16 outubro, 2007

 

Adriano Correia de Oliveira

25 anos depois

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Uma homenagem para redescobrir Adriano Correia de Oliveira

NUNO GALOPIM

Disco chega na semana que assinala os 25 anos da morte do cantor

Em inícios da década de 60 foi o primeiro a levar às suas canções palavras incómodas para o regime, falando abertamente da Guerra Colonial. Foi voz para poemas, cantados, de Manuel Alegre e Manuel da Fonseca (e, pontualmente, de Fiama, Matilde Rosa Araújo ou António Gedeão). Com obra gravada entre 1960 e 1980, construiu uma das mais representativas carreiras "de intervenção" na história recente da música portuguesa. Morreu cedo, aos 40 anos, faz amanhã um quarto de século. E só talvez essa morte precoce explique porque, 25 anos depois, é voz quase esquecida, raras vezes passada na rádio, praticamente ignorada junto das mais novas gerações. Poderá um tributo fazer a diferença?

Certamente terá sido essa a ideia que levou a Movieplay (que detém o catálogo de Adriano Correia de Oliveira, tendo em 1994 reunido a sua integral numa caixa antológica de sete CD, Adriano: Obra Completa) a lançar o desafio. Henrique Amaro (da Antena 3) chamou músicos e bandas, entre os quais Ana Deus (com os Dead Combo), a reinventar Trova do Vento Que Passa, Nuno Prata (ex-Ornatos Violeta) em Fala do Homem Nascido, a fadista Raquel Tavares em Cantar para um Pastor ou Tim, vocalista dos Xutos & Pontapés, em Tejo Que Levas as Águas.

A canção como arma

Adriano Correia de Oliveira chegou a Coimbra, com 17 anos, para estudar Direito. Viva-se entre estudantes um tempo de tensão e, como descreve Manuel Alegre nas notas de Obra Completa, "um tempo de impulso e de pulsão, de mudança e mutação. (...) Ruíam tabus e mitos, levantavam--se barreiras, apertava-se a mordaça e reforçava-se a repressão, mas algo estava em marcha". Adriano dedicou algum do seu tempo a actividades nas organizações estudantis, entre as quais o Orfeão Académico, onde foi solista.

O fado de Coimbra foi a sua primeira fonte de referências, o que é documentado nos seus primeiros discos, entre 1960 e 62, que preparam terreno para uma etapa de renovação dessa canção (processo que, além de Adriano, envolveu figuras como as de José Afonso ou António Portugal).

Em 1963 gravou Trova do Vento Que Passa, sobre versos de Manuel Alegre, canção que, como mais tarde a Grândola de José Afonso, ganhou um poder emblemático. O poeta (e político) não só foi o autor mais cantado por Adriano Correia de Oliveira, como figura central de um dos três discos mais significativos da sua obra e fundamentais em qualquer discografia da música popular portuguesa: O Canto e as Armas, de 1969. Os outros títulos fundamentais de Adriano são Gente Daqui e De Agora, de 1971, com composições de José Niza, disco que expande horizontes musicais, desafio de certa maneira continuado em Que Nunca Mais (1975), já sob direcção musical de Fausto (e eleito em 1975 como disco do ano pela revista britânica Music Week). Figura ligada ao PCP, afastou-se do partido em ruptura, em 1981, levantando esse momento uma vaga de solidariedade entre diversos outros músicos de esquerda.

25 anos depois da sua morte, a voz de Adriano é memória guardada por quem viveu o seu tempo e o sentido das palavras que a sua música cantava. O tributo tenta, de certa forma, combater o esquecimento.

DN, 15-10-2007
 
ADRIANO NO IP4

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

Depois dos amáveis impropérios que recebi por chamar analfabetos aos "baladeiros" do Zip-Zip, confesso algum receio em falar de Adriano Correia de Oliveira, vulgo "o Adriano". Mas como não quero voltar as costas às fanfarras com que se assinalam os vinte e cinco anos da sua morte, arrisco partilhar uma experiência pessoal.

Eu especializei-me intensivamente em Adriano há cerca de uma década, numa viagem de carro ao interior. O carro era de um amigo, à semelhança do leitor de cd e dos únicos cd disponíveis. Durante o percurso, devo ter ouvido umas sessenta cantigas do Adriano, quase todas em três ou quatro acordes, guitarra dedilhada e voz solene. Após meros dez minutos, eu já descia o vidro da janela em pleno inverno, esperando que o vento calasse a desgraça e, em vez disso, obtendo uma gripe. A meio do percurso, aí por alturas "Das camas de amor comprado / desata abraços de lodo / rostos corpos destroçados / lava-os com sal e iodo", só a cortesia me impediu de saltar em andamento. No final, visto que há sempre alguém que diz não, tomei duas decisões para a vida: a) não voltar a viajar à boleia; b) não voltar a ouvir o Adriano.

O curioso é que, a julgar pelos textos comemorativos que agora proliferam, também não me parece que os seus próprios admiradores o ouçam com particular prazer. Em artigo no Público, o insuspeito Nuno Pacheco rotula a obra do Adriano de "demasiado simples" e recorda antigas críticas de "pobreza melódica" e "monotonia musical". Então, o Adriano é admirado porquê? Porque, consta, o Adriano era generoso, revolucionário, corajoso, incómodo, fraterno, frágil, antifascista, solidário e preocupado, um modelo de ética que "semeava amigos", que tinha "grande capacidade de comunicação com o público" e que durante a época do PREC e "de todas as utopias" percorria o país a "consolidar as liberdades" a expensas do PCP. Resumindo, o Adriano era um criador prodigioso porque lutou contra a malvada ditadura do Estado Novo e a favor de uma eventual ditadura comunista, naturalmente benigna.

Num depoimento de 1982, Carlos Paredes juntava às virtudes acima o espírito de sacrifício, traduzido nos "milhares e milhares de quilómetros" percorridos pelo Adriano "em estradas com aspecto de autênticos carreiros." Ainda que Paredes, esse sim, fosse um talento musical raro, a afirmação não me impressiona: eu fiz "com" o Adriano um reles Porto-Bragança em rodovias modernaças e decerto não sofri menos.

DN, 21-10-2007
 
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