07 setembro, 2007

 

Craig Venter


E o seu ADN



http://biology.plosjournals.org/perlserv/?request=get-document&doi=10.1371/journal.pbio.0050254&ct=1



http://pt.wikipedia.org/wiki/Genoma_humano

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Craig Venter, o homem sequenciado

Ana Gerschenfeld


Um conhecido e controverso cientista norte-americano decidiu ler o seu próprio ADN quase até à última letra e colocou-o na Internet. É a primeira vez que o genoma de um único ser humano é publicado. Para mais - outra estreia - contém os contributos de ambos os seus progenitores. As implicações podem ser enormes

Craig Venter não tem medo de nada. As arrojadas e controversas aventuras científicas das últimas décadas deste biólogo sexagenário estão aí para o provar. Foi um dos grandes concorrentes na corrida para a sequenciação completa do ADN humano no fim dos anos 90 (que perdeu, mas que contribuiu indubitavelmente para acelerar) e é neste momento o grande favorito na corrida para a criação da primeira forma de vida artificial, totalmente sintetizada no laboratório. Sem esquecer que anda também a navegar pelos mares do mundo à procura de microrganismos capazes de resolver a penúria mundial de petróleo que se avizinha.
Apesar dos anticorpos que isso tem criado no meio científico - o seu gosto pelo dinheiro e pelas luzes da ribalta seriam razão suficiente para isso - uma coisa é certa: Venter não tem medo de lançar os desafios mais irreverentes com uma segurança que é raro encontrar num cientista. A sua última proeza é mais um testemunho desse traço da sua personalidade: acaba de publicar, praticamente na íntegra, a sequência genética contida nas células do seu corpo, pondo assim a nu, para toda a gente ver, as suas características genéticas mais íntimas, com todos os terríveis segredos que elas podem encerrar a propósito da sua propensão para as mais devastadoras doenças.
Venter e mais 30 cientistas - do seu próprio instituto, o J. Craig Venter Institute, em Rockville, Maryland, do Hospital de Crianças Doentes de Toronto e da Universidade de San Diego - publicaram essa sequência online, na revista Public Library of Sciences Biology. Para vincar mais ainda o gosto de protagonismo do seu autor principal, a sequência foi denominada HuRef - isto é, Human Reference -, dando a entender que se poderá tornar o genoma-padrão da espécie humana, com o qual qualquer outro resultado do mesmo tipo será comparado daqui em diante.
A versão de referência actual do genoma humano, que data de 2003 e é da autoria de um consórcio internacional liderado pelos National Institutes of Health norte-americanos e financiado por dinheiros públicos (foram eles os vencedores do desafio de Venter), foi compilada a partir do ADN de uma centena de pessoas anónimas. Uma outra versão, menos completa, da autoria do próprio Venter e da sua empresa de então, a Celera, foi por sua vez feita a partir de cinco genomas diferentes. Pelo contrário, a nova sequência pertence a uma única pessoa.
Outra grande novidade é que a equipa sequenciou os dois conjuntos de cromossomas contidos no ADN - ou seja, os que provêm da mãe e do pai deste "homem sequenciado". Ora, costuma-se dizer que o ADN humano contém três mil milhões de pares de bases, ou letras, escritas num alfabeto de quatro letras (ATGC). Mas não é bem assim: na realidade, se incluirmos as duas cópias de cada um dos 23 cromossomas que constituem o nosso património genético, o número duplica. Até agora, as sequências existentes do genoma humano eram "haplóides", o que significa que apenas diziam respeito a uma cópia de cada cromossoma. Pelo contrário, a nova sequência é "diplóide", porque contém as sequências de todo o conjunto de cromossomas. E, de facto, não são três mas sim seis mil milhões de pares de bases que os cientistas têm andado desde 2003, e à custa de uma dezena de milhões de dólares, a ler aos bocadinhos e a colar uns aos outros na ordem certa para obter o gigantesco "livro da vida" de Venter.
Para o fazer, os cientistas explicam, num comunicado emitido anteontem pelo J. Craig Venter Institute, que utilizaram a parte do genoma de Venter que já tinha sido sequenciada quando da primeira "corrida para o genoma" na empresa Celera. Para colmatar os "buracos" nesta sequência inicial, utilizaram um método mais antigo que aqueles que se encontram hoje em uso. Muito mais dispendioso e demorado, o chamado método Sanger tem a vantagem de ser o mais fiável e preciso que existe. Ainda existem algumas lacunas que não foi possível colmatar, mas que os cientistas tencionam anular mal disponham da tecnologia adequada.
Mais únicos, mais diversos
Para que serve sequenciar o senhor Venter ou qualquer outra pessoa? Antes de mais, isso permitiu revelar que a diversidade genética humana poderá ser muito maior do que se pensava. É que, comparando as duas cópias dos cromossomas (vinda uma do pai outra da mãe), os cientistas constataram que as diferenças entre elas não se limitavam a pequenas alterações de uma "letra" aqui e outra acolá, como era costume especular até aqui. Uma boa parte da variabilidade devia-se a outros tipos de variações.
O genoma de Venter contém "um total de 4,1 milhões de variantes", explica o mesmo comunicado, "das quais 3,2 milhões são mudanças numa só "letra" do ADN", o que seria de esperar". Mas, além disso, existem cerca de um milhão de diferenças que "nunca tinham sido descritas até agora": inserções ou supressões de bocadinhos de ADN, variações no número de cópias de um dado fragmento e ainda "duplicações segmentais" ou "substituições em bloco". Apesar de as "mudanças de uma letra" serem mais frequentes, "o outro tipo de diferenças incide numa maior porção (74 por cento) do genoma do Dr. Venter", salienta-se ainda. No total, em pelo menos 44 por cento dos genes de Venter, a cópia vinda da sua mãe é diferente da cópia vinda do seu pai. "Estes dados sugerem que a variabilidade entre humanos é muito superior à estimativa de 0,1 por cento derivada dos projectos de sequenciação anteriores. A nova estimativa, baseada nestes dados, permite dizer que o genoma varia em pelo menos 0,5 por cento de uma pessoa para outra." "Com esta publicação", diz por seu lado Venter no mesmo documento, "conseguimos mostrar que a variação entre seres humanos é cinco a sete vezes maior do que as estimativas anteriores, o que prova que somos mais únicos ao nível genético individual do que pensávamos."
Para Venter e os seus colegas, isto marca o início do que eles chamam a "genómica individual" que, segundo eles, através do estudo dos genomas detalhado de pessoas singulares, vai permitir personalizar a medicina do futuro. "Hoje, em seis semanas ou menos, sequencia-se um genoma relativamente completo por uns 100 mil dólares", declarou Venter durante uma conferência de imprensa telefónica, acrescentando que confia que os custos e o tempo de sequenciação só podem vir a diminuir.
O próximo genoma individual diplóide a ser posto à disposição de todos, lembrou, deverá ser o do prémio Nobel James Watson, co-descobridor da estrutura em dupla hélice do ADN (em 1953), provavelmente até ao fim deste ano. O genoma de Watson, porém, não foi sequenciado pelo mesmo método.
"Daqui a cinco ou dez anos", salientou ainda o investigador nessa mesma ocasião, "esperamos ter uns dez mil genomas diplóides individuais sequenciados. E então vamos ser capazes de desvendar todas as questões de base acerca do que é inato e do que é adquirido, do que nos define como indivíduos. Isto terá um impacto fundamental ao nível da medicina preventiva e do estudo da nossa evolução como espécie."
Intrusão da privacidade?
O que estes cientistas fizeram poderá chocar aqueles que pensam que tornar públicos os mais íntimos segredos genéticos de uma pessoa pode ser a antecâmara de todos os abusos em termos de intrusão da privacidade. Mas Venter não concorda com esta visão: "As pessoas têm muito medo do seu código genético", frisou ainda naquela conferência, mas é fácil para o FBI recolher o nosso ADN numa chávena de café... Claro que as pessoas têm o direito de revelar ou não esses dados pessoais, mas acho que a noção de que a nossa história clínica é absolutamente privada é uma falácia". Venter diz que decidiu sequenciar o seu próprio genoma porque, no actual clima de medo, pareceu-lhe que não teria sido correcto pedir a outras pessoas para dar o seu ADN e decidiu voluntariar-se para isso.
Já agora, se quiser conhecer os potenciais defeitos genéticos de Craig Venter, eles estão disponíveis no site da PLoS, mais precisamente em http://biology.plosjournals.org/perlserv/?request=get-document&doi=10.1371/journal.pbio.0050254#journal-pbio-0050254-sd001. Para além do Poster S1, intitulado "A sequência diplóide do genoma de J. Craig Venter", cujo título dispensa esclarecimentos, está também lá, para mostrar ao mundo que Venter não tem mesmo medo de nada, uma tabela onde as variantes detectadas nos seus genes foram associadas à susceptibilidade a doenças conhecidas. A lista é arrepiante: Alzheimer, dependência do tabaco, alcolismo, doença cardiovascular, hipertensão, obesidade, comportamento anti-social e perturbações do comportamento são alguns dos perigos que o ameaçam. Venter já começou a tomar medicamentos para prevenir alguns deles, caso a ameaça se venha a concretizar.

Público, 6-9-2007
 
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