12 novembro, 2007

 

Anjos da vingança


ou o fenómeno do assassinato em massa com armas de fogo


http://dn.sapo.pt/2007/11/08/internacional/eric_matou_a_directora_liceu_e_sete_.html

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=303442

Comments:
NUM LUGAR TRANQUILO

Fernanda Câncio
jornalista
fernanda.m.cancio@dn.pt

Leio a história nos jornais. Começa a ser aparentemente tão comum, a história (apesar de ser tão absolutamente excepcional), que nem dei por ela no dia em que aconteceu. Desta vez foi na Finlândia. Ele - é um ele, como de costume - tinha 18 anos e, como vai sendo costume, fez um vídeo a anunciar o feito. Pekka-Eric Auvinen vivia numa cidadezinha que as notícias descrevem como "pacata". Um "lugar tranquilo", diz um texto, depois de descrever a forma como o rapaz mais a sua Sig Sauer de calibre 22 andaram pelos corredores do liceu onde ele frequentava o último ano a disparar sobre quem aparecesse. Oito morreram logo ali - a directora da escola, cinco rapazes e duas raparigas -, e há uns 20 feridos graves. Isto tudo num lugar tranquilo, num país tranquilo onde o Governo convocou uma reunião de emergência e os jornais e as TVs vão fazer especiais e debates, esquadrinhar a vida e as referências, as leituras e os gostos e as relações do "rapaz muito sorridente" que fez "aquilo".

Vai-se falar de Rammstein, a banda heavy de som tenebroso que Pekka-Eric ouvia, como se falou de Marilyn Manson a propósito dos dois liceais americanos que puseram o liceu de Columbine no mapa-múndi. Vão-se decompor, ler e reler e repetir as palavras declamadas no vídeo-testamento que Pekka-Eric deixou no YouTube (retirado após 200 mil visitas): "sou um cínico existencialista, anti-humano humanista, anti-social-darwinista e uma espécie de deus ateu" e o dizer na T-shirt negra da imagem em que empunha a pistola: "Humanity is overrated" (a humanidade é sobrevalorizada). Vai-se falar de niilismo e de Nietzsche e de internet - porque ele era fã de Nietzsche e do niilismo e, obviamente, frequentava a net.

Mas quando ele diz "ódio, estou cheio dele e adoro-o", lembro como adolescente adorei Almada Negreiros e a sua Cena do ódio e idolatrei Nietzsche e tive, como tantos adolescentes, o culto do suicídio e dos suicidas e da morte, cultivei a mesma cor - o negro - e a mesma ideia romântico-trágica da existência e vivi nos mesmos lugares tranquilos - todos os lugares são tranquilos até acontecerem estas coisas (ou outras igualmente horríveis, como a morte de um homem que os "amigos" deixaram uma madrugada amarrado à porta de um café). Mas eu, como milhões de outros adolescentes, não fui o Pekka-Eric. Porquê? Porque não era o Pekka-Eric, porque não me tornei o Pekka-Eric. Nenhuma explicação para isso, nada para perceber a não ser que aconteceu e que, por isso mesmo, exerce sobre nós, todos nós, um inquietante fascínio. Gus Van Sant fez um filme sobre isso (Elephant, 2003), sobre a perplexidade e o silêncio e o horror e ainda outra coisa mais terrível ainda: uma espécie de serenidade. A do lugar tranquilo, sem noção de culpa (pelo contrário - "Sou a lei, o juiz e o executor, não há maior autoridade que eu", sentenciou Pekka-Eric), de onde nos olham estes pequenos anjos vingadores: a redenção que tanto queremos não é para eles, é para nós.

DN, 9-11-2007
 
Eric contactou admirador de ataques a escolas

Pekka-Eric Auvinen, o finlandês que quarta-feira matou a directora de uma escola em Tussula e sete dos seus colegas, contactou através do YouTube um jovem americano que colocou online vídeos de homenagem aos autores de massacres em escolas dos Estados Unidos, segundo revelou ontem a AFP.

Dillon Cosey, de 14 anos, foi detido nos EUA em Outubro, sob suspeita de preparar um ataque a uma escola na Pensilvânia. A página de Cosey evoca, segundo a AFP, o massa- cre de Columbine, intitulando-o "homenagem a Eric e Dylan", os dois jovens responsáveis pela morte de 13 pessoas em Abril de 1999 na escola daquele nome. Eric-Auvinen era visita frequente da página de Dillon, na qual se inscrevera há meses.

Ontem, a polícia finlandesa revelou que o jovem disparou 69 das 389 balas que transportava consigo e que tentou incendiar a escola, antes de se suicidar, segundo a AFP. Testemunhos de colegas confirmam que Eric se comportava de "modo estranho nos tempos mais recentes".|- A.C.M.

DN, 9-11-2007
 
Finlândia reforça exigências para porte de armas

Aturdida ainda pela sua própria tragédia de Columbine - há três dias, um estudante matou oito pessoas e, depois, suicidou-se na escola secundária Jokela -, a Finlândia decidiu restringir a licença de porte de arma. A idade mínima para a posse legal passa de 15 para 18 anos, a maioridade, tantos quantos tinha Pekka-Eric Auvinen e algumas das suas vítimas. Excepções apenas para a caça e o tiro desportivo, modalidades em que os jovens com menos de 18 anos têm obrigatoriamente de estar acompanhado por um adulto, no mínimo.

As dimensões desta tragédia abalaram profundamente os alicerces fleumáticos da Finlândia, apesar de, como lembram os media, este país apresentar um número de agressões mortais superior à média europeia, com 111 homicídios perpetrados no ano transacto. E está em crescendo o número de agressões registados nos estabelecimentos de ensino.

Como nota de mau gosto, refira-se que foram postos a circular rumores - falsos - sobre a iminência de mais ataques em duas escolas, a secundária Jokela, que Auvinen frequentava, e outra em Tuusula. Informações que levaram a polícia aos dois locais.| - C. F.

DN, 10-11-2007
 
Jovem semeou a morte em escola secundária

Pedro Olavo Simões

Catherine é o nome de uma pistola de calibre .22, uma "pienoispistooli", como se chama na Finlândia a essa categoria de armamento. Terá sido com ela que um jovem de 18 anos matou oito pessoas - oito alunos e o director - numa escola de Tuusula, 50 quilómetros a norte de Helsínquia, antes de disparar contra ele próprio sem a mesma mortífera precisão, pois estava entre os 11 feridos hospitalizados com ferimentos diversos. À noite, o médico--chefe do hospital de Helsínquia que atendeu os feridos confirmou a sua morte.

O nome feminino dado à arma está relacionado com uma das pistas associadas ao tiroteio, um vídeo anteontem publicado no YouTube, site de partilha de vídeos na Internet, sob o título "Massacre na Escola Secundária de Jokela - 11/7/2007". Nesse pequeno filme, posto em linha por um utilizador com a alcunha "Sturmgeist89" (espírito da tempestade, em Alemão), a imagem fixa de uma escola, que se presume a de Jokela, dá lugar à imagem de um rapaz sobre fundo vermelho, apontando a arma à câmara, tudo sonoramente enquadrado com música "metal".

A Polícia não comenta o vídeo, mas todos os filmes desse utilizador foram suspensos pelo YouTube, por violarem as normas de utilização, mantendo-se acessível um cardápio de conteúdos em que sobressaem, além de várias declarações de amor à dita "Catherine", homenagens aos autores do massacre de Columbine ou ao Unabomber, entre outros temas igualmente perturbadores.

O que ontem aconteceu na Finlândia é uma história demasiadas vezes repetida. Segundo uma porta-voz do município de Tuusula, o jovem abriu fogo no decurso de uma aula por ele frequentada na escola Jokela, que tem cerca de 400 alunos, com idades entre os 12 e os 18 anos. O pânico instalou-se em todo o edifício, enquanto o director (que veio a ser uma das vítimas mortais), pela instalação sonora, recomendava a todos que ficassem fechados no interior das salas.

Depois dos primeiros disparos, o jovem saiu e escolheu alvos indiscriminados noutras salas, sendo visto nos corredores por um professor que prestou declarações à estação de rádio YLE. "Fiquei no corredor, com a minha sala fechada à chave, para ouvir mais instruções", disse Kim Kiuru, explicando ter então visto o atirador a correr na sua direcção, empunhando "uma arma de pequeno calibre", tendo conseguido escapar pelo corredor do andar inferior "Foi uma sensação irreal: um aluno que eu mesmo ensinei, a gritar na minha direcção com uma pistola na mão".

Miro Lukinmaa, um aluno citado na edição electrónica do jornal "Iltalehti", explicou o cenário "Vi feridos estendidos no corredor. Começámos a correr e a seguir o movimento do pânico. Toda a gente tentava escapar pelas portas mais próximas".

Um aparatoso efectivo policial e de socorro chegou rapidamente ao local. Apesar de a Finlândia ser o país mais da União Europeia onde há mais armas nas mãos de civis (ver caixa), os incidentes deste tipo não são frequentes, remontando o último a 1989, quando um rapaz de 14 anos matou a tiro dois alunos de um colégio de Rauma, na costa ocidental.

Oficialmente, não havia ainda referências à autoria dos crimes, qualificados de "grande tragédia" pelo primeiro-ministro Matti Vanhanen. Apenas a imagem daquele "Sturmgeist89", autodescrito como "existencialista cínico" ou "darwinista social".


Cultura das armas

Por cada cem pessoas existem, na Finândia, 56 armas de fogo pertencentes a civis, indicador que apenas é superado pelos Estados Unidos (90) e pelo Iémen (61). Valendo estes dados o que valem, é notório que se trata de um país onde existe uma arreigada cultura das armas. Para adquirir uma, independentemente da categoria em que esteja inserida, é necessária a obtenção de uma licença de compra, emitida pela Polícia mediante o pagamento de 32 euros. Familiares do titular podem obter licenças paralelas, para uso da mesma arma, e existem regras rígidas para arrumação e transporte (só podem ser levadas do local de arrumação para o local de uso, seja uma carreira de tiro ou uma zona de caça). É interdito possuir material como armas automáticas, granadas ou lança-granadas.


JN, 8-11-2007
 
MICHAEL MOORE NÃO FILMA NA FINLÂNDIA

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

Após um rapaz "inadaptado" matar oito pessoas numa escola finlandesa, fiquei à espera das reacções inflamadas. Felizmente, esperei sentado. Embora a Finlândia tenha uma das mais altas taxas de suicídios da Terra, que eu notasse ninguém entre nós a proclamou uma sociedade "doente" ou "anómica". Embora seja uma das nações ocidentais com maior criminalidade, ninguém explicou que os seus cidadãos possuem uma propensão inata para a violência. Embora se destaque na Europa em matéria de homicídios, ninguém invocou a "cultura de morte". Embora ocupe o terceiro lugar mundial em número de armas per capita, ninguém apelou ao respectivo controlo. Embora revele uma imensa tolerância penal, ninguém imputou às autoridades indígenas a responsabilidade pela tragédia. Se uma desgraça do género acontece nos Estados Unidos, o caso é "estrutural" e pasto para sociólogos, politólogos e historiadores histéricos. Se acontece por exemplo na Finlândia, é um incidente isolado, um acto de loucura a pedir discrição e pesar. Compreende-se. Quase tudo, dos massacres escolares aos furacões, do ódio islâmico às unhas encravadas, é pretexto para denunciar jovialmente a malévola natureza dos EUA. Quando não se arranja pretexto, impõe-se cuidado. Ou, em se tratando da Finlândia e das escolas da Finlândia, mil cuidados: seria desagradável tecer generalizações negativas sobre um país que, ao menos na retórica, serve de modelo social ao eng. Sócrates e de modelo educativo ao dr. Louçã. Donde um finlandês aos tiros nos arredores de Helsínquia passar por louco e um coreano aos tiros na Virgínia constituir um infeliz produto do meio. Só as vítimas de ambos não deram pela diferença.

DN, 11-11-2007
 
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