01 fevereiro, 2008

 

1 de Fevereiro


de 1908 - Regicídio




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http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=909854&div_id=291

Comments:
Várias iniciativas assinalam hoje o centenário do Regicídio.

Neste dia, 1 de Fevereiro, há cem anos, o Rei D. Carlos e o
príncipe herdeiro, Luís Filipe, foram assassinados no Terreiro
do Paço, em Lisboa, palco, hoje, de um dos actos de homenagem.
Promovida pela Fundação D. Manuel II, a homenagem decorrerá, às 17h00, junto à placa evocativa do atentado e contará com a presença do pretendente ao trono, Duarte Pio
de Bragança.
Segue-se uma missa presidida pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa,
na Igreja de São Vicente de Fora, e um tributo nos túmulos do Rei D. Carlos e do príncipe herdeiro, no Panteão Real.
D. Carlos e o seu filho primogénito foram assassinados quando regressavam de uma estada em Vila Viçosa. Viajaram de
barco até ao Barreiro e atravessaram o Tejo, desembarcando
junto ao Terreiro do Paço. O Rei, a mulher, Amélia de Orléans, e os dois filhos seguiram, então, num cortejo, em carro aberto. D. Carlos assim o quis, para não mostrar receio depois de uma tentativa de revolução, ocorrida dias antas, a 28 de Janeiro.
O alvo central da contestação era o Primeiro-ministro João
Franco, que, escolhido pelo Rei, governava em ditadura, mas
o monarca era também alvo de fortes críticas.
D. Carlos acabou por ser atingido a tiro no pescoço, por acção de Manuel Buíça, enquanto Alfredo Costa, saído da arcada, se pendurou no estribo do landau e atingiu o príncipe herdeiro com dois tiros, antes que este pudesse disparar o revólver que empunhava.
A historiadora Maria Alice Samara diz que Buíça e Costa “eram dois republicanos radicais, que pertenciam à Carbonária, uma associação secreta, uma espécie de maçonaria de cariz popular”.
Para muitos historiadores, o regicídio acelerou a queda da
monarquia e hoje muitos, independentemente das preferências
sobre o tipo de regime, apontam D. Carlos como um bom monarca. Maria Alice Samara diz que D. Carlos “a nível internacional teve bastante êxito, mas a nível interno não conseguiu fazer mudanças.

Estátua em Cascais

Uma estátua do Rei D. Carlos, da autoria do escultor Luís
Valadares, é hoje inaugurada em Cascais, numa cerimónia
em que estará presente o Presidente da República.
Às 21:30, a Cinemateca exibirá um filme mudo, anónimo, que regista os funerais régios a 8 de Fevereiro de 1908, no começo de um ciclo intitulado "Regicídios".
Em Castro Verde, onde nasceu o regicida
Alfredo Costa, é apresentado o
livro "Crónica do Regicida Invisível - Alfredo Luís da Costa", do jornalista Paulo Barriga.
A Causa Real queria que hoje
fosse declarado Dia de Luto
Nacional, chegou a reunir
mais de quatro mil assinaturas
para que o Parlamento assim o decretasse, mas o acto acabou por ficar no papel.
"Não chegámos a tempo para cumprir todos os trâmites necessários para descer a plenário, mas vale pelo acto simbólico", disse à Lusa João Paredes, da Real Associação da Madeira.

RRP1, 1-2-2008
 
Duarte Pio vê evocação como
acto de reconciliação

Duarte Pio de Bragança
encara a evocação do centenário
da morte de D. Carlos como um
acto de justiça e de reconciliação
do povo português com a sua História.
O Chefe da Casa Real Portuguesa
e pretendente ao trono elogia a
figura do rei assassinado, destacando
o facto de ele ter conseguido
criar “um relacionamento muito
forte” com os governantes e
figuras políticas da Europa do seu
tempo.
Duarte Pio de Bragança entende que o Rei fez com que o
nosso país, nessa época, “tivesse na Europa um importância
muito superior à sua dimensão económica”.
Sobre as motivações do Regicídio, o pretendente ao trono
não excluiu a possibilidade de “ter havido potências interessadas
em afastá-lo, por causa de pretensões nas nossas províncias
ultramarinas.
Nestas declarações à Renascença, Duarte Pio de Bragança
lamenta que o nosso país revele uma forte tendência para
revoluções, porque “quando o povo se habitua a resolver os
seus problemas com a revolução, está a destruir o seu equilíbrio,
a estabilidade e a justiça”. O pretendente ao trono
conclui: “se Portugal é hoje o país mais atrasado de Europa é
por causa dessa mania das revoluções”.

RRP1, 1-2-2008
 
Eduardo Nobre: D. Carlos foi um europeu convicto

Eduardo Nobre é um estudioso, investigador e autor de temas históricos, tendo-se especializado em História da Família Real Portuguesa, em Armaria e História Militar. Escreveu uma biografia
de D. Amélia de Orléans, a mulher do Rei D. Carlos, e também sobre o próprio Regicídio, nomeadamente
no livro “Duelos & Atentados”.
Eduardo Nobre tem dezenas de textos
publicados sobre estas matérias e,
em entrevista à Renascença, relata
os acontecimentos de 1 de Fevereiro
de 1908 e fala sobre a figura do Rei assassinado.

Por Raul Santos

Rádio Renascença – A questão do Regicídio
tem sido falada nas últimas
semanas ou meses, mas era, até há
bem pouco tempo, um assunto esquecido.
A que se deve isso?
Eduardo Nobre - Pois, estava esquecido…
Aliás, não estava esquecido, estava
esquecidérrimo! Isso deve-se a vários motivos, entre eles o factor da República ter sido implantada dois anos após o
Regicídio. Obviamente, o novo regime tenta silenciar o anterior… Para além disso, foi sempre uma página negra da História que também convinha esquecer.
Convinha a todos, nessa altura: a
monárquicos e a republicanos.
RR – E, agora, que tanto se fala no
assunto, há o risco de isso abrir feridas antigas?...
EN - Não penso que se trate, propriamente, de feridas antigas. Há divergências antigas, que são como as actuais divergências políticas… No fundo, temos de entender que na época havia
um Partido Republicano que era Oposição…
Seria como se hoje houvesse uma
ideia monárquica que fosse, também,
Oposição ao regime. Aliás, só não é
assim porque este regime criou uma
Constituição que só permite uma forma de governo que é a republicana e não qualquer outra forma democrática.
RR - Olhando para os acontecimentos
de 1 de Fevereiro, no Terreiro do
Paço, mesmo sabendo que não podemos
pensar em “segurança” na lógica
de hoje, fica a sensação de ter havido alguma incúria na protecção ao Chefe de Estado... Foi “fácil” matar o Rei…
EN- Sim, foi fácil cometer o Regicídio, mas como seria fácil hoje… Nós somos um país com muita abertura, nesse aspecto. Somos um país sossegado, não havia, como não há hoje, tradição de
atentados, embora na Europa, à época, houvesse uma história recente de violência desse tipo. Mas nós não tínhamos essa previsão, embora houvesse a noção
de que havia uma ameaça séria à segurança do Rei. O próprio Rei recusou usar automóveis, até para não fazer a figura que o Primeiro-ministro da altura, João Franco, fazia, surpreendendo muitos, escolhendo, por exemplo, percursos
alternativos nas suas deslocações,
fugindo de possíveis atentados
que, aliás, inicialmente o visaram a ele. O Rei quis, realmente, andar em veículo aberto e sem velocidades elevadas e a História castigou a sua coragem de enfrentar os concidadãos que lhe
eram, muitos deles, opostos politicamente.
RR - Como poderá ser definida a personalidade de D. Carlos?
EN - É muito difícil definir… Era um Rei que era um cientista, no campo da oceanografia. Era um artista plástico, reconhecidíssimo hoje em dia, de altíssimo nível, e era um político europeu activo. De algum modo, era um activista
da União da Europa, muitos anos
antes de isso acontecer. Não nos podemos esquecer que, nos primeiros anos do século XX, as visitas de Estado que se sucederam em Lisboa foram brilhantes
e permitiram trazer a Portugal as
mais altas individualidades da Europa.
Isso era muito importante à época, para um pequeno país, porque o colocava mais próximo dos centros de decisão da grande política europeia. O Rei tentou cumprir essa tarefa, mas foi coarctado
nesse trabalho por força dos
acontecimentos.
Ele morreu muito jovem, teria muitos anos de vida pela frente…
RR – Escreveu uma biografia sobre a
Rainha, Amélia de Orléans, francesa
de nascimento.
Como viveu ela, de um ponto de vista mais pessoal, mais íntimo,
esses acontecimentos trágicos
que lhe atingiram a família?
EN - Do ponto de vista humano, D.
Amélia teve um enormíssimo choque.
Temos que perceber que ver matar o
marido, ver matar o filho mais velho - que era uma paixão da Rainha - ver ferir o filho mais novo, que só não morreu por muito pouco, foi um choque tremendíssimo. Sê-lo-ia para qualquer pessoa. A Rainha enfrentou isso com enorme coragem, com imensa decisão, mesmo no momento mais crítico, procurando
defender o marido e os filhos
com o ramo de flores que trazia nas
mãos. E ela viria a ter uma importância decisiva no reinado de D. Manuel, tentando, de alguma forma, segurar uma instituição que politicamente estava muito periclitante. Só no final dos seus
dias, já nos últimos anos de vida, idosa, com oitenta e muitos anos, é que reviveu de forma mais dolorosa a tragédia.
Era assaltada por pesadelos, muitas
vezes de olhos abertos, em que via o marido e os filhos cheios de sangue.
Lembro-lhe que ela guardou sempre o
vestido que trazia no dia do regicídio.
Sempre que viajava, fazia-o com esse vestido, porque insistia em ser sepultada com ele e, de facto, foi sepultada, no Panteão de São Vicente, com o vestido manchado com o sangue do filho e do marido.

RRP1, 1-2-2007
 
Parlamento rejeita voto de pesar

O Parlamento rejeitou hoje por maioria um voto de
pesar pelo assassinato, há precisamente 100 anos, do Rei D.
Carlos.
Toda a esquerda parlamentar votou contra o voto de pesar
apresentado pelo deputado Pignatelli Queiroz, monárquico
eleito como independente nas listas do PSD.
O líder parlamentar do PS disse que aprovar a moção “seria,
objectivamente, um voto contra a República”, enquanto o
PCP, através de António Filipe, defendeu a tese de que o
Parlamento “não pode ajustar contas com o passado”.
Na bancada do Bloco de Esquerda, Fernando Rosas, defendeu
que um voto favorável vincularia “esta casa a algo que nem é
próprio das democracias, que é fazer com que os órgãos do
Estado tenham uma visão oficial sobre a História”.
Em nome do PSD, que deu aos deputados liberdade de voto,
o líder da bancada, Santana Lopes, disse a “intolerância, o
radicalismo e o espírito jacobino não servem a República” e
sustentou que quem votou a moção “deve sentir-se honrado
por honrar a História de Portugal”
Polémica marca evocação do Centenário
Uma polémica entre o pretendente ao trono, Duarte Pio de
Bragança, e o historiador e deputado Fernando Rosas tem
marcado a evocação do centenário do Regicídio.
A troca de acusações decorre do facto de o Ministério da
Defesa não ter autorizado a actuação da Banda das Forças
Armadas numa cerimónia evocativa do assassinato do Rei D.
Carlos e do príncipe herdeiro, D. Luís Filipe.
Duarte Pio de Bragança não gostou da intervenção do deputado
do Bloco de Esquerda que, do ponto de vista do pretendente
ao trono, inviabilizou a actuação da Banda das Forças
Armadas, acusando Rosas de radicalismo. Para Duarte Pio,
houve uma “ falta de compreensão” face a uma cerimónia
“de cariz histórico e cultural”, da parte de um deputado que
seria “provavelmente, regicida, se vivesse em 1908”.
Na resposta, Fernando Rosas defende que as Forças Armadas
não são “um corpo folclórico ao serviço de forças políticas”.
Em relação à acusação mais directa, Rosas desvaloriza alegando
que se tratou de um comentário foi “bem disposto” e
lembra que “quem estava mais próximo dos regicidas era
alguém que estava mais próximo das bandas dele, o visconde
de Ribeira Brava, que foi quem forneceu as armas”.

RRP1, 1-2-2008
 
O único problema disto tudo é que o Duarte Pio muniu-se de "amiguinhos" para o ajudarem na promoção das mentiras e na conservação do trono e, em troca, concede-lhes umas medalhinhas e honras afins.

Para que conste: a única sucessora directa da coroa portuguesa foi D. Maria Pia de Saxe Coburgo Bragança, filha do Rei D. Carlos I de Portugal com D. Maria Amélia Laredo e Murca e, consequentemente, irmã do Rei D. Manuel II.

A seu tempo a verdade virá ao de cima e cairão por terra muitos dos monárquicos que andam enganados pela falsa Causa Real Duartina.
 
E se D. Carlos não tivesse sido assassinado?

EURICO DE BARROS

E se D. Carlos não tivesse sido assassinado?

Portugal continuou monárquico em 'A República Nunca Existiu!'
E se naquela fatídica manhã de 1 de Fevereiro de 1908, o regicídio tivesse falhado, e o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe não tivessem sido assassinados pelo Buíça e pelo Costa? Será que a monarquia se teria mantido em Portugal e a República nunca teria sido instaurada, a 5 de Outubro de 1910, ou mais tarde?

Esta é a hipótese de base para o livro A República Nunca Existiu!, agora lançado com a chancela da Saída de Emergência. Trata-se de uma antologia de contos de 14 autores lusófonos, que exploram o cenário alternativo de um Portugal diferente daquele que conhecemos no século XX, no qual os ideais republicanos não chegaram a triunfar. Porque os dois membros da família real não foram mortos no Terreiro do Paço e o regime monárquico não caiu.

Entre os participantes nesta antologia, de conceito inédito em Portugal, contam-se João Aguiar, Miguel Real, Maria de Menezes, Octávio dos Santos, José Manuel Lopes ou ainda o brasileiro Gerson Lodi-Ribeiro, este o mais destacado autor de ficção científica alternativa no seu país, tendo algumas das suas obras já sido publicadas em Portugal (caso de O Vampiro de Nova Holanda ou Outras Histórias...).

Outras realidades

A história alternativa, onde se especula sobre cenários históricos diversos, e paralelos, dos que aconteceram na realidade (os what if...?, "e se...?"), é um dos subgéneros mais populares da ficção científica, amplamente explorado pelos autores anglo-saxónicos. Duas das alternativas mais abundantemente tratadas são a vitória do Eixo na II Guerra Mundial (ver, entre muitos outros, o clássico The Man in the High Castle, de Philip K. Dick) ou do Sul na Guerra Civil americana (idem, Bring the Jubilee, de Ward Moore).

Na sua introdução a A República Nunca Existiu!, Octávio dos Santos, o editor e também um dos 14 participantes (com o conto intitulado A Marcha Sobre Lisboa), escreve que o livro "pretende assinalar principalmente o primeiro cenário do Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908 - e, por arrastamento, e antecipação, o primeiro centenário da instauração da República em 5 de Outubro de 1910".

A condição posta a todos os 14 autores da antologia foi a de que "respeitassem os dois seguintes princípios fundamentais: o Regicídio de 1 de Fevereiro, tal como o conhecemos, não aconteceu; e a República nunca foi instaurada em Portugal, nem em 5 de Outubro de 1910, nem depois". O resto foi deixado à imaginação de cada um.

Octávio dos Santos frisa ainda que, "dos 14 autores participantes" em A República Nunca Existiu!, "(só) três são, prec isamente, "monárquicos militantes", ele próprio incluído.

DN, 18-1-2008
 
"O regicídio não era o projecto dos republicanos"

FRANCISCO ALMEIDA LEITE

Entrevista com D. Duarte Pio de Bragança

O que sente no dia 1 de Fevereiro?

Sempre vi esta data como uma data trágica para Portugal e para os portugueses. O Rei D. Carlos era um homem que estava a prestar um grande serviço a Portugal, um excelente Chefe do Estado. Além disso, um bom homem. O Príncipe Luís Filipe era um miúdo de 18 anos que já tinha dado a volta aos territórios ultramarinos portugueses. Ainda hoje em Angola, em Moçambique e em Goa fala-se na visita dele e há chefes tribais e de reinos que têm as medalhas de prata de D. Luís Filipe como símbolo de soberania.

O regicídio acaba por ser trágico para a causa monárquica, porque o reinado de D. Manuel II é curto.

O regicídio não era o projecto dos republicanos. Foi um acidente porque muitos líderes revolucionários estavam presos e de repente a carbonária ficou à solta. Esses terroristas radicais decidiram que o melhor era acabar logo com a família real toda.

Um plano pacífico? Havia aquela propaganda toda...

A propaganda contra o Rei e a família real era muito violenta, com muita calúnia e difamação. Estou convencido que se os regicidas tivessem conhecido o Rei não o tinham morto. Só o conheciam pela propaganda. Em 1910, quando tinham sido marcadas eleições e o Partido Republicano percebeu que não teria mais de 7% ou 8% dos votos, então aí precipitou a revolução, com a cena do navio a bombardear Lisboa e os galegos a serem contratados para fazer uma manifestação na Rotunda, como diz o Raul Rego.

Que é insuspeito...

O Raul Rego até agradeceu à Galiza porque os galegos é que fizeram a manifestação e a revolução da República. E havia dinheiro espanhol metido na revolução do 5 de Outubro.

Dos republicanos espanhóis.

Sim, queriam fazer a Federação das Repúblicas Ibéricas. Um livro do Jorge Morais conta isso. De resto, a coisa pior é a bandeira. A bandeira da República é o símbolo da União Ibérica: o vermelho representa Espanha e o verde representa Portugal, por isso o vermelho é maior que o verde. Mas a primeira bandeira que a carbonária exigiu era um rectângulo vermelho com um losango verde lá dentro Portugal integrado na Espanha. A comissão oficial que propôs a bandeira - e foi a bandeira que ficou em 1910 - ainda era a bandeira azul e branca sem coroa. A nossa Constituição diz que a bandeira da República é a bandeira escolhida em 1910. Portanto, é a bandeira azul e branca. A verde e vermelha só foi adoptada em 1911. Quase todos os países europeus preservaram as cores das bandeiras quando passaram a ser repúblicas. Por outro lado, e isso é simpático para mim, somos a única república que mantém as armas da casa real na bandeira...

Gostava de contar com o actual Chefe do Estado em alguma cerimónia dos 100 anos do regicídio?

O Presidente da República foi convidado para a missa por alma do Rei D. Carlos e provavelmente vai fazer-se representar. Do ponto de vista simbólico, e muito digno, há a inauguração da estatátua de D. Carlos em Cascais. Sabe, uma boa parte dos membros da Comissão D. Carlos 100 anos, é assumidamente republicana...

Há a vontade de contar outra história? É por isso que fala num acto de Justiça perante D. Carlos?

O nosso País tem que reconciliar-se com a sua História. Não é possível continuar hoje a ensinar-se coisas completamente erradas sobre o Rei D. Carlos, quase que a justificar que o assassinato dele foi político. Vai haver uma homenagem ao Buíça e ao Costa, o que acho muito perigoso porque está-se a dizer à geração actual e aos mais jovens que matar um Chefe do Estado, porque não se gosta dele, é legítimo e até merece uma homenagem. Já foi o Aquilo Ribeiro para o Panteão, não tanto por ser um escritor (porque há outros melhores que não estão no Panteão).

Acha que o Estado não se deve envolver nessas homenagens, como no caso de Aquilino?

É muito perigoso, porque passa-se uma mensagem errada.

No outro dia ouvi-o dizer que acha as revoluções nocivas para o desenvolvimento do País e até fez comparações. Portugal estaria mais desenvolvido sem o 5 de Outubro?

Na Europa, os países que mais se desenvolveram foram os que não tiveram revoluções e, de entre eles, todas as monarquias e a Suíça, uma república "medieval". Há a excepção, a Alemanha, que não serve de comparação.

Para si, o dia 1 de Fevereiro quebrou um ciclo que podia levar o País a um nível de desenvolvimento superior?

Comparando com os outros países europeus na época, éramos um país de desenvolvimento médio. Comparando hoje, somos um país dos últimos lugares da Europa. Hoje estaríamos a meio da tabela europeia ou acima. Porque, com a monarquia, a descolonização não teria sido feita como foi, teria havido a formação de uma Commonwealth portuguesa, de uma União Lusófona, um Reino Unido, não teria havido a revolução de 1926, que levou à segunda república, e não teria sido preciso o 25 de Abril que atrasou a economia portuguesa de uma maneira gravíssima. As três revoluções que a República nos trouxe foram altamente negativas para o País. A primeira e a última são celebradas com um feriado nacional, não faz sentido. Ao celebrarmos as revoluções, estamos a dizer que na próxima crise venha um militar que tome conta disto. É o caminho errado. Devíamos era insistir que no respeito pelas instituições democráticas. A nossa Constituição devia dizer que é inalterável a forma democrática de governo. Não diz isso, diz que é inalterável a forma republicana de governo.

Já se solidarizou com a petição que defende que 1 de Fevereiro seja considerado dia de luto nacional?

Neste momento o que deve ter ênfase são os aspectos positivos do reinado de D. Carlos. Mas justificava-se que este ano o dia fosse de luto, mas sem feriado nem nada, com bandeiras a meia haste. Prestava-se homenagem ao único Chefe do Estado que foi assassinado por portugueses. Também houve o Sidónio Pais, com um mandato curto que não se pode comparar...

DN, 31-1-2008
 
NAS PÁGINAS DO DIÁRIO DE D. MANUEL II

MARIA JOÃO PINTO

Um testemunho pessoal "da tarde mais atroz"

Dar um nome ao inominável - para o fazer, é preciso que algum tempo passe. A 21 de Maio de 1908, três meses depois do assassinato de seu pai e de seu irmão, D.Manuel II socorre-se da escrita para exorcizar a imagem que o perseguirá até ao final da vida: a imagem de D. Carlos e D. Luís Filipe feridos de morte à sua frente; a imagem da mãe, D. Amélia, erguendo-se como um escudo para defender os seus. Fá-lo-á ao correr da pena e sem preocupações de estilo, como ele próprio explica nas páginas do seu diário. Tem 19 anos, feitos a 21 de Março, e é já rei. Esse dia, 1 de Fevereiro de 1908, marcará o final abrupto da sua própria juventude. Restar-lhe-á a sua "adorada Mãe" - quem dera a muitos homens terem a décima parte da coragem que [ela] tem".

"Há já uns poucos de dias que tinha ideia de escrever para mim estas notas íntimas", "desde o dia do horroroso atentado no qual perdi barbaramente assassinados o meu querido Pai e o meu tão querido Irmão". D. Manuel inicia assim o seu relato pessoal, ao qual juntará "um pequeno desenho", feito por si: um esboço do percurso que, no Terreiro do Paço, ditaria a morte de ambos.

Regressado de Vila Viçosa alguns dias "mais cedo por causa dos [seus] estudos de preparação para a Escola Naval", D. Manuel questionar-se-á sempre sobre se, por uma fracção de segundo ou uma inflexão de direcção, tudo não poderia ter sido talvez diferente. E, tal como a imprensa vai evocar sinais premonitórios - como os célebres títulos da Ilustração Portugueza, reconstituíndo os passos dos da Família Real "a cem metros da morte", "a cem metros do trono" -, também D. Manuel olhará em retrospectiva esses sinais.

"Meu Pai", escreve, "não tinha vontade nenhuma de voltar para Lisboa"; "Minha Mãe, pelo contrário, queria forçosamente vir. Recordo-me perfeitamente desta frase que me disse. "Só se eu quebrar uma perna é que não volto para Lisboa no dia 1 de Fevereiro".

Nesse dia, um sábado, D. Manuel estava feliz por saber que se daria "pela primeira vez o Tristão e Isolda de Wagner em S. Carlos". "Pouco depois [das três horas da tarde]", recebe um telegrama - de D. Amélia, dizendo-lhe "que tinha havido um descarrilamento na Casa Branca, que não tinha acontecido nada, mas que vinham com três quartos de hora de atraso". No Terreiro do Paço, a espera será longa. O que se seguirá será "a tarde e a noite mais atroz", que ninguém previra: os tiros, a confusão, a perplexidade e o medo. Também ele ferido, "perderá a noção do tempo", mas não a memória do que testemunhou: "Quando a Avó chegou foi direita à minha Mãe e disse-lhe "On a tué mon fils!" e a minha Mãe respondeu-lhe: "Et le mien aussi!". Meu Deus dai-me força".

Os escritos de D. Manuel sobre este dia encontram-se reunidos em Diário de D. Manuel e Estudo sobre o Regicídio, de Miguel Sanches de Baêna, edição Alfa, de 1990. O seu Diário será reeditado pela Ésquilo.

DN, 1-2-2008
 
A morte do rei nas páginas do 'Diário de Notícias'

Atentado foi tema de sucessivas edições na imprensa portuguesa

A 2 de Fevereiro de 1908, o DN noticia a "morte d'El Rei e do Príncipe Real D. Luiz Filippe", no "gravissimo attentado contra a familia real". Tal como os seus pares da imprensa matutina, tem presente que, nesse momento, já Lisboa sabe o que aconteceu, "em vista da rapidez com que a nova se espalhou".

E o que aconteceu, escreve o DN na sua primeira página desse dia, foi algo "sem precedentes". "Na História de Portugal não se registava até ontem um único regicídio, embora contra alguns monarcas portugueses tivesse havido tentativas de semelhantes atentados. E até mesmo em países estrangeiros, onde tais processos de eliminação infelizmente se acham vulgarizados, não temos conhecimento de que algum possa medir-se em gravidade com o de que Lisboa foi teatro".

O relato do jornal espelha também o clima de incerteza que o dia traráquot;Não é nestas condições de inquietação e de dúvida que podemos fazer frios comentários ou considerações de qualquer natureza". São também de incerteza os dias que esperam o então ainda infante D. Manuel, "que hoje começa tão imprevista e abruptamente o seu reinado", lembra o jornal. "Nada, porém, o ajudará melhor a cumprir a altíssima missão em que se vê investido do que o amor entranhado pelo seu povo e o respeito escrupuloso pela lei e pela liberdade".

Os relatos do que aconteceu no dia 1 de Fevereiro de 1908 vão naturalmente ocupar sucessivas edições na imprensa portuguesa. Depois do choque inicial, surgem os primeiros exercícios de análise. Traçando balanços do reinado de D. Carlos, discutindo as consequências políticas do seu trágico desfecho, fazendo desfilar em ilustrações e fotografias os rostos dos que partiram e dos que ficaram. Será assim da Ilustração Portugueza ao Occidente, passando pela Brasil - Portugal ou pela revista Serões - que, de todos, fará talvez a mais extensa e pormenorizada cobertura dos acontecimentos.

No caso do DN, e tal como os seus pares, a reconstituição da viagem de D. Carlos, D. Amélia e D. Luís Filipe de Vila Viçosa a Lisboa vai ocupar o grosso do seu relato. Tal como os momentos de espera no Terreiro do Paço até se ouvirem os primeiros tiros na esquina para a Rua do Arsenal e o pânico se instalar, culminando com a identificação dos autores materiais do atentado. Característica vincada no jornalismo da época, a reportagem sintetizará, capítulo a capítulo, os seus principais momentos: "O senhor infante D. Manuel ferido", o desespero e a heroicidade de "Sua magestade a Rainha", "Os régios cadáveres no Arsenal da Marinha", "Sua magestade a Rainha senhora D. Maria Pia perante os cadáveres de seus filho e neto", "Morte dos assassinos", "Os cadáveres na câmara municipal", "Condução dos mortos para o Necrotério". A cobertura dos acontecimentos voltará a intensificar-se mais tarde, com o acompanhamento dos funerais de D. Carlos e de D. Luís Filipe até São Vicente de Fora, panteão dos Braganças.

No texto D. Carlos, o Martirizado, publicado originalmente na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, Ramalho Ortigão deixará do monarca um retrato pessoal: "Havia na personalidade do Rei D. Carlos um fundo singular de acanhamento orgânico, que ele publicamente encobria sob a máscara de uma altivez postiça. Na convivência íntima ele era mais do que afável, era terno, e a sua bondade chegava a ser humilde. Todos os seus criados o atestam: ele era o amo 'que nunca ralhou'".

M.J.P. com Ana Marques Gastão, Eurico de Barros, Isabel Lucas, Leonor Figueiredo e Nuno Galopim

DN, 1-2-2008
 
Um rei marcado pela tragédia

GENEA PORTUGAL

Monarca reinou 19 anos - entre a morte do pai, em 1889, e o regicídio de 1908
D. Carlos Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Bourbon Saxe-Coburgo-Gotha nasceu a 28 de Setembro de 1863, no Palácio da Ajuda, em Lisboa. Era o primeiro filho do rei D. Luís I de Portugal e da rainha D. Maria Pia de Sabóia, princesa da Itália.

Teve um irmão, D. Afonso, duque do Porto. Casou em 1886 com D. Amélia de Orléans, princesa de França, de quem teve D. Luís Filipe, assassinado com seu pai no Terreiro do Paço fez ontem cem anos, e D. Manuel II, último rei de Portugal, que lhe sucedeu e manteve a coroa até à revolução republicana de 5 de Outubro de 1910.

D. Carlos sucedera a seu pai como rei de Portugal em 1889. Reinou, portanto, durante quase 19 anos.

Era seu avô paterno D. Fernando, príncipe de Saxe, filho de Antonieta, princesa de Kohàry, e do príncipe Fernando Augusto de Saxe que era irmão de Leopoldo I da Bélgica, tio materno da rainha Vitória de Inglaterra e avô de Fernando I, rei da Bulgária.

Nas gerações seguintes esta família cruzou com a grande maioria das casas reinantes na Europa, que também por esta via se uniram por laços de sangue a D. Carlos.

Foi sua avó paterna a rainha D. Maria II de Portugal, nascida no Rio de Janeiro em 1819, filha do nosso rei D. Pedro IV, que foi imperador do Brasil a partir de 1822, e de D. Maria Leopoldina de Habsburgo, arquiduquesa da Áustria, filha de Francisco II, imperador do Sacro Império Romano Germânico e da imperatriz Maria Teresa de Nápoles, filha do rei das Duas Sicílias.

D. Pedro IV era filho de D. João VI, rei de Portugal e do Brasil, e de D. Carlota Joaquina de Bourbon, filha de Carlos IV rei de Espanha.

Descendiam estes reis de Portugal, por varonia, de D. Afonso Henriques, a quem sucederam na coroa os reis da primeira dinastia. D. Pedro II, quinto neto daquele rei, teve ilegítimo a D. João I, que por sua vez foi pai de D. Afonso, primeiro duque de Bragança.

Deste foi sexto-neto D. João IV, o primeiro Bragança a reinar, trisavô do referido D. João VI.

O avô materno de D. Carlos foi Vítor Manuel II de Sabóia, rei da Itália, que unificou em 1861. A sua família reinava na Sardenha e, desde o ano 1003 detinham a Sabóia, quando Humberto I "mãos brancas" aparece como conde da região.

Curiosamente, a primeira rainha de Portugal, D. Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques, era filha de Amadeu III, conde de Sabóia, bisneto de Humberto I "mãos brancas", e vigésimo avô de Vítor Manuel II, que também daria a filha, D. Maria Pia, em casamento ao rei de Portugal, D. Luís I, 716 anos depois. D. Maria Pia sobreviveu ao filho, falecendo em 1911.

A avó materna de D. Carlos foi Maria Adelaide de Habsburgo, arquiduquesa de Áustria, filha de Isabel de Sabóia e do arquiduque Rainier, vice-rei da Lombardia.

Este era filho de Maria Luísa, infanta de Espanha, e do imperador Leopoldo II de Habsburgo, irmão da tristemente célebre Maria Antonieta, rainha de França. Eram ambos filhos do imperador Francisco I de Habsburgo-Lorena e da imperatriz Maria Teresa de Áustria.

A família Habsburgo teve origem no século XI e cingiu a coroa imperial a partir de 1273.

DN, 2-2-2008
 
General contra "incoerência total" do ministro da Defesa

MANUEL CARLOS FREIRE

Programa foi aprovado pelas duas principais figuras do Estado
O relacionamento do ministro da Defesa com a instituição militar esfriou mais uns graus esta semana, após a decisão do governante em considerar que a participação do Exército nas cerimónias do centenário do regicídio teria conotações políticas.

O ministro da Defesa responsabilizou o Exército - "agiu como entendeu", afirmou Nuno Severiano Teixeira - pela decisão tomada, entendendo que o seu despacho sobre o assunto constituiu um esclarecimento sobre questões de princípio. Mas a posição oficial do ramo, pelo tom incisivo e pela forma sintética, é elucidativa pelo que está nas entrelinhas: "A nossa participação foi cancelada, ponto! Não há mais comentários", declarou ao DN o porta-voz do ramo, tenente-coronel Hélder Perdigão.

O despacho de Severiano Teixeira - feito depois de o ministro ter pedido informações ao Exército sobre o seu envolvimento naquelas cerimónias - reafirmava "a necessidade" de as Forças Armadas manterem um "critério rigoroso", distinguindo actividades a que se podem associar (de natureza histórica, científica e cultural) das que lhes estão constitucionalmente vedadas, nomeadamente as que possam revestir natureza política.

"[A decisão de Nuno Severiano Teixeira] é de uma incoerência total", sustentou ao DN o presidente da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, deixando uma interrogação: "Imagina que o Chefe do Estado-Maior do Exército teria aprovado a ida às comemorações se não tivesse autorização superior?" Para este ex-Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, "a decisão [de cancelar a presença do Exército nas cerimónias] foi tomada dois dias antes" da data marcada. Acresce que "o programa foi aprovado pelo Presidente da República e pelo presidente da Assembleia da República".

"É uma tomada de decisão sem sentido de Estado", continuou Garcia Leandro, observando que o próprio Chefe do Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas participou ontem - com o Chefe do Estado-Maior da Armada - na inauguração de uma estátua a D. Carlos. "Sou republicano mas tenho uma história e uma pátria", frisou o general.

Fernando Rosas, dirigente do BE que esteve na origem do despacho de "esclarecimento" de Nuno Severiano Teixeira, disse ao DN que "o Presidente da República não deveria ter participado" na cerimónia de Cascais, desde logo por integrar uma comemoração "marcada por uma agenda política e ideológica" da comissão organizadora das cerimónias do regicídio que é contrária ao republicanismo.

O historiador - como também é Nuno Severiano Teixeira - distingue estas comemorações das que se realizaram, em Novembro passado, para evocar o bicentenário da partida da família real para o Brasil e que contou com uma grande participação da Armada. "O simbolismo do acto é bastante diferente", uma vez que se tratava da celebração de um acto que resultou da invasão do Estado por tropas francesas.

Esta foi também a posição do Ministério da Defesa, observando que essas comemorações envolveram o Estado e embaixadores de países acreditados em Lisboa.

Outras fontes recordaram que a escolta a cavalo no casamento (13 de Maio de 1995) do Duque de Bragança, D. Duarte, foi feita por alunos do Colégio Militar. O próprio Ministério tutela uma Comissão que "patrocina livros de 'homenagem' à monarquia".

DN, 2-2-2008
 
REGICÍDIO, O PECADO ORIGINAL DA REPÚBLICA

Miguel Real
professor universitário,
escritor e investigador

Sou republicano, não porque assim tenha nascido, mas porque o estudo da História de Portugal me ensinou a suspeitar das capacidades mentais dos reis portugueses para o exercício do poder, de D. Afonso VI a D. Manuel II, com a sóbria excepção de D. Pedro IV e D. Pedro V. Porém, como republicano, não estou seguro de que a I República tenha valido a pena e estou convicto de que a prática do assassínio político (Sidónio Pais; a matança de Machado dos Santos e seus companheiros) e a permanente situação de bombismo anarco-sindicalista, nela imperante, derivaram em grande parte do eticamente infame e politicamente suicida assassínio de D. Carlos às mãos de extremistas da Carbonária em 1908. É minha profunda convicção de que a evolução da monarquia liberal, caso tivesse sobrevivido, adaptada ao tempo europeu, teria igualmente promulgado as leis mais importantes da República (lei da separação Igreja/Estado; lei da laicidade do ensino; da reforma da universidade; lei do divórcio; lei do registo civil; nacionalização de algumas propriedades da Igreja…). Porém, acompanhando idêntica transição em França e na Espanha, é minha convicção de que em Portugal, seguindo o ar europeu do tempo, que desde 1789 soprava generosamente da França, a evolução da monarquia para a república era inevitável, menos devido à agitação republicana e mais às divisões entre os monárquicos, evidenciando o lento e histórico esgotamento das famílias nobres nos três últimos séculos. As três purgas na elite nobre subsequentes à consolidação do Império (Alcácer Quibir, séc. XVI; Restauração, séc. XVII; repressão pombalina, séc. XVIII), bem como a divisão da casa real entre liberais e absolutistas no séc. XIX, tinham definitivamente destroçado as qualidades de comando político da aristocracia portuguesa, excessivamente cortesã para que o povo nela se revisse. Nos finais do século XIX, como a crise do Ultimatum o provou, era absolutamente necessário regenerar a elite dirigente de Portugal, transferindo o poder para grupos sociais mais enérgicos, como os advogados, os banqueiros, os comerciantes, os professores universitários. Se Portugal fosse a Inglaterra, D. Carlos poderia ter sido o rei "oportuno", travando a decadência da monarquia, restaurando-a. Mas D. Carlos foi um rei inglês sentado num trono português, povo constitutivamente mais votado a revoluções que a reformas. Não admira: em 1890, 75% dos portugueses eram analfabetos; a Igreja Católica, assoberbada desde 1820 pelo jacobinismo, sobrevivia fundada menos na devoção e mais na superstição (que desembocará em Fátima, 1917); mais de 80% dos portugueses viviam no campo, sem assistência médica nem escolar e com um mínimo de estradas de macadame; o regime censitário afastava das eleições a maioria da população; a crise nas finanças públicas arrastava- -se desde 1890 e nem a sobrecarga de impostos e taxas de Oliveira Martins a tinham amortecido; o aproveitamento mediático dos empréstimos do Governo à Casa Real tinha abalado o já distante prestígio popular de D. Carlos e de D. Amélia; a subelite monárquica que girava em torno da Ajuda fora igualmente martirizada pelas cisões de José Alpoim e de João Franco nos partidos Progressista e Regenerador; não existia projecto político que não fosse avançar com obras públicas à custa de empréstimos estrangeiros, cujos juros asfixiavam a economia do País.

Porém, a instauração da república significava o exílio do rei, não o seu assassínio. O regicídio, se findou a monarquia, condenou ab ovo a república, que subsistirá em estado de expiação durante 16 anos (menos de metade da nossa actual democracia), até igualmente se perder às mãos de uma ditadura militar. Assim vivemos 74 anos do sé. XX - entre Buíças e Salazares, dois radicais, de que Portugal não deve orgulhar-se.

DN, 2-2-2008
 
AS GUERRAS DE ROSAS

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

Em Outeiro, aldeia de Bragança onde em fedelho eu passava férias, apontaram-me, certa ocasião e com sombrias cautelas, um familiar do Buiça. O homem parecia um habitante comum, e não me lembro que lhe fosse devotada especial antipatia. Mas não se livrava da fama do antepassado, o qual, aos olhos daquela gente a 600 quilómetros do Terreiro do Paço que não conheciam, era a incarnação do Mal.

O ínfimo episódio, que aos sete ou oito anos me assustou a ponto de passar a recear o pobre parente do regicida, não me tornou adepto da monarquia. Os aldeões de Outeiro também não eram monárquicos, e isso não lhes retirava o bom senso de abominar assassinos e de estranhar que em 1908 houvesse, na tal Lisboa distante, quem os erguesse a heróis.

Em 2008, pelos vistos, ainda há. Lutar, como o prof. Fernando Rosas lutou, contra os que recordam e lamentam o abate de um chefe de Estado é um modo de exaltar Buiça. Pedir ao Governo, como o prof. Fernando Rosas pediu (com sucesso!), que proíba o exército de participar nas cerimónias do Regicídio é um modo de exaltar Buiça. Considerar, como o prof. Fernando Rosas considerou, que a evocação de D. Carlos é um acto político e que a evocação do 5 de Outubro, que substituiu um regime com poucas credenciais democráticas por um bando rústico e antidemocrático configura, presume-se, um acto divino, é um modo de exaltar Buiça. Aliás, a própria existência do prof. Rosas já é uma exaltação e uma homenagem viva ao Buiça. Ao Buiça e, se olharmos o currículo do excelso deputado, a criaturas piores.

DN, 3-2-2008
 
AINDA A PROPÓSITO DOS 100 ANOS DO REGICÍDIO

Eurico de Barros
jornalista

A efeméride dos 100 anos do regicídio veio e foi, e ficaram muitas coisas por dizer, por explorar, analisar e escarafunchar. Os media trataram o que se esperava que tratassem, com aquela mecanização temática e aquela rotina de calendário que, cada vez mais, exclui a imaginação, a inventividade e a originalidade em casos semelhantes. A RTP saiu da sua ronha de serviço público para produzir uma série alusiva, que se apresentou cheia de infiltrações das telenovelas e com vários dos vícios do nosso cinema. Publicaram-se e reeditaram-se bastantes livros, muito bons alguns deles. Aliás, os livros saíram-se infinitamente melhor do que qualquer outro suporte de informação e conhecimento, nesta comemoração do centenário do assassínio do rei e do príncipe herdeiro. Agora, tudo será esquecido de novo, até daqui a 50 ou 100 anos, quando a efeméride voltar a ser redonda. E isso, se nessa altura ainda houver em Portugal alguém capaz de se recordar de mais do que o que aconteceu uma semana antes.

Mas enquanto ainda há lembrança e curiosidade, a exibição, na Cinemateca, da reportagem cinematográfica anónima Funeraes do Rei D. Carlos e Príncipe Herdeiro, a abrir o ciclo 'Regicídios', deixou-me curioso sobre se haveria registos sonoros do nosso penúltimo monarca. Como seria a sua voz? Como falaria D. Carlos? Perguntei a um amigo que sabe destas coisas de arquivos. Segundo ele, havia na antiga Emissora Nacional gravações da voz de D. Carlos. Foram destruídas depois do 25 de Abril, juntamente com muitas horas de programas. E assim se mata um rei duas vezes: primeiro em pessoa, depois em memória sonora.

Não leio, nunca li, jornais de futebol - os nossos jornais ditos "desportivos" são, na realidade, jornais "de futebol" -, por isso não sei se algum se lembrou de explorar a faceta de sportsman - era assim que se dizia na época - de D. Carlos. O rei era um entusiasta de desporto, de quase todos os desportos. Praticava esgrima, jogava ténis, fazia natação, tiro e remo, e até gostava de futebol. Dava uns pontapés na bola e incentivou à prática da então incipiente modalidade, segundo escreve Marina Tavares Dias no livro D. Carlos - Lisboa, 1908. Se alguém nos jornais "desportivos" se lembrou de contar isto, palmas e parabéns. Se não se escreveu uma linha, também não é motivo para espanto.

Mais do que qualquer outro livro, o que eu gostaria mesmo de ter lido sobre o regicídio era o processo do dito, misteriosamente "desaparecido" depois do golpe de Estado republicano de 5 de Outubro de 1910, e agora tema de um dos livros lançados pelos 100 anos do 1 de Fevereiro, a obra colectiva Dossier Regicídio - O Processo Desaparecido. Duvido muito que uma das iniciativas da comemoração dos 100 anos do início do regabofe republicano, daqui a 2 anos, seja a edição em livro do mesmo. Mais depressa se saberá tudo sobre Camarate do que sobre os bastidores do regicídio. A começar pelo que é feito do processo.

DN, 9-2-2008
 
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