11 fevereiro, 2008

 

Mulheres


ao poder







http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=323251

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Mulheres licenciadas aumentam 60 vezes em meio século

ELSA COSTA E SILVA

O peso de mulheres licenciadas na sociedade portuguesa cresceu mais de 60 vezes nos últimos 47 anos. Se em 1960, o total de diplomadas não ia além dos dez mil, no final do ano lectivo em curso esse número deverá rondar as 600 mil. A evolução é muito significativa, mas falta ainda, explicam especialistas em sociologia da educação, conquistar o mercado de trabalho e chegar a lugares de topo.

Em 1960, a percentagem licenciada não chegava sequer ao meio por cento do total das mulheres (0,23%) - dez mil num universo de pouco mais de 4,6 milhões. No mesmo ano, havia mais de 38 mil homens com o ensino superior, sendo que as maiores diferenças do género se encontravam em cursos como Direito e Engenharia. Em 2005, segundo os últimos dados disponíveis no Instituto Nacional de Estatística, esse valor ultrapassava já os 9,3%.

Passado menos de meio século, a situação inverteu-se e hoje há mais diplomas entre as mulheres que entre os homens. Segundo dados do INE para 2005, recolhidos pelo Inquérito ao Emprego, havia mais de 507 mil mulheres com licenciatura. Homens eram apenas 341 mil. Para os dois anos seguintes, resta a hipótese de uma estimativa que confirma esta tendência: há cerca de 70 mil novos licenciados por ano, 65% dos quais são mulheres - uma das mais altas percentagens da União Europeia (UE). Ou seja, teremos cerca de mais 91 mil licenciadas no final deste ano lectivo, totalizando agora quase 600 mil. Contas feitas, a percentagem de mulheres com habilitações superiores face à população feminina total é já de 9,3%. A proporção de homens diplomados é de 6,7%.

Segundo Custódia Rocha, especialista em Sociologia do Género e da Educação da Universidade do Minho, Portugal teve uma "evolução admirável no âmbito dos membros da UE e ultrapassou muitos outros países". Além disto, as mulheres viram ainda alargar as opções em áreas científicas, estando actualmente presentes num leque mais abrangente de cursos, sendo apenas ultrapassadas pelos homens em licenciaturas viradas para as engenharias e ligadas à indústria transformadora e de construção.

Outra área científica, uma das mais avançadas e das quais se esperam maiores desenvolvimentos nos próximos anos, está deficitária de mulheres: as novas tecnologias de informação e comunicação.

Apesar da clara vantagem das mulheres no acesso ao ensino superior, mantêm-se ainda as grandes desigualdades no mercado de trabalho, onde há "forte segregação profissional", explica Custódia Rocha. As mulheres, diz, enfrentam mais obstáculos para se inserir no mercado de trabalho e atingem apenas as posições mais baixas da hierarquia, exercendo funções para as quais estão sobrequalificadas. "Apesar da igualdade a nível de acesso, não se operacionalizaram questões como a eliminação de concepções estereotipadas dos papéis sociais", adianta a socióloga. Os cursos com maior tradição feminina têm menor acesso ao mercado de trabalho e as mulheres continuam minoritárias nos cargos de chefia e decisão.

DN, 26-12-2007
 
"A minha especialidade era trabalhar com homens"

CÉU NEVES

"Vejam lá no que vão meter-se, apenas existe uma professora [foi uma homenagem, em Coimbra] e desde que ela está no Conselho nunca mais houve sossego." Este foi o aviso que alguém fez aos responsáveis pela Faculdade de Ciências de Lisboa, em 1941, quando Maria Teresa Menezes Ferreira se candidatou ao lugar de professora de Desenho. Não foi acatado, mas teriam pouca sorte se o tivessem feito já que a candidata não era de desistir. "Sou escorpião e com muita honra. Não, não tenho mau feitio. Sabia o que queria e conseguia convencer as pessoas. Quando se tem razão, a gente nunca se cala!"

O aviso era venenoso. "Havia um grupo de homens na faculdade a quem chamavam o Ninho das Víboras e, agora, queriam dizer que as mulheres eram intriguistas!", observa. Ela nunca se preocupou em saber se trabalhava com homens ou mulheres. Mas, por força das circunstâncias, acabou por estar rodeada de colegas do outro sexo. "A minha especialidade foi trabalhar com eles. Já professora, fui convidada para uma assessoria numa companhia de seguros e eram só homens."

Licenciada em Matemática, estava grávida do filho do meio (tem três filhos, oito netos e dois bisnetos) quando decidiu candidatar-se a professora de Desenho. Era a primeira vez em Portugal que uma mulher prestava provas públicas para a função. Teve de se preparar intensamente em cinco meses e, hoje, desconfia que até foram mais difíceis por ser mulher. Encontrou alguns espinhos pelo facto de estar a desbravar terrenos masculinos, mas que só acabaram por lhe dar mais fôlego. Desde os primeiros anos.

Estava habituada ao ensino na École Française de Lisboa (actual liceu Charles Lepierre), um sistema que privilegiava o raciocínio, a compreensão e a investigação. Decorar não era com ela: deu-se mal quando teve de fazer o sétimo ano no liceu Pedro Nunes. Não gostava da metodologia, mas isso não significava que baixasse a bitola dos 18 valores. Mas como? "Era cumpridora, ia às aulas, tomava atenção, tirava apontamentos. Toda a gente se admirava como é que tirava tão bons apontamentos com uma caneta de tinta permanente."

Aquela sempre foi a sua receita e que faz com que tudo pareça fácil. Porque Maria Teresa foi para a escola "já calmeirona", aos 9 anos, depois foi "sempre a galopar". Acabou a École Française com 14 anos e ficou um ano à espera para ter a idade exigida para fazer o exame de equivalência ao ensino português. E uma boa aluna num sistema de ensino que diz ser muito exigente só podia brilhar quando saltasse para outros meios. Ou, então, causar desconfiança: "Fui fazer os exames ao liceu Maria Amália e arranjei um berbicacho. O teste era muito difícil, mas como tive um excelente professor na escola francesa, tirei 19. Então, constou que havia uma aluna (eu) que sabia o exercício e anularam o teste a todos. Fizemos outro teste e voltei a ter a mesma nota."

Reformada há mais de 20 anos, nunca se arrependeu de ter optado pelo ensino. "Os alunos gostavam muito de mim, mas eu também os protegia. Ainda nos encontramos de vez em quando", justifica. E ela que até tinha pensado em não exercer o curso logo de início e substituíra os livros de estudo por romances. Mas voltou a ir buscar os de estudo quando soube que havia uma vaga para assistente de Matemática na faculdade. Casou aos 25 anos e o marido, médico, aceitou bem a carreira da mulher. "Que remédio. Quando casou comigo, eu já estava a dar aulas", argumenta. E confidencia: "As raparigas à minha volta eram umas dondocas. Estavam em casa, não faziam nada. Fiavam-se em que os homens duram para sempre, mas eles morrem primeiro, e agora não têm nada!"

DN, 26-12-2007
 
"Na minha turma éramos 100 para 20 rapazes"

PAULA CARMO

Bata branca, sorriso acolhedor, encontramos Sophie Silva numa das farmácias da Rua Ferreira Borges, no centro histórico de Coimbra. Quis o destino que esta portuguesa nascesse há 23 anos em França, já que os seus pais emigraram para aquele país. Mas quando se lhe pergunta onde é a sua terra natal diz, de pronto: Tondela (distrito de Viseu).

Depois de ter feito o curso de Ciências Farmacêuticas na Universidade de Coimbra, onde ingressou em 2002, Sophie está prestes a concluir o estágio e tem esperança de não encontrar qualquer obstáculo na inserção no mercado de trabalho. É que na sua terra natal e nos concelhos limítrofes há muitas possibilidades de escolha, designadamente várias empresas de dimensão nacional e internacional na área da indústria farmacêutica. Isto sem esquecer as farmácias. "Agora, com a nova lei, cada farmácia tem de ter, pelo menos, dois licenciados em Farmácia, o que nos dá mais oportunidade de emprego". Quanto às diferenças de género, sentiu-as logo nos bancos da faculdade. "Éramos 100 mulheres e 20 rapazes." Encontra duas explicações: "Por um lado, as raparigas estudam mais do que os rapazes e, por outro, os rapazes que entram na universidade procuram mais as áreas de engenharia e tecnologia". E conclui: "Na minha profissão é indiferente ser homem ou mulher." Embora avente que nos casos em que será necessário fazer serviço durante a noite "poderá haver mais dificuldades para uma mulher, mas nada que não seja ultrapassável".

A segregação profissional com base no género, a massificação da presença das mulheres nas universidades e a dificuldade das mulheres chegarem a lugares de topo na hierarquia das empresas são temas que não a preocupam. Quase a finalizar o estágio de 800 horas, Sophie Silva, que contribuirá para aumentar o peso de mulheres licenciadas na sociedade portuguesa, encara com grande optimismo a sua carreira profissional.

DN, 26-12-2007
 
Wallström denuncia Europa dos homens

PATRÍCIA VIEGAS

A comissária quer ver mulheres na luta pelos grandes cargos europeus
A vice-presidente da Comissão Europeia e comissária para a área da Comunicação, Margot Wallström, voltou a ultrapassar a linha do politicamente correcto para criticar as negociações de bastidores que já decorrem para escolher os futuros presidente do Conselho Europeu e chefe da diplomacia europeia - dois cargos a criar quando o Tratado de Lisboa entrar em vigor em 2009.

A social-democrata sueca, uma das poucas pessoas a transitarem da equipa de Romano Prodi para a de José Manuel Durão Barroso, denuncia uma negociação quase clandestina, feita por homens, com o simples objectivo de eleger outros homens. O britânico Tony Blair, o irlandês Bertie Ahern, o sueco Carl Bilt ou luxemburguês Jean-Claude Juncker são os nomes mais falados na bolsa de apostas para aqueles dois cargos.

"Onde é que o debate ocorre? Eu ainda estou um pouco confusa (...) É extremamente estranho. Tudo o que sei é que homens escolhem homens e muito raramente ouvimos falar de candidatas mulheres. Esta é uma situação desvantajosa", disse, citada pelo jornal britânico Times, insistindo na necessidade de mais nomes. O diário refere a irlandesa Mary Robinson e a finlandesa Tarja Halonen como potenciais candidatas à liderança do Conselho Europeu. E a italiana Emma Bonino como candidata à chefia do serviço diplomático da UE.

As queixas de Wallström vêm ao encontro das estatísticas: no ano passado - Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades - um relatório mostrou que, na UE, as mulheres ganham menos 15% do que os homens. Apenas duas mulheres foram presidentes do Parlamento Europeu e nenhuma esteve entre as 11 pessoas que lideraram a Comissão Europeia.

DN, 21-1-2008
 
Nascida a 25 de Abril

PEDRO CORREIA
TIAGO MELO

Ana Paula Vitorino. "A ansiedade é inimiga do sucesso", afirma esta secretária de Estado meticulosa e obstinada que muitos garantem ter pedalada para ser ministra. O que pode vir a acontecer quando Sócrates aumentar enfim a quota feminina no Governo
Aos 12 anos, numa época fértil em radicalismos, deu-lhe para ser moderada. Dela pode dizer-se que é socialista democrática desde pequenina. "Fiz uma aprendizagem política rápida, nas reuniões de alunos do liceu, após o 25 de Abril", revela a secretária de Estado dos Transportes. A Revolução dos Cravos é uma das referências da vida desta mulher nascida num 25 de Abril, 12 anos antes de os blindados de Salgueiro Maia terem avançado de Santarém para Lisboa.

Nasceu em Lourenço Marques, como se chamava então a capital de Moçambique, e ficou-lhe para sempre a nostalgia dos grandes espaços africanos. Nostalgia que acabou por ser minorada com a transferência da família para Vendas Novas - o pai, militar, foi colocado no quartel de artilharia que José Cardoso Pires imortalizou no seu romance O Hóspede de Job.

"Costumo dizer que sou afro-alentejana", diz esta engenheira civil que ingressou em 1980 no Instituto Superior Técnico com a intenção de vir a ser urbanista. "Achava que a organização do espaço era fundamental na qualidade de vida das pessoas", salienta. O irmão e a irmã, ambos mais velhos, optaram por Medicina.

Benfiquista pouco praticante, diz-se adepta do clube da Luz por influência do pai, que vibrava com os golos de Eusébio. Enquanto outros perdiam noites, ela fazia questão de ser regrada: "Sempre preferi levantar-me cedo, para estudar, em vez de me pôr a ler manuais madrugada fora." Reconhece que passou ao lado de alguns divertimentos típicos dos adolescentes do seu tempo. Mas é notório o orgulho com que fala da carreira académica: concluiu o mestrado em 1987, com uma tese sobre mobilidade urbana, e foi convidada a leccionar no Técnico, a cujos quadros pertence.

O gosto pela política foi-lhe surgindo com naturalidade. Sempre com uma moderação atípica na sua geração tão seduzida por ventos radicais. "Já aos 12 anos, no liceu, andava com o emblema da JS ao peito", recorda esta mulher de esquerda, capaz de valorizar tanto a igualdade como a "democracia em liberdade", longe de sectarismos. "Há pessoas na minha família com as mais diversas opções partidárias. Mas a moderação é a tónica dominante", diz ao DN gente. Se fosse eleitora americana, o coração dela balançava agora entre Barack Obama e Hillary Clinton. Se fosse espanhola, nem hesitava: Zapatero levaria o seu voto.

Lamenta que haja ainda poucas mulheres em postos decisivos no mesmo país que em 1979, com Maria de Lurdes Pintasilgo, teve uma das primeiras chefes de Governo da Europa. Para os institutos e empresas públicas sob a sua tutela, com a delegação de competências que lhe transmitiu o ministro Mário Lino, Ana Paula Vitorino já nomeou várias mulheres. Antes dela, não havia administradoras nestas áreas - agora "há cerca de 20%". Ainda pouco, mas o caminho "rumo à paridade" vai-se fazendo. Há um longo percurso a fazer, nesta matéria, nas próprias fileiras governativas: o Executivo de Sócrates tem só duas ministras (num total de 16) e quatro secretárias de Estado (entre 37). Nada que se pareça com Espanha, onde Zapatero instituiu em 2004 a paridade absoluta no Governo. No PS, graças às quotas já postas em vigor, as mulheres estão em maior número: Ana Paula Vitorino integra o Secretariado Nacional do partido. Falando em abstracto, diz-se "sempre receptiva a novos desafios". Mas não comenta os cenários que a dão como ministeriával a curto prazo. "A ansiedade é inimiga do sucesso", observa. E mais não diz.

O tempo, para ela, é hoje um bem muito escasso: "Já fiz directas no meu gabinete, a acabar documentos." É um dos inconvenientes da política. E o que faz para relaxar, nos raros momentos livres? "Cozinho. E vejo algumas séries da Fox. Vou percebendo pouco do enredo, mas servem-me para descontrair."

DN, 8-3-2008
 
Mulheres à beira de eleições

HUGO GONÇALVES, Madrid

Os dois homens que competem pela presidência do Governo de Espanha, tão enfrentados na campanha, parecem ter em comum o idealismo romântico - ambos confessaram que, no preciso momento que olharam, pela primeira vez, para as suas mulheres, sabiam que tinham de conquistá-las. Mas se até hoje recordaram esse momento especial em entrevistas (Mariano Rajoy conheceu Elvira num bar na Galiza, Rodríguez Zapatero encontrou Sonsoles na Faculdade de Direito), as mulheres com quem casaram preferem não falar publicamente das memórias pessoais. Tanto Sonsoles Espinosa, como Elvira Fernandéz partilham o gosto pela discrição. Na única vez em que foram entrevistadas, fizeram-no em conjunto, antes das eleições de 2004.

Esse empenho em evitar as aparições públicas enerva as equipas de Zapatero e Rajoy, como quando Sonsoles faltou ao banquete de celebração dos 70 anos do Rei Juan Carlos, para actuar no coro da ópera Aida, em Barcelona. Embora alguns colunistas tenham considerado a ausência como um lapso de etiqueta, Sonsoles já deixara claro que a carreira do marido não se imporia ao seu próprio percurso profissional e familiar. No decisivo debate parlamentar sobre o estado da nação, em que Zapatero se estreava como líder da oposição, Sonsoles fazia provas para integrar o coro do Teatro Real; na noite eleitoral em que o marido foi escolhido como presidente do governo, Sonsoles celebrou, mas preferiu não subir para a tribuna.

Para a eleição legislativa de amanhã, e correspondendo a uma solicitação dos estrategos do Partido Popular, Elvira Fernández pediu três meses de licença para acompanhar o marido. Mas durante anos fugiu aos comícios e caravanas. E antes de casar combinou com Rajoy que o político teria que dedicar pelo menos um dia por semana à família. Nos primeiros anos da união (casaram-se quando Rajoy já era ministro no governo de Aznar), Elvira conseguia passar despercebida. De tal maneira que, numa visita oficial, um repórter fotográfico perguntou: "Quem é aquela sentada ao lado de Rajoy?" E durante um comício, admiradoras do político, sem reconhecer Elvira, gritaram-lhe: "Chica, chica... Eh! Aparta, que no vemos a Rajoy!"

Sonsoles, 46 anos, cresceu numa família conservadora - o pai, sargento, estava agradecido ao exército (e ao franquismo) pelo percurso que o levara de homem humilde a pai de uma estudante de música e de Direito. Na cafetaria da academia, Sonsoles, com 19 anos, foi abordada por Zapatero, cujas convicções políticas e passado familiar pouco tinham a ver com as ideias do futuro sogro - o avô paterno de Zapatero foi fuzilado por tropas franquistas. Uma década após esse primeiro encontro, os dois licenciados em Direito casaram-se pela igreja, embora o presidente do governo espanhol seja agnóstico.

Elvira, agora com 42 anos, também casou com Rajoy pela igreja - mas o noivo, dez anos mais velho, já era membro do Governo, e a cerimónia tornou-se num minicirco mediático, que levou o político a dizer: "Este foi o problema mais importante que tive desde que sou ministro. Quis evitá-lo mas não consegui. Prefiro celebrar os acontecimentos privados de outra maneira."

Rajoy conheceu Elvira na Galiza, onde ambos cresceram. Viri, como lhe chamam amigos e familiares, foi educada numa família com ligações ao PP local e com dinheiro - o pai, que fizera fortuna na Venezuela, regressou para abrir uma empresa de construção. Elvira, mãe de dois rapazes, estudou Economia e trabalhou em várias empresas até que se mudou para Madrid, onde é funcionária da Telefónica.

Tanto Sonsoles como Elvira nunca gostaram muito de política, embora a segunda esteja filiada no PP. Sempre preferiram a vida familiar e são bastante protectoras da sua intimidade. Quando uma revista cor-de-rosa publicou as fotos das duas filhas de Sonsoles, o casal Zapatero escreveu uma carta ao director pedindo que a situação não se repetisse. Sonsoles, tal como Elvira, preferia não viver em Madrid. Mas, desde que se mudou para a capital, prosseguiu a sua carreira musical. Integra o coro da TVE, e é soprano substituta no Teatro Real. No Verão passado, os jornais franceses descobriram que fazia parte do elenco da ópera Carmen, em Paris. Recebeu 60 euros por cada ensaio e 120 por cada actuação. Tratava da roupa e maquilhava-se sozinha. Muitos dos seus colegas nem sabiam da sua condição de primeira dama espanhola. O mesmo aconteceu com os colegas de Elvira na empresa onde trabalha - desconheciam que era casada com Rajoy.

Numa coisa distinguem-se: Elvira prefere roupa clássica e continua a ir ao cabeleireiro Manolo, um dos mais tradicionais de Pontevedra. Sonsoles tem uma imagem mais ousada: usa o cabelo curto, pintado de loiro, dispõe de uma assessora de imagem, e prefere marcas como Jean Paul Gaultier, Jill Sander ou sapatos Walter Steiger.

Conta-se como a equipa de Rajoy se mordeu de ciúmes quando, num comício, Sonsoles subiu ao palco e pôs o braço em redor do seu marido. Elvira apareceu mais nos últimos dias de campanha. Mas a teimosia de ambas, tal como o desinteresse em desempenharem as funções de "primeira dama", ainda prevalece. Elvira prefere as temporadas na quinta galega da família, e mantém as amigas do tempo de liceu. Sonsoles prefere a informalidade da sua casa na aldeia de Porto de Son, junto ao mar, e de onde sai para fazer compras em roupão.

DN, 8-3-2008
 
A deputada que recusou ser líder

FRANCISCO ALMEIDA LEITE

Ana Zita Gomes. É uma das mais jovens deputadas da Assembleia da República, mas anda na política há vários anos. Foi coordenadora de juventude das campanhas de Cavaco Silva, Durão Barroso e de Deus Pinheiro. Uma experiência que poderia tê-la levado ao topo da JSD, que recusou. Teria sido a primeira liderança feminina
No meio de dossiers e muita papelada por arrumar, Ana Zita Gomes passa grande parte dos seus dias no seu novo gabinete de trabalho na Assembleia da República. Assessora do grupo parlamentar, já é a segunda vez que substitui Paulo Rangel no seu lugar de deputado. Desta vez, a deputada teve que sair do seu gabinete e foi logo parar ao escritório parlamentar que Rangel dividia com José Pedro Aguiar-Branco - nada mais nada menos do que o principal adversário político interno de Menezes.

Lutas que não impressionam a deputada de 31 anos, nascida nas Caldas da Rainha, habituada que está desde muito nova às intrigas e à vida agitada na JSD, onde foi por duas vezes secretária-geral. Depois de ter trabalhado com os ex-líderes da jota Pedro Duarte e Jorge Nuno Sá, muitos dentro do partido chegaram a pressioná-la para que se candidatasse à liderança. Recusou, não por medo do protagonimo, mas porque não queria ser a primeira mulher a liderar a JSD só por ser. Aliás, quando se "reformou" da jota e passou para o PSD, fê-lo depois de desempenhar assim o cargo de presidente da mesa do congresso: "Uma mesa de maioria feminina, com três mulheres e dois homens."

O gosto pela política nasceu cedo. Filha de um antigo vereador do PSD na câmara das Caldas, este gosto só se tornou mais sério quando Ana Zita rumou a Lisboa para estudar. Tirou o curso de comunicação social no Instituto Social de Ciências Sociais e Políticas. "Conheci gente de todo o País, muitos deles continuam meus amigos." Desse tempo, Ana Zita guarda uma proximidade grande a Pedro Duarte e a José Eduardo Martins, ambos deputados, e Nuno Freitas, um médico de Coimbra que foi deputado e vereador da câmara.

Com Pedro Duarte, Ana Zita fundou há anos um grupo de reflexão que voltou a reunir-se recentemente e que fez correr muita tinta nos jornais. Ana Sofia Bettencourt e Gonçalo Capitão (ex-vereadora da CML e ex-deputado) são dois dos membros do grupo de Ana Zita e de Pedro Duarte. Juntos levaram ao último congresso, onde Menezes foi aclamado líder, uma lista ao Conselho Nacional que acabou por ser apoiada por Pedro Passos Coelho, cujo "inconformismo" admira (ver caixa ao lado).

Encarregue dos pelouros da Educação, Cultura e Juventude no grupo parlamentar, a deputada acabou por ter a sorte ou o azar de ter sempre intevenções marcadas na primeira semana como substituta de Paulo Rangel. Vencida a timidez, Ana Zita valeu-se da experiência partidária que foi acumulando nos últimos anos. Na Câmara de Lisboa chegou a substituir o vereador Pedro Pinto em muitas reuniões, nas europeias foi a coordenadora de juventude da campanha de João de Deus Pinheiro, ao mesmo tempo que integrava a lista ao Parlamento Europeu por indicação da JSD.

Essa função executiva numa campanha eleitoral não foi a única, visto que teve o mesmo papel na campanha de José Manuel Durão Barroso nas legislativas de 2002 e de Aníbal Cavaco Silva nas presidenciais de 2006. Do actual Presidente da República guarda a melhor das imagens: "Antes da campanha arrancar a sério, tive a honra de conhecer o professor e só posso dizer que ele causa um impacto enorme a quem tem a oportunidade de estar perto dele e de trabalhar com ele. Pelo seu percurso, pela história e pelo que fez pelo País." De Cavaco não tem a imagem de frieza que alguns alvitram, até porque o actual Presidente prestou-se a conhecer os seus pais, quando da passagem da caravana pelas Caldas.

Antiga bailarina (chegou a leccionar dança clássica aos mais novos) da Companhia de Dança de Lisboa, Ana Zita teve que deixar uma das suas paixões (as outras são a política e o jornalismo) por causa de uma lesão muscular. Desde aí, só dá um pezinho de dança no Lux ou em casa, onde ouve desde Astor Piazzolla a Portishead. Pela sua mesa de cabeceira passam normalmente Pessoa, António Lobo Antunes e Marguerite Duras. E muitas vezes os livros técnicos do mestrado que está a fazer no ISCSP. Ela não pára. Até onde poderá ir só ela sabe...

DN, 8-3-2008
 
'A MINHA MÃE ERA UMA MULHER DOCE E DETERMINADA'

LÍLIA BERNARDES, Funchal

Violante Saramago Matos. Filha do Nobel da Literatura evoca a memória da mãe, Ilda Reis, que foi
uma das melhores gravadoras portuguesas e a primeira mulher de Saramago. E fala da separação dos pais. "Uma situação muito complicada para mim, de tal forma que há momentos que nunca guardei"
Os primeiros minutos não são fáceis. Os dedos esguios afagam a chávena quente de chá verde enquanto a água inunda os olhos que se mantêm fixos na figura maternal que se quer perto e que a roda da vida afasta sempre cedo de mais. Custa-lhe engolir. O sorriso manifesta a dor que salta da alma. Há silêncio. E a conversa tarda em chegar. Sentadas numa esplanada no meio do Funchal, há um vento que corta a avenida trazendo salpicos de chuva. O céu e o mar confundem--se num cinza-chumbo, nesta cacimbada madeirense que aperta o juízo e dificulta o arranque das palavras.

Onde está aquela mulher de causas que conhecemos, agressiva no discurso, teimosa na sua verdade, sempre pronta a partir para mais uma luta? Violante Saramago Matos, filha única do escritor José Saramago, militante dos velhos tempos do MRPP, presa pela PIDE, ex-deputada do PS e do BE, nasceu do ventre de Ilda Reis, primeira mulher do Nobel da Literatura. Já falecida. Uma senhora da arte. Esquecida? Talvez, mas não na memória tatuada de Violante.

Primeiro chega-nos a idade. Nascida em Lisboa a 1 de Janeiro de 1923, teria hoje 85 anos se não tivesse falecido há uma década. Ainda agora se detecta na filha a mágoa por esta morte.

"É difícil, ainda hoje, falar dela. É uma saudade grande. Uma falta demasiado acentuada em certos dias e momentos da minha vida. A minha mãe era uma mulher de uma sensibilidade e afectividade enormes, mas muito retraída e metida consigo própria, fechada dentro dos seus medos, da sua casa, sem dar direito ao seu espaço."

O olhar continua vago. Longe. Deixo-a falar. Assisto ao solilóquio.

"Do ponto de vista artístico, ela poderia ter recebido em vida o reconhecimento que lhe era, de facto, devido. Quem conheceu a sua obra diz que foi uma excelente artista com uma capacidade de transmitir para a gravura, metal ou pedra todas as suas revoltas. Mas ela quase pedia desculpa por ser tão boa gravadora."

Mais uma pausa para o chá verde para logo recordar o pequeno atelier na casa da Parede, onde eram feitos os primeiros estudos, os primeiros esboços, antes da arte final se completar na Gravura - Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses, espaço por onde passaram Júlio Pomar, a recentemente falecida Alice Jorge, Manuela Pinheiro e Sérgio Pombo - um conjunto de personalidades que Violante recorda bem.

Ilda Reis começou a expor em 1966-67, tinha Violante 19 anos, e não mais parou até dois anos antes de morrer.

"Quando já não tinha forças para a gravura, refugiou-se na pintura. Mas onde eu acho que ela era muitíssimo boa era, realmente, na gravura. O seu espólio encontra-se, desde 1999, à guarda da Biblioteca Nacional, que em Setembro deste ano fará uma grande exposição com o trabalho dela."

Ela, ela. Dela.

A Ilda Reis que casou com José Saramago, ainda escritor desconhecido.

O verbo é o mesmo. Violante desconhece como se deu o primeiro encontro.

"Não sei… penso que terão sido colegas nalguma escola… Terá sido na Escola António Arroio? Há pormenores que, de facto, a gente acaba por nunca perguntar. Talvez porque não calhe ou talvez porque, por algum motivo, não nos apeteça mesmo fazer perguntas."

A conversa abriu alas.

Ilda Reis foi dactilógrafa da CP. Em 1965, ou seja, aos 42 anos, toma uma decisão. Abandona o emprego seguro para se dedicar em exclusivo à gravura.

"Estamos a falar da década de 60. Não imagino as barreiras que ela teve de ultrapassar. Nem sequer percebi a dimensão do passo, as consequências. A coragem e determinação. Sei que fez vários cursos na Sociedade Nacional de Belas Artes, de gravura, desenho, pintura, e na Sociedade Corporativa de Gravadores. Aos poucos, ficou fascinada pela gravura."

Como é que a jovem "irreverente" Violante convive neste triângulo familiar?

"Era um trio complicado. Eles eram pes- soas muito diferentes um do outro mas constituíram o meu universo e o meu ponto de referência. Educaram-me. Para mim, não há casa sem livros nas estantes e quadros de pintura nas paredes."

Violante viveu com os pais até 1970, ano em que casou com Danilo Matos, um estudante do Técnico, madeirense, e militante activo do MRPP.

O casamento coincide, mais ou menos, com a separação dos pais.

"Foi uma situação muito complicada para mim, de tal forma que há momentos que pura e simplesmente guardei e não me lembro. É um dos meus mecanismos de defesa relativamente às coisas que me marcaram e magoaram… Teria de fazer um esforço violento para recordá-las e isso recuso-me a fazer!"

Não há perguntas. É Violante que recomeça a frase seguinte em tom baixo.

"Já me chega o sentimento de tudo o que magoa, mesmo sem ter presente aquilo que na realidade me magoou."

Mais tarde, Ilda e Saramago conseguem manter "uma boa relação, equilibrada e afectiva. Quando ela morreu, o meu pai veio de Lanzarote".

A agulha salta, de imediato, para a faixa da política. De propósito. Saberemos, então, como é que Ilda Reis conviveu com as posições da filha e do genro em plena ditadura.

"O Danilo e a minha mãe sempre se adoraram. Eram muito cúmplices. Mas em termos políticos, em Portugal, tudo se agudiza a partir de 1971. Os meus pais já estavam divorciados. A minha mãe era uma mulher doce, determinada e extraordinária. Vivia sozinha, mas nunca fechou as portas às reuniões políticas. A primeira reunião do MRPP com uma delegação da Fretilin, antes do 25 de Abril, foi realizada na sua casa, na Parede."

Mas a mãe-coragem ainda estava para vir.

"Em 1973, a minha mãe deixou a neta com um ano e meio à porta da cadeia de Caxias e veio embora. Ela tinha recebido uma indicação do partido (MRPP). E cumpriu. Chegou a Caxias, disse aos guardas que não tinha condições para tratar da criança, que eu estava lá dentro, portanto, entregassem-na à mãe. Não consigo imaginar o que aquela mulher sofreu. Mas foi por mim! Eu tinha sido presa pela PIDE e esta era a única forma de reduzir o meu tempo de tortura, porque, assim, passaria a cuidar da minha filha, a Ana. A minha mãe dizia que este foi o pior dia da sua vida."

O chá verde está amarelo de frio. Esquecido. Violante aquece a voz para explicar quem era, no fundo, Ilda Reis.

"Uma mulher independente mas com uma carência afectiva imensa. Não lhe chegava saber que as pessoas gostavam dela. Era preciso que as pessoas manifestassem esse carinho", diz enquanto olha para o anel que traz no dedo da mão direita e que foi "dela"… Garante que herdou do pai, José Saramago, as semelhanças físicas e o feitio. A "emoção visível" recebeu-a através dos genes da mãe, Ilda. O crepúsculo, a hora mágica, tomou conta da cidade.

DN, 8-3-2008
 
A MUDANÇA QUE É BANAL E FUNDA

Ferreira Fernandes
Redactor principal
ferreira.fernandes@dn.pt

Ele há revoluções que se fazem em momentos mornos e, essas, geralmente são as que ganham raízes mais fundas. Já para não falar nos exemplos nórdicos, que andam há décadas a ensinar-nos silenciosamente o futuro, em países que conhecemos melhor há mudanças de que não nos damos conta e, no entanto, vieram para ficar.

Valéry Giscard d'Estaing? Um pedantolas com particule, aquele "d'" que em francês pretende nobreza, seria o último de quem se suspeitaria radicalismo. Com presidência entalada entre dois grandes, De Gaulle e Mitterrand, ele cumpriu um só mandato mas com consequências reformistas que pedem meças àqueles dois gigantes. Legalização do aborto e simplificação do divórcio, idade legal de 21 para os 18 anos... - é ele o autor. Devia ter-se suspeitado da sua importância quando, num debate televisivo, ganhou a Presidência, em 1974, arrumando o candidato das esquerdas Mitterrand ao exclamar: "O senhor não tem o monopólio do coração, sabia?"

Mas a importância de Giscard d'Estaing manifestou-se sobretudo na escolha de duas ministras decisivas, mulheres políticas e não só jarros de flores para compor um gabinete: a jornalista Françoise Giroud, para a Igualdade (de Sexos) e Simone Veil, ex-prisioneira em campos de concentração nazis, aquela que durante anos serviu a direita, e bem, mostrando à esquerda que esta não tinha o monopólio do coração.

A Europa alicerçava ali uma das suas revoluções que a fazem farol: trazer à ribalta metade do mundo. Por essa época - fazendo sem percebermos bem o quê, como nos é próprio -, até nós tivemos uma primeira-ministra, Maria de Lourdes Pintasilgo (aliás, a segunda da Europa). Já antes tinha havido uma primeira-ministra no Ceilão (hoje, Sri Lanka), mas na Europa quando o mesmo acontecia, não era o mesmo. Na Europa, democrática, os bons exemplos de cima correm o risco de ser seguidos na base. O sucesso político de uma líder europeia dava ideias revolucionárias em casa e no trabalho.

No ano passado, o direitista Nicolas Sarkozy apresentou o seu governo, metade-metade, homens e mulheres. Este ano, o socialista José Luis Zapatero fez o mesmo. Cada um escolhendo-as segundo as conveniências nacionais. Em França, com os seus problemas de imigração, houve a "marroquina" Rachida Dati e a "senegalesa" Rama Yade. Na Espanha dos nacionalismo, a catalã Carme Chacón tendo o mais centralizador dos ministérios, o da Defesa. Mas, ambos, seguindo a mesma tendência: mulheres iguais aos homens.

Esta semana, Sua "Emittenza" Berlusconi, patrão de televisões, apresentou um governo com quatro mulheres que bem podiam ser apresentadoras de televisão, belíssimas. Sim, pode ser assunto frívolo. Mas também é mais uma prova da revolução em marcha.

DN, 11-5-2008
 
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