, que serão divulgados hoje, dizem ainda que Pequim está a utilizar milhares de trabalhadores ilegais nas obras da cidade e que continua a recorrer sistematicamente à pena de morte, a prender os activistas dos direitos humanos e a reprimir duramente as suas minorias étnicas ou religiosas.Sendo certo que a China não é uma democracia, são abusos desta natureza que a comunidade internacional deve exigir que cessem. Pequim, para ser exemplo em 2008 para todo o mundo, tem de começar já a não sabotar esse mérito."

DN, 7-7-2007

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=322053

http://www.humornanet.com/hm/seleccao/Olimpicos/BoomWindow.htm

Comments:
Espírito olímpico não muda regime de Pequim

ABEL COELHO DE MORAIS

Autoridades chinesas evitam reformas
Quando falta um ano para o início dos Jogos Olímpicos de Pequim, o Governo chinês está longe de concretizar as mudanças necessárias em termos políticos, legais e sociais para adequar a situação dos direitos humanos no país aos padrões requeridos para a realização do evento que principia a 8 de Agosto de 2008.

A denúncia é feita no relatório divulgado hoje pela Amnistia Internacional (AI) intitulado República Popular da China: Contagem Decrescente para as Olimpíadas - Falta um Ano para Cumprir as Promessas dos Direitos Humanos. O documento salienta que o Governo chinês continua a aplicar a pena de morte, sem observar os direitos dos acusados, intensificou as campanhas de repressão de activistas de direitos humanos e de juristas envolvidos em casos desta natureza, reforçou as medidas de controlo sobre os órgãos de informação e a Internet.

A AI frisa que as leis chinesas contemplam a aplicação da pena de morte para 68 tipos de crime, em que se integram acções não violentas como o transporte de estupefacientes ou delitos económicos.

Directamente relacionado com a construção das infra-estruturas necessárias para os Jogos, o Governo tem procedido à deslocação forçada de dezenas de milhares de habitantes de Pequim, arrasando quarteirões inteiros da capital e recorrendo a mão-de-obra migrante, forçada a trabalhar em condições que desrespeitam todas as regras das convenções internacionais na matéria.

O documento da AI critica a relutância do Comité Olímpico Internacional (COI) em adoptar "uma atitude mais activa na questão dos direitos humanos à medida que se aproximam as Olimpíadas". A AI acentua que as violações dos direitos humanos que sucedem na China "representam uma afronta a princípios fundamentais da Carta Olímpica relativos à 'preservação da dignidade humana' e 'ao respeito por princípios éticos fundamentais de carácter universal'".

Ao recusar um papel mais activo nesta questão, considera a AI, o COI está a esquivar-se "à responsabilidade de criar um legado positivo dos Jogos Olímpicos para as cidades e os países anfitriões".

As conclusões do documento da AI vêm reforçar o sentido de um relatório de uma outra ONG de direitos humanos, a Human Rights Watch (HRW), divulgado na passada semana, em que é traçado um quadro negativo sobre a situação dos direitos humanos na China.

A HRW destaca a "limpeza" de Pequim, o fecho de escolas e estruturas de apoio social, apenas por se situarem em áreas da capital onde ficarão delegações internacionais, a repressão das minorias étnicas e de activistas envolvidos em acções de educação e prevenção sobre a sida. Os elementos recolhidos pela HRW permitem concluir que se mantém a intolerância religiosa e estima que, pelo menos, tenham sido executados nos últimos anos mais de dez mil condenados à morte.

DN, 7-8-2007
 
O SALTO DO DRAGÃO

Sena Santos
jornalista

É fácil memorizar a hora e a data de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim (JO), na China, onde oito é número de sorte: 08.08 de 8.8.08. Falta exactamente um ano. "A capital parece uma refinaria: o céu cinzento está pesado, com o cheiro intenso de combustíveis, verniz, muito pó, betume, alcatrão. Pequim usa os JO para mudar de pele. Há lições obrigatórias de boas maneiras: proibido cuspir no chão e urinar na rua. Taxímetros são verificados, para impedir abusos, e os taxistas têm aulas de inglês. A China, líder mundial de contrafacção (cada semana envia 15 mil contentores para Nápoles), no 'merchandising' dos JO não faz concessões. A vigilância para impedir cópias é implacável. O fabricante oficial está impedido de usar trabalho infantil. Os JO enchem Pequim de esperança" [Emanuela Audisio, La Repubblica].

"As autoridades de Pequim, que o escândalo recente da segurança de alimentos na China embaraça, têm plano de alta tecnologia para garantir aquela" [Globe and Mail].

Fabio Calavera, do Corriere della Sera: "É um ano delicado para o dragão, que investiu em gigantesca operação de promoção mas começa a confrontar-se com o vigor das ONG em defesa das suas causas: hoje, liberdade de imprensa, amanhã Tibete, depois minorias étnicas, pena de morte, liberdade religiosa. A China, não habituada, parece pronta a dar o salto."

"Pequim opta por repressão mais discreta para desarmar críticas internacionais" [Le Monde]; "jornalistas estrangeiros manifestam-se junto à sede dos JO para exigir que a China cumpra a promessa de liberdade de imprensa (alguns detidos para identificação)" [The New York Times]; "se JO tiverem medalha para ironia, eis uma candidatura: os organizadores prometiam liberdade de informação e a polícia prendia jornalistas" [Los Angeles Times]. A China aspira a triunfar no pódio olímpico, após o 4.º lugar geral em Atlanta (96), o 3.º em Sydney (2000) e o 2.º em Atenas (2004).

DN, 8-8-2007
 
Olimpíadas 2008

Falta um ano para Pequim

A China entrou hoje em contagem decrescente para
os Jogos Olímpicos, que começam exactamente dentro de um
ano.
A data foi assinalada com um espectáculo de fogo de artifício,
música e dança, que envolveu cerca de dez mil pessoas.
A multidão juntou-se na Praça de Tiananmen, em Pequim,
para convidar o mundo para as Olimpíadas do próximo ano,
numa cerimónia em que marcaram presença os líderes chineses
e o presidente do Comité Olímpico Internacional, Jacques
Rogge.
Os trabalhos prosseguem nos vários recintos e respectivos
acessos, para que tudo esteja pronto a tempo do início dos
Jogos.
Assuntos extra-desportivas também têm estado na ordem do
dia, com o Governo chinês a ser confrontado com questões
como os direitos humanos, a liberdade de imprensa, a poluição
ou o Tibete.

RRP1, 8-8-2007
 
China mostra a sua fábrica de campeões

ELISABETE SILVA

Famílias e treinadores incutem desde cedo o espírito vencedor
O sonho olímpico. São milhões aqueles que aspiram um dia em representar o seu país na mais importante prova desportiva mundial: os Jogos Olímpicos. Porém, apenas uma minoria o consegue e ainda menos são aqueles que alcançam uma medalha. A China não é excepção ao tal sonho e as famílias desde cedo que tentam incutir aos seus filhos uma mentalidade desportiva, principalmente no que diz respeito à ginástica, um dos desportos em que os chineses são uma potência.

Não é de estranhar que, por isso, sejam milhares as academias de desporto apenas em Pequim. Os mais novos têm apenas três anos quando são iniciados nas diversas disciplinas. A concentração e a dedicação são impressionantes, de tal forma que a um ano da cerimónia de inauguração dos Jogos Olímpicos naquele país, os chineses aproveitaram para divulgar as suas crianças, potenciais campeões no futuro.

O rigor com que, desde o primeiro instante, se deparam faz com que estas crianças desde cedo conquistem o espírito competitivo que lhes é exigido, até porque na ginástica começam ainda na adolescência ao mais alto nível. Para estes jovens atletas é proibido falhar. A pressão vem dos treinadores e dos próprios familiares, que muitas vezes deposi-tam nos seus filhos o seu próprio sucesso.

A verdade é que a intensa disciplina dos treinos tem os seus resultados. E se nos próximos Jogos muito se espera da prestação dos chineses, o estigma da vitória é para se manter em todas as olimpíadas.

DN, 11-8-2007
 
O DESPERTAR DO TIGRE

João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Nos factos marcantes de 2008, de certo nenhum se revelará mais influente que a consagração da entrada da China no concerto das nações. Por isso, muito do futuro mundial depende do sucesso dos Jogos Olímpicos.

A civilização chinesa é uma das mais antigas e ricas da Humanidade. Durante 200 anos, esse esplendor foi assombrado por terríveis desastres, após a decadência da dinastia Qin no finais do século XVIII. Pouco depois, Napoleão fez a célebre previsão: "A China é um tigre que dorme. Não acordem o tigre. Quando a China acordar, o mundo tremerá."

Após séculos de sofrimentos indescritíveis às mãos de estrangeiros, "senhores da guerra" e comunistas, as últimas três décadas parecem finalmente confirmar o vaticínio. A China acordou e quer jogar.

Os Jogos Olímpicos, apesar da ambição universal, nasceram como um fenómeno ocidental. Em 1964, o Japão usou pela primeira vez o evento como símbolo da sua chegada ao grupo dos países influentes. Desde então, essa função repetiu-se no México (1968), Seul (1988) e Barcelona (1992).

Esse é também o propósito do encontro em Beijing, manifestando o poder e estatuto da China industrial. O problema é que esta manifestação inclui também um desafio aos valores ocidentais, tal como na Berlim nazi (1936) e na Moscovo soviética (1980), é um regime alternativo que se quer mostrar ao nível dos maiores.

Deste modo, os Jogos de Agosto incluem uma fatal ambiguidade e um terrível perigo. Por um lado, o Governo e povo chineses querem mostrar-se acolhedores, cordatos e amigáveis, aceitando participar com o resto do mundo em suave camaradagem. Por outro, a realidade da sociedade chinesa horroriza os estrangeiros.

A abertura e exposição mediática implicada na competição podem ter precisamente o efeito contrário ao pretendido. Os recentes incidentes à volta da chama olímpica mostram-no bem.

Para os activistas ocidentais as manifestações e os insultos são formas de denunciar atrocidades e opressões.

Ninguém duvida da justeza dessas acusações. Aliás, a opressão no Tibete é apenas um dos muitos horrores da impiedosa cultura maoísta, que incluem também os desastres da corrupção e poluição, o aborto forçado da política do filho único", a perseguição religiosa e a miséria de camponeses e imigrantes urbanos, entre outros.

Não está, porém, apenas em causa o ataque a uma ditadura.

A questão é bastante mais complexa e profunda. Trata-se de um diálogo com uma cultura radicalmente diferente da nossa. As palavras e conceitos têm sentidos muito distintos na antiga e rica civilização oriental. Isto levanta obstáculos novos e inesperados na habitual contestação a regimes indesejáveis.

A China é uma sociedade criada nos valores confucionistas e taoístas, a que depois se juntaram o budismo e marxismo. Nenhuma destas filosofias lida bem com a liberdade individual, identidade pessoal, direitos humanos e outros critérios do Ocidente moderno.

Não é nada óbvio que a opressão nasça da maldade dos dirigentes, ou que a opinião pública concorde com o nosso diagnóstico. Japão, Coreia, Índia, entre outros, manifestam que a conciliação ou, pelo menos, o diálogo é possível. Mas essas mesmas experiências não escondem as dificuldades e os mal-entendidos do processo.

Além disso, a Europa e os EUA dificilmente se podem apresentar como exemplos inspiradores ou juízes severos dos chineses. Há muita coisa que nos censuram, e ainda mais que nós censuramos a nós mesmos.

Quando recomendamos democracia e liberdade aos orientais temos de compreender que eles não gostam do que vêem na nossa realidade. Pior, tristes recordações, como a "guerra do ópio", anulam a nossa credibilidade nessas regiões.

Simplismo e precipitação só prejudicam aquilo que dizem defender. Devemo-nos perguntar o que será mais vantajoso para as vítimas chinesas e para a estabilidade universal: uma China humilhada por um fiasco dos Jogos ou a criação de um clima de cordialidade e abertura após uma organização bem-sucedida, mas ocultando os horrores? A resposta não é óbvia. Muito do futuro se joga em Agosto.

DN, 19-5-2008
 
Chineses culpam mascotes pelos sismos

CIPRIANO LUCAS

O supersticioso povo chinês acredita que as sucessivas catástrofes sofridas nos últimos tempos foram provocadas pela "maldição dos Fuwa", as cinco mascotes do Jogos Olímpicos de Pequim 2008.

Beibei, um peixe; Jingjing, um panda gigante; Huanhuan , a chama olímpica; Yingying, um antílope tibetano; e Nini, uma andorinha foram relacionados com as catástrofes e revoltas que assolam a China neste ano olímpico. A "maldição dos Fuwa" é comentada nas ruas e na Internet, quando o número de mortos e desaparecidos pelo sismo de há quinze dias supera 86 mil vítimas.

Para os mais radicais, segundo essa crença, o antílope Yingying representa as revoltas do povo tibetano que ocorreram em Março; Huanhuan, a tocha olímpica, teve estafeta internacional interrompida diversas vezes pelos defensores do Tibete; enquanto Jingjing, o panda, tem o seu habitat em Sichuan, devastada pelo terramoto que ocorreu este mês. A relação da andorinha Nini com o acidente de comboio de Shandong em Abril é muito exagerada, todavia, os crentes identificam a ave com o cometa chinês, visto em Weifang, uma cidade de Shandong. O peixe Beibei é uma incógnita para uns mas para outros explica o forte nevão de Janeiro, o pior dos últimos 50 anos. O peixe representa ainda o Sul do país, onde se concentra a produção pesqueira, a zona que mais sofreu com o degelo. Assim, para os mais "agoirentos", a maldição de Beibei manifestou-se com uma inundação do rio Yangtsé, que todos os anos provoca centenas de mortos.

A 'sorte' do número 8

O número 8 é um número de sorte para os chineses, pois pronuncia-se bat, que tem um som muito semelhante a fat, que significa fortuna, riqueza. Por isso também, a China tudo fez para organizar os Jogos Olímpicos de 2008. Seguindo com rigor a crença na numerologia, para garantir o sucesso dos jogos, a cerimónia de abertura está marcada para 8 de Agosto, às oito da noite.

Todavia, para alguns chineses, o número 8 tem sido no último ano um sinal de azar. Segundo essa teoria, a tragédia em Sichuan aconteceu quando faltavam 88 dias para a abertura dos jogos. Em Janeiro, os fortes nevões que paralisaram muitas províncias chinesas aconteceram a 25 de Janeiro, ou seja, 25/1 (2+5+1=8), entretanto, o sismo em Sichuan aconteceu a 12 de Maio, 12/5 (1+2+5=8). O terramoto aconteceu às 14.28 e marcou 7,8 na escala de Richter.

DN, 27-5-2008
 
Os Olímpicos que não foram

LUÍS PEDRO CABRAL

Depois do verdadeiro fiasco olímpico que foram os Jogos de Paris (1900) e de Saint Louis (1904), que deixaram um certo barão à beira do desespero, a Grécia resolveu lançar uma ofensiva diplomática inaudita no Comité Olímpico Internacional. Sob os auspícios do inevitável barão de Coubertin, uma poderosa delegação constituída pelos mais altos responsáveis da nação grega, já que a Grécia considerava a organização dos Jogos Olímpicos um desígnio nacional, viajou para França. A delegação helénica estava determinada a trazer os Jogos Olímpicos de vez para o seu anfitrião natural. A proposta, ambiciosa, passava exactamente por isso: Convencer Charles Pierre Fredy a entregar de vez à Grécia a organização das Olimpíadas, que seriam para sempre disputadas em solo grego.

Os maiores argumentos dos gregos, claro, estavam no enorme sucesso da primeira edição do Jogos Olímpicos da era moderna, em Atenas, que deixaram o o barão quase a nadar nas suas próprias lágrimas, tal não foi a emoção. Quase uma década depois o barão estava mais a frio. O Comité Olímpico Internacional, o único organismo com capacidade para tomar essa decisão, dependia exclusivamente da decisão do barão. E este já por diversas vezes manifestara publicamente que acreditava piamente no espírito universalista dos Jogos. Não foi suficiente para desarmar as intenções dos gregos, que vinham já com um projecto de lei na bagagem, assinado por unanimidade por todo o seu governo, no qual faltava só a preciosa assinatura de monsieur de Coubertin.

O problema é que o barão, depois de ana- lisar a proposta dos gregos, apreciou bas- tante os detalhes organizativos, mas não fi- cou convencido. Charles Pierre resistiu es- toicamente às mil tentativas para o convencer e, para desgosto dos gregos, acabou por chumbar a sua proposta.

Foi então o momento dos gregos revelarem o seu plano B. Já que era impossível ficar a Grécia com a organização perpétua das olimpíadas, em vez disso a Grécia proponha realizar os chamados Jogos Pan-Helénicos - já se sabe onde -, a realizar a meio das Olímpiadas.

Ou seja, dois anos depois de cada evento olímpico. Os Pan-Helénicos teriam exactamente as mesmas características dos Jogos Olímpicos, seriam disputados no Estádio Olímpico de Atenas, contaria com a presença dos mesmo países, provavelmente dos mesmo atletas, mas as marcas a homologar jamais seriam "olímpicas". E nada melhor que marcar desde logo os primeiros Jogos Pan-Helénicos para 1906, para comemorar condignamente, com a devida pompa e circunstância, os 10 anos dos primeiros Jogos Olímpicos da era moderna. O barão pensou, pensou e não viu nisto nada de mal. Pelo contrário, o "papa" dos Olímpicos acabou por abençoar esta iniciativa, pela qual louvou aos gregos a iniciativa.

E foi assim que começou a breve história dos Jogos Olímpicos que na verdade não foram. Os Jogos Pan-Helénicos reuniram em Atenas 22 países e perto de 700 atletas.

Quanto à organização, o próprio barão de Coubertin veio mais tarde admitir que esta encheu de vergonha os exemplos que Saint Louis e Paris deram ao mundo. No entanto, a verdade é que em matéria de feitos desportivos, muitos dos atletas que tinham vingado em Saint Louis, sobretudo em provas de atletismo, acabaram por confirmar os seus créditos, e repôr, assim, alguma dignidade desportiva, abalada na competição que teve lugar nos Estados Unidos, e que ficou envolvida por bastanta balbúrdia.

Todos os que assistiram e participaram nos Jogos Pan-Helénicos sairam maravilhados com a organização dos gregos, aconselhando o Comité Olímpico Internacional a recomendar este tipo de organização para os Jogos Olímpicos de futuro. Cabia à Grã- -Bretanha essa responsabilidade.

Não sendo olimpíadas, os Pan-Helénicos acabaram por provocar um salto qualitativo para os Jogos Olímpicos de 1908. A Grã-Bretanha tinha dois excelentes exemplos para o que não devia fazer. E, agora, um tinha "ganho" para seguir.

Os Jogos Pan-Helénicos, porém, devido a problemáticas financeiras e às sucessivas crises políticas que assolaram a Grécia, acabaram por não vingar.

DN, 31-5-2008
 
ATRIBULAÇÕES DE UM CHINÊS FORA DA CHINA

João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Honorável primo Chu Agradeço a carta e as notícias. Espero que tudo continue bem aí em Beijing. Como passa a tia Ma? Por cá as coisas andam prósperas. Com os estrangeiros daqui em crise, é bom para a nossa loja e restaurantes.

Quanto às perguntas que me faz acerca dos ocidentais, tem toda a razão em estar preocupado com os Jogos Olímpicos que se aproximam. Tenha muito cuidado, porque os narizes compridos só dizem mentiras. Falam muito em liberdade e querem ensinar a todos o que ela é, mas só conhecem as liberdades que não interessam. Faltam-lhes as realmente importantes.

Andam muito orgulhosos por poderem escolher os chefes e dizer mal deles. Como acham que nós não dizemos, consideram-nos oprimidos. Mas não têm liberdade para vender, comer, guiar, despejar lixo e mil outras coisas. É proibido fumar cigarros, cortar árvores, fazer barulho. Vendem só a certas horas e em certos sítios. Não se pode trabalhar à noite ou quando se é velho. Nem imagina o que eles exigem para se andar de carro (por exemplo, um colete verde!!). Proíbem muitas comidas, das nossas ou mesmo das que eles sempre comeram. Ficam fulos se não dividimos o lixo. Até querem controlar a maneira como se escreve. Tudo tem regras, imposições, limites. Sobretudo papéis. Muitos papéis. Chamam a isto progresso e liberdade.

O Fu diz que a vida na terra dos narizes grandes é como a que tínhamos no tempo do Camarada Mao. Eu achava exagero (sabe como é o primo Fu...) mas um dia vi que tinha razão. Vieram ao restaurante alguns guardas vermelhos armados. Diziam ser fiscais da economia, mas senti aquele mesmo medo da revolução cultural. Viram tudo, inventaram multas por nada, ralharam e levaram preso o tio Deng.

Como no tempo do Camarada Mao, os ocidentais passam horas em doutrinação política. Aqui é em frente à televisão. Um deles disse- -me que era muito diferente da China, porque não é doutrina, mas notícias e debates (exactamente como lhe chamavam os comissários do povo), e porque se pode escolher aquilo que se ouve. Ao princípio acreditei, mas depois vi que não há escolha. Todos dizem o mesmo. E querem eles ensinar-nos liberdade!

Como vai ter narizes grandes em Beijing, precisa conhecê-los. Diz-se que só pensam em dinheiro, mas isso também nós. A diferença é que, além da tal liberdade, eles adoram três coisas: papéis, saúde e sexo. Quando aos papéis, já lhe expliquei: há papéis para tudo. Não sei se foi boa ideia termos-lhe dado essa nossa invenção. Depois andam sempre aterrorizados com a saúde. Gastam imenso dinheiro em médicos e remédios, mesmo quando não estão doentes. Para eles tudo -comida, sexo, trânsito, desporto- é um problema de saúde. Andam loucos com o corpinho. Depois morrem como toda a gente.

Quando não é papéis ou médicos, é sexo. A coisa que mais os cega é sexo. Aqui as mulheres deles andam quase nuas na rua (cuidado com as primas!!). Cega-os porque não o entendem. O sexo deles não é para ter filhos, mas para vender sabonetes. Não é para ter família e ser feliz, mas para trair, zangar, ter sarilhos. Chamam-lhe liberdade, claro!

Liberdade! Nem fazem ideia o que seja! Também não sabem o que é honra, respeito, dignidade. Escolhem os chefes (embora, como aí, os que mandam sejam sempre os mesmos), mas logo a seguir começam a dizer mal deles. Só querem a liberdade de criticar porque odeiam os chefes. Odeiam muito mais que nós. Nunca vi um povo odiar tanto. Quem diz pior do Ocidente são os jornais ocidentais (se ler o que dizem da China, farta-se de rir porque eles não sabem nada).

Descobri um truque que lhe pode ser muito útil: nas discussões com eles é fácil pô-los a gritar entre si. Quando criticarem a política do filho único, diga-lhes que têm menos os filhos que nós. Se acusarem a pena de morte, acuse a eutanásia e o aborto. Se falarem no Tibete pergunte-lhes pelo Iraque. É que eles além dos chefes, odeiam o sistema (dizem sempre que está "podre"), odeiam a vida, odeiam-se a si mesmos. Este povo adora dizer mal de si próprio. Chamam-lhe liberdade.

Saudades do primo Guo.

DN, 30-6-2008
 
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