16 janeiro, 2008

 

O triste


Fado



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DOIS DEBATES ELUCIDATIVOS

João Marcelino

A discussão sobre a venda generalizada de medicamentos por unidose, produzida esta semana em se-de da Assembleia da República, pode ser apontada como um paradigma da actividade política portuguesa.

Para começar: todos os partidos representados no Parlamento estão de acordo com a prescrição dos medicamentos em unidose nas farmácias (e que já é praticada nas farmácias de uso hospitalar). É consensual, da Direita à Esquerda, que assim se pouparia mais de um centena de milhões de euros por ano ao País e, sobretudo, se respeitaria as finanças do cidadão em tratamento.

Melhor ainda: a lei até já existe e foi feita na sequência de uma promessa eleitoral de José Sócrates! Está pronta há dois anos e aguarda a conclusão de "estudos técnicos" que atestem a qualidade e segurança dos medicamentos como resultado da sua aplicação.

Num mesmo caso, e em resumo, observamos de tudo: a hipocrisia na luta partidária, a morosidade do Estado, a debilidade do Governo face aos lobbies.

O CDS/PP, que reabriu a discussão, bem poderia ter resolvido o assunto quando esteve no poder em coligação com o PSD...; os deputados, mesmo quando estão quase todos de acordo, têm de inventar divergências (o PS chumbou o diploma do CDS/PP apenas porque a lei está feita e só falta aplicá-la...); o Governo enquanto pode entreter-se a encomendar e a pagar estudos não cuida de fazer andar nem sequer as suas próprias promessas que quase cumpriu....; e os lobbies dos medicamentos, como os do tabaco, com toda a certeza não brincam em serviço.

Dois anos para estudar uma Lei é muito? Quase nada!... Se andámos 20 a estudar o aeroporto e não chegou...

Quando José Sá Fernandes apareceu na política arrastava atrás de si a fama de cidadão militante. Era o advogado atento que, em nome do interesse comum, questionava poderes instalados, sobretudo na Câmara Municipal de Lisboa. Travou, por esse tempo, algumas batalhas corajosas e em função desse apreço até se fechou os olhos ao seu desgraçado papel na questão do embargo às obras do túnel do Marquês de Pombal, em Lisboa, que hoje é obviamente apreciado por todos os que têm de enfrentar o trânsito naquela zona da capital.

Integrado no Bloco de Esquerda, Sá Fernandes parece ter sucumbido à tentação da demagogia, como provou no recente debate sobre o tabaco no Prós e Contras, durante o qual recusou obstinadamente ouvir as explicações inteligentes e se entrincheirou no populismo que por estes dias vai condenando a ASAE e a Direcção-Geral de Saúde e suportando todos os descontentamentos ligados a uma pequena economia que não consegue elevar a qualidade do serviço para padrões europeus. E, assim, é vê-lo marchar em nome dos espaços sem condições, dos chouriços de qualidade duvidosa, dos queijos mal amanhados, etc., etc. Por este andar, ainda o teremos a defender as sopas de cavalo cansado, a roupa-velha e outros petiscos do Portugal salazarento, pobre, sobrevivente. É uma opção.

Mas será que ainda não se percebeu que a ASAE (com a nódoa do comportamento de António Nunes naquela noite no Casino Estoril) tem estado a cumprir a sua função, até a de alertar o Governo para o apoio que é urgente, e obrigatório, dar à modernização de um tecido económico mais ou menos familiar que não corresponde às normas exigidas no espaço da União Europeia?

Temos de reconhecer, e por maioria de razões devem fazê-lo os políticos, que não é mais possível andar a reclamar fundos europeus para querer viver à moda de África.

Armando Vara não pediu licença sem vencimento na CGD quando saiu para o Conselho de Administração do BCP. No entanto, um jornal deu a "notícia" e tanto bastou. Mais um pretexto para artigos vários, que inevitavelmente sempre desaguam na amizade com Sócrates e relembram o "escândalo" da Fundação da Prevenção Rodoviária que o fez abandonar o Governo de Guterres. Curiosamente, não há quem se lembre já que Vara, que sempre clamou a sua inocência, foi ilibado nesse processo - e desde aí desertou da política que o manchou. A sua competência profissional, de gestor na banca, não é colocada em causa - antes pelo contrário, é bastante elogiada no sector -, mas a perseguição mantém-se. Não é serio.

DN, 26-1-2008
 
POLÍTICA, UMA ARTE?

Manuel Maria Carrilho

A situação que se tem vivido com a crise financeira que abala o mundo mostra, mais uma vez, como a economia é, afinal, uma ciência pouco mais rigorosa do que… a astrologia. Hábil nas profecias de curto prazo, a economia revela-se incapaz de previsões ou antecipações seguras de médio ou longo prazo.

É nestas alturas que se pode avaliar o que seria um mundo sem política, entregue - como tantos às vezes defendem - ao mercado e às suas "mãos invisíveis". É também nestes momentos que melhor se percebe como o mercado só serve a sociedade se - e só se - ela não abdicar de se conduzir a si própria, e de lutar pelos seus desígnios colectivos.

E isto só a política o pode, legitimamente, fazer. Mas, dir- -se-á, a política não está, também ela, em crise? Claro, mas aqui a história é outra, e há nela coisas novas e coisas velhas. As mais velhas têm a ver com o natural balancear entre esperança e decepção que desde sempre marcou a relação dos cidadãos com os seus governos. As mais novas são sobretudo três: em primeiro lugar, a globalização, que reforça a ideia de uma crescente incapacidade dos governos nacionais. Depois, o desgaste dos partidos, que acentua a impressão de organizações pouco sensíveis aos problemas das pessoas. Por fim, a emergência de uma poderosa opinião pública que, apoiada em redes de informação cada vez mais cruzadas e amplas e num individualismo cada vez mais consolidado, questiona em permanência a acção do poder, sobrepondo-se aos Parlamentos no escrutínio dos executivos e na denúncia das suas falhas.

É por isso que o maior desafio que os políticos têm hoje pela frente é o de serem contemporâneos de seu próprio mundo. O que implica assumir que a sua acção se joga em duas frentes: por um lado, na capacidade de decisão sobre matérias complexas e sobre assuntos que não podem esperar. E, por outro lado, nos rumos a propor à sociedade em contextos de alta contingência, em que a sua acção tem quase sempre mais consequências do que as que foram previstas.

Como diz Daniel Innerarity, "os políticos fazem mal uma coisa que até hoje ninguém conseguiu fazer melhor do que eles" - o que, não sendo uma ciência, não deixa de ser uma arte.|

Pluralismo

A proposta de multiplicar os comentadores políticos na RTP, feita pelo líder do PSD, sinaliza de facto um problema, o do pluralismo no serviço público de televisão. Infelizmente, ela agravá-lo-ia, em vez de o resolver. Porque a questão não é a do rateio da opinião pelos partidos, mas a da expressão da diversidade de opiniões que existe na sociedade portuguesa.

Ou será que o líder do PSD também quer entregar a gestão do pluralismo a uma agência de comunicação? Tem companhia, a ERC (sim, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social) acaba de anunciar um concurso para contratar uma dessas agências, para - diz - lhe dar assessoria mediática!...

Eurorreforma

O momento parece adequado às propostas do prestigiado Instituto Bruegel para a reforma da Zona Euro, que visam sobretudo incentivar o crescimento europeu: abandono da ortodoxia monetarista em relação à inflação, mais autonomia nos défices nacionais e mais controlo da dívida, financiamento europeu das reformas "estruturais". Se não houver solavancos com a ratificação do Tratado de Lisboa, a agenda europeia vai certamente passar por aqui.

DN, 26-1-2008
 
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