20 janeiro, 2008

 

18 de Janeiro


Dia Mundial da Religião




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A LOGOTERAPIA DE VIKTOR FRANKL

Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia

Num tempo em que o mundo é atravessado por enormes perplexidades e as pessoas são assaltadas pela dúvida, pelo desânimo e até pelo niilismo, quereria, no décimo aniversário da sua morte, deixar uma homenagem a um homem que, na situação mais degradada e degradante dos campos de concentração nazis, mostrou como e porquê é possível manter a dignidade. Refiro-me a Viktor Frankl, fundador da chamada terceira corrente de psicoterapia de Viena: a logoterapia.

Ele próprio sintetizou o núcleo do seu pensamento: "O que é, na realidade, o Homem? É o ser que decide o que é. É o ser que inventou câmaras de gás, mas ao mesmo tempo é o ser que entrou nelas com passo firme, murmurando uma oração."

A logoterapia parte de uma concepção filosófica que tem o Homem enquanto pessoa como centro. O impulso primário da pessoa não é, como pensou Freud, a vontade de prazer, também não é a vontade de poder, como queria Adler, mas a vontade de sentido. Este sentido não se inventa, mas descobre-se: numa obra, num amor, numa tarefa a realizar. No fundo, cada um tem de perguntar: o que é que a vida quer de mim? "Em última instância, viver significa assumir a responsabilidade de encontrar a resposta correcta para os problemas que a vida coloca e cumprir as tarefas que ela continuamente aponta a cada pessoa."

O que distingue então Frankl de Freud e de Adler é que enquanto estes reduziam o Homem a um ser que procura a satisfação dos impulsos em ordem ao restabelecimento de um equilíbrio homeostático intrapsíquico, para Frankl, ele não é só um sistema psicológico. É preciso compreendê-lo na sua totalidade: corpórea, psíquica e espiritual. "A realidade humana refere-se sempre a algo para lá de si mesma. Está dirigida para algo que não é ela mesma. Os seres humanos procuram mais para lá de si mesmos: um sentido no mundo. Procuram encontrar um significado a realizar, uma causa a servir, uma pessoa a quem amar. E só assim os seres humanos se comportam como verdadeiramente humanos."

No indescritível sofrimento dos campos de concentração -- ele, que perdeu lá a mulher, o pai e a mãe, era o prisioneiro número 119 104 --, aprofundou a importância que têm as ideias para a forma de viver. Pôde constatar que, se eram as pessoas com vida interior e intelectual mais intensa que sofriam mais, também eram elas que tinham maior capacidade de resistir. Aí, percebeu que "quem tem algo por que viver é capaz de suportar qualquer como". Por isso, referia aos companheiros de desgraça "as muitas oportunidades existentes para dar um sentido à vida. Este infinito significado da vida compreende também o sofrimento e a agonia, as privações e a morte. Assegurei-lhes que nas horas difíceis havia sempre alguém que nos observava - um amigo, uma esposa, alguém que estivesse vivo ou morto ou um Deus - e que de certeza não queria que o decepcionássemos."

Frankl constatou que os prisioneiros que perdiam a fé e a esperança no futuro punham em risco a saúde e a própria sobrevivência. Mas também viu que há o que ninguém pode tirar ao Homem, mesmo num campo de concentração: "a última das liberdades humanas - a escolha da atitude pessoal perante um conjunto de circunstâncias - para decidir o seu próprio caminho." Mesmo "essa tríade trágica na qual se incluem a dor, a culpa e a morte, pode chegar a transformar-se em algo positivo, quando se enfrenta com a postura e a atitude correctas."

Quando as pessoas não encontram sentido, surgem as neuroses que chamou noógenas: não provêm de conflitos instintivos ou inconscientes, mas da falta de sentido e atingem o núcleo mais íntimo da pessoa. A logoterapia é precisamente terapia de encontro de sentido: ajuda cada um a descobrir o sentido pessoal da sua vida a realizar.

Na busca de sentido último, o Homem, inconscientemente, procura Deus - O Deus Inconsciente é o título de uma das suas obras.

No nosso tempo, já não é o sexo que é reprimido, mas o que é espiritual e religioso. Daí, a falta de sentido, de orientação, e, consequentemente, o tédio e o vazio.

DN, 29-12-2007
 
REPENSAR DEUS: O ATEÍSMO DE DEUS

Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia

Repensar Deus e O Ateísmo de Deus foram os títulos que dois jornalistas deram a declarações minhas na quadra natalícia. E, claro, não faltou quem se escandalizasse.

Não é Deus sempre o mesmo? Então, porquê e como repensá-lo? Cá está! Realmente, Deus não muda, é sempre o mesmo. Mas quem o pensa somos nós e sempre a partir de um lugar e de um tempo. Como escreveu Mestre Eckhart, "o facto de Deus ser imutável faz com que todas as coisas se movam". Deus transforma-se na sua história com os homens e as mulheres, como as mulheres e os homens se transformam na sua história com Deus ou sem Deus - o ateísmo também faz parte da história religiosa da Humanidade.

Depois, a afirmação do "ateísmo de Deus" é menos provocatória do que se julga. Deus não põe a questão de Deus, precisamente porque é Deus e não há Deus acima de Deus.

Mas, para lá da provocação, a afirmação é mais exigente e pode ter consequências inesperadas. Deus é plenitude e excesso, não precisando do culto dos homens. Assim, pelo menos na perspectiva cristã, Deus revelou-se não por causa dele mesmo, mas por causa dos homens e das mulheres. Deus não criou os seres humanos por causa da sua glória, mas exclusivamente por causa da felicidade deles, seres humanos. O único interesse de Deus na criação é a realização plena dos homens e das mulheres. Santo Ireneu disse-o de modo pregnante: "A glória de Deus é o Homem vivo."

Ao contrário do Enuma Elish, poema épico da Babilónia sobre o mito da criação, no qual os homens aparecem para servirem os deuses, no livro do Génesis, os homens não são servos de Deus - a criação é por causa dos homens e não por causa de Deus. Mais tarde, Jesus explicitará, dizendo aos discípulos que os não chama servos, mas amigos, pois revelou-lhes quem é e o que é Deus para os homens: Deus é amor. Aí está a razão por que, nos casamentos, por exemplo, se não deveria referir os noivos como servos: eles, de facto, não são servos, mas amigos de Deus.

Esta é com certeza a revolução mais extraordinária da história religiosa da Humanidade, sendo preciso tirar daí as devidas consequências. A maior talvez seja a autonomia nos diferentes domínios: político, científico, económico, filosófico, moral... As realidades terrestres devem ser pensadas e conduzidas segundo a sua racionalidade própria.

O ponto mais sensível será a ética. As religiões não ditam como específicos os conteúdos morais universalmente exigíveis. Crentes e não crentes, a partir dos avanços que a História foi alcançando no domínio das diferentes gerações de direitos humanos - certamente também por acolhimento de muita inspiração religiosa -, deverão chegar, com argumentação racional-prática, àquele consenso de um mínimo ético decente sem o qual os seres humanos ficariam abaixo da possibilidade de realizarem a sua humanidade. Trata-se daquilo que alguns, como Adela Cortina, chamam uma "ética de mínimos", referente à justiça e àquele nível básico de condições que permitirá, depois, que, em sociedades pluralistas, convivam diferentes "éticas de máximos", isto é, grupos com distintas propostas de sentido, felicidade e vida plena.

Então, Deus é inútil? Deus não se encontra na lógica da necessidade, mas do excesso e da graça. Assim, também no campo ético, pode ser inspirador de uma atitude nova e de uma nova esperança. E os crentes, no quadro de uma sociedade pluralista - o Estado deve ser laico; as sociedades não são laicas, mas plurais -, podem e devem participar no debate público, sem terem de pôr de lado a sua inspiração religiosa. Como escreveu o filósofo agnóstico Jürgen Habermas, "a garantia de liberdades éticas iguais exige a secularização do poder do Estado, mas proíbe a universalização política da concepção secularista do mundo. Os cidadãos secularizados, na assunção do seu papel de cidadãos, não devem negar liminarmente um potencial de verdade às concepções religiosas nem pôr em causa o direito de os concidadãos crentes oferecerem contributos, em linguagem religiosa, para as discussões públicas".

DN, 12-1-2008
 
DEUS E AS RELIGIÕES NO SÉCULO XXI

Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia

No passado dia 22 de Fevereiro, realizou-se no Porto, na Cooperativa Árvore, um debate sobre o tema em epígrafe. Sala cheia, com um público atento e muita gente em pé.

Mas não é estranho reflectir sobre Deus no século XXI? Não é Deus sempre o mesmo?

Não há dúvida de que Deus é sempre o mesmo, mas ele transforma-se no encontro com os homens e as mulheres, como eles e elas se transformam nos encontros e de-sencontros com Deus.

Há mais de um século, Nietzsche proclamou a morte de Deus. De qualquer forma, dir-se-á que estamos a assistir ao regresso do religioso. Mas a pergunta é: que religiosidade é essa que está de regresso? Não é a religiosidade burguesa, aquela religiosidade que legitima o êxito e o sucesso? A religiosidade que dá consolação? (Mas será que o Deus verdadeiro consola? Pelo contrário, não é preciso gritar a Deus por Deus: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?").

A religiosidade está de volta. Mas qual religiosidade? A do consumo? Mais um artigo de consumo? Mais um prazer, numa sociedade consumista e hedonista? Numa palavra, o religioso que está de regresso não é o da religião sem Deus? Uma religiosidade difusa, opiácea, confortável, frequentemente de adivinhos e de bruxos..., mas uma religião sem Deus?

Mas, se Deus morreu, não morreu também o Homem, como já Nietzsche antevia? De facto, o Homem não é Homem precisamente porque referido ao Infinito, a Deus, pelo menos como questão? Então não é hoje a religiosidade que está de volta a da banalidade rasante?

Porque Deus morreu, já não há esperança para lá da morte, e a nossa sociedade é a primeira na História que fez da morte tabu: uma sociedade poderosíssima nos meios, mas sem finalidade humana, teve de fazer da morte tabu, o último tabu... Espanta-me a resignação dos europeus, mesmo cristãos e católicos: resignados com o nada após a morte. Morremos e acabamos. Caminha-se do nada para o nada... É o niilismo, na errância sem fim.

E assim se esquece o Homem, reduzido agora ao último resto de natureza ainda não manipulado, mas que há-de sê-lo com a engenharia genética, para que se veja que não é senão um produto biotécnico.

Mas então onde está o Homem, onde está a memória dos mortos, onde está concretamente a memória das vítimas inocentes que clamam por justiça, como pergunta o teólogo J. Baptist Metz?

O que se passa com Deus? O que se passa com o Homem? Vivemos em tempos de deserto e de penúria, como preveniram Hölderlin e Heidegger. Este deixou em testamento: "Só um Deus nos pode salvar", e o ateu religioso E. Bloch queixava-se de um tempo com sub-produção de transcendência...

Mas não será o modo de presença de Deus hoje precisamente o da ausência? Não está Deus presente enquanto ausente? Ai! a dor que isso causa...

Quando as religiões vão ao seu núcleo de profundidade de abismo sem fim, sabem que estão referidas a Deus enquanto o Mistério, o Sagrado.

As religiões todas têm como referente último o Mistério, que nenhuma domina. Por isso, não há lugar para o fundamentalismo. Pelo contrário, as religiões devem dialogar para melhor tentarem dizer, na gaguez quase muda, o Mistério que a todas convoca e a todas transcende.

Quando sabem o que isso quer dizer, as religiões são perspectivas sobre o Mistério - daí, o perspectivismo, que não é relativismo --, e estão referidas ao Mistério que salva. As religiões são o lugar da resposta para a pergunta: o quê ou quem dá salvação? O fio hermenêutico de todas é o da liberdade e, portanto, contra toda a opressão.

E aqui estão as duas vertentes da religião boa: a mística - paixão por Deus - e a ética: compaixão por todos. A mística, sem ética, é ilusória, como a ética, sem religião, no limite, corre o risco de ficar cega.

Não há, pois, lugar nem para o fundamentalismo nem para o choque de religiões. Aliás, o que, antes de mais, congrega a todos é a humanidade, que leva consigo a oração-pergunta por Deus. Nessa oração-pergunta é que se fundamenta a dignidade inalienável do ser Homem.

DN, 1-3-2008
 
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