11 fevereiro, 2008

 

Homem estátua


Mais um record nacional


http://www.staticman.org/

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Recordista mundial da imobilidade

IRINA FERNANDES

Vestido ainda com um macacão cinzento-escuro enquanto se prepara para a sua actuação, António Santos coloca um passarinho de plástico em cada canto da base quadrada do seu pedestal de madeira. Talvez porque sinta que os pássaros continuam a ser os melhores companheiros de qualquer estátua. Detalhes pensados por alguém que há muito deixou de temer o frio, comichões ou tensões musculares. António, de 45 anos, é estátua viva há 20. Vencedor de quatro recordes mundiais, três de imobilidade. Em 2003, alcançou o recorde mundial, em Viseu, ao manter-se imóvel durante 20 horas, 11 minutos e 36 segundos.

Já sob o olhar de 40 pessoas que o observam, na Rua Augusta, em Lisboa, com uma curiosidade que aumenta em cada gesto, António mascarra as maçãs do rosto com tinta verde. Mais turistas e transeuntes aproximam-se enquanto o "Static Man" - o único profissional, segundo diz, em Portugal - pincela as mãos e os pulsos com tinta preta, verde e dourada, como se o seu corpo fosse de bronze. Esta tarde veste-se de estátua histórica do século XV, sem nome. António sobe para o pedestal, ajeita a posição dos pés, eleva os braços e num milésimo de segundo fica estático. Os transeuntes admiram-no. " É um trabalho fantástico. Não sei como estas pessoas conseguem fazer de estátuas vivas durante tanto tempo. Parei pela curiosidade e porque é realmente muito bonito. Acho importante estas pessoas serem diferentes num mundo que quer ser tão igual", afirma Madalena, 47 anos, residente na Golegã. "Acho espectacular a maneira como ele está vestido, a expressão. Para mim tudo nele é de um artista", acrescenta Beatriz Silva, de 65 anos, residente em Oeiras.

António Santos sabe como é importante cuidar da imagem das estátuas: "O que dá mais sentido a uma estátua, no meu entender, é que ela seja toda da mesma cor. E até em termos do pensamento do espectador, ele mais rapidamente cai na ideia de estátua. Para parecer real tem de se ter um trabalho físico muito mais forte, senão, a imagem não passa."

Segredos? Não os tem, diz. O gosto por esta arte, que é o seu sustento de vida, é o suficiente: " Sou suspeito para falar. Devo ter uma capacidade inata para suportar a dor ou uma teimosia genética muito forte. Quando chego a uma cidade de qualquer país, mesmo que não pense na estátua, a minha primeira atracção e a primeira reacção é ir ver onde estão as ruas pedonais e penso logo 'Ai como aqui ficava tão bem a minha estátua!'." O ioga é um exercício a que cedo recorreu e ainda o faz para conseguir controlar o corpo : "Dois minutos depois de estar no pedestal fico num pranayama [técnica que ajuda a regular a respiração] contínuo. A base da minha concentração é a respiração completamente controlada. Dominando-a consegue-se controlar muita coisa do nosso corpo. Mas há outros truques que o ioga ensina. Por exemplo, se me der vontade de espirrar, se imaginar rapidamente um ambiente húmido, a vontade passa." Completa: "Com 45 anos julgo que estou na minha melhor forma não para bater recordes do mundo, como já fiz, mas se quiser faço aqui um espectáculo de três a quatro horas, sem intervalo, e com este frio. E no Verão, com 40 graus, se for preciso."

Usa olhos falsos que cola na pálpebra dos verdadeiros. É "uma imagem de marca", dão uma "ideia de boneco e um olhar morto". O olhar, sublinha, poderia até ser mas não é uma fraqueza: " Utilizo-os falsos por questão de pormenor. Não pretendo esconder que sou pessoa, quero é ser estátua. Pontos fracos? Acho que já não tenho nenhum. Como estátua, sinto-me mesmo um super-herói", lança com um sorriso rasgado e seguro. Nunca os fecha durante a sua performance porque faz questão de observar quem o rodeia: "O meu estado de atenção é máximo. Num ângulo de 180 graus vejo tudo o que está a passar-se à minha volta. Posso sair em pensamento mas estou sempre lá. Ao ver-me como um espectáculo, quem me vê também é como um espectáculo para mim, o que me dá muito prazer."

E se em tempos ouviu comentários como " Vai para casa, malandro!", também não esquece quando se sentiu uma verdadeira estrela na Madeira: " Fiz uma estátua e todas as pessoas da aldeia foram ver-me." No fim, parecia uma celebridade de Hollywood e até queriam a minha assinatura nas T-shirts", recorda ainda com espanto.

Ser estátua, diz, não é só uma atitude plástica. É, para António Santos, uma crítica sociopolítica: "Não é por os espectáculos serem luzidios, caros e elitistas que são melhores. A rua também pode ter grandes espectáculos - e não estou a falar de mim. Basta ir aos festivais de Aústria ou Inglaterra e ver esses artistas. Tomara muitas salas tê-los."

DN, 22-12-2007
 
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