21 fevereiro, 2008

 

21 de Fevereiro


Dia Internacional da Língua Materna




http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_internacional_da_l%C3%ADngua_materna

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Dia da Língua Materna: Extingue-se um idioma a cada 15 dias

Uma forma de falar, ouvir, pensar e representar o universo por parte do Homem desaparece para sempre a cada 15 dias, que é o ritmo de extinção das mais de 6.700 línguas existentes no mundo.
Em apenas duas gerações, terão desaparecido mais de metade destas línguas, ou seja, ter-se-ão perdido quase 4.000 formas de dizer «amor», segundo calculam os filólogos e linguistas.

A 21 de Fevereiro, quinta-feira, a UNESCO celebra o Dia Internacional da Língua Materna, no ano que já foi declarado pela ONU, como o Ano Internacional das Línguas.

Segundo a UNESCO, as línguas são veículos de transmissão dos sistemas de valores e de expressões culturais, constituindo um factor decisivo para a identidade de cada pessoa.

Ainda que sejam uma componente essencial do património vivo da humanidade, definição dada pela organização cultural e educativa da ONU, mais de metade dos cerca de 6.700 idiomas que existem estão em perigo de extinção.

Algumas línguas encontram-se concentradas num só país, tal como acontece no México, país de língua espanhola que, segundo o catálogo da publicação especializada «Ethnologue», possui cerca de 297 línguas vivas, ainda que em algumas, como o uto-azteca Opata, restem poucas frases por pronunciar: em 1993, apenas 11 pessoas falavam este idioma no Distrito Federal e quatro no Estado do México.

Noutros países, a quantidade de línguas é ainda maior: existem 820 línguas na Papua-Nova Guiné, 737 na Indonésia, 536 na Nigéria, 427 na Índia e ainda mais de 300 línguas sobreviveram à conquista do oeste nos Estados Unidos.

Em alguns países, a taxa de extinção é vertiginosa, como o Brasil, país que tem catalogadas 235 línguas, e provavelmente alguma por descobrir, assistiu ao desaparecimento de 47 idiomas durante o século XX.As 188 línguas vivas brasileiras, excepto o português e o espanhol, ficam prejudicadas por pertencerem a comunidades muito pequenas e dispersas.

Para que uma língua se encontre fora de perigo de extinção, deverá estar inserida numa comunidade com o mínimo de 100.000 pessoas, segundo os linguistas.

O chinês mandarim encontra-se fora de perigo, uma vez que é falado por 1.200 milhões de pessoas.O segundo idioma mais falado é o inglês, com 500 milhões, seguido pelo hindi, com 450 milhões, o espanhol com 400, o russo com 290, o árabe com 230, o português com 190 e o francês com 125 milhões.

Nesta era da comunicação, a Internet pode ser vista tanto como uma doença como um remédio.

A homogeneização linguística que promove, segundo os especialistas, é «salva» pelo seu uso como ferramenta de comunicação dos grupos dispersos que utilizam a sua língua materna e que assim a mantém.

Cerca de 60 por cento dos utilizadores da Internet utilizam-na em inglês, seguindo-se o espanhol, o alemão e o japonês.

As páginas da Internet estão escritas, na sua maioria (80 por cento) em inglês, sendo que quatro por cento se encontram em alemão e apenas um por cento em espanhol.

Os linguistas admitem que a «morte» de uma língua é um fenómeno natural da história do ser humano: «Nunca ninguém pode evitar a morte de uma língua, nem muito menos ressuscita-la», disse Alberto Gómez Font, linguista da Fundação do Espanhol Urgente (Fundéu).

O linguista espanhol afirma que, quanto muito, uma língua moribunda passa, mais cedo ou mais tarde, «para o museu» dos especialistas, mas a sua extinção como meio de comunicação é lamentável: «Quando morre uma língua, morre o conceito da vida, morre uma forma de entender a realidade».

Gomez Font destaca que o pior já foi superado, referindo-se ao universalismo napoleónico e à burocratização dos estados modernos que viam o pluralismo linguístico como um problema, aludindo em especial à política de unificação idiomática de Garibaldi na península italiana.

O filólogo recorda que recentemente o presidente de um dos países mais ricos em línguas autóctones, a Guatemala, se queixava desta mesma riqueza idiomática por ser difícil levar a cabo qualquer política de alfabetização.Agora tudo mudou: «Nos finais do século XX e princípios do XXI surgem os movimentos conservadores e ecologistas com uma tendência contrária, que consideram a morte de uma língua um drama e uma tragédia cultural», segundo Gomez Font.

«As administrações devem investir na sobrevivência das línguas», aconselha Gómez Font, que volta a dar como exemplo a Guatemala, onde os livros de texto são editados em vários idiomas locais.«A rádio também ajuda muito a manter viva a língua minoritária.

Recentemente, em Miami, um taxista haitiano escutava uma emissora crioula durante todo o trajecto», conta o linguista.

As línguas são consideradas pela UNESCO como parte do património da humanidade.

Diário Digital / Lusa 21-02-2008
 
ENSINO DA LÍNGUA É PRECÁRIO

FILOMENA NAVES e PEDRO VILELA MARQUES

Os representantes dos 600 professores portugueses colocados no estrangeiro e que são pagos pelo Ministério da Educação português queixam-se de abandono por parte da tutela e de condições de vida precárias, provocadas pelo diploma que, em 2006, adoptou um regime que prevê a contratação de docentes dos países locais. Às críticas dos professores, junta-se também o descontentamento de comunidades portuguesas, que protestam contra a falta de ensino do português nos países de acolhimento.

A reforma deste ensino aponta para o fim do destacamento de professores, que passam a ser contratados através de um concurso, e para a obrigatoriedade de os docentes do quadro que sejam colocados no estrangeiro pedirem licença sem vencimento. Além disso, o Ministério da Educação privilegia o recrutamento de professores cuja formação académica tenha sido realizada no país em que concorrem e que estejam habilitados para a docência de Português. Para o secretário-geral do Sindicato dos Professores das Comunidades Lusíadas, o regime jurídico que institui a contratação local de professores "tornou o ensino do português precário e levou à pauperização das condições de vida dos professores". Abílio Videira defende que "este regime não é mais do que uma forma de acabar com o ensino do português no estrangeiro, ao cortar no vencimento dos professores através de horários incompletos e não apostar nos docentes do quadro do ministério".

O sindicalista chega a acusar o Estado português de fazer pressão para que os países de acolhimento adoptem o ensino da língua portuguesa nos seus currículos - o que está dependente do interesses das escolas e da reunião de pelo menos 15 alunos para que uma turma seja constituída - de forma a fugirem ao pagamento de ordenados aos docentes.

As comunidades portuguesas também se queixam da desvalorização do ensino do português no estrangeiro, que recebeu 37, 5 milhões de euros no orçamento de Estado de 2008. A Federação das Associações Portuguesas na Alemanha (FAPA) tem sido uma das mais destacadas na oposição àquilo que considera ser "o objectivo do governo de a longo prazo acabar totalmente com o ensino do português no estrangeiro para as comunidades". Em causa está a abertura de um concurso para a contratação local de professores do ensino do português, em que várias cidades do sul da Alemanha ficaram de fora. Confrontado com esse facto e com a hipótese de professores com horários incompletos assegurarem essas aulas, o Governo português, acusa a FAPA, rejeitou a solução. Contactado pelo DN, o Secretário de Estado da Educação Jorge Pedreira adiantou que "a rede do ensino do português no estrangeiro é afectada designadamente pela dinâmica demográfica própria das comunidades e pela redução do investimento por parte dos países de acolhimento na oferta da educação da língua materna aos imigrantes, pelo que, da conjugação destes factores, resulta, por vezes, um ajustamento que decorre a uma velocidade inferior à que se desejaria".

Pensada há já dois anos, a passagem da gestão do ensino do português no estrangeiro, nos ensinos básico e secundário, para o Instituto Camões (ministério dos Negócios Estrangeiros) ainda não se concretizou, continuando o Ministério da Educação, na prática, a gerir esses dossiês. No ano passado, essa mudança deu um passo mais, com a decisão do Governo de avançar para a solução com a assinatura das leis orgânicas. Mas a concretização dessa passagem depende de um diploma legal que ainda não saiu. O que significa que a transição total de dossiês, do Ministério da Educação para o Instituto Camões, que deveria estar completa já no início do próximo ano lectivo, nesta altura ainda não se iniciou sequer.

Esta situação acaba por criar, aliás, algum mal estar nas comunidades portuguesas no estrangeiro, garantiu ao DN o presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), Carlos Manuel Pereira. "O Ministério dos Negócios Estrangeiros ainda não assumiu estes dossiês e o Ministério de Educação diz que vai deixar de ter a tutela e, portanto, há uma espécie de vazio", diz o presidente do CCP, sublinhando que "só não se sente mais esse vazio porque já antes não se dava em Portugal muita importância a esta questão". O que se nota, refere, "é que o número de alunos e de professores vai diminuindo". Também aqui, o Ministério da Educação informou que "está a ser feito um estudo de orientação estratégica coordenado pelo professor Carlos Reis, reitor da Universidade Aberta, que visa qualificar e alargar o público-alvo do ensino do português no estrangeiro, estudo que deverá estar pronto até ao fim do primeiro semestre deste ano".

DN, 21-2-2008
 
"A língua portuguesa é sedativa"

ISABEL LUCAS

Entrevista com Pascal Mercier, pseudónimo de Peter Bieri, escritor e professor de Filosofia

Prefere ser tratado por Pascal, o pseudónimo, ou por Peter?

Peter.

Porque escolheu então outro nome para assinar ficção?

Porque no início tive medo da rejeição. Ser professor de Flosofia numa universidade alemã e começar a escrever romances é perigoso.

Porquê?

É considerado qualquer coisa baixa, pouco respeitável. Deixa-se de ser sério do ponto de vista académico. Era como se a vida académica não fosse suficiente para mim e eu tivesse de fazer mais qualquer coisa e as sanções podem ser severas. Quando se escreve um primeiro romance não estamos seguros de nós. Falta confiança, tememos ser magoados facilmente com reacções negativas e queremos proteger-nos. Quis ver o que acontecia com o livro com uma certa distância. No segundo romance achei que devia revelar a minha identidade, mas psicologicamente falando, o nome Pascal passou a fazer parte de mim.

Este seu livro já vendeu mais de dois milhões de cópias no mundo. Começa com um professor de filosofia que muda de vida fascinado com uma mulher, com a sonoridade da música portuguesa. Foi a música da língua que o levou a escrever Comboio Nocturno para Lisboa?

Exactamente. No princípio fui motivado pelo som da língua, a melodia das frases. Flaubert, quando escreveu Madame Bovary, enviou uma carta importante a um amigo. Dizia que desejava não ter de ter um enredo e poder escrever um livro sobre nada, mostrando apenas a melodia e a poesia das palavras em francês. Quando li estas frases tive a sensação de que tinha descoberto o veículo para desenvolver os meus tópicos filosóficos: a solidão, a morte, a decepção, lealdade... É muito difícil escrever sobre estes tópicos. É preciso uma certa musicalidade. Achei que eu, suíço, criado na cidade de Berna, não conseguia ter estofo para fazer sair de mim as frases que saem da pena de Amadeu de Prado. Eu era muito pequeno e insignificante. Não é coqueteria. A solução era inventar uma personagem que pudesse dizer frases como aquelas e essa pessoa foi Amadeu de Prado. Quando isso aconteceu, psicologicamente falando, eu vi a fotografia do jovem Anton Chékov. Pensei que ele escreveria essas frases. Recortei a foto, pu-la numa moldura e coloquei-a na minha secretária e por cima dessa cara pus o nome de Amadeu de Prado. Chékov era alguém de temperamento religioso, mas intelectualmente céptico, que arriscava algo ao mesmo tempo que era vulnerável. E Prado parecia ser o nome certo para aquele rosto.

E porquê um português, escritor da resistência, para desenvolver essas ideias?

Sim. Porque havia Pessoa, o som da língua que adoro e lamento não ter tempo para a aprender a falar. E Lisboa como cidade que assenta perfeitamente em "Mundus" [nome da personagem do professor de filosofia que deixa tudo para ir atrás da escrita misteriosa de Amadeu de Prado]. É uma cidade lenta, com ares de século XIX, tirando os carros; um pouco decadente. Precisava ainda de um ditador para ter o tópico político da resistência no livro. Para se ter uma movimento de resistência é preciso haver um ditador e entre o ditador e aquele resistente queria que houvesse um conflito do tipo pai e filho, tinha de ser um ditador especial, com a imagem de paternidades. Não podia ser Franco, nem Hitler nem Mussolini ou Estaline. Salazar era um tipo diferente de homem. Um intelectual, professor de economia, não era alguém que gostasse da brutalidade. Claro que cometeu actos brutais, mas nada como Estaline ou Hitler. Portanto foi Pessoa, o som da língua, Lisboa como cidade e o ditador certo. Tudo isto me levou a Portugal e a Lisboa.

Fala muito do som da língua. A que soa a língua portuguesa?

É o shhhhhh, o ççççç (Pausa para pensar). É suave, terno, sedativo, que não seduz facilmente. Consigo ouvir a melodia do português durante todo o dia. Em minha casa tenho um canal de televisão português e consigo ouvir aquilo durante horas, ainda que muitas vezes não perceba nada. É como uma bela paisagem e entramos naquela paisagem e esquecemos tudo.

Lê português?

Leio. Não consigo falar, mas sei ler. É fácil. Não é fácil é ouvir porque vocês engolem as letras... E li o seu jornal (DN), que entra no meu livro (risos)...

Também leu Pessoa em português?

Sim. É o único escritor português que conheço realmente bem. Mas vou ler mais portugueses. Li traduções de António Lobo Antunes. Parece-me um escritor excêntrico e incrivelmente poético. Como Flaubert, gosta de escrever só para usar as palavras. Não precisa de enredo. Está muito perto dos poetas. Como dizia o Pessoa, a poesia é um canto sem música. Acho que a escrita de Lobo Antunes é assim. Um canto sem música.

O livro está a ser adaptado ao cinema...

É uma experiência terrível. Quero separar muito bem o livro do filme. Tenho muitas dúvidas de que consigam fazer um filme deste livro, mas os direitos foram vendidos... Eles mudaram as personagens, o enredo, a atmosfera, tudo...

Está mais próximo de "Mundus" ou de Prado?

De ambos. Sou uma pessoa muito aborrecida, vagarosa, que tem boa memória, sou trabalhador, disciplinado. Aí sou "Mundus". Por outro lado, sou emotivo, rebelde, aventureiro, romântico, o Prado.

Se vivesse em Lisboa, que sítio escolhia?

Acho que no Bairro Alto, pelas ruas, as cores, a atmosfera. De preferência numa sala da qual se visse a água. A água é tão importante quanto o som ou os nomes.

DN, 26-3-2008
 
METAFÍSICA E PRAGMATISMO

Vasco Graça Moura
escritor

O ministro da Cultura afirmou que "a internacionalização e afirmação do português só pode realizar-se através de um acordo ortográfico". É uma enormidade que vai contra tudo o que a História, mais recuada ou mais recente, nos ensina.

Então o português não é a terceira língua da União Europeia mais falada no mundo?

Seria bem mais importante se preocupasse com o estado de aviltamento e degradação a que ela chegou. Veja-se o ensaio arrasador de Vitorino Magalhães Godinho no J/L de 26.3.08. Devia saber que o português só pode impor-se através da valorização exigente do seu ensino e do trato intensivo com os grandes autores e com os clássicos.

Esse é, juntamente com o ensino das Humanidades, o factor essencial para o desenvolvimento intelectual, a qualificação, a competitividade e a criatividade, inclusivamente nas ciências exactas e nas áreas da inovação, para a realização pessoal e para a cidadania.

Ao referir o "conjunto de necessidades políticas e económicas com vista à internacionalização do português como identidade e marca económica", o ministro mostra que não tem qualquer preocupação com a correcção científica e cultural do Acordo. E também esquece que mais de 40 milhões de pessoas seguem a norma portuguesa.

É, antes de mais, quanto às competitividades em presença no interior do universo da língua portuguesa que a questão do seu valor deve ser analisada. A adopção do Acordo redundará em total benefício do Brasil. Os PALOP e Timor ficarão completamente dependentes da edição e das indústrias culturais brasileiras. E Portugal lá chegará.

No resto do mundo, o Acordo não fará aumentar numa só página a quantidade de peças traduzidas, numa só pessoa o número de estudantes ou falantes da língua e num só fórum internacional a utilização dela.

Os prejuízos astronómicos, com existências gigantescas de dicionários e livros escolares nas linhas de produção e nos armazéns dos editores assim inutilizados de uma penada, com as famílias a suportarem custos inadmissíveis na compra de novos materiais, com milhões de espécies adquiridas pelo Plano Nacional de Leitura deitadas pelo cano abaixo, somados ao prejuízo decorrente da perda dos mercados africanos para a edição portuguesa, constituem um daqueles casos clássicos em que, no médio prazo, a previsão de despesas supera catastroficamente a das receitas.

Os PALOP perceberam muito mais depressa o que está em jogo.

Angola aspira a uma posição de liderança na África Austral e no mundo de língua portuguesa. Tem potencial humano e económico para isso. Vive tempos de paz, de reconstrução, de crescimento e de prosperidade. Não lhe interessa ficar subordinada a interesses brasileiros. Prefere as suas actuais parcerias com Portugal e, a partir delas, desenvolver a sua própria autonomia. Precisa de manter facilitados os processos de alfabetização e de ensino, os circuitos de funcionamento político e administrativo, a vida quotidiana nos aglomerados urbanos, a normalidade da comunicação social escrita, a dinâmica cultural que já está a impô-la como país de referência.

Em Moçambique e na Guiné-Bissau, que, de resto, têm de evitar quaisquer equívocos e precipitações de modo a escaparem, respectivamente, às pressões de sinal anglófono e francófono, os problemas são idênticos.

Poderão estes países dar-se ao luxo de reciclar professores e de inutilizar milhões de livros e de materiais didácticos, de repente tornados obsoletos para populações cuja alfabetização e cujo domínio da escrita e da leitura são bastante mais frágeis do que entre nós?

Poderão correr o risco de a língua portuguesa se tornar um factor, não de aglutinação da identidade, mas de desagregação da identidade?

Já se pensou no que seria mexer só nos textos legais e regulamentares para ficarem ao alcance de cidadãos que estejam nas condições descritas?

Resulta de uma iniciativa de Sarney que, em 1986, enviou um emissário aos PALOP com essa finalidade. Para o Brasil, mais realista e mais pragmático, tudo era, desde o início, uma pura questão de mercado.

Só para alguma ingenuidade lusitana, mais propensa à metafísica, é que se trata de assegurar a "unidade" da língua...

DN, 2-4-2008
 
A LÍNGUA PORTUGUESA

Adriano Moreira
professor universitário

A discussão sobre a oportunidade e validade do Acordo Ortográfico tem posto em evidência que ninguém é dono da língua, pelo que não haverá nenhum acordo que impeça evoluções desencontradas.

O conceito que tem circulado em algumas das intervenções, e que parece ajustado à natureza das coisas, é o que sustenta que a língua não é apenas nossa, também é nossa.

É por isso que acordos, declarações, tratados, são certamente adjuvantes de uma política que mantenha a identidade essencial, mas nenhum terá força vinculativa suficiente para evitar que as divergências surjam pelas tão diferentes latitudes em que a língua portuguesa foi instrumento da soberania, da evangelização, do comércio.

Existem locais onde os factos tornaram evidente que a língua não resiste à falta de utilidade para os povos que estiverem abrangidos por qualquer daquelas actividades, e por isso o português sofre dessa erosão no longínquo Oriente do primeiro império, tem marcas pequenas em Macau, luta com o passado apagador da língua pela ocupação de Timor pelo invasor e também com os interesses da Austrália pela expansão da língua inglesa, vai enfraquecendo em Goa.

O critério da utilidade para os povos talvez por isso não seja dispensável no discurso dos procedimentos a adoptar para que o essencial seja uma preocupação e empenho constante dos governos que têm a língua portuguesa como língua oficial, cada um sabendo que não é sua, é apenas também sua.

Muito recentemente a ONU deu um sinal importante do interesse, com ligação ao número de países que, tendo assento no plenário da Assembleia Geral, falam português.

No mês de Março, segundo foi anunciado, o sítio Web Know - Your Rights 2008.org seria tornado mais acessível a pessoas do mundo inteiro, e para isso utilizando oito línguas.

Tais línguas são inglês, francês, italiano, espanhol, alemão, português, holandês e grego.

Esta decisão destina-se a apoiar mais de uma dezena de projectos para os quais se pede e espera a intervenção dos parceiros da organização, governos, parlamentos, ONG, e entidades particulares que aderiram em nome e proveito da sociedade civil transnacional em crescimento.

O interesse comum é muito mais dinamizador de iniciativas e práticas do que a obrigatoriedade assumida por tratados cuja debilidade directiva é logo evidenciada pelo método da entrada em vigor.

Talvez a maleabilidade das Declarações, que estão a ganhar relevo crescente nas relações internacionais, seja mais indicada para servir de apoio directivo a uma política persistente de identificação e defesa do interesse comum, do que a natureza imperativa dos tratados.

O ensino e a investigação, no espaço europeu em definição política acelerada, estão apoiados em Declarações que presidem ao desenvolvimento de redes cada vez mais sólidas, e não em tratados.

Foi esta consideração que inspirou a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, em grande parte devido à percepção do Presidente José Sarney, atento às intervenções e discussões dessa matéria.

Tinha presente que a responsabilidade pela língua incumbia à Academia Brasileira de Letras, tal como em Portugal incumbe à Academia das Ciências.

Mas não faltaram observações de experientes das relações internacionais, e certamente nem todos com a mesma vivência das academias, no sentido de que os novos Estados de língua oficial portuguesa, que também deveram ao brasileiro embaixador Aparecido de Oliveira a criação da CPLP, não tinham nem a tradição, nem as vocações e recursos que os levassem a adoptar tal modelo.

O Instituto Internacional da Língua Portuguesa foi criado como centro de encontro entre iguais, para, identificando os interesses comuns, convergirem nas políticas destinadas a servir esses interesses, salvaguardando o instrumento insubstituível que é a língua.

Não parece ter acontecido que a inspiração do Instituto Internacional da Língua Portuguesa tenha sido revisitada, mas também não parece que o critério que orientou a sua criação deva ser ignorado.

DN, 8-4-2008
 
Língua portuguesa é o bem mais precioso

MARIA JOÃO PINTO

Galeria cheia na abertura da mostra de homenagem a José Saramago

"Se há algo absolutamente precioso", "obra de todos", esse algo "é a língua portuguesa". Como "responsáveis pelo seu destino", "temos a obrigação de a trabalhar mais e melhor" - sempre que a falamos, sempre que escrevemos, porque sem ela "não somos nada ou muito pouco". Foi com a defesa da identidade que a língua confere que José Saramago terminou ontem a sua intervenção na inauguração oficial d'A Consistência dos Sonhos, mostra de carácter intimista que o Palácio Nacional da Ajuda (PNA) manterá patente até ao dia 27 de Julho, na Galeria de Pintura do Rei D. Luís.

Galeria que foi pequena para acomodar as largas centenas de pessoas, entre figuras públicas e cidadãos anónimos, que a ela assistiram. Com um agradecimento especial a Fernando Gómez Aguilera, comissário da exposição, e a Pilar del Río, sua mulher, por terem sido eles os impulsionadores de Consistência dos Sonhos, o escritor explicaria por que razão, ao invés de dizer apenas "obrigado a toda a gente", preferiu sublinhar esse agradecimento com um muito nosso "obrigadinho". É que este, frisou, "sai mais do coração".

Confessando-se dividido quanto à "atitude a tomar perante esta exposição" - "orgulho?, falsa modéstia?, emoção?, contemplação?" -, Saramago acabaria por transformar este tributo que lhe era dirigido num tributo amplo ao que temos de "mais precioso": a língua que nos une e nos permite "fazer com ela laços e relações". Algo que, no seu caso pessoal, mais precioso se tornou com a distância: "Com esta minha vida em Lanzarote", disse Saramago, "descobri que a língua portuguesa é a mais formosa do mundo", como já antes, lembrou, outros o haviam feito, entre eles, Camões, Vieira e Eça.

Palavras de agradecimento foram também as do primeiro-ministro, José Sócrates, em "reconhecimento por tudo" o que o escritor "tem feito em prol do prestígio da Língua Portuguesa e em prol do País": "Quero que ele saiba que gostamos dele, que o estimamos e temos muito orgulho em tudo o que fez pela língua portuguesa e por Portugal", disse. Sublinhando que "é com homens de espírito nobre que se constrói um país melhor", Sócrates citaria ainda Pessoa e o seu "para ser grande, sê inteiro", que Saramago elegeu, ainda jovem, como divisa para a vida.

Exposição bio-bibliográfica de carácter intimista, A Consistência dos Sonhos, que esteve já patente em Lanzarote, reúne um vasto conjunto de testemunhos da trajectória pessoal e da obra do escritor, organizados de forma cronológica, a que Saramago chamou os seus "papéis", reunidos ao longo da vida.

Entre eles, e patentes agora no PNA, estão manuscritos, fotografias - de infância e de família ou como as que tirou para Viagem a Portugal -, recortes de jornais e revistas, cartazes, vídeos, desenhos - como a Passarola de Bartolomeu de Gusmão, presente entre os materiais preparatórios de Memorial do Convento. Entre eles está também um extenso mural/escaparate de parede reunindo edições estrangeiras da sua obra, do coreano ao hebraico. A faceta mais privada do escritor dá-se a conhecer ainda nas suas agendas pessoais, anotando os dias de almoço com a mãe ou o dia em que conheceu Pilar.

Entre as figuras públicas, dos meios político e cultural, presentes na inauguração oficial de Consistência dos Sonhos estiveram o General Ramalho Eanes e sua mulher, Manuela Eanes, Mário Soares e Maria Barroso, José Berardo, José de Guimarães, Pedro Roseta, Manuel Maria Carrilho e Bárbara Guimarães, Jorge Couto e Fernando Tordo. Presentes estiveram ainda os ministros da Cultura, José António Pinto Ribeiro - acompanhado do seu homólogo espanhol, César Molina -, dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, das Obras Públicas, Mário Lino, da Ciência e Ensino Superior, Mariano Gago, e da Agricultura, Jaime Silva.

DN, 24-4-2008
 
LUÍS FIGO E A POLÍTICA DA LÍNGUA

Vasco Graça Moura
escritor

Este Governo não tem emenda. Continua agarrado às manifestações de fachada e a não se preocupar minimamente com o rigor e a correcção daquilo que faz ou anuncia que vai fazer.

Uma das suas vítimas favoritas é a língua portuguesa. Tem-se visto abundantemente no que respeita ao Acordo Ortográfico. Mas agora, segundo o Expresso, o Conselho de Ministros prepara-se para adoptar esta semana uma resolução lançando "as bases de uma política da língua".

Essa comovente iniciativa seria muito interessante se o Governo a tivesse feito preceder de um debate público convincente.

Mas limita-se a tomar como base um estudo coordenado pelo meu amigo Carlos Reis, cuja competência nesta matéria é, não duvido, muito superior àquela de que ele tem dado provas no tocante ao Acordo Ortográfico, mas cuja credulidade me suscita as mais sérias reservas, uma vez que, entre outras coisas, atribui a Luís Figo um papel canónico na promoção da língua portuguesa em Espanha...

O certo é que ficaríamos todos bem mais sossegados se fosse conhecida a posição do Ministério da Educação, das universidades e de outras instituições e se tivesse havido uma discussão pública séria destas e de outras análises, bem como das linhas e dos critérios enunciados para as bases de uma política da língua.

Mas o Governo tem pressa. Vem aí a CPLP e ele quer ter alguma coisa para mostrar, com o picante de pretender agora lançar as bases de uma política da língua sem auscultação dos restantes países interessados... Não tem emenda, repito.

Todavia, há coisas que, mesmo sob a égide simpática de Luís Figo, são difíceis de perspectivar e até de engolir para alguns países da CPLP.

Poderá o Governo português assentar em que Angola e Moçambique não têm "um peso internacional considerável"?

E em que é preciso esperar que o tenham para a língua portuguesa se internacionalizar?

Com isto, aceitará o Governo português que o mundo inteiro, com Angola e Moçambique à frente, se lhe ria na cara?

O Governo português, tão encrençado em TGVs, afinal estará disposto a deixar agachadamente que o Brasil seja "a locomotiva fundamental do processo" e "o grande interlocutor no universo da língua portuguesa para África"? Para África?

Poderá o Governo português tomar medidas credíveis e oportunas de uma política da língua a partir do nenhum rigor, do espírito de demissão e da patente incorrecção política e cultural de pressupostos deste tipo?

E acaso terá sido prevista alguma política para a uniformização da terminologia gramatical, depois de tudo o que se passou com a TLEBS do lado de cá? Ou caminha-se irreversivelmente para uma dupla gramática pela mão dos mesmos que tanto se eriçam com as consoantes mudas?

O mais intrigante de tudo é que está a ser desenvolvida desde há anos uma política para a língua portuguesa no mundo. A presidente do Instituto Camões descreveu-a na FLAD em 5.11.2007 (Promoção da Língua Portuguesa no Mundo, relatório da reunião de trabalho, Fundação Luso-Americana, Novembro de 2007, pp. 43-56).

Aí se desenha um conjunto de linhas de acção concreta, a que provavelmente continua a faltar uma boa dotação orçamental, ligados a uma "óptica de trabalho sobre e com a língua portuguesa: língua da comunicação, do trabalho, da ciência, da cultura, do direito e da diplomacia", na perspectiva articulada de três vectores. Resumindo muitíssimo: 1) intra-fronteiras dos países CPLP e organizações internacionais e regionais em que o português é língua de trabalho, como o espaço ACP; 2) estratégias de promoção da língua, da cultura portuguesa e das culturas em língua portuguesa, por Portugal enquanto Estado membro da UE, fazendo valer esta "como língua de oito vozes culturais"; 3) promoção da língua e cultura portuguesas por Portugal em correlação com os seus próprios interesses sociopolíticos, apostando na promoção do ensino no Magrebe, na China e na Índia, nos países da Organização dos Estados Ibero-Americanos, nos EUA e no Canadá.

Então o Governo português vai atrever-se a mandar todo este trabalho para o lixo? Ó Luís Figo, vá lá, faça sinal a esta gente de que assim ainda perde de vez o campeonato.

DN, 9-7-2008
 
30 milhões para divulgar a Língua Portuguesa

Português. Comunidades no estrangeiro criticam a falta de docentes

Governo aprovou ontem estratégia de promoção lá fora do Português

O Governo vai disponibilizar 30 milhões de euros para incentivar a divulgação da Língua no estrangeiro. O Fundo da Língua Portuguesa, aprovado ontem em Conselho de Ministros, destina-se a apoiar o sistema de ensino nos países lusófonos e a promover o Português junto dos organismos internacionais.

Este fundo será também aberto para que outros países possam participar e contribuir, afirmou o ministro José António Pinto Ribeiro, em conferência de imprensa. Para já, o Governo avança com 30 milhões mas acrescenta que a dotação orçamental será reforçada "à medida das necessidades".

A estratégia de reconhecimento e promoção do Português - que conta com 240 milhões de falantes em todo o mundo - inclui também apoio à formação de tradutores e intérpretes para as organizações internacionais que trabalhem em Português.

Por outro lado, prevê o reforço da participação dos países de Língua Portuguesa em reuniões internacionais, através do incremento do Português como idioma oficial de trabalho e de negociação internacional. Para além disto, haverá ainda uma reformulação do Instituto Camões.

José António Pinto Ribeiro sublinhou que a estratégia resulta do "empenhamento do Governo na determinação de aprofundamento da expansão e alargamento da Língua".

As principais queixas dos portugueses que estão no estrangeiro prendem-se com a falta de professores e de apoio do Governo. Nos últimos tempos, têm sido conhecidos casos de crianças que ficaram sem aulas de Português no estrangeiro, por exemplo na Alemanha, por falta de professores e de apoio financeiro. Em Março, a polémica foi suscitada depois de o Governo ter decidido não apoiar o ensino do Português no sistema venezuelano. LUSA

DN, 17-7-2008
 
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