20 fevereiro, 2008

 

Igreja


Católica




http://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Cat%C3%B3lica

http://pt.wikipedia.org/wiki/Catolicismo

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http://www.h2onews.org/index.php?lang=pt&section=

http://www.zenit.org/0?l=portuguese

Comments:
COMO A IGREJA CRIOU A EUROPA

João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Como os debates da Constituição Europeia e Tratado de Lisboa mostram, a Europa vive uma grave crise de identidade. A origem profunda está num antigo mito que o volume A Vitória da Razão (Random House, 2006; Tribuna da História, 2007) do grande sociológico da religião Rodney Stark se esforça por destroçar. O subtítulo indica-o claramente: "Como o Cristianismo gerou a liberdade, os direitos do homem, o capitalismo e o milagre económico no Ocidente."

Esta ideia não surpreende. Dado que a Europa criou os valores da sociedade moderna e é uma zona cristã, seria muito estranho não existir uma relação estreita entre esta origem e aqueles efeitos. Apesar disso é preciso afirmá--lo, porque segundo a tese comum, a Igreja manteve o continente na obscuridade e miséria durante séculos até que a emancipação, com o Humanismo e Iluminismo, permitiu a ciência, liberdade e prosperidade actuais. Esta visão, divulgada por discursos, livros de escola e tratados de História, é simplesmente falsa.

Pelo contrário, a Igreja Católica, vencendo o paganismo obscurantista e civilizando os bárbaros, foi uma poderosa força dinâmica, estabelecendo os valores de tolerância, caridade e progresso que criaram a sociedade contemporânea. A Idade Média, conhecida como "Idade das Trevas", foi uma das épocas de maior de-senvolvimento e criatividade técnica, artística e institucional da História.

Os filósofos humanistas e iluministas posteriores repetiram, em boa medida, ideias medievais. Esta tese está longe de ser original (ver, por exemplo R. Pernoud, 1979, Pour en Finir avec le Moyen Age, Ed. du Seuil; S. Jaki, 2000, The Savior of Science, William B Eerdmans Pub. Co; T. Woods, 2005, How the Catholic Church Built Western Civilization, Regnery Pub.), mas continua oculta debaixo do persistente mito.

As razões desse engano são muito curiosas. Como explica Stark, todas as ditaduras exploram o povo para criar obras grandiosas à magnificência dos tiranos. Foi assim Roma e os reinos orientais. Destroçado o despotismo com a queda do império, a Cristandade gerou um surto de criatividade prática, pois as populações não temiam a pilhagem dos ditadores. Assim as realizações da Idade Média resultaram em melhorias da vida das aldeias, não em monumentos que os renascentistas poderiam admirar. Por isso esses intelectuais posteriores, nos seus gabinetes, desprezaram uma época sem mausoléus, enquanto louvavam as tiranias de que só conheciam a arquitectura e erudição.

Os avanços conseguidos na chamada Idade das Trevas são impressionantes, todos dirigidos a melhorar a vida concreta (op. cit. c. II): ferraduras, arado, óculos, aquacultura, afolhamento trienal, chaminé, relógio, carrinho de mão, etc. A notação musical, arquitectura gótica, tintas a óleo, soneto, universidade, além das bases da ciência, a separação Igreja-Estado e a liberdade dos escravos (c. III) são também criações medievais. Em todos estes avanços, e muitos outros, têm papel decisivo mosteiros, conventos e escolas da catedral, bem como a confiança da teologia cristã no progresso, contrária à de outras culturas.

Mais influente, nos séculos XI e XII em Itália nasceu o capitalismo (c. IV), sistema que suporta o desenvolvimento, e que tantos ainda julgam ter origem oitocentista e protestante. A prosperidade mercantil e bancária então conseguida gerou verdadeiras multinacionais que promoviam a manufactura e comércio na Europa saída do feudalismo. Depois a peste negra, a guerra e os déspotas iluminados, retornando à pilhagem clássica, destruíram esse florescimento e levaram os filósofos tardios a pensar ter descoberto o que os antepassados praticavam.

Nessa reconstrução perderam-se alguns elementos centrais da versão católica inicial. Por exemplo, no século XII, "cada vez que faziam ou reviam um orçamento era criado, com algum capital da empresa, um fundo para os pobres. Estes fundos aparecem registados em nome 'do nosso bom Senhor Deus' (...) quando uma empresa era liquidada, os pobres eram sempre incluídos entre os credores" (p.167).

DN, 14-1-2008
 
Roubos em igrejas são cada vez mais frequentes

PAULO JULIÃO, Viana do Castelo
ARMÉNIO BELO

Vários templos religiosos do concelho de Paredes de Coura foram assaltados nas últimas semanas numa "vaga" que preocupa as autoridades. Ontem foi a vez da secretaria da misericórdia local.

"Tentaram forçar o cofre, onde são guardados os dinheiros do dia-a--dia e as poupanças dos idosos, mas ainda não sabemos ao certo o que levaram", explicou ao DN o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Paredes de Coura, António Pereira Júnior, que também é o presidente da câmara. O autarca diz que são assaltos cada vez mais frequentes e as pessoas já se sentem impotentes para travar esta onda", admite adiantando que apelou ao reforço do patrulhamento da GNR.

Na longa lista de assaltos mais recentes ao concelho conta-se, no último fim-de-semana, a Igreja Paroquial de Cossourado, de onde foram levadas sete imagens de santos, cujo valor é "muito elevado", garantiu ao DN o arcipreste local. "Metade das igrejas das nossas freguesias já foi assaltada nas últimas três semanas. Desde o recheio até pedras do exterior parece que tudo serve", lamentou o padre António Peixoto.

Durante o fim-de-semana foi assaltada a Capela de S. Sebastião, em Paredes de Coura, de onde levaram algumas pedras com "elevado valor arqueológico". No espaço de um mês, e ainda segundo António Peixoto, os ladrões visitaram as igrejas de Romarigães, de onde arrancaram uma porta lateral, obrigando à colocação de uma nova que custou 2000 euros, e de Rubiães, em ambos os casos apenas "de olho" nas caixinhas das esmolas. Registados estão ainda assaltos a nichos em Castanheira e em Porreiras, sendo que, neste último caso, roubaram a imagem de pedra da Nossa Senhora dos Bons Caminhos, "extremamente valiosa".

Das 21 igrejas paroquiais existentes no concelho, metade tem alarme, tendo todas a sua arte sacra devidamente inventariada.

DN, 5-3-2008
 
NOVA LISTA DE PECADOS PELO VATICANO?

Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia

Quem frequentou a catequese lembrar-se-á, ainda que vagamente, dos sete pecados capitais: soberba, inveja, gula, luxúria, ira, avareza, preguiça. Estes são os sete pecados capitais da tradição, a partir de uma lista do Papa Gregório Magno no século VI.

Durante as festas pascais, não houve jornal, rádio ou televisão que não tenha referido uma nova lista a juntar à antiga. Devo confessar que esse interesse me causou algum espanto, tendo mesmo sido tentado a pensar que poderia haver quem subtilmente, lá no íntimo, imaginasse que talvez o Vaticano tivesse descoberto alguma nova oportunidade interessante para transgredir e pecar. Ah, aquele pedido: Oh God, make me good, but not yet!

Tratou-se de um equívoco, pois o Vaticano não publicou propriamente um decreto com uma nova lista de pecados capitais. Mas, por outro lado, na base do alarido, está uma chamada de atenção para questões complexas e graves que não podem de modo nenhum passar despercebidas.

O que é que se passou na realidade?

O Osservatore Romano, jornal oficioso do Vaticano, publicou, no passado dia 9 de Março, uma peça do jornalista Nicola Gori, com o título "As Novas Formas do Pecado Social", a partir de uma entrevista com mons. Gianfranco Girotti, bispo do tribunal da Penitenciária Apostólica, organismo da Santa Sé.

Nicola Gori perguntou ao bispo quais eram os novos pecados em tempos de globalização. Mons. Girotti, depois de lembrar que o pecado "é sempre a violação da aliança com Deus e os irmãos", respondeu que há várias áreas dentro das quais deparamos hoje com atitudes pecaminosas referentes aos direitos individuais e sociais.

E enumerou-as: "Antes de mais, a área da bioética, dentro da qual não podemos não denunciar algumas violações dos direitos fundamentais da natureza humana, através de experiências, manipulações genéticas, cujos êxitos são difíceis de vislumbrar e ter sob controlo. Outra área, propriamente social, é a área da droga, com a qual a psique enfraquece e se obscurece a inteligência, deixando muitos jovens fora do circuito eclesial. Mais: a área das desigualdades sociais e económicas, nas quais os mais pobres se tornam cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos, alimentando uma injustiça social insustentável. E a área da ecologia, que reveste actualmente um interesse relevante."

Foi a partir daqui que houve quem pretendesse poder elaborar uma lista de novos sete pecados capitais, segundo esta denominação ou semelhante: as violações genéticas; as experiências moralmente discutíveis, como a investigação em células estaminais embrionárias; a toxicodependência; a contaminação do meio ambiente; contribuir para cavar mais fundo o abismo entre os ricos e os pobres; a riqueza excessiva; gerar pobreza.

Embora a lista não exista enquanto tal, é necessário reconhecer que se não pode de modo nenhum ignorar que estas quatro áreas - a área biológica, com as violações genéticas; a área ecológica, com a poluição ambiental; a área da droga, com o risco da toxicodependência; a área das desigualdades sociais, com desequilíbrios socioeconómicos que bradam aos céus - são domínios nos quais existe o perigo real de ferir gravemente a dignidade humana e, nesse sentido, para os crentes, violar a aliança com Deus, pecando.

O que é, de facto, o pecado? Mais uma vez, segundo o catecismo, é a transgressão voluntária da Lei de Deus. Mas, aqui, é preciso perguntar: algo é bom porque Deus o manda ou Deus manda-o porque é bom para o ser humano? Algo é mau porque Deus o proíbe ou proíbe-o porque é mau para o ser humano?

O crente reflexivo sabe da autonomia moral e, assim, sabe que só é proibido por Deus o que prejudica o ser humano e só é mandado o que o dignifica e engrandece. O critério dos mandamentos de Deus é o Homem vivo e a sua realização.

Assim, no quadro da ética do cuidado e do princípio da precaução, quem não verá a urgência de reflectir sobre novas situações pecaminosas, como violações genéticas, poluição ecológica, toxicodependência, um mundo estruturalmente injusto?

DN, 29-3-2008
 
Hierarquia católica reelege linha dura

JACINTA ROMÃO
NUNO BRITES

No dia em se "falava" do seu afastamento da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga, a primeira figura da Igreja Católica Portuguesa nos últimos três anos, foi reeleito pelos seus pares para mais um triénio na presidência da instituição, logo no primeiro dia de trabalhos da Assembleia Plenária da CEP que decorre até sexta- -feira em Fátima.

A perder terá ficado o Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo - presidente da CEP nos mandatos anteriores - tido como homem da Igreja Católica com maior capacidade de manobra junto do poder político e cuja eleição era esperada por uma boa parte dos prelados. D. Jorge, no seu consulado de três anos, tem vindo a "afrontar" decisões do Governo de forma muito mais directa do que fizera o seu antecessor. Também no seio da própria Igreja, os campos em que ambos se movem e as opções em termos de projecto "político-religioso", tal como os apoios que granjeiam entre os bispos, costumam ser diversos, ou pelo menos seguem caminhos diferentes.

Numa assembleia de 29 votantes, 16 optaram por manter, à segunda volta, o actual presidente na votação que decorreu logo a seguir à abertura dos trabalhos. Acompanha D. Jorge Ortiga o bispo de Leiria/Fátima, como vice-presidente, D. António Marto, eleito à terceira volta. Para secretário e porta-voz foi eleito um sacerdote que não estava presente, cujo nome será anunciado nos próximos dias. No lugar deste mantém-se, interinamente, até Setembro, o actual bispo auxiliar de Lisboa, D. Carlos Azevedo.

Confrontado com as notícias dos últimos dias, que apontavam a sua vontade de abandonar o cargo, o prelado afirmou que nunca deu tal indicação e que "como está disponível e o elegeram, irá cumprir o novo mandato". O contrário é que seria uma novidade, em termos de presidência da CEP, porque, por norma, os representantes são reeleitos.

Na nota de abertura da assembleia, o arcebispo usou um registo de discurso extremamente incisivo, como é seu hábito. Disse que existe "uma exclusão da presença católica dos ambientes públicos e políticos", "inaceitável num Estado democrático" (ver texto ao lado). Mais: considera que estas são "atitudes em tudo contrárias aos princípios da liberdade ou da simples tolerância numa efectiva democracia para todos", a qual afirma que "deve ser respeitadora de uma diversidade de pensamento".

Perante o cenário que descreve, exorta os católicos "a encetar acções tendentes a mostrar que nunca vão abdicar dos seus princípios". Precisam, disse, de "acordar" para passarem a ter "maior responsabilidade socio-política". E invoca a celebração do centenário da implantação da República, em 1910, insinuando um paralelismo entre essa época e a actual em relação à situação dos prelados católicos. "Não nos preparando para celebrar um centenário, queremos evocar para reconhecer que os acontecimentos adversos suscitaram coerência e fidelidade. Importante foi o testemunho que classifico de comunitário, ou seja, de interpretação conjunta duma resposta de todos e de cada um perante uma nova situação", explicou.

DN, 1-4-2008
 
Uma Igreja em confronto crescente com o Governo socialista

FERNANDA CÂNCIO

"O Estado democrático não pode ser militantemente ateu e deixar de reconhecer, respeitar e procurar satisfazer a opção dos cidadãos a quem proporciona as condições necessárias para viver a sua religião, respeitando as outras crenças".Estas palavras do arcebispo de Braga e renovado presidente da Conferência Episcopal (CEP), Jorge Ortiga, na abertura dos trabalhos da assembleia geral da dita, ontem, dão o tom da actual postura da hierarquia católica em relação ao executivo socialista. Será porventura a mencionada "militância ateia" a causar a " incrível exclusão da presença católica dos ambientes públicos e políticos" que o bispo diz "presenciar".

Um discurso que surge na sequência das várias intervenções públicas recentes do porta-voz da CEP, bispo Carlos Azevedo, que na semana passada, a propósito do anúncio pelo grupo parlamentar do PS da intenção de acabar com o divórcio litigioso, veio falar de "uma postura de afrontamento" e de "ataque" por parte dos socialistas, chegando a sugerir ao primeiro-ministro que controle as suas hostes. "Há forças dentro do Governo que têm uma postura de ataque à Igreja Católica e penso que falta, da parte do primeiro-ministro, uma vigilância coordenadora de actos e medidas avulsas que ferem e atingem quem anda há muito a servir a população", disse ao Público este dignitário eclesiástico, que qualifica a proposta do PS em relação ao divórcio como "facilitista", agregando, nos ditos "ataques", "o aborto", "os atrasos na regulamentação da Concordata" e "a intenção declarada de pôr fim à assistência espiritual e religiosa nos hospitais", que qualifica como "actos avulsos e isolados, que, somados, ferem e atingem quem quer servir a população".

Escola 'versus' ATL

A estes devem somar-se ainda, de acordo com uma entrevista concedida pelo mesmo bispo à TSF na Páscoa, o prolongamento dos horários das escolas públicas, que, diz, prejudicam os ATL propriedade da Igreja. Para o bispo, o Governo deve então ter em conta, ao decidir a forma como os equipamentos públicos devem servir a população, os interesses dos privados - neste caso, a Igreja Católica. "Como é, vamos ter de fechar e despedir as pessoas?", pergunta Carlos Azevedo. O bispo afirma mesmo que "o Estado tem a obrigação de reconhecer o papel social da Igreja e de o promover do mesmo modo que promove o desporto, ao apoiar a construção de estádios".

Divórcio e aborto

As queixas da hierarquia católica em relação ao Governo parecem pois variadas, e nem todas fáceis de enquadrar na relação Estado-confissão religiosa. Comecemos pela mais recente irritação dos prelados, o divórcio do casamento civil. A Igreja Católica, recorde-se, não reconhece o casamento civil - e muito menos o respectivo divórcio. Só reconhece uma forma de casamento, o canónico, que, como é sabido, só pode ser dissolvido em circunstâncias muito especiais. Este facto permitiu, a título de exemplo, que Letízia Ortiz fosse casada pela Igreja com o príncipe Felipe de Espanha, em Maio de 2004, apesar de ser divorciada pelo civil.

Por outro lado, o aborto, ou seja, a lei que o permite a pedido da mulher até às dez semanas é resultado de um referendo que o próprio Carlos Azevedo reconhece, numa entrevista ontem transmitida na RTP2, obrigar à constatação de que " o sistema de valores que consideramos como o nosso corpo doutrinal não é aquele que a maioria da sociedade portuguesa assume".

Media católicos

Outra questão suscitada foi a da proposta do Governo socialista sobre os limites à concentração da titularidade nas empresas de comunicação social, que foi apresentada publicamente por vários responsáveis católicos como tendo por objectivo"atacar os meios de comunicação social da Igreja".

Impostos

Entre as matérias que têm a ver com a regulamentação da concordata assinada em 2004, está a matéria dos impostos. Antes da novo acordo entre Portugal e o Vaticano, os sacerdotes não pagavam impostos. Nem segurança social (aliás, continuam a ter um estatuto especial nessa matéria). O novo texto acabou com essa isenção, mas há na hierarquia quem defenda que, enquanto não houver regulamentação, os sacerdotes continuam isentos e os bancos não deveriam cobrar impostos sobre os juros dos depósitos das instituições católicas. As capelanias católicas nas estruturas de segregação (hospitais, prisões e forças armadas e militarizadas) são outro motivo de zanga.

DN, 1-4-2008
 
UMA RELIGIÃO EM CRISE E OUTRA EM ASCENSÃO

ABEL COELHO DE MORAIS

Quando "a fé é reduzida a um sistema de convicções e acções estranhas que, para alguns, surgem como distantes das necessidades e ansiedade da vida diária" é esta "realidade que fornece ao secularismo militante um alvo fácil", declarou o antigo primeiro-ministro Tony Blair numa intervenção, quinta-feira à noite em Westminster, sobre o lugar da religião e da fé no mundo contemporâneo.

Para Blair, que dirige hoje uma fundação vocacionada para a cooperação inter-religiosa no combate a problemas globais, como a pobreza, outro risco que aflige as religiões é o "extremismo" - de que "nenhum está livre", como acentuou - ou a sua transformação num instrumento o de "exclusão". Perigos que chamam a atenção para uma realidade que atravessa as principais religiões e se manifesta nas sociedades que influenciam.

Numa era de "rápida globalização", o mundo "vai ser muito mais pobre, mais perigoso, mais frágil e, principalmente, sem direcção - isto é, o necessário sentido de propósito" que resulta "de uma forte dimensão espiritual". Este diagnóstico de Blair traduz, de modo indirecto, a alteração de equilíbrios de forças e a tensão que se manifesta em duas das principais religiões mundiais: catolicismo e islamismo. Com o primeiro a apresentar um recuo na sua dimensão mundial resultante, em certa medida, de algumas das situações diagnosticadas pelo antigo governante britânico.

O facto de que há mais crentes muçulmanos do que crentes católicos no mundo, revelado na apresentação da mais recente edição do Anuário Pontifício - 19,2% da população mundial para os primeiros e 17,4% para os segundos - espelha o peso daqueles factores na sociedades ocidentais.

As razões são de ordem demográfica, social, política e religiosa. Assim, enquanto as taxas de natalidade no Ocidente se situam em valores mínimos, nas sociedades islâmicas mantêm valores elevados e o número de filhos por família permanece elevado. A poligamia tolerada em certas sociedades acentua esta tendência.

Na vertente política, enquanto o Estado na Europa e Américas mantém uma posição distante ou neutral perante as questões de fé, nos Estados muçulmanos estes assumem uma posição confessional. Por último, embora ambas as religiões sustentem uma atitude de proselitismo activo, as perseguições e interdições na maioria dos Estados muçulmanos, associada à pressão social, dificulta o processo de conversões, enquanto no Ocidente se manifesta uma crise de vocações de longa duração e uma menor atenção aos sinais públicos da fé e à liturgia, além de novas formas de ligação religiosa.

Figuras do mundo islâmico entendem que o crescimento de fiéis se deve, em especial no Ocidente, à procura de uma espiritualidade relegada para plano secundário nas sociedades contemporâneas. Alguns observadores consideram que o crescimento do islão no mundo assenta em elevadas percentagens de conversão e numa adesão mais activa a esta religião. Alguns vão mais longe e defendem que, de facto, o islão pode ser já a primeira religião mundial em termos absolutos. O argumento é que faixas significativas de crentes, quer na Ásia quer em África (continente que regista uma elevada taxa de penetração do islão) vive em áreas subdesenvolvidas e de difícil acesso, não sendo registada em qualquer tipo de recenseamento.

Mas sob a aparente rivalidade de duas das principais "religiões do Livro", como recordou Blair, o importante é que estas não sejam factores de extremismo e de exclusão.

DN, 5-4-2008
 
A IGREJA DIVORCIADA

Baptista-Bastos
escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

A Igreja anda sobressaltada com o mundo moderno. As rupturas sociais, que têm posto em causa os princípios da transitividade e, portanto, da reciprocidade, decorrem, substancialmente, da nova ordem económica. Agora, parece que a Igreja deu pela coisa. E o Papa acrescenta, aos conhecidos pecados capitais, mais alguns, entre eles o do neoliberalismo. Não tem pouca importância, a acusação. Mas as habituais evasivas e ambiguidades, no discurso vaticano, continuam a enredar-se em contradições e em meros efeitos verbais. Assim, as condenações têm poucas probabilidades de se traduzir no bem comum. É a vocação para o absurdo.

A larga panóplia dos direitos humanos está seriamente avariada. Um pouco por todo o lado invoca-se a necessidade de os defender, e um pouco por todo o lado esses direitos são recusados, com extrema violência. O direito ao amor, como acto de fusão e sentimento de predilecção e de empenho, foi abalado. O casal já não reflecte esse particularismo de pertença mútua que constituiu um grau elevado de aceitação cultural. Outras formas de união foram descobertas e admitidas. Há uma nova responsabilidade crítica de cada um em relação ao outro. Mas também este comportamento está comprometido pela agressividade de um sistema económico que corrói a natureza da própria sociedade humana.

Estas considerações levam-me a admitir, com simpatia, a redefinição do contrato matrimonial e a simplificação do processo de divórcio contidos no anteprojecto do Governo. A construção social também depende de decisões deste tomo. Não há nenhuma razão moral ou política para se manter o divórcio litigioso. O absurdo chega a ser abstruso: como se pode defender a manutenção de um casamento quando uma das partes o não deseja, pelas razões mais ponderosas, uma das quais, acaso, porque ama outra pessoa?

O propósito governamental é prudente e até ameno. Ao fazer prevalecer um dos direitos fundamentais da pessoa, suscita a reflexão crítica que combate o nocivo relativismo cultural. A Igreja parece possuir uma interpretação sacrificial do matrimónio e exige a obrigatoriedade do sofrimento. A "culpa", como estigma religioso, é substituída pela legitimidade que a liberdade individual exige e justifica. Os bispos contrariam a redefinição do contrato conjugal porque nele antevêem a enunciação de outros contratos, ordenados em torno de vários pólos. Mas o processo é irreversível.

A alteração das normas e o império do económico sobre o político estabeleceram novas relações de força. E a Igreja devia, talvez, condenar mais as causas do que se preocupar com os efeitos. Mas a Igreja está divorciada dessas minudências temporais. Entre a palavra revelada e a procurada, escolheu sempre a primeira.

DN, 9-4-2008
 
"É preciso fomentar o respeito à Igreja Católica"

FERNANDA CÂNCIO

Braga da Cruz, REITOR DA UNIVERSIDADE CATÓLICA

Falou, nas jornadas parlamentares do PP, de um agravamento de relações entre Igreja Católica (IC) e o Estado português. A que se refere?

Tem havido nos últimos tempos várias manifestações de opinião por parte de membros da hierarquia católica em relação à necessidade de regulamentação da Concordata.

Em que é que a IC se sente prejudicada?

A ausência de regulamentação dá azo às mais diversas interpretações da Concordata, nem sempre respeitadoras do articulado da mesma. Há referências a diversas e contraditórias interpretações de várias matérias, como sejam a fiscalidade, a assistência religiosa, o ensino religioso nas escolas e a própria assistência social.

Fiscalidade? Por exemplo?

Desde logo e em primeiro lugar a clarificação dos fins religiosos das actividades que estão isentas. Há disparidade de entendimentos daquilo que constitui actividade de fim religioso e actividade que o não tem.

Têm surgido nos media protestos sobre o pagamento de impostos pelos sacerdotes. Alega-se que não deveriam ser taxados antes da regulamentação da Concordata. Mas aquando da assinatura desta ficou claro que os sacerdotes iam passar a pagar impostos. Não se parte do princípio da igualdade, de que pagam como qualquer pessoa?

Não, é preciso clarificar tudo isso... É preciso clarificar essas questões. Tenho conhecimento, por exemplo, do taxar dos depósitos relativos às dádivas dos peregrinos de Fátima, que dão para fins religiosos. Isso é objecto de controvérsia.

Fala da assistência religiosa. Mas esta funciona de acordo com a antiga Concordata, que dá o monopólio da assistência religiosa à IC. Qual o prejuízo?

Há nomeações de capelães que não estão a ser feitas e surgiram projectos regulamentares que não respeitam a livre prestação de assistência religiosa, porque impõem condições dificultadoras da sua prestação.

Dificultam porquê?

Não vejo interesse em esmiuçar mais isto. A maior parte destes problemas resolve-se com diálogo, com respeito mútuo.

E não há respeito à IC, é isso?

É preciso fomentar.

O dirigente do PS Vera Jardim, autor da Lei da Liberdade Religiosa, acusou-o de estar a prejudicar o clima de diálogo entre IC e Governo.

Não comento, respeito.

Quando diz que a comemoração da República serve para a comemoração de políticas de perseguição à Igreja, fala em nome de quem?

A República abriu, infelizmente, uma grave questão religiosa no País.

DN, 18-4-2008
 
Os católicos que moldam a América

HELENA TECEDEIRO

John Roberts, Anthony Kennedy, Antonin Scalia, Clarence Thomas e Samuel Alito. Os representantes de uma religião a que pertencem apenas um quarto dos americanos têm nas mãos o destino do país. Uma prova de que longe vão os tempos em que ser católico significava o fim da carreira nos Estados Unidos
Ser católico já foi um problema nos Estados Unidos. Recorde-se Al Smith, o candidato democrata às presidenciais de 1928 que viu as suas aspirações travadas devido à religião. Ou John Kennedy, que em 1960 chegou à Casa Branca, mas não sem ser acusado de estar "ao serviço do Vaticano". Nos últimos anos, as coisas parecem, contudo, ter mudado. Em 2004, ninguém pareceu interessado em saber se o senador John Kerry ia à missa aos domingos e a sua fé pouca ou nenhuma importância terá tido na sua derrota contra George W. Bush. Prova de que os católicos deixaram de ser uma minoria perseguida para se tornarem numa força desejada pela direita devido às suas posições conservadoras é que cinco dos nove juízes do Supremo Tribunal, a mais alta instância judicial dos EUA, pertencem a essa religião.

"No mínimo, é uma vitória sobre um preconceito histórico", disse ao Washington Post Cathleen Kaveny, professora de Teologia na Universidade de Notre Dame quando Samuel Alito se juntou a John Roberts, Anthony Kennedy, Antonin Scalia e Clarence Thomas no Supremo, no início de 2006.

A verdade é que se os católicos (um quarto da população americana) eram tradicionalmente democratas, nos últimos anos têm-se virado cada vez mais para os republicanos com quem partilham ideais conservadores, como a defesa da família, a oposição ao aborto ou aos casamentos entre homossexuais. Nas presidenciais de 2004, por exemplo, a maioria do voto católico foi para o republicano George W. Bush. Esta aproximação talvez explique que os cinco juízes católicos do Supremo tenham sido nomeados por presidentes republicanos - Roberts e Alito por Bush filho, Thomas por Bush pai, Kennedy e Scalia por Reagan.

Apesar de os católicos dominarem o Supremo, pode ser precipitado falar em "maioria católica", uma vez que os magistrados nem sempre estão de acordo. Kennedy, por exemplo, é moderado no que se refere ao aborto (assunto para o qual defende o direito da mulher à escolha), o que enfurece Scalia, que quer ver a decisão tomada pelos estados. E nem sempre as decisões dos juízes católicos coincidem com os valores do Vaticano. Há dias, os cinco magistrados católicos aprovaram uma decisão que validou o recurso à injecção letal nas execuções. Uma medida que abriu as portas aos estados para retomarem a pena de morte, condenada pela Igreja Católica.

Durante 150 anos - de 1836 a 1986 - o Supremo teve apenas um juiz católico a servir de cada vez. Hoje, esses tempos do "Assento Católico" parem ultrapassados.

DN, 19-4-2008
 
O MERCADO DAS ALMAS

Álvaro Santos Pereira
professor da Universidade de York

Actualmente, a Igreja Católica enfrenta três grandes problemas. O primeiro é a concorrência das outras igrejas cristãs e fés, que tem diminuído significativamente a influência da Igreja Católica. Para os crentes, a competição entre igrejas é boa, pois têm mais escolha e o "preço" da salvação diminui (por exemplo, se antigamente não ir à missa era considerado um pecado mortal, hoje em dia tal omissão é bem menos grave). Mas, para a Igreja Católica, maior concorrência significa o fim do seu tradicional monopólio no mercado das almas. A Igreja já não é a única a determinar o "preço" da salvação.

Em segundo lugar, a Igreja Católica sofre de uma crise de vocações. Há cada vez menos jovens dispostos a tornar-se padres, o que envelhece a Igreja e torna-a mais conservadora. Porquê? Porque o preço do sacerdócio é demasiado elevado. Ser- -se padre na Igreja Católica implica uma série de sacrifícios, incluindo um celibato que não é exigido por outras igrejas cristãs. Enquanto a Igreja tinha o monopólio do mercado das almas cristãs não havia problema: o preço do sacerdócio podia ser alto, mas a quantidade de padres era assegurada pela falta de concorrência. A competição com outras igrejas cristãs acabou com isso: um jovem pode tornar-se num padre cristão mas casar-se na mesma. O que fazer? A Igreja Católica tem de baixar o preço do sacerdócio, quer acabando com o celibato quer abrindo a vocação sacerdotal às mulheres.

Finalmente, existe o problema do menor número de almas disponíveis. Em parte, esta redução do número de fiéis deve-se à crescente concorrência das outras igrejas e ao aumento do secularismo. Porém, este problema é igualmente interno. A verdade é que a Igreja Católica padece de um crónico problema de competitividade. Ora, o que é que se aconselha às economias com problemas de competitividade? Cortar os custos, aumentar a atractividade dos bens e serviços produzidos e reestruturar. É exactamente isso que deve fazer a Igreja Católica: diminuir o preço do sacerdócio (i.e., acabar com o celibato e o monopólio masculino), melhorar o marketing das vocações, e reestruturar a hierarquia da Igreja, tornando-a mais atractiva. Ou seja, se quiser aumentar a sua influência no mundo, a Igreja Católica tem de ser mais sexy, mais atraente e mais aprazível quer para os fiéis quer para os próprios potenciais sacerdotes. Só assim é que a Igreja Católica poderá tornar-se mais competitiva. Só assim é que a Igreja Católica irá novamente restabelecer o seu domínio no mercado das almas cristãs.

DN, 26-4-2008
 
A IGREJA CATÓLICA E A MODA DO PERDÃO

João Miguel Tavares
Jornalista
jmtavares@dn.pt

A Igreja Católica rendeu-se à moda do perdão. Perdão aos muçulmanos, perdão aos judeus, perdão a Galileu, perdão a todos os que foram ofendidos nos últimos 20 séculos, perdão a tudo o que mexe e, sobretudo, perdão aos que já não mexem. A humildade fica sempre bem e está de acordo com metade da mensagem de Jesus: pedir desculpa e desculpar os outros. Só que - parte chata - o homem continuou a falar, e é na outra metade que mora a verdadeira ética cristã. Alguém se lembra da história da mulher adúltera? "Vai, e de agora em diante não tornes a pecar", diz-lhe Jesus. O pedido de perdão e o reconhecimento do erro só têm valor se a partir daí houver mudanças na nossa vida. Ora, a Igreja Católica pede perdão com muita facilidade, mas tem muita dificuldade em emendar-se. E é por isso que o encontro de Bento XVI com vítimas da pedofilia nos Estados Unidos não me impressiona por aí além. Pode ser bonito - lá saiu mais um perdão, agora para os abusados de Boston - mas não muda coisa nenhuma.

A dimensão da pedofilia no seio da Igreja Católica americana atingiu uma dimensão impensável, envolvendo mais de quatro mil padres, cerca de 4% de todo o clero. No total, foram pagos dois mil milhões de dólares em indemnizações. Dois mil milhões de dólares. Imaginem um católico a pôr uma moedinha no cofre da igreja cheio de vontade de ajudar os pobres e depois ver esse dinheiro ser desviado para o bolso de uma das 13 mil vítimas que foram abusadas por padres em criança. Mais do que isso: as violações por parte de sacerdotes foram abafadas pela hierarquia católica, com variadíssimos bispos (e pelo menos um cardeal) envolvidos na estratégia de silenciamento, optando por proteger os abusadores durante décadas e décadas.

Vale a pena pedir desculpa por uma coisa destas? É sequer possível perdoar? Bento XVI acha que sim. Só que, como várias vítimas reclamaram, o que se pede são actos e não palavras. Existem reivindicações concretas, que passam pela mudança das leis canónicas, mas existe um problema global, relacionado com a forma como a estrutura da Igreja convida ao silêncio e à submissão e, sobretudo, como ela entende a sexualidade. Esta é uma conversa antiga, que habitualmente se esgota na questão do preservativo. Mas a obrigatoriedade do celibato não é menos perniciosa. Seria certamente injusto fazer uma ligação directa entre o celibato e a pedofilia, tanto mais que há estudos sobre o assunto (poucos) que indiciam que as diferenças nas percentagens de sacerdotes católicos e protestantes envolvidos em abusos não é significativa. Mas mais de quatro mil padres pedófilos não pode ser uma simples coincidência. É preciso reflectir. Encontrar causas. Mudar tudo. A Igreja pode pedir os perdões que quiser, mas enquanto não olhar realmente para dentro de si são apenas palavras vãs. Mesmo que saiam da boca de um papa.

DN, 29-4-2008
 
UM DILEMA CRUEL NA MANHÃ DE DOMINGO

Jorge Fiel
redactor principal

Não sou crente. Fui baptizado, andei na catequese e até fiz as duas comunhões. Ser desafinado vedou-me a hipótese de ser um menino de coro. Mas podia ter feito carreira como acólito não fosse o azar que sublinhou a primeira e única vez que ajudei à missa. Estraguei a solenidade da celebração ao substituir um toque solitário e austero por um alegre e profano toque do campainha.

Nunca saberei a importância deste incidente - que atribuo à conjugação do nervosismo da primeira vez com o papel pernicioso desempenhado por umas mangas excessivamente largas e compridas da veste que atrapalharam o controlo da campainha pela minha mão direita - no meu afastamento dos caminhos da Igreja.

Vem este registo de interesses na coisa religiosa a propósito de a Igreja Católica se ter constituído parte interessada na questão da abertura dos hipermercados aos domingos à tarde, uma das querelas terrenas que preenchem a nossa agenda política.

Com o enorme peso que a Igreja empresta à sua palavra, D. António Marto manifestou-se contra a liberalização dos horários das superfícies comerciais com áreas superiores a dois mil metros quadrados, impedidas de abrir nas tardes de domingo num dos actos fundadores do guterrismo .

(Guterres deixou cair o ministro Daniel Bessa, uma das estrelas dos Estados Gerais que o levaram ao poder, para poder dar esta piscadela de olho às retrógadas associações de pequenos comerciantes.)

"O domingo é um dia de interioridade para Deus, para consigo mesmo, para o repouso e para a família", argumenta o bispo de Leiria-Fátima, fundamentando a sua oposição à liberalização dos horários.

Esta posição da Igreja não é muito consequente. O facto de os hiper fecharem ao domingo à tarde só pode estar a contribuir para afastar da missa os fiéis que trabalham durante a semana e têm de aproveitar o Dia do Senhor para irem às compras.

Como é hábito português ir pela manhã à missa dominical, a manutenção dos hiper fechados à tarde eterniza um dilema cruel; usar a manhã de domingo para alimentar o espírito, na igreja, ou para abastecer a dispensa e o frigorifico, nas novas catedrais do consumo?

Acresce que para ser consequente na defesa de um domingo consagrado à interioridade, para Deus e para connosco, D. António Marto ganharia em ir mais longe nas suas propostas, por forma a possibilitar que as dezenas de milhares de portugueses que trabalham nesse dia (lixeiros, médicos, enfermeiros, empregados de mesa, motoristas de transportes públicos, funcionários dos museus, jornalistas, etc.) deixassem de ser obrigados a fazê-lo e pudessem consagrar esse dia ao repouso e à família.

Por todas estas razões, não me parece razoável que a Igreja se imiscua na questão dos horários dos hipers aos domingos. Nem a Igreja, nem tão pouco os pequenos comerciantes que teimam em praticar horários que só são convenientes para eles - e não para a sua clientela .

Na verdade, se os hipermercados forem autorizados a abrir ao domingo à tarde, os únicos prejudicados serão as cadeias de supermercados (Pingo Doce, Lidl, Minipreço, Supercor, etc.) que têm vivido sem concorrência dos hipers nesse horário. Mas esses, curiosamente, têm estado calados..

DN, 4-5-2008
 
HOSTILIDADE ASSUMIDA

João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Fala-se muito de uma hostilidade do Governo à Igreja. Não há real perseguição, mas sinais que alguns assim interpretam. O Ministério da Educação estrangula os colégios, ASAE e Segurança Social assediam creches e obras paroquiais, restringem-se os capelães, não se regulamenta a nova Concordata. Como tudo isto é feito sob capa formal e declarações pacificadoras, pode ter uma interpretação neutra. Agora porém é oficial: há mesmo um menosprezo pela fé católica.

No preâmbulo do Projecto de Lei n.º 509/X, sobre as "alterações ao Regime Jurídico do Divórcio", já apresentado e aprovado, o PS assume-o explicitamente: "O que está em causa não é necessariamente o abandono das referências religiosas, mas antes uma retracção destas para esferas mais íntimas e assumindo dimensões menos consequenciais em outros aspectos da vida."

Imaginem os senhores deputados que um dia se aprovava uma lei onde se dizia não estar em causa o abandono do PS, mas uma retracção dele para "esferas mais íntimas" e "dimensões menos consequenciais na vida". Ficariam os socialistas contentes com essa retracção para esferas íntimas? Aceitariam ser menos consequenciais na vida? Não interpretariam essa lei como uma forma de ataque e perseguição? É razoável os cristãos acharem o mesmo agora. E não se diga que não é a mesma coisa porque, se há diferenças, é que a religião é mais abrangente e influente que a ideologia.

O diploma apresenta duas motivações para essa atitude. A primeira é realista, constatando "três grandes movimentos que foram ocorrendo no decurso do século XX (...) sentimentalização, individualização e secularização". Se a sociedade é assim, que se há-de fazer? Mas essa justificação, aparentemente objectiva, é muito fraca. A lei agora apresentada não fica justificada pela evolução da realidade, mas pela interpretação política dessa evolução. No mesmo período verificaram-se muitas outras tendências sociais, como o aumento da droga, solidão e criminalidade. Será que, por serem movimentos reais e observáveis, são inevitáveis e devem ter leis que os promovam? A diferença entre eles é que a ideologia do Governo aprova os primeiros mas reprova os segundos. O PS acha que o divórcio deve ser facilitado e a droga combatida.

A coisa é ainda mais grave porquanto as análises científicas sérias mostram claramente que o divórcio e a degradação da família, causados pelas ditas sentimentalização, individualização e secularização, estão entre as principais causas do aumento da droga, solidão e crime. A lei promove aquilo que quer combater.

A outra justificação do texto é histórica. O referido preâmbulo, além de invocar pergaminhos científicos, também se arvora em juiz do passado. Em particular, "o projecto de lei que se apresenta pretende retomar o espírito renovador, aberto e moderno que marcou há quase cem anos a I República". É preciso coragem para alguém se apresentar hoje como herdeiro da I República, o maior desastre socioeconómico da história recente de Portugal. Que, além disso, criou a maior perseguição à Igreja desde Abd ar-Rahman II (emir de 822 a 852). Não há dúvida que, a um ano de eleições, o PS se arrisca bastante ao retomar esse suposto espírito "renovador, aberto e moderno".

Deve dizer-se que ao fazê-lo, se viola o espírito do 25 de Abril. Uma das principais diferenças entre as revoluções de 1910 e 1974, entre Afonso Costa e Mário Soares, é precisamente a hostilidade à Igreja, que o bem sucedido regime democrático actual recusou. Parece que Sócrates, esquecendo isso, está a ser forçado a preferir a maçonaria à democracia.

Esta hostilidade, agora franca e aberta, é boa para a fé. Uma perseguição faz sempre muito bem à Igreja, purificando-a e renovando-a. O problema está no que entretanto sofrem as crianças das escolas e creches, os idosos do centros de dia e obras sociais. Os serviços estatais, apesar das suas tendências totalitárias, nunca conseguem substituir as paróquias. Uma perseguição à Igreja, mesmo envergonhada, acaba sempre por prejudicar os pobres.

DN, 5-5-2008
 
Católicos são 17% no mundo

O número de católicos no mundo
permanece estável, mas aumenta
no continente americano.
Este é um entre muitos dados avançados pela publicação do Anuário Estatístico da Igreja, da responsabilidade da Livraria Editora Vaticana.
A publicação incide sobre os principais aspectos que caracterizam a acção da Igreja Católica nos diversos países, no período 2000-2006.
Segundo o Anuário, nos seis anos a
que se refere, a presença de católicos no mundo mantém-se estável, rondando cerca de 17,3% da população mundial.
Apesar de a Europa contar com 25%
da comunidade católica mundial, o
seu crescimento é inferior a 1%.
Na América e na Oceânia, os baptizados cresceram, respectivamente, 8,4% e 7,6%, enquanto o continente asiático se mantém estável em 2006 quanto à proporção de fi éis sobre o total da população.
Em África, com um crescimento
duas vezes superior ao dos países
asiáticos, o número de baptizados
passou de 130 milhões, em 2000, a
158,3 milhões, em 2006.
O número de bispos no mundo cresceu
de 4.541, em 2000 para 4.898
em 2006, com um aumento de 7,86%. A população sacerdotal, tanto
diocesana como religiosa, mostra
ligeiro crescimento.

RRP1, 30-5-2008
 
Maioria dos católicos de Lisboa tem Bíblia em casa mas não a lê

RITA CARVALHO

Religião. Estudo sobre hábitos na diocese traz algumas boas notícias mas muitos sinais de preocupação

Católicos de Lisboa têm ainda pouca adesão aos movimentos da Igreja

Quase todos os católicos "praticantes" da diocese de Lisboa possuem uma Bíblia em casa, embora a maioria não lhe dê uma utilização regular. Têm também uma fraca participação nas actividades paroquiais e nos movimentos da Igreja Católica, mas, quando o fazem, esse distanciamento das Escrituras é encurtado.

Um retrato da diocese que demonstra alguns sinais preocupantes e outros positivos, e que foram ontem revelados por um estudo levado a cabo pelo Patriarcado de Lisboa. Para D. José Policarpo, os sinais não são para ignorar, mas ainda é cedo para perceber quais as medidas a tomar.

O inquérito foi solicitado pela Santa Sé, como preparação do próximo sínodo dos bispos que, em Outubro, reflectirá sobre a importância da "palavra de Deus na vida e na missão da Igreja". Após a análise da realidade das paróquias e depois de publicada a exortação final feita por Roma é que serão definidas as linhas- -mestras, explicou o bispo de Lisboa.

Mas, para já, o patriarca fala na necessidade de ensinar os católicos a rezar com a Bíblia e de criar mais espaços e oportunidades para os crentes, em grupo, contactarem com a sagrada escritura. Apesar de reconhecer que não são de fácil percepção, os livros da Bíblia podem ser mais apreensíveis se a leitura for orientada, como já acontece nalguns grupos.

"A palavra de Deus tem como primeiro efeito gerar comunhão entre a pessoa e Deus. Isso faz-se com atitude interior mas também como uma pedagogia adaptada", sublinhou.

D. José Policarpo insistiu também na necessidade de preparar melhor os leitores que proclamam a palavra nas celebrações. E reconheceu que as homilias, espaço que devia ser utilizado para explicação das leituras, "nem sempre ajuda e muitas vezes as pessoas esperam apenas que passe".

Hábitos domésticos

Em casa, 88% dos católicos inquiridos por este estudo (que representam apenas 4% dos participantes habituais nas celebrações) afirmaram possuir ou ter acesso à Bíblia. Um dado positivo que reflecte a importância dada à palavra, mas que revela preocupações quando se percebe que 30% nunca a lê sozinho ou a lê apenas até duas vezes por ano, explicou Paulo Franco, coordenador do Secretariado de Acção Pastoral.

O patriarca de Lisboa sublinhou também que estes sinais confirmam a sua percepção de que é preciso mudar a orientação da Igreja. "Temos de centrar toda a acção pastoral da Igreja numa perspectiva sobrenatural. Porque a Igreja não é uma associação de bem-fazer, nem um partido político nem uma associação cultural. É um fenómeno espiritual", afirmou.

Sinais positivos

As boas notícias vêm da quantidade de pessoas que frequenta as igrejas. O cardeal de Lisboa diz que há mais pessoas a irem à missa regularmente e que esta mudança é um "fruto do Congresso Internacional da Nova Evangelização", iniciativa que decorreu em Lisboa em 2005.

O estudo revela que mais de 20% dos inquiridos vão todos os dias ou mais de duas vezes à missa durante a semana. "Um sinal de maturidade da fé", remata o padre Paulo Franco.

DN, 6-6-2008
 
CONVERSAS NOCTURNAS EM JERUSALÉM

Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia

Acaba de aparecer, com o título Jerusalemer Nachtgespräche ("Conversas Nocturnas em Jerusalém"), uma série de diálogos entre dois jesuítas, em Jerusalém, noite dentro: o padre G. Sporschill, austríaco, e o cardeal Carlo Martini, antigo arcebispo de Milão e um dos nomes mais famosos da Igreja, durante anos considerado papabilis (possível Papa), que aos 75 anos se retirou para Jerusalém: "Jerusalém é a minha pátria. Antes da pátria eterna."

"Houve um tempo em que sonhava com uma Igreja que segue o seu caminho na pobreza e na humildade, uma Igreja que não depende dos poderes deste mundo. Sonhei com o extermínio da desconfiança. Com um Igreja que dá espaço às pessoas que pensam mais longe. Com uma Igreja que anima sobretudo aqueles que se sentem pequenos e pecadores. Sonhei com uma Igreja jovem. Hoje já não tenho esses sonhos. Aos 75 anos, decidi-me por rezar pela Igreja. Olho para o futuro. Quando o Reino de Deus chegar, como será? Como será, depois da minha morte, o meu encontro com Cristo, o Ressuscitado?"

Significa esta confissão desânimo? De modo nenhum. É certo que o que lhe causa preocupação é "a falta de coragem". Aliás, a palavra "Mut" (coragem, ânimo) e, consequentemente, "animar", "ter coragem" são expressões constantes e recorrentes. "A Igreja deve ter a coragem de se reformar." "A Igreja precisa permanentemente de reformas." "Porque eu próprio sou tímido, digo a mim mesmo na dúvida: coragem!"

A situação da Igreja, sobretudo na Europa, "exige hoje decisões". E lá vem a questão da sexualidade e da comunhão dos divorciados recasados e da ordenação das mulheres e da lei do celibato. Questão essencial são os jovens, apresentando-se, neste domínio, um novo princípio pastoral: "Deixar-se ensinar pela juventude."

Critica a encíclica Humanae Vitae, de 1968, com a proibição da chamada "pílula contraceptiva". "O mais triste é que a encíclica é co-responsável pelo facto de muitos já não tomarem a sério a Igreja como parceira de diálogo e mestra." Confessa que a encíclica Humanae Vitae foi negativa. "Muitos afastaram-se da Igreja e a Igreja afastou-se de muitos. Foi um grande estrago." Mas, após quarenta anos, "poderíamos ter uma nova perspectiva". "Estou perfeitamente convicto de que a direcção da Igreja pode mostrar um caminho melhor do que o da encíclica." Procuramos "um novo caminho" para falar sobre a sexualidade, o casamento, a regulação da natalidade, a procriação medicamente assistida.

Quanto ao preservativo e atendendo à sida, ele próprio diz que acabou por tornar-se o "cardeal da camisinha", como lhe confessou a sorrir um padre do Brasil.

Sobre a juventude e a sexualidade, vai avisando: "Nestas questões profundamente humanas, não se trata de receitas, mas de caminhos." A direcção da Igreja fará melhor ouvir e "familiarizar-se com o diálogo".

Quanto à homossexualidade: "No meu círculo de conhecidos há casais homossexuais, pessoas muito respeitadas e sociais. Nunca ninguém me fez perguntas e também nunca me teria ocorrido condená-las."

É verdade que não poucas mulheres criticam justamente a Igreja porque se sentem discriminadas. Martini reconhece que "a nossa Igreja é um pouco tímida" e que o Novo Testamento trata melhor as mulheres do que a Igreja. A direcção de comunidades por mulheres é bíblica e não pode excluir-se o debate sobre a sua ordenação.

O celibato exige uma verdadeira vocação. Ora, "talvez nem todos os que são chamados ao sacerdócio tenham este carisma." Depois, hoje, com a falta de padres, são confiadas cada vez mais paróquias a um sacerdote ou então dioceses importam padres do exterior. Mas isto, a longo prazo, não é solução. De qualquer modo, é preciso "debater a possibilidade" de ordenar homens casados, de fé reconhecida e provados no trato com os outros.

A Igreja de Cristo é a favor do Homem, da justiça e do Deus vivo. Mas não tem o monopólio de Deus. "Não podes tornar Deus católico." Por isso, a Igreja dialoga com os crentes das outras religiões e igualmente com os não crentes, também para conhecer as suas razões.

DN, 28-6-2008
 
SOBRE O FUTURO DA IGREJA CATÓLICA

Anselmo Borges
padre e professor de Filosofia

Foi notícia nos média: a diocese de Lisboa perdeu nos últimos sete anos à volta de cem mil fiéis praticantes.

O próprio cardeal-patriarca reconheceu que há muita negatividade nas celebrações e na Igreja: inadaptação aos novos tempos; deficiências na formação dos padres; má proclamação da Palavra de Deus; má qualidade e falta de mensagem religiosa dos cânticos; homilias inadequadas e deficientes.

Os jovens queixam-se de que as celebrações são um seca e, frequentemente, têm razão. Onde estão a possibilidade de participação e de diálogo e homilias iluminantes da vida e dos seus problemas e a festa?

Por outro lado, há a invasão do materialismo e do consumismo hedonista. Ora, numa sociedade que procura fundamentalmente o bem-estar material, Deus tem cada vez menos lugar. Mesmo que haja - e há - procura de espiritualidade, já não é necessariamente através da mediação da Igreja. Aliás, há uma imensa crise de fé, que atinge o próprio clero, e sinais de que o cristianismo se pode tornar minoritário na Europa.

Mas é necessário também prevenir para equívocos e falsas idealizações. Assim, como mostrou J. Delumeau, não se pense, por exemplo, que a Idade Média foi sempre modelo de vida cristã. Apesar de tudo, talvez a Igreja hoje seja mais autêntica do que em todas as outras épocas, com excepção dos primeiros tempos do cristianismo. Não se pode esquecer que o mais importante é a prática cristã na vida: praticar a justiça, amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo. A outra prática - a frequência da missa -- deveria vir na sequência da primeira.

De qualquer forma, embora, segundo estudo recente, mais de dois terços dos portugueses apresentem o ser católico como factor de identidade nacional, há uma crescente desafeição em relação à Igreja institucional. De facto, ela não acompanha os tempos e é vista como retrógrada: veja-se, por exemplo, a moral sexual e a relação entre fé e ciência.

Ainda recentemente dizia Eduardo Lourenço: "Lamento que o catolicismo se refugie em coisas arcaizantes que têm efeitos éticos e sociais deploráveis. Não sei se está condenado a morrer, mas está condenado a transformar-se."

Quando se pensa nas transformações do mundo moderno, percebe-se quanto será necessário, sem perder o núcleo da sua mensagem, a Igreja mudar. Dificilmente serão aceitáveis estruturas piramidais, sem participação activa, democrática. As mulheres andam magoadas com a Igreja e vão, legitimamente, exigir tratamento de igualdade. A Igreja não pode pregar os direitos humanos para fora, não os praticando dentro dela. Um dogmatismo rígido e inflexível, sem uma sadia opinião pública, não lhe é de modo nenhum favorável.

Depois, há vícios que é preciso combater, como proclama, do alto dos seus 81 anos, o cardeal Carlo Martini, considerado papabilis durante anos. Para ele, "o vício clerical por excelência" é a inveja. Há muitas pessoas dentro da Igreja "consumidas" pela inveja, perguntando: "Que mal cometi eu para nomearem fulano como bispo e não a mim?"

Para Martini, há outros pecados capitais fortemente presentes na Igreja: a vaidade e a calúnia. "Que grande é a vaidade na Igreja! Vê-se nos hábitos. Antes, os cardeais exibiam capas de seis metros de cauda de seda. A Igreja reveste-se continuamente de ornamentos inúteis. Tem essa tendência para a ostentação, o alarde."

E "o terrível carreirismo" clerical, especialmente na Cúria Romana, "onde todos querem ser mais"? Por isso, "certas coisas não se dizem, já que se sabe que bloqueiam a carreira". Isso é "péssimo para a Igreja". A verdade brilha pela ausência, pois "procura-se dizer o que agrada ao superior e age-se como cada um imagina que o superior gostaria, prestando deste modo um fraco serviço ao Papa".

Autênticas comunidades cristãs têm de assentar em três pilares: fé viva e capaz de dar razões, prática do amor e da justiça, celebrações belas a fortalecer a vida e a fé e a dar horizonte de sentido último à existência.

A Igreja só pode ter futuro, cumprindo o núcleo da sua missão: manter a pergunta acesa e activa a compaixão.

DN, 12-7-2008
 
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