14 setembro, 2007

 

A valia do saber


Ou de como continua a valer a pena...aprender

"Ensino, emprego e desemprego

António Perez Metelo

Vale a pena olhar para certos números em pormenor. Desde que a economia portuguesa começou a travar até cair na recessão de 2003, para, em seguida, iniciar uma difícil recuperação, que se prolonga até aos nossos dias, a população activa expandiu-se em mais 339 mil unidades. Só que, deste total, três em cada quatro trabalhadores, acabaram por engrossar o contingente de desempregados (+256 mil), enquanto apenas +93 mil reforçavam o número dos empregados do País. Saldo negativo, dir-se-á e com razão. E multiplicou aqueles que procuram e não encontram trabalho dos 195 mil, em 2000, para os 440 mil actuais, mas esconde transformações qualitativas nos tipos de emprego e nas exigências de qualificação que o mercado reclama.

As profissões indiferenciadas ou pouco qualificadas viram recuar o número de trabalhadores empregados em 197 mil unidades, enquanto as restantes, que exigem níveis de conhecimentos intermédios e superiores, criaram 290 mil postos de trabalho líquidos. Os serviços, as vendas, as profissões técnicas e científicas, os quadros superiores das administrações públicas e das empresas têm procura em expansão contínua, mesmo ao longo da conjuntura económica negativa.

Na perspectiva da instrução formal requerida para ocupar os postos de trabalho que as empresas e o Estado vão oferecendo, dá-se igualmente a divisão de águas: nestes sete anos, perderam-se 538 mil empregos de trabalhadores que só tinham até seis anos de escolaridade e ganharam-se 631 mil, com os seus ocupantes ostentando o diploma do terceiro ciclo do ensino básico (+196 mil), do secundário (+182 mil) ou do ensino superior (+253 mil). (O saldo dá a tal expansão pírrica de 93 mil empregos, em sete anos e meio.)

Por mais fastidiosa que possa parecer a enumeração destes números, só ela nos dá o reflexo no mercado de trabalho da profunda transformação em curso do tipo de negócios, da reorganização interna e da subida na cadeia de valor das actividades empresariais no País. Em Portugal, quem quiser aumentar as probabilidades de conseguir ou manter um emprego, cada vez mais, tem de ter, pelo menos, 12 anos de escolaridade. A escola é o trampolim mais poderoso para responder com êxito às solicitações do mercado de trabalho. E, inversamente, entre os desempregados, à medida que sobe o grau de ensino que completaram, desce a taxa de desemprego: entre os que completaram o 2.º grau do ensino básico contam-se 9,3% no desemprego; o valor para os do 3.º grau do básico é de 9,1%; os trabalhadores com o 12.º ano de escolaridade só contam com 8,7% sem emprego nas suas fileiras e, finalmente, mesmo com o crescimento muito rápido nos últimos anos, os desempregados com formação académica superior apenas representam 6,5% desse nível de qualificação. Em Portugal, saber mais é essencial para progredir na vida. Os números não permitem duas interpretações."

http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=257959&idselect=90&idCanal=90&p=200

http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=268510&idselect=10&idCanal=10&p=200

Comments:
Mariano Gago quer
portugueses orgulhosos...

O ministro do Ensino Superior entende que os portugueses
devem estar “orgulhosos” pelo facto de oito em cada
dez alunos terem este ano entrado na Universidade.
"Devemos sentir-nos todos muito orgulhosos pelo facto de
pela primeira vez desde sempre termos tido um número tão
elevado de estudantes que, ao terminarem o ensino secundário,
querem continuar a estudar, querem ir para o ensino
superior, querem valorizar-se", disse hoje Mariano Gago, à
margem da primeira conferência mundial sobre integridade
na ciência, a decorrer em Lisboa.
"Acho que isso significa uma sociedade em mudança, significa
uma exigência crescente de Portugal, significa que os portugueses
querem apostar em qualificações e percebem que não
há futuro se não se qualificarem", concluiu.
Segundo dados do Ministério da Ciência e Ensino Superior,
quase 42 mil estudantes foram colocados na primeira fase do
concurso de acesso ao ensino superior público, mais 20% do
que no ano passado.
De acordo com os resultados do concurso, que foram divulgados
às 00h00 de domingo na Internet, foram colocados mais
7.078 estudantes, tendo o aumento de colocações especial
incidência no ensino politécnico, onde o crescimento atingiu
os 25%.
O aumento registou-se igualmente no número de candidaturas,
com mais 10.951 (27%) do que em 2006, assim como no
número de vagas, tendo sido disponibilizadas mais 2 182
(5%), uma tendência já registada nos últimos quatro anos.
Os 9.534 estudantes que não conseguiram entrar no ensino
superior público poderão ainda candidatar-se à segunda fase
do concurso, que se realiza na próxima semana, com 6 812
vagas ainda disponíveis.

RRP1, 17-9-2007
 
Relatório da OCDE traça retrato

Portugal é um dos países da OCDE onde há maior relação
entre as habilitações académicas e o salário auferido.
São dados do relatório da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE), que traça um retrato da
educação em 2007, nos 25 países-membros.
Em Portugal, um licenciado recebe em média mais 80% do
que um trabalhador que apenas concluiu o secundário.
As contas da OCDE, já divulgadas pelo jornal “Público”, indicam
também que em nenhum outro país um trabalhador apenas
com o ensino básico é tão penalizado nos seus rendimentos.
Em média, recebe 57% do salário de quem tem o 12.º
ano.
O relatório sublinha também que, entre 1995 e 2004, Portugal
aumentou os valores da despesa por aluno no básico e
secundário em 50%. Inversamente, esse investimento desceu
no ensino superior.
Ao todo, o país dedica 5,4% do PIB à Educação, numa média
ligeiramente abaixo da OCDE, mas ao nível da União Europeia.
Apesar disso, os resultados continuam abaixo do desejado,
contudo, o estudo destaca evoluções positivas: Portugal é,
nomeadamente, referenciado como um dos países que deu
um salto mais significativo em termos de conclusão do ensino
secundário, embora se mantenha ainda muito longe em termos
de qualificações dos restantes países da OCDE.

RRP1, 18-9-2007
 
Um quinto teme perder emprego em seis meses

MANUEL ESTEVES

Um em cada cinco trabalhadores portugueses receia perder o emprego nos próximos seis meses, revela um inquérito realizado em 31 países por uma fundação europeia (Eurofound), envolvendo 30 mil entrevistados (dos quais mil portugueses). Portugal é, logo após a Grécia, o país onde os trabalhadores mais se queixam de insegurança quanto ao seu vínculo contratual.

Este facto explica-se, em grande parte, pelo peso significativo que os contratos a prazo têm em Portugal. Com efeito, cerca de 20% dos trabalhadores portugueses estão contratado a termo ou são pagos através de "falsos" recibos verdes. Porém, este fenómeno não explica tudo, uma vez que em Espanha - onde quase um terço dos trabalhadores está a termo - apenas 15% temem perder o emprego nos próximos seis meses. Na União Europeia (UE), isto apenas se passa com 13,7% dos empregados, uma percentagem que desce para 11,3% quando se reduz a amostra aos Quinze. Este lugar cimeiro de Portugal acaba por contrastar com o facto, sustentado por todas as organizações internacionais, de possuir uma das legislações mais rígidas em matéria de despedimentos.

Esta aparente contradição pode conduzir a uma de três conclusões imediatas: que a rigidez na legislação laboral e a segurança no emprego não são sinónimos; que a rigidez legislativa não tem tradução prática e as empresas encontram formas de contornar a lei, como defendem os sindicatos; ou, como vem sugerindo o ministro do Trabalho, que em Portugal coexistem dois tipos de trabalhadores, os muito protegidos e os muito vulneráveis.

Satisfação geral

Apesar da insegurança no emprego, os portugueses manifestam um dos mais altos níveis de satisfação com as condições de trabalho. Quase 85% dizem-se satisfeitos ou muito satisfeitos com as condições laborais, acima da média da União Europeia. Segundo o inquérito, um dos motivos que mais contribuem para este contentamento diz respeito às boas perspectivas de progressão na carreira. Apesar disso, os baixos salários pesam no moral dos trabalhadores. Com efeito, enquanto 43,2% dos trabalhadores da UE se consideram bem pagos pelo que fazem, em Portugal essa percentagem não chega aos 30%.

Outro factor de satisfação diz respeito ao equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. É que apesar de Portugal ter uma das mais elevadas taxas de emprego feminino a tempo inteiro da UE, este estudo mostra que 82,4% entendem que o horário se coaduna bem com os compromissos familiares e sociais. Esta percentagem é apenas de 79,4% na UE.

DN, 28-9-2007
 
Taxa sem alteração

A taxa de desemprego fixou-se, no terceiro trimestre
deste ano, em 7,9%, ou seja, manteve-se inalterada face ao
trimestre anterior.
Dados hoje divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística
mostram, no entanto, que o número de desempregados continua
a subir em Portugal.
No terceiro trimestre deste ano estavam desempregados mais
de 444 mil indivíduos, o que significa mais 6,5% do que no
mesmo período de 2006, ou seja, mais 27 mil pessoas entraram
na situação de desemprego.
Na análise da Directora-adjunta de Informação da Renascença,
Graça Franco, estamos, ainda, bastante longe de conseguir,
com a retoma económica, criar emprego.
Graça Franco salienta que Portugal vive ainda situações ainda
muito preocupantes: uma taxa de desemprego entre as
mulheres que se situa nos 9,3%, nos jovens os números ascendem
a 16% e existe uma precarização crescente, com o
aumento do emprego a tempo parcial e a redução do emprego
a tempo inteiro e uma situação dramática no norte, onde
os números do desemprego atingiram novos máximos, nos
9,5%, ou seja, mais 1% que no ano passado.
Por seu turno, o ministro do Trabalho e da Solidariedade
Social considerou hoje "um bom sinal" a estabilização da taxa
de desemprego em 7,9% no terceiro trimestre de 2007.
"Regista-se um dado muito significativo. Este ano a taxa de
desemprego não cresceu do segundo para o terceiro trimestre.
É um bom sinal", afirmou José António Vieira da Silva, no
Porto, à margem da apresentação do Programa Operacional
Potencial Humano (POPH).
O ministro salientou que, tradicionalmente, há uma perda de
emprego sazonal do segundo para o terceiro trimestre, mas
este ano isso não aconteceu.
"Durante dois/três anos, o emprego não crescia. Agora há
mais 100 mil postos de trabalho em termos líquidos", afirmou
Vieira da Silva, escusando-se a assumir se o Governo mantém
como objectivo a criação de 150 mil postos de trabalho até
ao final do mandato.
Vieira da Silva reconheceu que o problema do desemprego
ainda não está resolvido, mas salientou que, só "no terceiro
trimestre foram criados mais 45 mil postos de trabalho".

RRP1, 16-11-2007
 
Trabalho qualificado diminui
em Portugal

O emprego qualificado em Portugal está a diminuir,
enquanto aumenta o desemprego entre os licenciados. Por
outro lado, cresce a colocação em empregos com menores
qualificações.
O Governo anunciou a criação de 106 mil postos de trabalho
nos últimos dois anos, mas, pelas contas do “Diário Económico”,
foram perdidos 167 mil empregos qualificados.
“O emprego tem crescido nas profissões com menor valor
acrescentado”, refere o director-adjunto do jornal, André
Macedo.
“O Governo tem dito que tem feito um esforço para qualificar
os portugueses, sabemos que este esforço não resulta de um
momento para o outro e sabemos também que o desemprego
em Portugal tem aumentado. Vale a pena sublinhar que muitos
desses licenciados são-no em Letras, muitos eram professores
e, portanto, o Estado deixou de absorver estas pessoas e
elas não encontram no mercado de trabalho alguém que lhes
dê um emprego correspondente. Muitos deles estão a ocupar
profissões para as quais estão sobre-qualificados”, acrescenta.
A hotelaria e a restauração são os sectores que mais têm contribuído
para a criação de emprego em Portugal.

RRP1, 19-11-2007
 
Factos do “outro mundo”

Um em cada três estudantes do ensino superior público
não termina o curso no tempo previsto. Um estudo, revelado
esta semana, mostra que a taxa de insucesso ronda
ali os 35%.
Isto revela um enorme desperdício de recursos, a que não
é alheio o absurdo sistema de acesso a Medicina, quando
força milhares de alunos à frequência temporária de cursos
de segunda escolha.
Mas o estudo revela mais: uma enorme desvantagem relativa
dos nossos estudantes que chegam ao mercado global
de trabalho um, dois, três, ou mais anos depois do que os
seus colegas, da mesma idade, de outros países. Ora, essa
desvantagem não é irrelevante.
Basta pensar que a uniformização da duração dos cursos é
uma das pedras de toque do processo de Bolonha e visa
evitar, exactamente, essa desvantagem.
Por cá, há pelo menos 10% dos estudantes a frequentar as
universidades mais de três anos para além do prazo normal
de obtenção do diploma. Ou seja: custam ao Estado
praticamente o dobro do que seria necessário.
E como se isto não bastasse, salta à vista que a massificação
do ensino superior não promove a ascensão social dos
mais pobres. Pelo contrário, o ensino superior faz parte
integrante do sistema de reprodução e manutenção das
desigualdades sociais.
Há cursos que são autênticos redutos dos mais favorecidos
como Medicina ou Artes. No primeiro, mais de metade dos
alunos são filhos de licenciados e a taxa de sucesso é de
quase 100%. Já em Artes, é difícil entender como 45%
ficam pelo caminho…
Há outros, como Letras, onde se acolhe a maioria dos desfavorecidos.
Aí, um terço dos pais tem apenas a velha
quarta classe e compreende-se melhor que o insucesso
persiga mais de metade.
Não cola a desculpa de que “já foi pior”. Na década de 60,
por exemplo, quando eram muito menos as mulheres que
chegavam à faculdade e muitas a abandonavam, ainda a
meio dos respectivos cursos… para casar!
Era outro o país! E, era outro o Mundo!

Graça Franco

RRP1, 12-12-2007
 
Aconteceu

Graça Franco

Em Dezembro, existiam quase 40 mil licenciados no
desemprego. Uma percentagem superior a 10% do total de
desempregados exibia, assim, qualificações muitíssimo
acima da média nacional.
Soma-se a este quadro a ameaça que pende sobre os cerca
de nove mil e 500 docentes universitários, hoje assistentes
e professores convidados, que, devido ao cerco financeiro
ao Ensino Superior, podem numa larga percentagem não
ver os respectivos contratos renovados.
Como se isto não bastasse, a TVI mostrava esta segundafeira
uma realidade igualmente arrepiante: jovens empregados,
quase todos a auferir o ordenado mínimo, mostravam
o seu desespero por não encontrar trabalho compatível
com o curso superior tirado.
Faltam ao país mais de vinte mil enfermeiros, dizem os
sindicatos do sector? Três jovens licenciadas denunciaram
entre lágrimas a impossibilidade de obter experiência em
enfermagem porque terminados os estágios obrigatórios
não conseguem trabalhar…
Arquitectas ao balcão de sapatarias, jornalistas a arrumar
mercadorias em grandes superfícies, geógrafas como vendedoras
imobiliárias, especialistas em relações internacionais
a operar em call-centers? São exemplos do que se
passa com cerca de duas dezenas de milhar de jovens.
E que diz o ministro do Ensino Superior? Não gosta do que
vê, mas não arrisca respostas nem dispõe de nenhuma
varinha mágica para o alterar. É a orientação profissional
que falha? A academia que não prepara os alunos para as
necessidades do mercado? Os pais que insistem no sonho
que vai acabar em pesadelo? O país centralista que não
permite aos jovens deslocarem-se para o interior?
É o retrato de um país às arrecuas, em que todos concorrem
com todos numa partilha crescente da frustração.
Porque nem sequer é claro que um arquitecto venda
melhor sapatos do que um trabalhador com o nono ano.
Há quase trinta anos, Roberto Carneiro alertava para o
risco de isto poder vir acontecer… Aconteceu.

RRP1, 13-1-2008
 
CHUMBAR É UMA VE RGONHA NO LESTE

Céu Neves

Compreensão das terminologias torna mais difícil aprender Medicina

Imigrantes dizem que o seu ensino é exigente e com muitos TPC

Uma folha de papel a circular pelas carteiras é algo que nos habituámos a ver nas escolas portuguesas. Não é o hábito das crianças oriundas de países da Europa do Leste. A folha deixa de circular no preciso momento em que o professor inicia a aula. É uma questão de atitude, de cultura, de educação, da importância que se atribui ao ensino? É seguramente diferente e para melhor, dizem os professores portugueses. Os alunos também não se queixam dos nossos educadores, mas pedem uma maior exigência na sala de aula. Um pedido que passa a reivindicação junto dos pais desses mesmos alunos.

Matemática do 3.º ano, mas com o programa de uma escola que fica numa ponta da Europa, no Leste da Europa. Crianças dos oito aos dez anos seguem a matéria em ucraniano como se estivessem no país de origem. É sábado e este é o sexto dia de aulas de alunos que frequentam durante a semana a escola portuguesa. E, assim, prosseguem os estudos nos dois sistemas de ensino. É uma conquista da comunidade ucraniana em Portugal e que está bem expressa no nome da escola Milagre do Mundo. Interrompemos a aula, fazemos perguntas, os alunos atropelam-se para responder. Deixamos duas folhas de papel para escreverem o nome, a idade, há quantos anos aqui estão e o que querem ser quando crescerem. Meia hora depois, as folhas continuam intactas. Faz sentido, quando começamos a perceber estas comunidades. Na aula, é impensável fazer outra coisa que não seja ouvir a professora.

"Ainda não escrevi o meu nome, a professora começou logo a aula", sussurra Daryd Yarova, ucraniana, nove anos, há oito em Portugal.

Um papel a circular pela sala é algo que nos habituámos a ver nas salas de aula e em todos os graus de ensino portugueses. Os imigrantes dizem-nos que não é assim nas escolas da Europa do Leste. "A aula é para aprender. A professora não precisa de levantar a voz. Na escola portuguesa, a professora tem que ralhar para os alunos fazerem as coisas", diz em tom de crítica Bohdan Fedoryshyn, nove anos, há quatro em Portugal. Quer ser futebolistas e engenheiro.

É uma questão de atitude, de cultura, da importância que se atribui à educação. Bem diferentes do comportamento dos nossos alunos. "São realmente diferentes, muito trabalhadores e disciplinados. E sentem vergonha quando têm maus resultados, até porque vão logo para a via profissional. E são os próprios a dizer que os alunos portugueses têm uma atitude de desrespeito para com os professores", explica Isabel Policarpo, professora de Português na Escola 2, 3 de Delfim Santos, em Lisboa. As crianças do Leste estão entre os seus melhores alunos.

Meninos como a Daryd, o Bohdan, a Júlia, o Solomiyo, a Maria, o Mykhoylo, o Aleksandr, a Anastasya, a Marina, a Tetyana e o Dimytro, e que conhecem o sistema de ensino português e ucraniano. Sentem que o ensino "lá [Ucrânia]" é mais difícil, sobretudo nos primeiros níveis. "Lá", não têm mais horas de aulas, mas têm mais trabalhos para casa. Tantos que o tempo de estudo em casa chega a ser superior ao da escola. E tanto elogiam os professores nacionais como os portugueses, com uma ressalva para estes últimos: "Deviam ser mais exigentes!"

Já os professores portugueses não lhes poupam elogios. "O facilitismo mete-lhes confusão, não gostam. Enquanto que para nós é um pouco ao contrário, o nosso ensino está cada vez mais nivelado por baixo", diz Renato Costa, formado em Biologia e professor de Saúde e Socorrismo na Escola Secundária Anselmo de Andrade, em Almada.

Ana Parra dá aulas na Escola Secundária da Amora a alunos que não têm o português como língua materna. Elogia os ucranianos, os moldavos e os russos, que diz terem "capacidades de trabalho invejáveis". E que até as ilustrações dos livros escolares lhes fazem confusão por serem um factor de distracção. É esta capacidade de trabalho que os faz ultrapassar as dificuldade para com a aprendizagem da língua portuguesa.

"Já é português"

Uma forma de estar que não encontra eco entre os portugueses. Pelo menos, na maioria. A tal ponto que os imigrantes do Leste quando vêem os filhos a resvalar para o desleixo, logo afirmam: "Já é português!" É a conclusão do estudo "Entre o Rural e o Urbano: Estratégias de Integração de Famílias de Imigrantes da Europa do Leste", das sociólogas Alexandra Castro, Ana S. Marques, Joana Afonso e Maria José L. Antunes. E sublinham: "No caso de muitos imigrantes, e isto é absolutamente novo no contexto da imigração em Portugal como insuficiente face às expectativas que nela se depositam."

Irina Deuysyuk, 14 anos, Nastia Isasenko, 14, e e Ulyana Varyvoda, 15, dizem o mesmo mas por outras palavras: "Quando viemos, as notas eram baixas por causa da língua. Depois, levantaram e, agora baixaram. Já aprendemos com os vícios dos portugueses. Quem fica mais tempo apanha os vícios e, se regressar à Ucrânia, vai sentir muita diferença." Os vícios que dizem ter aprendido são "estudar pouco ou nada; ir à escola sobretudo para encontrar os colegas; falar na aula".

Expansivas e com ar de estarem sempre prontas para a brincadeira, têm dificuldades em dizer se gostariam de regressar definitivamente ao seu país. Andam no 8.º e 9.º ano na escola portuguesa e no 9.º na escola ucraniana. Os cursos que pretendem seguir dividem-se entre o jornalismo, marketing ou publicidade e designer ou estilista.

A escola " Milagre do Mundo" funciona na Escola 2,3 Pedro Santarém, em Lisboa e segue o programa curricular da Escola Universal de Kiev. Tem uma turma por cada um dos 11 anos exigidos para completar o ensino secundário na Ucrânia (vai passar para 12). É a escola ucraniana em Portugal que tem mais alunos, 130. Vêm de várias concelhos da Grande Lisboa. Todos os sábados, entre as 9.00 e as 17.00.

"Não queremos que a nossa descendência esqueça a língua materna. Estão integrados na escola portuguesa, mas é importante que aprendam a sua cultura", explica Vitaliy Miaailiz, presidente da Associação de Ucranianos de Portugal. A associação é responsável pela maioria das 14 escolas ucranianas no País e que têm o apoio da Embaixada da Ucrânia: três em Lisboa e uma em cada destas cidades: Aveiro, Braga, Gondomar, Paredes, Águeda, Leiria, Faro, Portimão, e, em breve, nas Caldas da Rainha.

Igor Korinnyv, o director da escola, já deixou de se indignar com "a falta de exigência" das escolas portuguesas. "Os alunos, tanto os portugueses como os nossos, andam muito livres. Aqui, os professores não os apertam tanto para melhorar a situação", diz, exemplificando: "Na Ucrânia, se um aluno se atrasa, a administração escolar chama de imediato os pais. Se provoca algum desacato, chamam logo os pais, se não querem estudar, chamam os pais. E os alunos têm medo!"

Medo e vergonha. Medo das represálias em casa. Vergonha, por não cumprirem as metas, estudar e passar de ano. "Mesmo para se trabalhar numa loja é preciso um diploma. Sem diploma, ninguém fala consigo", diz Igor. É professor de Educação Física e chegou a Portugal há sete anos. Trabalhou como serralheiro na construção civil, ofício para o qual tirou um diploma na Ucrânia.

"É para estudar, é para estudar"

"Estranho. Estranho o comportamento dos meus colegas. Pensam que é tudo brincadeira, mas não. Quando é para se divertir, é para se divertir. Quando é para estudar, é para estudar", atira a Georgina Trincu, 11 anos, romena, há três anos em Portugal e a frequentar o 4.º ano na escola portuguesa e na romena. Está na Escola Romena da Associação Fratia (fraternidade) que funciona aos sábados na Escola Secundária de Bocage, em Setúbal. Tem 60 alunos entre os 5 e os 15 anos, da Roménia, Moldávia e Ucrânia.

"Na Roménia, uma colega minha olhou para o relógio e só por isso a professora mandou-a para a rua e disse-lhe: 'Se já estás farta da aula, vais embora!", conta. E continua: "Temos mais regras na Roménia, até na ginástica." Em Portugal só fazem as coisas "quando o professor ralha".

Daniela Madesco, a amiga, expressa o que a surpreende: "Há rapazes e raparigas da minha sala que chumbaram e os pais dizem que não querem saber, que repetem o ano. Na Roménia não é assim... Há um moldavo que era bom aluno, mas foi atrás dos outros que não estudam e, agora, só tem negativas." A Daniela tem dez anos, veio para Portugal há menos de um e frequenta o 4.º ano, tanto na escola portuguesa como romena. Conta outro episódio. "A professora faltou na sexta-feira, mas nós fomos à mesma. Um colega meu faltou. Quando vinha para casa vi que me tinha esquecido das chaves na sala dos professores e voltei à escola. E vi aquele rapaz que tinha faltado com a mochila e só pensei: disse aos pais que veio para a escola e não apareceu!'"

Com a resposta sempre na ponta da língua, a Daniela fala num português irrepreensível e com pronúncia setubalense. "Não sabia falar português no início e sentia-me inferiorizada. Agora, já falo muito bem. Fui a uma visita e estudo e uma professora só percebeu que eu não era portuguesa quando chamou pelo nome." É que antes de vir para Portugal, os pais comparam um dicionário de romeno/português. "Com as palavras como se escrevem e como se lêem."

Quando Bogdan Litkovets chegou a Portugal tinha 5 anos. Na Ucrânia, onde nasceu, nessa idade os meninos já sabem ler. E ele sabia, ucraniano. Por isso a mãe, que era professora de música lá, ensinou-lhe a ler português em casa antes de ele entrar na 1.ª classe num colégio em São Pedro do Estoril, onde a família morava.

"Foi fácil", conta Alla Litkovetz, que se desdobra entre vários trabalhos como mulher a dias, dá aulas de piano e ainda ensina na escola ucraniana de Cascais. Mas teve mau resultado: a professora do filho mandou chamar Alla à escola e passou-lhe um raspanete. Bogdan era o único a saber ler e isso perturbava os colegas. "Uma história surreal".

Foi por histórias como esta, e porque consideravam o ensino português muito brando, apesar do (excelente) percurso escolar de Bogdan, que Alla e o ex-marido resolveram mandar o filho para viver com a avó em Lutsk, cidade ucraniana perto da fronteira com a Polónia e ali fazer o 6.º ano. A mãe acha que valeu a pena a opção. "Queria que ele soubesse o que é a escola , a disciplina, fazer trabalho sério." Isto apesar das fortes pressões dos professores ucranianos que, depois de saberem que a família era emigrante, queria que lhes "pagassem" notas melhores para Bogdan.

E Bogdan, gostou? O miúdo, agora com 12 anos e de volta a Benfica, em Lisboa, onde moram, diz sempre que "sim", de forma evasiva. Mas a sua opinião real sobre as diferenças do ensino, lá e cá, está numa carta que escreveu à mãe e que ela ainda guarda.

Estou sempre a comparar a Ucrânia com Portugal. Em Portugal não há farda como aqui. A farda é bonita, mas eu gosto mais de vestir livremente. Aqui as pizzas são mais pequenas e bebe-se chá, não há coca-cola e há mais variedades de massas e de iogurtes. Em Portugal tinha uma hora para comer, aqui são 10 minutos. E tenho de comer, fazer limpeza na classe, abrir as janelas, limpar os papéis do chão, trazer giz novo.

Gosto mais da escola em Portugal porque é mais fácil. Aqui, em meio ano gastei dois cadernos, em Portugal era meio por ano. Temos de nos levantar cada vez que o professor nos faz uma pergunta. E eles dão-me notas piores do que em Portugal. Eu não percebo. E aí as crianças ajudam-se umas às outras, aqui são avarentos e não ajudam. Agora eu também sou assim. |

Os gémeos Rostyslav e Kostyantyn Romaschuk têm 17 anos e são naturais da Ucrânia. Chegaram ao País com 11 anos, acabando por fixar residência em Sines. A mãe é enfermeira (levou dois anos para concluir o processo de equivalências) e o pai é mecânico. São alunos do 1.º ano de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas, em Lisboa, curso onde entraram com uma média obtida no país de origem, 18,9 valores. Também estudaram em Portugal, mas não conseguiam melhor classificação do que 16 (média). Os gémeos sempre estudaram nos dois sistemas de ensino: o português e o ucraniano. "O 7.º ano foi difícil na escola portuguesa, mas as notas melhoraram quando começámos a saber a língua", conta o Rostyslav.

No final de cada ano lectivo, faziam os exames na Ucrânia, até que decidiram frequentar lá o último ano do secundário, onde este nível de ensino tem apenas 11 anos (vai passar a 12), razão pela qual os Romaschuk têm menos idade que a generalidade dos colegas da faculdade. Depois, só tiveram que pedir a equivalência das habilitações. "O ucraniano é a nossa língua materna e era mais fácil estudar na Ucrânia", explicam. Provocação: Não haverá também uma diferença de atitude nas escolas ucranianas, que faz com que os alunos obtenham melhores classificações? "Não acho que exista uma diferença de atitude. O problema é a vontade de estudar", resume Rostyslav. Quase a concluir o 1.º ano de Medicina (estão em exames), limita-se a dizer que "os estudos estão a correr mais ou menos".

É que persiste a dificuldade linguística. "Não conseguimos perceber bem as terminologias. Estudamos a matéria, mas é difícil. Para os nossos colegas portugueses é mais fácil!"

DN, 21-6-2008
 
Mais 50 mil vagas para cursos profissionais este ano

RITA CARVALHO

Lugares disponíveis para alunos que optem pela via profissional estão a aumentar. Objectivo é cursos profissionais serem metade da oferta no secundário em 2010. Tecido empresarial acolhe bem esta aposta

No total serão 130 mil alunos na via profissionalizante

No próximo ano lectivo haverá mais 50 mil vagas nos cursos profissionais do ensino secundário. A aposta do Governo na formação técnica, que dá equivalência ao 12º ano e permite ingressar directamente no mercado de trabalho, abrange este ano os 95 mil alunos. Informática, energia e electricidade, área social e turismo e lazer são as áreas onde os jovens a partir do 9º ano poderão encontrar mais vagas nas escolas profissionais e nos estabelecimentos de ensino.

No total, a via profissionalizante passará a acolher 130 mil alunos, um número próximo do traçado para o segmento jovem do programa Novas Oportunidades. Em 2010, o Governo quer que metade dos jovens a frequentar o ensino secundário tenham optado por esta vertente de estudo mais vocacionada para o mercado. Além dos 95 cursos profissionais de três anos - que correspondem a 132 saídas para o mercado de trabalho e se destinam a quem quer finalizar o secundário com uma certificação profissional -, há ainda quatro mil alunos inscritos nos cursos de Educação e Formação (CEF), que são mais destinados a jovens em risco de abandono escolar, e 18 mil nos cursos de aprendizagem. No último ano, e prestes a serem extintos, estão os antigos cursos tecnológicos, frequentados ainda por 15 mil estudantes.

Os 45 mil alunos que já estão nos cursos profissionais entram agora no segundo e terceiro anos de formação. E apesar de ainda não ser possível apurar a sua taxa de empregabilidade, a Agência Nacional para a Qualificação estima que seja semelhante à dos cursos tirados nas escolas profissionais e que ronda os 80%. Recorde-se que este tipo de cursos era quase exclusivo das escolas profissionais, tendo sido agora amplamente alargado às escolas secundárias.

Valter Lemos, secretário de Estado da Educação, disse também que é cedo para fazer avaliações mas a expectativa vai para que os resultados não se afastem muito dos das escolas profissionais. No entanto, ressalva, "quando se alarga a base, a percentagem de insucesso aumenta". O governante atribui também a redução da taxa de abandono e de insucesso escolar à aposta que tem sido feita neste tipo de formações.

Formação e emprego

O mercado de trabalho olha positivamente para esta oferta que vai ao encontro das reivindicações das empresas, garante Paulo Feliciano, vice-presidente da ANQ. Mais, acrescenta, "os empresários dizem-nos que é preciso formar profissionais com conteúdos técnicos, necessidades que não têm de ser respondidas ao nível do superior".

Opinião partilhada por Jorge Rocha de Matos, presidente da Associação Industrial Portuguesa. "O aumento das qualificações dos recursos humanos, no caso em apreço por via do Programa Novas Oportunidades, vai não só ao encontro do que o mercado precisa, mas também do que o País precisa". Rocha de Matos lembra ainda "que os empresários têm sentido a dificuldade em recrutar quadros médios qualificados, precisamente por o sistema de ensino prático ter estado relativamente desactivado".

A Confederação da Indústria Portuguesa não se pronuncia ainda sobre esta aposta concreta nos cursos profissionais. Mas adianta que já solicitou às suas associações que apontem as suas necessidades de qualificação a curto prazo. "Queremos saber o que as empresas vão precisar nos próximos dois a três anos", disse ao DN fonte da CIP.

Críticas ao "facilitismo"

As vozes mais críticas à forma como os cursos profissionais estão a ser apresentados pelo Governo chegam do PSD, embora os sociais democratas não contestem a aposta nesta vertente profissional. O deputado Pedro Duarte fala em "frenesim propagandístico e estatístico que esquece a qualidade e o rigor e pode tornar este programa facilitista". Ao DN o deputado fala ainda do esforço que este tipo de ensino exige aos docentes, numa altura em que "se instalou um clima de hostilidade nas escolas devido às reformas do Ministério da Educação".

DN, 15-7-2008
 
Apesar de o número de desempregados licenciados não parar de aumentar, quanto mais e melhores alternativas de formação profissional existirem melhor. Porque as duas realidades, ao contrário do que aparentemente possa parecer, não chocam. Aliás, podem e devem complementar-se.

Quando o acesso ao ensino superior em Portugal se tornou mais fácil (deixando de ser um privilégio de elites), a procura fez disparar não só o número de universidades (públicas e privadas), como também o número de cursos. Com consequências terríveis: uma oferta sem sentido e sem saída profissional, que se traduz nos actuais números de licenciados sem colocação.

Num país onde existe ainda um grande défice de formação, a aposta em cursos profissionais, técnicos, surge como uma boa opção: os alunos aceitam-nos melhor por serem mais curtos (até ao12.º ano) e desistem de abandonar os estudos; e o mercado de trabalho reage bem a esta alternativa jovem e barata. Por outro lado, a sua existência anula alguns cursos universitários sem qualquer sentido, os grandes responsáveis pelos desempregados de 'canudo'.

A chave do sucesso é a de sempre: o controlo rigoroso da qualidade e da sua adequação ao País.

DN, 15-7-2008
 
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