03 dezembro, 2007

 

3 de Dezembro


Dia Internacional das Pessoas com Deficiência

Alguns números:

- são cerca de 639.000,
- representam 6,1% da população portuguesa,
- 62% são homens,
- 29% encontram-se activos,
- a maioria dos inactivos está reformada,
- 53 anos é a idade média,
- sendo a incidência de 2,18% até aos 16,
- 25% são cegos, afectando mais as mulheres,
- 24% deficientes motores,
- 37% não sabem ler nem escrever,
- caso contrário, não concluiram grau académico.

http://www.pcd.pt/apd/

http://www.pcd.pt/


Portaria n.º 985/2008, D.R. n.º 170, Série I de 2008-09-03
Ministérios das Finanças e da Administração Pública e do Trabalho e da Solidariedade Social
Estabelece os valores e critérios de determinação das comparticipações das famílias na frequência de estabelecimentos de educação especial por crianças e jovens com deficiência. Revoga a Portaria n.º 288/2007, de 16 de Março

Comments:
Estado falha quota para emprego de deficientes

CARLA AGUIAR

O Estado e as empresas privadas não estão a cumprir as quotas de contratação de pessoas com deficiência previstas na lei desde há seis anos. Nem existe uma avaliação do cumprimento dessa obrigatoriedade. Em 2001, o Governo de António Guterres fixou uma quota de 5% para as contratações na administração pública, de modo a promover a igualdade de oportunidades no acesso ao emprego. Três anos mais tarde, uma lei semelhante estipulava em 2,5% o contingente de contratações anuais para as empresas, a partir de determinada dimensão.

Mas, ao fim de seis anos, ainda se desconhece o nível de integração deste grupo de pessoas. O congelamento das admissões na função pública só veio dificultar e atrasar um processo de integração que já se adivinhava difícil. Por outro lado, muitas das admissões feitas nos últimos anos fugiram à regra dos concursos, com recurso a avenças e outro tipo de contratos.

Em entrevista ao DN, a secretária de Estado da Reabilitação, Idália Moniz, reconhece que a quota "provavelmente não está a ser cumprida". A governante diz ter sido informada pelas finanças de que esse levantamento estaria dependente do desenvolvimento de uma aplicação informática, que deveria estar concluída até ao final da legislatura (em 2009).

Já o presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Humberto Santos, disse ao DN não ter "qualquer dúvida" de que "essa legislação não está ser cumprida".

Apesar de tudo, há casos bem-sucedidos, como o verificado no Ministério do Trabalho e Solidariedade - com especiais responsabilidades em matéria de reabilitação. Segundo Idália Moniz, no seu ministério 10% do total dos contratados já são pessoas com deficiência.

Humberto Santos saúda este exemplo, mas observa que estas situações não podem ser resolvidas com boas vontades pontuais: "A lei existe e é para cumprir. Ou a questão do acesso ao emprego é encarada de uma forma transversal por toda a administração pública ou então nada muda de substancial." Até porque, acrescenta, "já sabemos o resultado de 30 anos de uma política de boas vontades".

Penalizar o incumprimento da lei não é, contudo, tarefa fácil. Primeiro, porque não há avaliação nem fiscalização. Segundo, porque, como reconhece o próprio, "mesmo que o Estado cumprisse as quotas, os deficientes não teriam condições ou para se transportar ou para trabalhar numa boa parte dos edifícios públicos que continuam a não estar preparados para albergar pessoas com deficiência". Quanto ao sector privado, Humberto Santos diz não concordar sequer com a imposição de quotas de emprego, pois considera que "não são a solução para as empresas", que "são mais sensíveis aos incentivos fiscais".

Também a secretária de Estado manifesta algumas reservas à introdução de quotas para empresas, pois refere que, "às vezes, as leis são feitas, mas depois não há instrumentos". Em todo o caso, é crescente o número de grandes empresas que, em linha com os valores da "responsabilidade social", integram a deficiência na sua política de recursos humanos. Hoje, o Ministério do Trabalho assina um protocolo nesse sentido com a EPAL.

DN, 3-12-2007
 
Entrevista a Idália Moniz

(secretária de Estado adjunta e da Reabilitação no Ministério do Trabalho e da Solidariedade):

"Empresas não usam apoios à contratação por preconceito"

CARLA AGUIAR

A Associação Portuguesa de Deficientes diz que o discurso em relação à deficiência mudou, mas que na prática pouco mudou no apoio a estas pessoas. É assim?

Criámos, pela primeira vez, a pasta da Reabilitação, o que é sintomático de um interesse diferente. Também nos comprometemos com a criação de um plano com metas até 2009. Até aqui, as questões ligadas à deficiência eram vistas como apêndices de outras áreas da governação. Um dos exemplos dessa nova sensibilidade é o facto de termos imposto que em qualquer processo legislativo deve ser avaliado o impacto para as pessoas com deficiência, como, por exemplo, ao nível das acessibilidades.

E que resultados desse plano?

A primeira avaliação dos resultados do Plano de Acção Integrado para as Pessoas com Deficiência só estará concluída no final deste mês. Mas posso dizer-lhe que das cem medidas inscritas no plano que vigora entre 2006/2009 já executámos 22 medidas. Para conseguirmos avaliar o que melhora ou não tem de se conhecer o universo, criar indicadores e definir metas. É nesse caminho que estamos.

O Governo lança hoje uma campanha para a integração dos deficientes. Vai ser acompanhada no terreno por novas iniciativas na educação, emprego ou mobilidade?

Trata-se de apelar à aceitação da diferença e apelar à integração, porque as pessoas com deficiência são pessoas com direitos. A campanha será acompanhada pelas medidas estruturantes previstas no plano. E também pela assinatura de um protocolo com a EPAL, no âmbito do qual a empresa se compromete a adoptar práticas de integração. Mas a nível simbólico e no terreno, nas capitais de distrito haverá iniciativas destinadas a dar visibillidade às associações de apoio à deficiência e às suas realizações em espaços públicos de grande circulação.

Como está a integração profissional das pessoas com deficiência?

Neste momento, temos contabilizadas 15 938 pessoas envolvidas em acções de formação profissional, emprego protegido, adaptação do posto de trabalho ou beneficiárias de apoios à contratação dirigidos aos empresários. Estas são as pessoas que se dirigiram aos centros de emprego para pedir apoios.

E como avalia este número, num universo de 634 mil deficientes?

É um número pequeno, que fica aquém. O que se nota é que as pessoas com deficiência denotam grande falta de informação sobre os seus direitos e nem sequer procuram os centros de emprego. No outro dia recebi uma queixa de uma pessoa que ficou deficiente, que disse ter sido despedida porque o patrão não tinha dinheiro ou não quis fazer a adaptação do seu posto de trabalho à sua deficiência. Ora os centros de emprego podem ajudar a fazer essa readaptação do espaço físico no local de trabalho.

Quantas pessoas foram contratadas ao abrigo dos apoios à contratação?

Mais uma vez o número é muito pequeno. Fica aquém do orçamento disponibilizado para a medida e aquém dos direitos das pessoas. Verifica-se que há não só falta de informação, mas sobretudo preconceito por parte das empresas em relação à pessoa com deficiência, o que, às vezes, é totalmente infundado. A cadeia de distribuição Auchan, por exemplo, tem dezenas de empregados com deficiência, perfeitamente integrados. E são, regra geral, trabalhadores zelosos e assíduos.

O último Census de 2001 revela que 71% estão profissionalmente inactivos...

Essa situação não se pode dissociar das habilitações. Quase 80% das pessoas com mais de 18 anos não têm sequer o primeiro ciclo do ensino básico. Por isso estamos também a trabalhar para estender o mais possível a iniciativa Novas Oportunidades às pessoas com deficiência.

E a educação especial? Foi mudado o quadro legal, mas há quem diga que há menos professores para este segmento.

Fala-se habitualmente de educação especial como um conceito demasiado vago, mas é uma realidade muito diversa: temos meninos com autismo, paralisia cerebral, ou apenas deficiências de ordem física, como a cegueira e a surdez. A tendência é que a escola seja cada vez mais inclusiva, para os meninos com ou sem deficiência, deixando a educação especial para os casos em que ela é absolutamente necessária. É óbvio que têm de ser criadas escolas abertas de referência para determinados tipos de deficiência e ir buscar os especialistas onde eles estão.

Mas para isso é preciso mais e melhor pessoal técnico nas escolas, não?

A questão de haver menos professores é uma falsa questão. Os chamados professores de ensino especial davam aulas a todos os meninos com todas as deficiências, sem uma especialização para cada caso, o que não é o melhor. Criámos 99 unidades para autismo, por exemplo.

As associações de deficientes criticaram as alterações aos benefícios fiscais no Orçamento do Estado de 2008, porque dizem que ficam prejudicados...

Isso é uma falácia. Até aqui, o que se passava era imoral, pois quem mais ganhava, maior benefício tinha. Agora é um valor por pessoa, que é mais justo. Em 2008, o benefício da dedução à colecta para os descendentes com deficiência passará de 403 euros para 605 euros. O valor de isenção de IRS baixa para 10%, mas as pessoas com deficiência só começam a pagar a partir da parcela do rendimento superior a 1181 euros mês. Por outro lado, na parte do imposto automóvel também há melhorias claras, o mesmo acontecendo nas regras sobre os terceiros que podem guiar um carro comprado em regime especial.

DN, 3-12-2007
 
Falta dinheiro para apoio
a deficientes, diz Federação

A federação portuguesa de centros de formação profissional
e do emprego de pessoas deficientes quer mais
apoios do Estado para as necessidades do sector.
É que segundo a federação, falta dinheiro para financiar
medidas de avaliação e orientação profissional e ainda para a
admissão de novos formandos.
Em comunicado, esta Federação considera que está em causa
a continuidade do trabalho que tem sido desenvolvido a favor
dos deficientes.
Em causa está o adiantamento de verbas feito pelo Instituto
de Emprego de pessoas deficientes que não chega para respeitar
os compromissos assumidos, segundo Rogério Cação da
Federação.

DN, 1-2-2008
 
Governo tira deficientes do ensino especial

CARLA AGUIAR

Cegos e surdos mantêm-se no ensino específico

O Ministério da Educação está já a rejeitar o encaminhamento de alunos com deficiências várias para as escolas de ensino especial, pondo assim um ponto final no financiamento integral à permanência destas crianças em colégios especializados. Caso os pais insistam em colocar no ensino especial os seus filhos - que não encaixem na nova definição restritiva de deficiência - terão de pagar do seu próprio bolso mensalidades que rondam em média os 360 euros mensais.

A nova orientação, que, segundo o DN apurou, está a ser seguida, nomeadamente pela Direcção Regional de Ensino de Lisboa (DREL), decorre da aplicação da nova lei, em vigor deste Janeiro, que redefine os apoios especializados a prestar a crianças com necessidades educativas especiais permanentes.

A ideia central do novo diploma é fomentar a integração das crianças com certas deficiências nas escolas do ensino regular, onde poderão receber pontualmente apoio educativo especial, assegurado por professores com formação específica.

Para o chamado ensino especial só serão encaminhados os alunos com deficiências particulares, de acordo com uma definição ambígua, que muitos professores consideram de difícil compreensão: "Alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios da vida decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caracter permanente ."

Acontece que, como disseram ao DN pais e professores de ensino especial, crianças com síndrome de Dawn, paralisia cerebral ou défices cognitivos passarão a estar integrados no ensino regular. O mesmo não acontecerá com crianças, surdas, cegas ou autistas.

Por tudo isto, mas não só, a reforma do ensino especial está a gerar fortes protestos. Tanto os pais de alunos com deficiência como os colégios de ensino especial e os próprios professores do ensino regular manifestam receios de que a pretensa inclusão dos alunos com deficiência possa, afinal, resultar em exclusão.

Para chamar a atenção para estes problemas acabou de ser constituído um movimento, a Plataforma de Pais pelo Ensino Especial, que critica o facto de na nova definição de deficiência que requer ensino especial "não estarem previstas as perturbações do desenvolvimento, a deficiência mental e as perturbações da personalidade e do comportamento".

" Isto é preocupante, pois quase todos os pais que tiveram os seus filhos no ensino regular perceberam que, por falta de apoio específico, eles não progrediram", disse ao DN Fátima Quintas, um dos membros daquele movimento. E aponta o caso de uma menina com um défice cognitivo, cuja idade não corresponde à idade mental, que foi ficando no ensino regular até à 4ª classe, mas começou a regredir e a sentir-se infeliz, pois ninguém queria brincar com ela.

O sentimento de exclusão que pode acontecer numa escola normal é também apontado pela psicóloga do Externato Alfredo Binet, Teresa Leitão: "Aqui ninguém se sente burro, nem diferente, eles sentem-se felizes com as suas pequenas conquistas."

A directora do externato vocacionado para o ensino especial, com 135 alunos, Fernanda Martins refere ainda que "aqui preocupamo-nos não só com o apoio ao desenvolvimento dos alunos, em turmas que não vão além dos 11, mas também em prepará-los para uma autonomia, através de estágios profissionais".

Com a nova lei, aquele colégio, que só tem alunos integralmente financiados pelo Estado, vai encarar problemas de sobrevivência. "Dizem-nos para nos adaptarmos em centros de recursos, mas isto não é assim, pois estamos num espaço alugado que não está adaptado para todo o tipo de deficiências, nem o pessoal está especializado para tal", observa Fernanda Martins.

Também os professores do ensino regular, com a área da deficiência, têm sérias reservas quanto às vantagens do novo modelo: "Esta reforma vai sobretudo limitar o número de alunos a ser apoiado pelo ensino especial", disse ao DN um professor da Escola Marquesa de Alorna. "Somos nós que temos de classificar os alunos, de acordo com uma classificação internacional de funcionalidades, que, para além de não ser adequada, ninguém percebe", sublinhou.

DN, 15-2-2008
 
Olhos biónicos tentam devolver visão perdida

Tecnologia permite que pacientes distingam luz

Dois pacientes britânicos estão a evoluir favoravelmente ao implante de um olho biónico que lhes permitirá recuperar parte da visão perdida. A nova técnica é aplicada a pacientes que sofrem de cegueira provocada por retinite pigmentosa.

A retinite pigmentosa é uma doença genética, que ataca a retina causando destruição das suas células. O paciente que tem a doença perde pouco a pouco a visão, primeiro a nocturna e depois a visão durante o dia. A perda de percepção das cores e tonalidades em contrastes também acomete de forma gradual o paciente.

A tecnologia ainda está em fase preliminar e permite a recuperação da percepção das luzes e das sombras, bem como a diferenciação de algumas cores. No futuro, a Second Sight, empresa responsável pela evolução da tecnologia, espera poder aumentar os eléctrodos que fazem parte do implante, dos actuais 60 para 1100.

As intervenções foram realizadas, na semana passada, no Hospital Moorfields, de Londres, sendo as primeiras que se realizam no âmbito de um ensaio clínico que abarcará ainda os EUA e outros países europeus.

A tecnologia tem o nome de Argus II e foi patenteada no passado mês de Fevereiro nos Estados Unidos. Trata-se de uma pequena câmara de vídeo incorporada nuns óculos, que recolhe informação exterior e a envia para uma unidade de processamento, transformando-a em sinal eléctrico. Posteriormente, essa unidade retransmite a informação para os óculos, que a envia a um implante de eléctrodos que se coloca na retina.

Os eléctrodos estimulam a retina enviando impulsos para o cérebro através do nervo óptico. A partir daí, o paciente começa a ver pontos de luz e sombras, atravessando uma fase de reaprendizagem de interpretação do que eles querem dizer.

Os cientistas da Second Sight estão já a trabalhar no aperfeiçoamento da tecnologia, nomeadamente de melhoramentos na câmara de vídeo, tendo como objectivo conseguir no futuro implantá-la no próprio olho. Será nessa altura que é previsível que se consiga atingir os tais 1100 eléctrodos. Só no reino Unido existem cerca de 25 mil pessoas afectadas pela doença que agora se tenta enfrentar. "Dentro de quatro a cinco anos espero que consigamos uma tecnologia muito mais avançada", disse Mark Humayun, engenheiro biomédico do Instituto Oftalmológico Doheny, em Los Angeles, que desenvolveu a tecnologia.

A Second Sight é uma empresa privada fundada em 1998 na Califórnia, com o objectivo de criar próteses retinais aplicáveis a cegos que contraíram a inabilitação por causa de retinites. É apoiada por fundos públicos dos Estados Unidos e tem parcerias com vários institutos e empresas. - M.A.C., com agências

DN, 23-4-2008
 
Pais apelam à união para fazer valer os seus direitos

RITA CARVALHO

"Apelo a todos os pais que têm filhos com deficiência para se unirem numa rede nacional onde possamos reivindicar os nossos interesses." O repto foi deixado ontem por Luísa Beltrão, uma das 18 mães com "filhos diferentes" que foram recebidas por Maria Cavaco Silva.

Luísa é mãe de Luisinha, uma jovem com 27 anos e uma deficiência profunda. E uma das mães que foi ontem ao Palácio de Belém deixar o testemunho das suas dificuldades e angústias e apontar o que está mal num país onde, diz, "a legislação é das melhores da Europa", mas os problemas práticos nos remetem para "a cauda da Europa". Por isso, esta mãe, que se tornou escritora para dar voz às dificuldades da filha, realça a necessidade de os pais se unirem e tornarem parceiros sociais a ter em conta nas tomadas de decisão.

"Os pais estão tão lesados por estes fardos que se isolam. Mas precisam de se unir para fazer valer os seus direitos", afirmou Luísa Beltrão aos jornalistas, à saída do encontro com a primeira dama.

As mães destes "filhos diferentes" sublinharam a falta de apoios do Estado e o sentimento de exclusão que ainda sentem quando, por exemplo, tentam inscrever as crianças na escola. "Falta apoio ao nível da intervenção precoce", reforçou Joaquina Teixeira, mãe de Gonçalo, 5 anos, contando que teve de pôr o filho numa escola particular onde, recentemente, lhe foram retirados apoios. Joaquina explica que, na sequência da alteração da lei do ensino especial, foram retirados apoios às tarefeiras que cuidavam destas crianças. E dá mais um exemplo: "Nunca consegui uma terapia da fala para o meu filho no Estado, ou porque não havia vagas ou não havia verbas."

Maria Cavaco Silva mostrou-se satisfeita por poder dar voz e rosto às mães destes "filhos diferentes". Reconhecendo que a sociedade está a evoluir nesta matéria, frisou, contudo, que há ainda muito para fazer.

DN, 15-5-2008
 
Benefícios de deficientes dividem três ministérios

MANUEL ESTEVES

Fisco. A recusa pelas Finanças dos atestados de incapacidade anteriores a 1996 lançou a confusão dentro do Governo. O Ministério do Trabalho contesta o procedimento e lembra ainda à Saúde que as juntas médicas devem usar os mesmos critérios do passado. Deficientes sentem-se discriminados

Três ministérios estão a elaborar novo decreto

Palmira Gaspar sofre de uma doença auto-imune, crónica, incurável e progressivamente incapacitante que atinge todos os órgãos do corpo (lúpus). Desde 1994, dispõe de um atestado, emitido por uma junta médica, que lhe atribui um grau de incapacidade permanente de 83%. Quando, em Março deste ano, recebeu uma notificação da Direcção de Finanças de Leiria exigindo-lhe a comprovação do seu grau de deficiência, Palmira enviou o seu atestado médico. Acontece que o Fisco rejeitou este documento, exigindo que a contribuinte repusesse os benefícios fiscais que auferira desde 2004.

Palmira é apenas um entre muitos deficientes que estão a ser "castigados" pelo Fisco pelo facto de não disporem do atestado de incapacidade multiusos, criado em 1996. Apesar de estarem em causa incapacidades permanentes (por exemplo, um paraplégico), a administração fiscal está a exigir a substituição dos antigos atestados pelo modelo criado há 12 anos. Esta exigência coincide com a publicação, a 21 de Janeiro deste ano, da Nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais que, por sinal, segundo os especialistas, é mais restritiva do que a anterior (de 1993).

Assim, além de verem recusado um documento oficial comprovando uma deficiência permanente, os deficientes correm o risco de saírem da junta médica com um grau de incapacidade inferior que os impeça de aceder aos benefícios fiscais de que usufruíam desde a manifestação da sua deficiência.

Estes são os dois motivos criticados pelo Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), do Ministério do Trabalho, que, depois de ter recebido diversas queixas de contribuintes, já fez chegar o seu entendimento ao Ministério das Finanças e à Saúde.

Os argumentos do Fisco

Contactado pelo DN, o Ministério das Finanças começa por lembrar que "compete à Direcção-Geral das Finanças (DGCI) controlar a situação tributária dos sujeitos passivos", o que, neste caso concreto, passa por exigir o "atestado emitido pela entidade competente" que comprove o grau de incapacidade superior a 60%. Até aqui, todos concordam. Mas que atestado é esse? "Como para efeitos da definição da situação tributária dos contribuintes releva a sua situação pessoal em 31 de Dezembro do ano a que respeita o imposto, os critérios técnico-legais de avaliação da incapacidade são os que vigorarem em 31 de Dezembro do ano a que respeita o imposto". Esta posição do Fisco é apoiada por um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Setembro de 2002.

Na mira do fisco estão todos os contribuintes deficientes que "não tenham apresentado qualquer certidão em data posterior a 1996". Este ano, já foram notificados 1400 contribuintes em Leiria e 3568 em Santarém. "Só em Santarém, esta operação permitiu corrigir matéria colectável no valor de 1,4 milhões de euros, correspondente a benefícios indevidamente auferidos".

Olhe que não...

O INR não pode invocar o Supremo mas, aparentemente, os diplomas legais estão do seu lado. O instituto lembra, antes de mais, que o Código do IRS "não refere qual o documento que se considera como comprovativo da situação de deficiência para estes fins". Por essa razão e porque se baseiam nas tabelas de incapacidade em vigor no momento da manifestação da deficiência permanente, "os atestados passados ao abrigo do diploma anterior a 1996 serão válidos uma vez que provam que, à data da apresentação do modelo de IRS existia de facto uma situação comprovada de incapacidade permanente igual ou superior a 60%".

O INR rejeita ainda a aplicação retroactiva das tabelas, socorrendo-se da própria legislação que as cria que refere explicitamente que estas só se aplicam aos acidentes de trabalho e doenças profissionais que "ocorram após a sua entrada em vigor". Daí que o instituto reclame que o atestado multiusos só possa ser exigido pelo fisco aos contribuintes cujas deficiências se tenham manifestado após 1996.

O diploma que falta

Quer o Fisco, quer o INR salientam que estão a trabalhar juntos para uma solução do problema. E a solução pode estar num decreto-lei que está a ser elaborado em conjunto com o Ministério da Saúde, que vem definir a forma como é avaliada a incapacidade das pessoas com deficiência, preenchendo uma lacuna do quadro legal actual.

Na prática, este decreto deverá manter o princípio da utilização da tabela relativa aos acidentes de trabalho e doenças profissionais para aferição do grau de incapacidade das pessoas com deficiência. E nesse decreto deverá ficar claro que, tal como sucede com as vítimas de acidentes ou de doenças profissionais, as novas tabelas não se aplicam de forma retroactiva. Caso contrário, haverá discriminação: uma pessoa que nasceu sem um braço será avaliada com critérios diferentes e provavelmente mais restritivos do que outra que viu o membro amputado por acidente de trabalho.

DN, 9-6-2008
 
Contratação de deficientes terá novos apoios

DIANA MENDES

Reabilitação. Apoio ao emprego será mais activo

Subsídios a empresas e pessoas incapacitadas podem ser revogados

O Governo está a desenvolver nova legislação com vista à integração de pessoas com deficiência ou incapacidade no mercado do trabalho, revelou ao DN a secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação Idália Moniz. Em estudo está a "revogação do que existe actualmente, o que pode implicar a progressiva substituição dos subsídios de apoio a empresas e pessoas com deficiência por medidas mais activas de integração", refere fonte do Ministério. As novas regras serão conhecidas por altura da aprovação do novo código do trabalho.

Até agora, as medidas e os apoios às empresas não têm tido o impacto desejável, calculando-se que "tenham ficado aquém do inscrito em orçamento", refere Idália Moniz. A nova lei deverá incidir sobre a readaptação a um posto de trabalho, prevendo-se "políticas mais activas de emprego, nomeadamente as que ajudem o trabalhador a superar as barreiras existentes".

O reforço da intervenção de técnicos - antes e após a colocação num novo emprego - é um bom exemplo, uma vez que há muitos casos em que é o próprio trabalhador a ter dúvidas quanto à sua capacidade para desempenhar certas funções. A mesma fonte lembra que "faz parte da reforma ajudar o trabalhador a encontrar trabalho após a formação profissional", uma área cada vez mais valorizada.

"Estamos a legislar para poder determinar melhor como poderá ser a readaptação a um posto de trabalho e ao regresso à actividade. Mas é um problema grande que ainda temos e que é mais grave para as mulheres", refere a secretária de Estado, realçando que já existia mais discriminação relacionada com as mulheres no mercado de trabalho.

Até agora, as empresas que contratassem pessoas com deficiência congénita ou adquirida recebiam vários tipos de apoio: subsídio de compensação; de adaptação de postos de trabalho; de eliminação de barreiras arquitectónicas; de acolhimento personalizado e ainda tinham direito a redução da contribuição para a segurança social destes trabalhadores.

O objectivo é ir substituindo estes apoios passivos, visto que "têm baixa utilização, apesar de estarem em vigor desde os anos 80". Estas mudanças, que ainda estão em estudo, visam ajudar estas pessoas a integrar-se melhor e a superar quaisquer dúvidas quando à sua capacidade de trabalho.

Idália Moniz refere que se passa uma imagem muito negativa do deficiente. "Continuamos a passar uma imagem da deficiência que minoriza as pessoas. No entanto, se forem potenciadas, estas pessoas conseguem fazê-lo em igualdade com as restantes. A maior parte teria capacidade para ter uma vida razoável".

Até agora, foram integradas perto de 13 mil pessoas com deficiência no mercado de trabalho, prevendo- -se que, este ano, sejam integradas mais duas mil. Uma parte dos novos empregos será garantida ao abrigo do novo protocolo com 15 grandes empresas. E espera-se que venham a aderir mais. Mas ainda há muito a fazer perante um universo de 634 mil deficientes.

DN, 10-6-2008
 
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