21 fevereiro, 2008

 

Violência


doméstica




http://pt.wikipedia.org/wiki/Viol%C3%AAncia_dom%C3%A9stica

http://www.umarfeminismos.org/

http://www.apav.pt/


http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=278725&idselect=10&idCanal=10&p=200


Despacho n.º 20509/2008, D.R. n.º 150, Série II
Ministério da Saúde - Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde
Aplicação do regime de isenção das taxas moderadoras às vítimas de violência doméstica

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Maus tratos a idosos triplicaram

FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA

A tendência está à vista. O fenómeno de violência contra idosos tem vindo a aumentar em Portugal. Os mais recentes números conhecidos revelam que, nos últimos cinco anos, os registos deste tipo de violência triplicaram, dos mais de oito mil casos para os quase 25 mil em que a vítima do crime tem mais de 64 anos. Segundo fonte oficial da PSP, em 2007, "a tendência é a de que se registe um aumento da criminalidade denunciada neste contexto". "Não necessariamente pelo aumento de crimes, mas antes pelo aumento das queixas", explicou a mesma fonte ao DN.

Das 2911 queixas recebidas na PSP em 2006, apenas 139 são respeitantes a violência contra idosos. "Os idosos são vítimas silenciosas, já que não apresentam queixa por medo", garantiu fonte do gabinete do procurador-geral da República (PGR) ao DN.

E, por esse motivo, Fernando Pinto Monteiro já assegurou que vai pedir às procuradorias distritais de Lisboa, Porto, Évora e Coimbra que alertem as autarquias, juntas de freguesia e serviços da Segurança Social para denunciarem os casos de que tenham conhecimento.

O PGR garantiu mesmo que recebe centenas de faxes e cartas a denunciar essas situações. Como se trata de crime público nos casos mais graves - se estivermos perante ofensas corporais graves ou mesmo homicídio - e, como tal, não estão dependentes de queixa por parte das vítimas, Pinto Monteiro pede que haja uma atenção redobrada dessas instituições face a esta realidade.

"Não há nenhuma crítica que me faça desistir do meu caminho", garantia Pinto Monteiro na altura em que revelava que a violência nas escolas e contra idosos vai ser prioridade para 2008. O PGR garante que os casos que envolvem idosos são pouco denunciados, "razão pela qual é necessário e urgente tomar medidas".

Mas de que tipo de situações falamos? Quando se pensa em violência contra idosos, a tendência do comum dos mortais é pensar em espancamentos, torturas, privações e aprisionamento - esta última uma situação muito comum, aliás. Mas para além destas existem muitos outros casos de violência que são complexos, de difícil diagnóstico e também de muito difícil prevenção.

Os agressores mais frequentes podem exercer essa violência de diversas formas: maus tratos e abusos físicos, maus tratos psicológicos, negligência por abandono, negligência nas doses de medicamentos erradas dadas ao idoso para "ficarem mais calmos", negligência nos cuidados de saúde - na sua maioria em lares -, abuso sexual, embora em menor escala, e ainda o abuso material, através da tentativa de extorquir dinheiro. Este caso é frequente por parte dos filhos sobre os pais já pouco lúcidos.

Os maus tratos contra os idosos praticados pela família e pelos cuidadores dos lares são muitas vezes agravados pela falta de preparação e pouca sensibilização para a velhice. Segundo o estudo "Violência contra os mais velhos. Uma realidade escondida", das psicólogas Cristina Verde e Ana Almeida, "quanto maior for o índice de dependência do idoso e a precariedade social, mais provável é ocorrerem situações de maus tratos". Mesmo em instituições legalizadas, onde a satisfação de necessidades fisiológicas básicas, cuidados primários de saúde e higiene nem sempre são respeitados.

DN, 22-1-2008
 
Sedativos a mais "para não dar trabalho"

Apesar de muitas famílias recorrerem a lares da terceira idade para dar uma maior protecção ou até mesmo qualidade de vida e companhia para a fase final da vida de uma pessoa, nem todas as instituições são aconselháveis. Maria de Lurdes, também nome fictício, só agora, volvidos cinco anos, fez queixa formal do lar onde esteve instalada nos últimos cinco anos, na zona da Grande Lisboa. Este caso, que remonta assim a 2002, faz parte dos registos de negligência, concretamente na dosagem de medicamentação. Ou seja, Maria de Lurdes, de 80 anos, não foi vítima de agressão física mas sim de maus tratos psicológicos, negligência por abandono, negligência medicamentosa e de cuidados de saúde. Segundo o relatório da denúncia a que o DN teve acesso, "medicamentos numa maior dosagem que a recomendável" foram ministrados à idosa. Anos depois desta prática, nunca denunciada por Maria de Lurdes, a octogenária foi transportada de urgência para o Hospital Santa Maria, com sintomas de gastroenterite. E foi este diagnóstico que encheu a doente de coragem para se queixar à enfermeira, "que era quem estava ali", pode ler-se na acusação. Num encontro sobre o isolamento das pessoas idosas promovido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Cruz Vermelha Portuguesa e Associação Coração Amarelo, em Outubro de 2006, vários especialistas em geriatria e gerontologia consideraram que existem lares que usam de forma abusiva sedativos em idosos e alertaram para a necessidade de estes casos serem denunciados.

"Muitos idosos são encaminhados para hospitais e lares e é triste ver lares onde os idosos são sedados para não dar trabalho", disse o especialista Paulo Pereira Neves, médico homeopata, acrescentando que esta é uma realidade em muitos lares portugueses que já visitou para tratar de doentes a pedido das famílias. Segundo fonte da Santa Casa da Misericórdia, estes casos não são únicos. O DN conheceu sete exemplos semelhantes, só relativos ao ano de 2007. "Fico triste com o tratamento que é dado aos idosos em muitas instituições portuguesas e a forma como os funcionários lidam com eles", explicou a mesma fonte.

DN, 22-1-2007
 
Homem com Alzheimer ferido pela mulher com facas

Lisboa, 2004. Numa casa situada no centro de Lisboa viviam Ana e Manuel, nomes fictícios, um casal que protagonizou um caso típico de violência contra idosos. Mas desenganem-se os que pensam que a vítima era a mulher, de 78 anos. Apesar de ser mais comum a vítima neste tipo de casos ser do sexo feminino, o DN dá-lhe a conhecer um caso que, contra todas as expectativas, é ele, um idoso de 80 anos, a vítima. Um caso que ganha contornos ainda mais macabros pelo facto de Manuel sofrer de Alzheimer. As autoridades policiais nunca chegaram a perceber se este caso tinha ocorrido mais do que as duas vezes que lhes chegou ao conhecimento. Duas vezes porque foram essas as vezes que o idoso de 80 anos, doente com Alzheimer, foi internado no hospital por agressões físicas da responsabilidade da mulher. A vítima, totalmente dependente da mulher pela doença que padecia, foi agredido "com facas e garfos, no pescoço e nas mãos", segundo estava escrito na própria acusação do Ministério Público, a que o DN teve acesso. No entanto, este caso teve um desfecho inesperado. Depois de terem sido conhecidas as acusações, a vítima e a suposta agressora acabaram por falecer meses depois, poucos dias após a arguida ter sido formalmente acusada. O caso acabou por ser arquivado, por razões óbvias. Mas segundo os investigadores, que estavam com o caso há três anos, era manifesta a indiferença dos filhos da vítima e agressora face aos factos pelos quais a sua mãe estava acusada. O facto de Manuel já estar acamado na própria casa há quase dois anos, até à data dos factos registados, e a limitação das suas capacidades motoras e cognitivas estarem limitadas devido à doença, não o fez apresentar queixa formal. A queixa acabou por ser formalizada pelo médico que atendeu o octogenário, pela segunda vez, no Hospital São José, em Lisboa. "O doente chegou às urgências com golpes não muito profundos, mas feitos por uma faca, e também por arranhões feitos com garfos", explicou o médico que, contactado pelo DN, preferiu o anonimato. Inúmeros casos destes "ficam no segredo dos deuses eternamente", também por morte do doente, desabafou o médico.

DN, 22-1-2008
 
Portugal com 22 mil crimes de violência doméstica em 2007

PSP e GNR registaram quase 22 mil crimes de violência doméstica em 2007, número que corresponde a um aumento global de mais de 6% relativamente ao ano anterior.
Segundo a edição desta quinta-feira do Diário de Notícias, as duas forças policiais registaram, em conjunto, 21 907 queixas, sendo que, só a PSP, apurou 13 050 casos, mais 1412 do que em 2006. Ou seja, uma subida de 10,8%.

Já a GNR, conta, pelo contrário, uma ligeira descida, menos 1,1%, fruto de menos cem casos do que em 2006, tendo passado dos 8957 para os 8857.

De referir ainda que, dos casos apurados pela Guarda, 265 eram jovens menores de 16 anos.

Estes dados, a que o DN teve acesso, irão constar do relatório de segurança interna, que está a ser ultimado pelo Gabinete Coordenador de Segurança para ser entregue ao Governo e apresentado no Parlamento no próximo mês.


DD, 13-03-2008
 
Fundo da justiça vai pagar taxas a vítimas de violência

CÉU NEVES
RODRIGO CABRITA

O Governo está a estudar a utilização do fundo de indemnização de vítimas de crimes violentos para pagar as taxas moderadoras no âmbito da violência doméstica. É a forma de ultrapassar a falta de uniformidade que existe na aplicação da lei que isenta as vítimas do pagamento dos cuidados médicos, de Maio de 2007, mas que muitas administrações hospitalares não cumprem, com a justificação de que falta a prova da agressão.

A proposta de transferir o pagamento daqueles cuidados médicos para o fundo de reserva da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes (CPVC) foi apresentada pela União das Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) e está a ser trabalhada pelos gabinetes do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e da ministra da Saúde. O objectivo é garantir que a lei seja aplicada de igual forma por todos os estabelecimentos de saúde.

O problema é definir como. É que os gestores hospitalares querem saber quem é que vai pagar a conta. Enquanto isso não acontece, "é prática corrente a cobrança da urgência, consultas e exames", denuncia Elisabete Faria, presidente da UMAR, acrescentando: "Ainda esta semana foram cobrados os serviços médicos no Hospital Garcia de Orta, em Almada. E isto acontece porque existe um vazio legal."

O Decreto-Lei n.º 201/2007, que isenta o pagamento de taxas moderadoras por parte das vítimas de violência doméstica, remete para um despacho do Ministério da Saúde sobre os termos e as condições do documento que atesta que o utente foi agredido e qual a entidade que o irá passar. Acontece que o despacho nunca foi publicado.

Mas não é aquele o único problema, segundo os técnicos que trabalham nesta área. Isto porque conhecem as dificuldades das vítimas em admitir que são maltratadas por familiares, sobretudo quando têm de dar explicações à funcionária de uma recepção hospitalar.

"As pessoas não gostam de dizer que foram vítimas de agressão, especialmente quando é num espaço doméstico. Um idoso, por exemplo, tem vergonha de dizer que foi o filho que o agrediu", explica Elisabete Brasil. Assim, defende que a isenção de taxas não deveria estar sujeita à apresentação de uma queixa, até porque este é um crime público e a instrução do processo judicial não está dependente da queixa da pessoa agredida.

À Associação Portuguesa de Apoio à Vítima também têm chegado pessoas maltratadas que tiveram de pagar os tratamentos médicos. Para a sua presidente, Joana Marques Vidal, a medida não deveria estar dependente de uma questão burocrática. "A prova ou não prova de que a pessoa foi vítima de violência é facilmente ultrapassada por um exame médico. Os gabinetes médicos dos hospitais podem fazer essa comprovação", argumenta. Defende, ainda, que a isenção de taxas deveria ser alargada a outro tipo de vítimas, nomeadamente de abuso sexual.

A utilização do fundo de reserva da CPVC ultrapassaria todas aquelas questões. Este fundo é gerido pelo Ministério da Justiça e destina-se a instruir os pedidos de indemnização a vítimas de crimes violentos (Lei 423/91) e de adiantamento às vítimas de violência doméstica (Lei 129/99). E, segundo o DN apurou, a verba anual não tem sido esgotada, até porque as vítimas recorrem pouco a este mecanismo de apoio.

DN, 10-2-2008
 
Homicídios devido a violência doméstica descem 35% em 2007

FERNANDA CÂNCIO

Sessenta e três tentativas de homicídio, 24 homicídios efectivos, imputáveis a 21 agressores. Estes números, coligidos pelo Observatório das Mulheres Assassinadas da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), uma associação feminista que desde 2004 tem vindo a apresentar dados sobre violência doméstica a partir da pesquisa nos media, dão a ver uma descida de 35% nos homicídios em relação a 2006, ano em que o Observatório contabilizou 37 mortes. Uma diferença que Maria José Magalhães, da UMAR, não crê ocasional. "Há uma maior consciência social em relação a esta matéria, mais censura. Os vizinhos reagem mais, há uma diferença de resposta a nível das autoridades."

Nos anos anteriores, refere esta activista, "nas notícias os homicídios apareciam com a referência de que a vizinhança ouvia a mulher a ser espancada até altas horas e não conseguia dormir mas não reagia. Desde 2006 estas situações são menos frequentes. As pessoas já começam a chamar a polícia. E a polícia começa a ter com cada vez mais frequência, embora não a nível do País todo, uma atitude mais adequada a estes casos".

A contabilidade referida para 2007, que Maria José Magalhães frisa não poder ser encarada como o total de mortes devidas a violência doméstica ocorridas no ano ("Há sempre casos que não são objecto de notícia e nós só contabilizamos o que chega aos media"), inclui duas "vítimas associadas", ou seja, neste caso, pessoas que foram mortas por tentarem impedir o crime. Em 2007, uma criança de 11 anos e uma jovem de 21, filhas de uma vítima, foram também assassinadas. E, apesar de o Observatório assumir que o foco do seu trabalho é a mulher vítima de violência doméstica - entendida como a violência perpetrada por alguém com quem ela tem ou teve uma relação íntima, incluindo namorados e "amantes" - existem também vítimas do sexo masculino: pais e filhos das "vítimas directas", por exemplo.

Quanto aos perfis de vítimas e agressores, aproximam-se na idade - têm geralmente mais de 36 anos, sendo relevante o número de homicidas com mais de 51 anos - e, em 71% dos casos, tinham uma relação efectiva: casados, unidos de facto, namorados.Os "ex" correspondem a 19% dos casos, sendo que quase 5% das mortes foram causadas por "descendentes directos" (filhos ou netos). Lisboa é distrito com mais homicídios deste tipo reportados nos media (6), seguido de Setúbal (5).

DN, 20-2-2008
 
Quase 22 mil crimes no seio das famílias

ANA MAFALDA INÁCIO

Mulheres são maioria das vítimas.

Áreas urbanas têm mais casos
PSP e GNR registaram quase 22 mil crimes de violência doméstica em 2007. Mais precisamente 21 907, o que corresponde a um aumento global de mais de 6% relativamente ao ano anterior. Nas áreas da PSP foram registados 13 050 casos, mais 1412 do que em 2006, correspondendo a uma subida de 10,8%. Nas da GNR, houve uma ligeira descida, 1,1%. Menos cem casos do que em 2006, passando dos 8957 para os 8857. Destes, 265 eram jovens menores de 16 anos.

Estes dados, a que o DN teve acesso, irão constar do relatório de segurança interna, que está a ser ultimado pelo Gabinete Coordenador de Segurança para ser entregue ao Governo e apresentado no Parlamento no próximo mês. Mas os mesmos reflectem aquilo que já tinha sido confirmado ao DN, na semana passada, pelo responsável do Gabinete Coordenador de Segurança (GCS), tenente-general Leonel de Carvalho: "A violência doméstica é uma das excepções neste relatório, já que foi dos crimes que mais aumentou." O mesmo aconteceu em 2006, em que a subida relativamente a 2005 ainda foi mais significativa, o que acaba por contrariar a tendência de descida da criminalidade geral e até da violenta, no que toca a 2007, e como o DN noticiou na semana passada.

Para o sub-intentendente Luís Elias, do departamento de operações nacional da PSP, "este aumento não só tem a ver com a maior sensibilização das vítimas para os seus direitos, como reflecte também um investimento grande na formação dos elementos que trabalham esta área. A polícia investiu muito para que o atendimento fosse realizado de outra forma e as situações bem encaminhadas". O porta-voz da GNR, Coronel Costa Cabral, concorda que a sensibilização hoje é outra, embora não haja grande justificação para a descida ligeira de denúncias nas áreas de jurisdição da Guarda.

As áreas urbanas de Lisboa e Porto são as que registam maior número de ocorrências. No caso da PSP, Lisboa teve 29,8% do total das situações, o Porto 26,7% e o arquipélago dos Açores 6,5%. Na GNR, o Porto aparece em primeiro lugar e a capital em segundo, Braga e Aveiro vêm logo a seguir.

Mas os dados das duas forças de segurança revelam que as mulheres constituem o maior grupo de vítimas, mais de 80%. Os homens não atingem ainda os 15% deste total. Contudo, em quase 90% dos casos são o elemento agressor. Os idosos começam a fazer parte dos grupos que mais sofrem com este tipo de violência. Em 2004, a PSP recebeu 346 denúncias, 570, no ano seguinte, 683 , em 2006, e 921, em 2007. "Os idosos têm cada vez mais noção dos seus direitos e já denunciam os maus tratos de que são alvo", explicou o sub-intendente Luís Elias. Neste caso, a violência é exercida também entre conjûges, mas em grande parte de filhos para pais. Quanto ao grau de parentesco, a esmagadora maioria das agressões ocorre entre con-jûges ou companheiros, havendo uma percentagem de 10% que ocorre entre ex-conjûges ou ex-companheiros. Em 8% dos casos são filhos ou filhas e em 6% são pais, mães, padrastos ou madrastas.

Até ao final de 2007 a PSP fez 62 detenções de agressores de violência doméstica - tendo registado um movimento processual de mais de seis mil inquéritos investigados -, a GNR apenas 12. Mas, desde 2000 até ao ano passado, PSP e GNR contabilizavam mais de um milhar de detenções , sobretudo desde 2003 quando este tipo de violência se tornou um crime público. A PSP registou, nestes sete anos, 888 detidos, o que prefaz uma média de 111 por ano, quase nove por mês.

O silêncio começa a ser quebrado, mas há organizações de apoio à vítima que garantem que os números estão longe da realidade.

DN, 13-3-2008
 
Entre marido e mulher já se vai metendo a colher

Céu Neves
jornalista

Página elaborada com base em indicações de Joana Marques Vidal, presidente da APAV

Os números sobre a violência doméstica batem recordes todos os anos. Vinte e duas mil queixas junto das polícias são os dados de 2007, anteontem revelados pelo DN, o que representa uma subida de 7% relativamente a 2006, taxa idêntica à registada pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), com 8373 processos no ano passado. Resta saber se o número de casos está efectivamente a aumentar ou se este crescimento se deve à maior visibilidade e consciencialização do problema. O que se sabe é que as situações de violência doméstica não diminuíram. Em 17 anos de actividade, entre 1990 e 2007, a APAV registou 138 526 crimes de violência doméstica. Um crime que é público desde 2000 e que se autonomizou com a revisão do Código Penal, em 2007.

22 mil crimes de violência doméstica num ano correspondem à realidade?

Não. Estima-se que existam muito mais casos. Isto, apesar de as vítimas estarem mais informadas dos seus direitos e dos apoios disponíveis, além de terem a consciência de que não podem nem devem suportar determinado tipo de comportamento. Por parte da sociedade, também tem havido uma maior consciencialização para este fenómeno, o que se reflecte num maior número de denúncias. Mas esta consciencialização não está alargada a todos os sectores da população.

Porque é que o facto da violência doméstica ser um crime público não se reflecte num maior número de condenações?

O problema, neste como em outro tipo de crimes, é a prova do acto criminoso, o que se torna muito difícil em agressões cometidas na esfera privada. A maior parte das vezes, essa prova faz-se através das declarações dos próprios envolvidos no processo. É verdade que o processo judicial não depende da vontade da vítima, mas a formulação da prova sim. Muitas vezes, a mulher - porque os actos violentos continuam a ser exercidos quase exclusivamente sobre o sexo feminino - até apresenta queixa, decide avançar para os tribunais, mas cala-se no julgamento. "Existe uma ambiguidade muito característica deste tipo de fenómeno e que se deve à complexidade de sentidos pelos quais as vítimas vão passando. A questão da autonomia é muito importante e, cada vez menos, as mulheres estão condicionadas pelos elementos materiais, mas a parte afectiva é muito complexa."

O que é que falta para que o quadro jurídico tenha uma maior aplicação prática?

Há ainda bastante terreno para percorrer e em várias áreas, nomeadamente no que diz respeito à capacidade de investigação deste tipo de crimes e que passa pela forma como as estruturas estão organizadas. As autoridades policiais já avançaram bastante, a maioria tem gabinetes especializados para atender as vítimas, mas não é o caso dos tribunais. "Muitas vezes, as pessoas são ouvidas numa sala onde estão outras pessoas (funcionários), o que demonstra que ainda se dá pouca atenção ao respeito pela dignidade das vítimas. Esquece-se que uma vítima destes crimes está a expor a sua intimidade e as condições em que o faz tem influência na recolha da prova."

O combate a este fenómeno não se resolve apenas com uma maior repressão criminal. Há todo um conjunto de factores sociais e afectivos que precisam de ser enquadrados e trabalhados de uma forma global. "Não basta a participação criminal, é preciso que a própria vítima se consciencialize de que precisa de sair deste ciclo social. É muito importante o apoio social e jurídico às vítimas, mas também é importante o apoio psicológico e o acompanhamento."

Tem sido fundamental o papel das Organizações Não Governamentais (ONG) às vítimas de violência doméstica, como a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) e a APAV, mas não é suficiente. Há muitos casos em que, mesmo depois de a mulher sair de casa e conseguir um emprego, continua a manter uma dependência psicológica em relação ao agressor que a impede de levar o processo até ao fim.

Em que zonas do País há menos capacidades de resposta?

As autoridades policiais e as ONG têm gabinetes de atendimento espalhados por todo o País. E, também, as 32 casas de abrigo pretendem ter uma distribuição nacional no acolhimento das vítimas. Mas existem dificuldades ao nível das respostas de emergência, sobretudo nas regiões do interior. E seriam precisos mais técnicos de apoio e acompanhamento psicológico das mulheres.

Onde é que falta fazer quase tudo?

É junto dos agressores. Faltam programas de tratamento junto dos agressores. Existem um ou outro projecto pontual, como a Universidade do Minho, mas não há uma resposta organizada. As respostas que existem para este fenómeno dirigem-se sobretudo às vítimas e não se pode combater verdadeiramente o fenómeno se não se actua em todas as frentes. Quando há uma condenação, por exemplo, há a possibilidade de o juiz aplicar pena suspensa, desde que o agressor se comprometa a seguir um programa de reabilitação. Acontece que esta possibilidade, prevista na lei, muitas vezes não é aplicada por falta de mecanismos que a possam concretizar.

Outro dos problemas tem a ver com o afastamento do agressor da residência familiar, o que acaba por ser impossível por não haver formas de o impedir. Por isso, acaba por ser a vítima a ter de abandonar a residência e ir viver para uma casa de abrigo, afastando-se das redes familiares e de vizinhança. O uso da pulseira electrónica para impedir que o homem que agride se aproxime da casa da vítima é uma das soluções encontradas pelo Governo, só que tarda em avançar. Começou por ser um problema legislativo, mas agora que essa possibilidade está prevista na legislação, há que procurar os recursos financeiros. Mas estão já previstos dois projectos-piloto para o uso da pulseira, em Coimbra e nos Açores, que deverão avançar o mais tardar no início de 2009.

DN, 15-3-2008
 
Violência doméstica matou 17 mulheres em três meses

RUI MARQUES SIMÕES

UMAR incentiva uso de braçadeira negra 'contra' os casos de violência

No primeiro trimestre deste ano, morreram 17 mulheres em Portugal vítimas de violência doméstica ou conjugal. O número foi divulgado ontem, no Porto, pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), durante a cerimónia de apresentação da campanha "Nem mais uma mulher assassinada".

Segundo os dados da UMAR - relativos não só a casos de violência doméstica mas também a crimes de índole passional -, além das 17 mortes, deram-se ainda mais onze "tentativas de homicídio" ao longo dos três primeiros meses de 2008. Em declarações ao DN, Maria José Magalhães, da direcção da UMAR, lamentou os números negros da violência, explicando que, em relação aos anos anteriores, se deu um aumento dos casos de que a UMAR teve conhecimento. A dirigente revelou ainda que a situação é mais grave nas zonas norte e centro do País e incide particularmente sobre as faixas etárias dos 55/65 e, depois, dos 20/30 anos.

Foi com os objectivos de "mudar mentalidades" e "lançar o alerta" sobre a situação que a UMAR apresentou ontem a campanha "Nem mais uma". A iniciativa, promovida pela Marcha Mundial das Mulheres, convida os portugueses a comprarem, no site da UMAR (www.umarfeminismos.org), uma braçadeira negra, que deve ser usada sempre que se tomar conhecimento de um caso de violência sobre uma mulher. "É um sinal de luto e revolta", esclarece a dirigente.

A conferência de imprensa serviu para apresentar o ciclo de cinema "UMAR-te assim perdidamente", que também é da responsabilidade da associação de defesa dos direitos das mulheres e decorre de 12 a 18 de Maio, no Porto. A iniciativa inclui filmes como Frida Kahlo (de Julie Taymor) e Transe (de Teresa Villaverde) e, de acordo com Maria José Magalhães, pretende "reflectir sobre a importância de a mulher se assumir como cidadã de corpo inteiro". Após o visionamento das 'fitas', segue-se sempre um debate.

DN, 6-5-2008
 
Consenso para avaliar leis da violência doméstica

EVA CABRAL

AR quer combater o aumento da barbárie

O aumento real dos casos de violência doméstica nos primeiros meses de 2008 levou o PS a defender ontem uma "rigorosa avaliação" da aplicação das leis que prevêem a protecção das vítimas e a punição dos agressores.

Maria do Rosário Carneiro, deputada independente eleita mas listas do PS, lembrou que nos primeiros quatro meses deste ano vinte e oito mulheres foram vítimas de tentativa de homicídio e dezassete morreram, segundo os dados revelados esta semana pela UMAR (União das Mulheres Alternativa e Resposta).

Face a esta "situação de barbárie", a deputada diz ser necessário uma "veemente denúncia e condenação", e é a própria bancada do PS a propor ao Governo que dê prioridade, na próxima avaliação semestral a realizar pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa dirigido pelo professor Boaventura Sousa Santos, "ao impacto da aplicação neste âmbito dos Códigos Penal e de Processo Penal para dela poder retirar em tempo oportuno as devidas consequências".

Maria do Rosário Carneiro refere que nos últimos tempos fomos "confrontados com números terríveis, que nos apresentam uma realidade da violência doméstica que persiste em aumentar, apesar do que se tem caminhado e investido no seu combate. Aumenta em número de casos, aumenta em intensidade e, aumenta ainda, no seu alargamento a grupos cada vez mais jovens".

Um cenário complicado que já mereceu, designadamente referências por parte do Presidente da República.

Todas as bancadas da oposição se associaram às preocupações da deputada, apoiando a proposta de avaliação da aplicação da legislação actual. Mendes Bota, da bancada do PSD, garantiu a disponibilidade do seu partido "para exercer a sua função, não só na criação de leis, mas também na monitorização da sua aplicação". O deputado defendeu , ainda , que se deveria estudar a criação de "casa de abrigo também para os agressores", referindo que muitas vezes "estes acabam por ficar numa situação de sem-abrigo quando o juiz decreta a sua saída e casa, uma situação que pode boicotar a sua reabilitação.

Também Helena Pinto, do BE, deu o seu apoio à medida proposta pela bancada socialista. A deputada bloquista questionou, contudo, o PS sobre a situação actual do programa de vigilância electrónica aos agressores - por pulseira electrónica - há muito prometido pelo Governo.

Já Teresa Caeiro, da bancada do CDS-PP, frisou que "não há ainda na sociedade portuguesa um estigma social suficiente relativamente a estes crimes".

Na bancada comunista, João Oliveira questionou se "há disponibilidade do PS e do Governo socialista para um efectivo reforço dos meios que estão disponíveis para aplicar as leis de protecção das vítimas de violência doméstica".

DN, 8-5-2008
 
Ameaças de morte à mulher estão a aumentar

ANA BELA FERREIRA
ROY MORSCH-CORBIS

Agressões baixaram 10% em 2007 face a 1995

Oito em cada dez mulheres ameaçadas não apresentam queixa
Os actos de violência doméstica estão a diminuir. Em 1995, cerca de uma em cada duas mulheres admitia ser vítima de violência. O número desceu, em 2007, para uma em cada três mulheres. As conclusões são do Inquérito Nacional sobre Violência de Género, ontem apresentado na Universidade Nova de Lisboa, que compara os dados de 2007 com o primeiro estudo realizado em Portugal, em 1995.

Em termos globais, os casos de violência física, psicológica e sexual diminuíram cerca de 10% no ano passado, em relação a 1995, com um total de 38% de mulheres vítimas. Apesar da diminuição, a violência "que existe é particularmente grave e dela pode resultar a morte da vítima". O alerta é da presidente da Comissão para Cidadania e Igualdade de Género (CIG), Elza Pais.

Prova disso é o aumento das ameaças com armas brancas ou de fogo e as ameaças de morte, segundo o inquérito, 37% das mulheres admitiram "nada fazer" quando são ameaçadas de morte. E quando são ameaçadas com arma branca ou de fogo, 38% também admitem que ficam caladas.

Perante este cenário, Elza Pais recorda que " o silêncio está hoje na origem da maioria dos homicídios conjugais" e alerta que "em circunstância nenhuma a vítima se deve calar".

A casa é o local privilegiado para a prática de actos violentos contra a mulher. Com 58% das ameaças com armas de fogo a acontecerem neste espaço.

Para o coordenador do inquérito, Manuel Lisboa, "a casa continua a ser o espaço mais perigoso para as mulheres". Daí que, de acordo com o sociólogo, "a probabilidade da violência ocorrer nos espaços da casa é semelhante a 1995 ".

O caso dos homens

Pela primeira vez em Portugal foi estudada a violência praticada contra os homens. Sem dados comparativos, Manuel Lisboa revela que 42,5% dos homens foram vítimas de violência física, psicológica ou sexual. "Um número que não anda muito longe dos internacionais", assegura. A violência psicológica é a que mais afecta os homens. Tal como as mulheres vítimas de violência, os homens também são maioritariamente agredidos por outros homens. Mas, esta "não se insere no quadro da violência doméstica, mas social". O coordenador do estudo frisa ainda que a "probabilidade de um homem ser vítima de violência doméstica é três vezes menor do que uma mulher". Por outro lado, os homens apresentam queixa mais facilmente. "A probabilidade de um homem recorrer à polícia é cinco vezes maior do que as mulheres."

DN, 19-6-2008
 
Os casos de violência doméstica que terminam em morte não param de aumentar em Portugal, seguindo uma tendência que se sente também em Espanha, França e Inglaterra. Este ano já morreram no nosso país 17 mulheres às mãos dos seus companheiros. Duas delas em quatro dias, ambas vítimas de crimes passionais de extraordinária violência: terça-feira na Maia, à porta de um café, um homem matou a namorada a tiros de caçadeira em frente à filha; sábado em Ponte de Sor outro tinha espancado até à morte a companheira.

Mais do que a um aumento de criminalidade, assiste-se a uma maior violência nos crimes. Ao ponto de vários países estarem a mudar a lei: em França as punições para os agressores tornaram-se mais pesadas, enquanto em Inglaterra se estuda a possibilidade de atenuar as penas das pessoas que matem os parceiros de quem sofreram actos de violência.

Por cá, tudo está por fazer. Depois de uma experiência-piloto em Sintra, em que o PGR especializou uma equipa na investigação deste tipo de crimes, nada mais aconteceu. A avaliação acontece caso a caso, nos tribunais, ou seja, pelos juízes. Sem esquecer, claro, a ideia do bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, que ia exactamente em sentido contrário ao que se passa no resto do mundo.

DN, 31-7-2008
 
Mulheres portuguesas são mortas com mais violência

ANA MAFALDA INÁCIO e FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA

Mais vítimas estão a procurar apoio em associações

Lei inglesa atenua penas a mulheres maltratadas que matem maridos

À saída de um café, em Nogueira da Maia, uma mulher de 29 anos foi assassinada com um tiro de caçadeira na face pelo companheiro, depois de uma discussão. O crime, registado na terça-feira, não foi mais um caso isolado. Esta semana, em apenas dois dias, duas mulheres foram mortas pelos companheiros. Dados divulgados pela União de Mulheres Alternativas e Resposta (UMAR), que têm por base notícias publicadas na comunicação social, revelam que até Maio já morreram mais mulheres do que em 2007.

O número de vítimas (17) é assustador, mas mesmo assim a UMAR e a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) garantem não haver estatísticas oficiais que permitam afirmar que se está a matar mais em Portugal no âmbito das relações íntimas. Porém, há uma certeza: "Há mais violência nas mortes."

Para Elizabete Brasil, da direcção da UMAR, "a forma como as mulheres morrem é cada vez mais violenta e severa". João Lázaro da APAV concorda, argumentando que tal é perceptível pelo próprio relato dos crimes denunciados na comunicação social. "Não podemos afirmar que este tipo de crime aumentou, nem tão pouco que há mais situações de violência doméstica que têm um desfecho fatal, mas há mais violência nas mortes", afirmou. No fundo, a mesma tendência que marca também a criminalidade geral. Os últimos relatórios de segurança interna revelaram não haver um aumento da criminalidade, mas mais violência nos crimes. A dirigente da UMAR alertou ainda: "O número de homicídios pode estar na média anual, mas há um aumento de tentativas de homicídio em seio das relações íntimas". João Lázaro salientou, por sua vez, haver mais vítimas a procurar o apoio dos serviços da associação.

Os casos de mulheres que morrem à mercê de maridos, namorados ou filhos já mereceram a atenção da lei britânica. O governo inglês anunciou recentemente um projecto de lei que atenua a pena às mulheres que, depois de anos como vítimas de maus tratos, matem os maridos. Uma medida que, segundo Frederico Marques, jurista da APAV, "está correcta", mas que tem de ser avaliada "caso a caso".

Este ano, a Procuradoria-geral Distrital de Lisboa especializou a investigação dos casos de violência em Sintra, depois de ter verificado que este tipo de crime está a aumentar na comarca. No início do ano, o Ministério Público de Sintra recebeu 112 inquéritos relacionados com maus tratos, em 2007 recebeu 793 queixas.

DN, 31-7-2008
 
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