13 março, 2008

 

Acordo


ortográfico



http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_Ortogr%C3%A1fico_de_1990

http://www.cplp.org/docs/documentacao/Acordo%20ortogr%C3%A1fico%20retirado%20internet.pdf

http://www.portaldalinguaportuguesa.org/

http://orto.blogs.sapo.pt/

http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=926045&sec=3

Comments:
ACORDO ORTOGRÁFICO: I. O RIDÍCULO

Vasco Graça Moura
escritor

Em Junho de 1986, 20 professores do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa propuseram a renegociação do Acordo Ortográfico em conclusão da posição crítica que sobre ele tomaram.

O texto de 1990 mantém quase todos os vícios que tinham levado a essa tomada de posição. Vejamos alguns, recorrendo quanto possível às expressões usadas nesse documento.

O texto de 1986 "tenta englobar, de modo cumulativo e não integrado, critérios de natureza diferente que, uma vez postos em confronto, são portadores de incoerência e geradores de contradições, não constituindo por isso base rigorosa justificativa para as alterações adoptadas, ao mesmo tempo que introduz incorrecções de carácter técnico e científico". Entre essas incoerências, é apontada a invocação da "força da etimologia" (ou, acrescento, da "história das palavras") "para a mantenção do h inicial e para a forma de representação das vogais átonas, argumento que é esquecido quando se elimina o c e o p igualmente etimológicos", sem contar que o argumento está errado, pois o h inicial que se manterá pela força da etimologia "é suprimido quando essa grafia está 'consagrada pelo uso' (ex.: erva)". E ainda se recorre a outro critério para supressão do h inicial quando passa a interior, por via de composição, critério de generalização que ultrapassa a etimologia, a força e o uso.

Passa-se exactamente o mesmo com o texto de 1990.

O parecer criticava as facultatividades de 1986, assinalando: "Como consequência deste critério, é previsível que surjam divergências ortográficas dentro da mesma variante da língua no mesmo país, dependentes de juízos aleatórios."

A crítica mantém toda a razão de ser face ao disposto na al. c) da Base IV de 1990. Acrescente--se que é perigosa a ambiguidade da referência, sem critérios seguros, às pronúncias cultas da língua, nem caracterizadas, nem identificadas, nem localizadas quanto aos oito países que a falam (só haverá pronúncias cultas em Portugal e no Brasil? e no Brasil haverá apenas uma?), nem relacionadas com as pronúncias do léxico de origem popular (aliás, o que serão pronúncias "cultas" do léxico popular?).

O parecer sustentava que todas as alterações introduzidas num dado sistema gráfico deviam ser equacionadas também em função da relação entre o oral e o escrito, sendo "inaceitável que ajustes ou reformas linguísticas potenciem mudanças linguísticas em sentidos previsíveis ou imprevisíveis". Isto continua a valer quanto ao texto de 1990: o n.º 2 da Base IV, p. ex., admitindo mais facultatividades, como "amígdala,/amídala" ou "amnistiar/anistiar", abre a porta a que passe a escrever-se "anésia" em vez de "amnésia", "indenizar" em vez de "indemnizar", ou ainda "arimética" em vez de "aritmética"...

Imagine-se um texto oficial a subscrever por Portugal e Brasil. Ficará assim, se falar em se "adotar um dispositivo cómodo/cômodo para o combate às deficiências higiénicas/higiênicas no fabrico de alimentos, as quais acarretam consequências negativas, não apenas económicas/econômicas, mas de todo o género/gênero, encarando-se a criação um novo grau académico/acadêmico na área da segurança alimentar".

Isto resulta do consignado na Base XI, n.º 3.º. Tem consagração prática oficial no DR, I série, n.º 193, de 23.8.1991.

Imaginemos outro texto: "No tocante à corrupção e aspectos conexos, perfilha-se a concepção de que somente após recepção de mais elementos informativos de facto e de direito se poderá adoptar medidas com carácter permanente neste sector."

As palavras "corrupção", "aspecto", "concepção", "recepção", "facto", "carácter" e "sector" contam-se entre aquelas cuja grafia, com c ou p, é facultativa, segundo a al. c) da Base IV do Acordo.

De maneira que, ao sabor de quem intervenha materialmente na negociação do texto, elas podem ser escritas com ou sem aquelas consoantes, em dezenas de combinações possíveis, o que abre a porta à mais confusa das diversidades ortográficas.

A aplicação do Acordo não levará apenas ao caos no ensino nos oito países. Levará a que a língua portuguesa se cubra de ridículo no plano internacional. |

(Continua)

DN, 6-2-2008
 
ACORDO ORTOGRÁFICO: II. O RESTO

Vasco Graça Moura
escritor

Recapitulemos mais uma série de pontos altamente questionáveis do Acordo Ortográfico:

Foi entretanto escamoteada a necessidade de elaboração de um vocabulário ortográfico (também no tocante à terminologia científica), prévio à entrada em vigor do Acordo, tal como se exigira em 1990 e em 1994.

É deficiente o corpus de 110 000 palavras tomado como base, uma vez que só o Dicionário Houaiss comporta cerca de 228 000.

É inaceitável a demissão quanto a certas soluções, a começar pelo nome das letras, que não é fixado, mas apenas sugerido, sem excluir outras formas de as designar (Base I, n.º 2); amanhã, se nos der na real gana, até podemos chamar pi ao p, iks ao x e acca ao agá...

No texto ocorrem mais deficiências como, entre outras, as seguintes:

Na Base V, sobre a homofonia de certos grafemas consonânticos, remete-se para a "história das palavras", o que tornaria imprescindível dizer-se qual o momento a considerar no tempo. E, no n.º 2, remete-se para vocabulários ou dicionários, quando estes, ou são anteriores ao Acordo e apresentam divergências sem que nele haja critério para as resolver, ou terão de ser elaborados e ainda não existem...

No n.º 2 da Base X, diz-se que o i de "bainha", "moinho" ou "rainha" constitui sílaba com a consoante seguinte. Eis umas "sílabas" tão in que não lembrariam a ninguém.

No n.º 2 da Base XIII, trata-se como sufixo a terminação em "zinho" ou "zito" que corresponde ao infixo z seguido de um sufixo;

As Bases XV e seguintes são confusas quanto ao emprego do hífen; aliás, na Base XV manda-se escrever Baía de Todos-os-Santos com hífen, quando, no n.º 2, e) da Base XIX se escreve Todos os Santos sem ele... Por outro lado, na Base XVII n.º 2, manda-se escrever sem hífen "hei de", "hás de", "hão de", nas formas monossilábicas do verbo haver, mas nada se diz quanto à forma "hão-no"...

Na Base XX escreve-se: "as sucessões de duas consoantes, ou sejam [...], aquelas sucessões [...]. Ou sejam?

No n.º 5 da Base XX chama-se "diagramas" aos dígrafos gu e qu! Nem a TLEBS vai tão longe...

Será de admitir que estas bizarrias sejam solenemente ratificadas?

Lembremos ainda outros pontos da crítica dos docentes da Faculdade de Letras de Lisboa.

Em 1986, não foi tida em conta a preocupação de encontrar critérios de decisão e viabilidade prática da execução das soluções possíveis, nem a procura de um equilíbrio, na distribuição pelas grafias existentes, das modificações a efectuar.

Em 1990, também não: veja-se, além dos exemplos dados no meu artigo anterior, o acima referido quanto ao n.º 2 da Base V, sobre o recurso a dicionários e a vocabulários para variadíssimas grafias com e, i ou o e u em sílaba átona.

Criticava-se a falta de regras de adaptação para a ortografia de palavras provenientes de línguas africanas que já se tenham integrado no português (acrescente-se Timor) e de empréstimos de línguas estrangeiras. Agora, o n.º 2 da Base I não chega para tanto, pois só considera antropónimos, topónimos, siglas, símbolos e unidades de medida.

Entendia-se que, para além dos contributos científicos rigorosos e imprescindíveis, haveria que promover uma discussão alargada e ainda que auscultar outras instituições, entre elas, a APE.

De resto, tanto a CNALP como a Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário, oportunamente consultadas, lhe deram parecer negativo ao texto de 1990. Aguiar e Silva até se demitiu da coordenação da primeira por concluído "que, realmente, o Governo não prestava qualquer atenção ao que dizia a CNALP"...

Mesmo sem se abordar a questão dos interesses culturais, políticos, económicos ou geostratégicos em jogo, qualquer leigo verifica que o Acordo não traz qualquer utilidade ou mais-valia. Enferma de muitos vícios e, a entrar em vigor, será altamente pernicioso nos mais variados planos.

Sendo assim, só se vislumbra uma solução razoável, aliás próxima do presente estado de coisas: corrigir as muitas deficiências do texto e admitir como igualmente legítimas as grafias divergentes nos vários espaços da língua, as quais passariam a figurar nos dicionários e vocabulários.

DN, 13-2-2008
 
Acordo Ortográfico entra em vigor daqui a 6 anos

O ministro da Presidência afirmou ontem que Portugal será "fiel" aos compromissos do Acordo Ortográfico de 1991 e sublinhou que o prazo de seis anos de transição "é razoável" para a adaptação às modificações previstas no acordo. Isto no dia em que o Presidente da República, Cavaco Silva, partiu em viagem oficial para o Brasil.

"O Governo decidiu adoptar medidas de transição por um prazo de seis anos - prazo que julgamos suficiente e razoável para que essa transição possa ocorrer", afirmou Pedro Silva Pereira no final do Conselho de Ministros que aprovou uma proposta de resolução sobre o segundo protocolo modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Em conferência de imprensa, o titular da pasta da Presidência recordou que o Acordo Ortográfico "tem uma história longa, tendo sido ratificado por Portugal em 1991".

"Entretanto, foram elaborados dois protocolos modificativos e esta proposta de resolução refere-se ao segundo protocolo, aprovado em 2004 pela Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP)", apontou o membro do Governo. Até ao segundo protocolo modificativo, para que o Acordo Ortográfico entrasse em vigor, era necessária a ratificação de todos os Estados da CPLP.

No entanto, com o acordo político alcançado em 2004, a entrada em vigor do tratado sobre a língua portuguesa ocorre logo que três estados da CPLP depositem os seus instrumentos de ratificação - o que já aconteceu nos casos de São Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde.

Em termos políticos, Pedro Silva Pereira manifestou a convicção de que o Acordo Ortográfico entrará em vigor nos próximos anos em todos os Estados da CPLP.

"Fiel às posições políticas assumidas desde 1991", disse, "Portugal sempre enunciou a intenção de concluir o processo de ratificação". Pedro Silva Pereira indicou que, na questão da adaptação às mudanças previstas no Acordo Ortográfico, o problema dos manuais escolares foi ultimamente o que maior atenção mereceu da parte do Governo.

"Mas, com a decisão agora tomada, o Governo Português está a exprimir a sua vontade política de se juntar aos outros Estados da CPLP, no sentido de efectivar a entrada em vigor do Acordo Ortográfico", frisou.

De acordo com o comunicado do Conselho de Ministros, a aprovação do segundo protocolo modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa vai "permitir a adesão da República Democrática de Timor Leste" a este tratado político.

LUSA

DN, 7-3-2008
 
O Acordo Ortográfico ou a evolução da língua

Numa prova de bom senso e realismo político, o Governo aproveitou as comemorações dos 200 anos da chegada da corte portuguesa ao Brasil (agora uma potência económica emergente) para acabar com o suspense e anunciar a intenção de concluir o processo de ratificação do Acordo Ortográfico.

Não ficaria bem ao país onde nasceu a sétima língua mais falada do mundo ter um comportamento autista, pondo-se à margem de um processo em que estão envolvidos e apostados todos os outros Estados da CPLP. Não faria sentido teimar em manter a obediência ao Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, celebrado entre Portugal e o Brasil em 1945 (quando ainda não havia televisão a cores, telemóveis ou Internet), recauchutado no final do marcelismo com a exterminação dos acentos nos advérbios de modo.

O que distingue um língua viva de uma língua morta é precisamente o facto de estar em permanente evolução. Seria um esforço inútil não reconhecer as mudanças. Por alguma razão, não falamos todos latim. São os utentes menos cultos que fazem evoluir as línguas, que tendem para a simplificação e para a contaminação da escrita pela oralidade.

Num momento em que escolas neozelandesas já aceitam que os alunos usem nos testes a escrita abreviada das sms, seria tolo Portugal persistir em manter o tabu sobre a ratificação do segundo protocolo do novo Acordo Ortográfico, que será válido para 230 milhões de falantes.

DN, 8-3-2008
 
UM NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO

João Malaca Casteleiro
Professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa
Linguista

A questão ortográfica da língua portuguesa arrasta- -se há quase meio século. De facto, em 1911, com o advento da República, Portugal promoveu uma grande reforma ortográfica da língua. Infelizmente, fê-lo à revelia do Brasil, que era então o outro grande país de língua portuguesa. Ora, implantar uma reforma ortográfica constitui um acto de soberania, o qual não pode ser imposto a outro país. Mas era o que Portugal pretendia, ou seja, que o Brasil adoptasse a ortografia portuguesa de 1911, o que não aconteceu. O pecado original dessa "guerra" ortográfica reside no facto de aquela reforma não ter sido previamente acordada com o Brasil, como o exigia a defesa e promoção da língua portuguesa no mundo.

Houve depois várias tentativas de unificação da ortografia do português ao longo do século XX, desenvolvidas sobretudo pela Academia das Ciências de Lisboa em conjunto com a Academia Brasileira de Letras. Em 1945 as duas academias chegaram a acordo, numa reunião em Lisboa. Desse encontro surgiu a chamada Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. Mas aqui, mais uma vez a parte portuguesa cometeu um pecado capital. É que conseguiu convencer a parte brasileira a adoptar os pontos de vista portugueses, nos quais predominava a perspectiva etimológica.

Assim, os brasileiros, que há muito tinham suprimido, para maior facilidade de alfabetização, as chamadas consoantes mudas ou não articuladas em palavras como "acto", "directo", "óptimo", tinham de voltar a introduzi-las na escrita. Ora isso constituía uma violência, que o Brasil não aceitou. Imagine-se como reagiriam os portugueses se agora os obrigassem a reescrever "fructo" ou "victória", com consoantes que há muito foram suprimidas! A lição que colhemos, quer de 1911, quer de 1945, é que Portugal, embora seja o berço da língua portuguesa, não é no mundo de hoje o seu único proprietário.

A verdade é que, tendo falhado as duas unificações plenas tentadas em 1945 e 1986, mandava o bom senso que se procurasse uma unificação possível, menos absoluta, mas mesmo assim suficiente, para abranger cerca de 98% do léxico da língua, e necessária, para evitar que a deriva ortográfica, com oito países lusófonos, se venha a acentuar.

Outra crítica que advém de certos intelectuais portugueses mais conservadores põe em causa a necessidade sequer de qualquer acordo ortográfico. Sustentam que a língua há-de evoluir nos diferentes países lusófonos e dar origem a outras línguas. Esquecem-se, no entanto, que hoje vivemos num mundo diferente do que existia no tempo, por exemplo, da difusão do latim pela România. Nesse tempo a escolarização era apenas para elites reduzidas, não havia meios de comunicação de massas, como a rádio, a televisão, os jornais. Ora, estes meios exercem hoje sobre a língua uma força centrípeta que leva à preservação da unidade essencial do idioma. Por outro lado, as instituições culturais e políticas dos países lusófonos têm todo o interesse em preservar a língua comum como elo de ligação entre todos e factor indiscutível da sua afirmação no mundo.

Uma ortografia unificada torna-se absolutamente necessária às organizações internacionais onde o português é língua de trabalho, aos estabelecimentos de ensino estrangeiros onde se cultiva o nosso idioma, à difusão e promoção do livro em português nos domínios inter-lusófonos e internacional.

DN, 15-3-2008
 
O PRÉ[Ê]MIO

Vasco Graça Moura
escritor

Não percebo a crítica que Vital Moreira faz ao meu último artigo no seu blogue Causa Nossa. Diz ele que tanto o Acordo como o Protocolo Modificativo foram ratificados pelo Brasil, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe e por isso "já estão juridicamente em vigor em relação a esses três Estados". Mas diz também que Portugal já tinha ratificado o Acordo em 1991 "que não chegou a entrar em vigor por não ter sido ratificado por todos".

Idêntica razão procede quanto ao protocolo: se modifica uma convenção internacional sujeita a ratificação, terá de ser ratificado por todos.

E tanto é assim que o ponto 3 do Protocolo Modificativo, não obstante a sua absurda pretensão de obrigar oito pela ratificação de apenas três, prevê expressamente o depósito pelos Estados dos "instrumentos de ratificação ou documentos equivalentes que os vinculem ao Protocolo"!

Mas há mais argumentos jurídicos:

O Acordo abre a porta à confusão e ao aumento incontrolável das divergências de grafia por via das facultatividades (e não só). O de 1945 proibia-as. Ivo Castro e Inês Duarte escrevem que "a facultatividade é, por definição, contrária à própria ideia de normalização gráfica - de ortografia" (in A Demanda da Ortografia Portuguesa, p. 8). Vinte docentes da Faculdade de Letras de Lisboa afirmam: "Como consequência deste critério, é previsível que surjam divergências ortográficas dentro da mesma variante da língua no mesmo país, dependentes de juízos aleatórios." (op. cit., p. 135).

Óscar Lopes adverte: "Convém ponderar um mínimo de coerência com a ortografia dos países de tradição latina, sobretudo ibero-românica, pois não é com uma táctica de impermeabilização que se defende a identidade nacional" (op. cit., p. 130). E Manuel Alegre pôs o dedo na mesma ferida: "O que está em causa é uma questão de identidade nacional." (Acção Socialista, 5.6.86).

Tudo isto, mais a barafunda e a catadupa de contradições que se seguiriam à aplicação de várias outras bases, mostra que nem ficam assegurados o ensino e a valorização permanente da língua portuguesa, nem a defesa do património cultural enquanto elemento vivificador da nossa identidade (Constituição, art.ºs 9.º e) e f) e 78, c) e d).

Acresce que o art.º 2.º do Acordo previa que os signatários tomassem as providências necessárias com vista à elaboração, até 1.1.93, "de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas".

Só depois disso e da ratificação é que o Acordo entraria em vigor, a 1.1.94.

Na verdade, trata-se de uma relação de precedência necessária, no plano científico e no plano prático, em matéria controversa e que se reveste de uma grande delicadeza.

Todavia, nada foi feito. E, em 17.7.98, foi assinado um primeiro protocolo que alterava aquele artigo 2.º, suprimindo a indicação da data-limite de 1.1.93.

Simplesmente, nunca este protocolo foi aprovado ou ratificado por nenhum dos países signatários... E o Protocolo de 2004 não mexeu nesse ponto.

Mantém-se, por isso, incólume a exigência do art.º 2.º que condiciona a entrada em vigor do Acordo à prévia elaboração do referido vocabulário comum e técnico-científico, este, repete-se, "tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível".

Isto é: mesmo que o Acordo e o Protocolo de 2004 já estivessem em vigor (e não estão, como se demonstrou), nem assim poderia o Acordo ter aplicação prática antes de cumprida aquela exigência, para a qual, aliás, não consta que esteja a trabalhar qualquer comissão ou grupo de especialistas dos oito países.

Os primeiros resultados deste lindo serviço já estão aí: vejam-se, no recentíssimo e apressado Novo Dicionário da Língua Portuguesa (Texto Editores), alguns lídimos exemplos de defesa da unidade da língua, entre muitos possíveis: croissã, delete, striptease, workshop, dobermann (esqueceram-se do rottweiler e do pitbull)...

E leiam-se estas pérolas na nota inicial: "cará[c]ter meramente estético", "a polé[ê]mica então desatada", "os acadé[ê]micos portugueses e brasileiros", "definições como cara[c]terística e pré[ê]mio".

Quem levar o Acordo a sério merece realmente um pré[ê]mio...

DN, 26-3-2008
 
Acordo ortográfico pode ir ao Constitucional

PEDRO SOUSA TAVARES

O presidente da Associação Por- tuguesa de Editores e Livreiros (APEL), Vasco Teixeira, disse ontem ao DN que "as associações de editores vão estudar as possibilidades de suscitar a inconstitucionalidade" do Acordo Ortográfico, depois de a conformidade do documento que Portugal acaba de ratificar ter sido posta em causa pelo escritor e eurodeputado Vasco Graça Moura.

Em causa, segundo disse ao DN Vasco Teixeira, está a possível ilegalidade do protocolo modificativo de 2004, que prevê que a ratificação do acordo por três países o torne válido em todos os estados da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). A versão inicial, de 1990, previa que o documento só seria efectivo se aceite nos sete países.

Actualmente, além da ratificação portuguesa, o acordo conta com a assinatura de Brasil, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, pelo que, na prática, se manteria em vigor mesmo que a assinatura nacional fosse anulada. Porém, Vasco Teixeira considera que esse cenário deixaria "a falar sozinhos" os três outros países. "Três em sete nem sequer é uma maioria simples", ironizou.

Para este editor, a ratificação do acordo foi "um erro crasso" que Portugal cometeu, já que, considerou, "Angola e Moçambique estão renitentes" em aplicar a nova grafia, e "de um ponto de vista estratégico", é mais importante para o País manter a proximidade da escrita com estes países do que "ceder" às pretensões brasileiras: "É um erro crasso Portugal achar que o português vai ser língua oficial da ONU. Se isso acontecer, o que passa a ser oficial é o Português do Brasil."

Aplicação "abstrusa"

A APEL divulgou ontem, em Lisboa, um estudo comparando edições portuguesas e brasileiras de autores como Paulo Coelho e J.K Rowling (autora de Harry Potter), onde se concluía que as alterações gráficas introduzidas pelo acordo não impediam que continuassem a verificar-se enormes diferenças entre as versões, dadas as "diferenças frásicas e vocabulares" entre o português dos dois países. "O estudo demonstra que dizer que o acordo é útil para a circulação dos livros, da palavra escrita, é uma falácia", acusou. "Não nos opomos a um acordo. Apenas à forma abstrusa como este foi concebido e está a ser aplicado."

Na apresentação do estudo, além de Vasco Graça Moura, foi notada a presença da ex-ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima.

DN, 4-4-2008
 
O ACORDO E AS SUAS DISCÓRDIAS

PEDRO SOUSA TAVARES

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1991, na versão de 2004, é hoje tema de uma conferência na Assembleia da República, que lançará as bases da sua ratificação no Parlamento. Subscrito por Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, conta já com a promessa de ratificação do Governo português, que estipula seis anos para a sua adopção. Mas não se livra da polémica que levou ao fracasso de anteriores versões. Da grafia aos interesses económicos e geopolíticos, têm sido muitas as "causas" a alimentar o debate. A partir das visões de dois dos seus principais protagonistas - o linguista Malaca Casteleiro, ligado à concepção do acordo; e o escritor e deputado europeu Vasco Graça Moura, opositor convicto -, o DN explica porque é difícil reunir consensos em torno da quinta língua do mundo, com mais de 215 milhões de falantes, em oito países e Macau.

Novas grafias

O acordo altera cerca de 2200 palavras, 2% num universo de 110 mil (ver exemplos). Mas Portugal, sobretudo devido à eliminação de consoantes mudas, assume três em cada quatro dessas mudanças. Malaca Casteleiro sustenta que a supressão das consoantes não pronunciadas, como o primeiro C de "acção", aproxima a versão escrita da palavra da sua pronúncia, um dos "princípios fundamentais" que diz terem guiado a evolução da língua portuguesa. Lembra ainda que quando a consoante é pronunciada num dos países, são permitidas "duas grafias igualmente correctas".

Vasco Graça Moura considera que "introduzir a facultatividade é contrariar o próprio conceito de norma ortográfica", e que essa possibilidade apenas vai gerar "confusão". Afirma ainda que "a intenção do acordo é suprimir o C e o P para homogeneizar a grafia de Portugal e Brasil numa óptica colonialista, já que não estão estudadas as pronúncias africanas".

Preservar a matriz ou globalizar?

Depois de ter sido anunciada a possível adopção do português como uma das línguas oficiais da ONU, houve quem afirmasse que, com o acordo, o que será adoptado é o português falado no Brasil. Malaca Casteleiro confessa-se "estupefacto" com a crítica, "como se estivéssemos a falar de outra língua", e sublinha o "grande orgulho" que tal distinção constituiria. "Não podemos esquecer que o Brasil tem quase 180 milhões de habitantes. É o maior falante de português a nível internacional", lembra. "Mesmo que venha a ser a norma culta brasileira, isso é preferível do que a língua portuguesa ficar esquecida, ao nível de um pequeno país da União Europeia."

Graça Moura considera que o argumento traduz uma "falsa perspectiva", explicando: "Mais de 40 milhões de falantes seguem a norma culta portuguesa, sem falar nos imigrantes." Para o escritor, o que está em causa "não é um confronto" entre países, mas "preservar as características próprias da nossa grafia, que são importantes para a forma como falamos a língua", apesar de também considerar que, "no plano geopolítico, não há razões para nos enfeudarmos ao Brasil".

O impacto socioeconómico

Na opinião de Vasco Graça Moura, o acordo cria "inúmeros problemas" a países africanos como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, e "não é por acaso" que estes não ratificaram o protocolo modificativo: "Não o fizeram, não só porque não querem submeter-se à indústria editorial brasileira mas porque é perigoso, em países que ainda têm índices de alfabetização baixos, estar a alterar a grafia", diz, avisando que isso pode levar "à desagregação da língua". Malaca Casteleiro confessa "não compreender" o argumento, considerando que "se Portugal não ratificar o acordo é que a sua grafia sairá fragilizada" nos países africanos.

As questões legais

O facto de o protocolo modificativo de 2004 ter previsto que o acordo passaria a ser vinculativo com a ratificação de apenas três países pode, segundo Vasco Graça Moura, levar Portugal, "violar o n.º 2 do artigo 8.º da Constituição" se o ratificar. Isto porque, diz, "para uma convenção vigorar na ordem interna, tem de vigorar primeiro na ordem internacional. Por isso, só é válida quando todos os países que abrange a ratificarem".

Malaca Casteleiro não se pronuncia sobre o argumento da constitucionalidade, mas concorda que Portugal "deveria desenvolver as diligências necessárias para que todos os países adiram ao acordo". Porém discorda que essa questão marque negativamente esta reforma, já que, diz, " foi uma iniciativa política e diplomática, no sentido de desbloquear um acordo que estava parado".

DN, 7-4-2008
 
Vamos ou não deitar livros para o lixo?

MARIA JOÃO CAETANO

Graça Moura levantou questões legais

"Não haverá fogueiras de livros nem livros deitados no lixo", diz Carlos Reis. Os "prejuízos serão astronómicos", com a inutilização de "existências gigantescas de dicionários e livros escolares nas linhas de produção e nos armazéns dos editores", afirma Vasco Graça Moura. Estes foram os dois rostos principais de um duelo que opôs defensores e críticos do acordo ortográfico, ontem, na conferência internacional promovida pela Assembleia da República sobre este assunto.

Carlos Reis, ex-diretor da Biblioteca Nacional, professor na Universidade de Coimbra e académico reputado, defensor desde a primeira hora do acordo ortográfico, desdramatizou as mudanças que ocorrerão na língua portuguesa e apontou o dedo a todos aqueles que criticam o acordo ortográfico, em especial aos editores. Aliás, lembrou, esta é uma questão recente e que só agora se coloca porque só agora a edição atingiu o nível "industrial", mais preocupada com a reimpressão de obras em grande escala. Para os editores, diz, "a língua estaria mumificada e nunca se alteraria", pois isso seria bastante mais rentável. Carlos Reis menorizou o estudo apresentado no final da semana passada pela APEL (que confrontava as versões de Portugal e do Brasil de, por exemplo, um livro de Harry Potter), afirmando que este mais não fez do que provar "que duas traduções são sempre diferentes". "Mas para isso podiam ter apresentado duas traduções feitas em Portugal." E nem sequer é isso que está em causa. Com ou sem acordo, portugueses e brasileiros continuarão a usar vocabulário distintos.

Considerando que o acordo é "um instrumento necessário mas não é suficiente" para assegurar que a língua portuguesa vai conquistar o seu lugar no mundo enquanto idioma plurinacional e plurincontinental, Carlos Reis defende que Portugal deve pensar a questão de dentro para fora, para o mundo. "O que está em causa é um acordo estratégico, não uma unificação linguística absoluta, do mesmo modo que pensar uma língua sem regulação é convidar à sua rápida fragmentação", concluiu.

No pólo oposto da discussão, Vasco Graça Moura, deputado europeu, poeta e tradutor, começou por abordar as questões legais: se o acordo não for aprovado e ratificado por todos os países de língua portuguesa, não só estará em causa a sua "vigência no ordenamento internacional", como se colocará uma questão constitucional, um dos requisitos para a sua validade. "Os sete estados intervieram em pé de igualdade na celebração do acordo e do protocolo. Se o protocolo modifica uma convenção internacional sujeita a ratificação, terá de ser ratificado por todos", explicou. Da mesma forma, Graça Moura refere uma inconstitucionalidade no que toca ao prazo de aplicação do acordo, uma vez que se afirma que será de "seis anos após o depósito do instrumento de ratificação, sem saber ainda se o protocolo será ratificado pelos estados que ainda não o fizeram."

Além disso, continuar com o acordo sem a unanimidade dos países envolvidos irá também "negar a ambição" do projecto, que é a de contribuir para a unificação da ortografia no espaço da língua portuguesa. A "precipitação" do governo é também visível, diz, no facto de não ter tido em conta as opiniões de especialistas nem sequer da ministra da Educação - que deveria ser ouvida nem que fosse por causa dos manuais escolares, já definidos até 2010 sem que a questão do acordo ortográfico fosse alguma vez levantada. Graça Moura levanta ainda uma série de questões quanto às bases do acordo, sobretudo quanto à supressão das consoantes ditas mudas ou não articuladas, uma alteração que "serve interesses geopolíticos e empresariais brasileiros, em detrimento de interesses inalienáveis dos demais falantes no mundo, em especial do nosso país."

DN, 8-4-2008
 
TRISAR NO INDEFENSÁVEL

Vasco Graça Moura
escritor

Quando este artigo for publicado, já terei exposto as minhas objecções ao Acordo Ortográfico na Assembleia da República.

Mas não posso deixar de discutir ainda a posição de Vital Moreira no blogue Causa Nossa de 26.3.08, em que ele tenta rebater o que eu digo quanto à entrada em vigor em Portugal do Protocolo Modificativo de 2004 e, por via dela, do próprio Acordo.

Em primeiro lugar, eu não cometo "o erro de considerar ilegal a ratificação do Protocolo Modificativo".

O que entendo é que, no plano formal, a ratificação será condição necessária mas não suficiente para que o Acordo e o Protocolo entrem em vigor. E que será ilegal, isso sim, dar aquele como vigente antes de todos os Estados terem ratificado o Protocolo, uma vez que isso equivaleria a fazer entrar na ordem interna o disposto de uma convenção que não vigora ainda na ordem internacional. Outra questão será a de, do ponto de vista substantivo, o teor da convenção ratificada poder violar a Constituição.

Em segundo lugar, VM afirma que o Protocolo modificativo "não precisa da ratificação de todos os Estados subscritores do Acordo, pela simples razão de que este ainda não era vinculativo para nenhum".

Não se percebe o argumento. E também discordo de VM pela razão singela de que os mesmos Estados que foram signatários do Acordo são os signatários do Protocolo e neste remetem para aquele.

O Protocolo é uma convenção internacional que modifica outra convenção internacional, sendo ambas expressamente sujeitas a ratificação pelos respectivos textos. Torna-se portanto necessário que todos os Estados intervenientes ratifiquem o Protocolo.

Se o fizerem, isso, sim, significará que aceitam a entrada em vigor do Acordo em todos eles logo que três o ratifiquem.

Mas, enquanto não o fizerem, isso significa que o Protocolo, em todos, está tão pouco em vigor quanto o Acordo.

Em terceiro lugar, VM diz nada impedir "que posteriormente uma parte dos Estados acordem entre si que [o Acordo] passe a vincular aqueles que o ratifiquem (desde que sejam pelo menos três), sem esperar pelos outros".

Nada impede, com efeito. Mas não foi isso que fizeram! Não foi isso que eles convencionaram no Protocolo. Antes previram a entrada em vigor em todos, a partir da terceira ratificação do Acordo (* ).

É o que resulta sem subterfúgios nem especificações da nova redacção dada pelo Protocolo ao art.º 3.º do Acordo: "O Acordo Ortográfico entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação."

E também previram a necessidade de ratificação do Protocolo. A referência in fine a documentos que vinculem os Estados ao Protocolo tem precisamente esse sentido.

Uma convenção internacional não pode em princípio prever a ratificação (ainda por cima mais ou menos "aleatória") por parte de uns e a dispensa dela quanto a outros... Mas se o fizer, ele mesma não poderá deixar de ser ratificada para produzir efeitos.

Se é assim quanto à letra do Protocolo, ainda o é mais quanto ao seu espírito.

Não seria admissível que por essa aceleração, aliás absurdamente pretendida pelo Protocolo contra todos os princípios de Direito Internacional, passasse a haver uma ortografia portuguesa em três países e outra ortografia nos restantes quatro, o que iria contra tudo o que as partes disseram pretender!

Essa manifestação inequívoca da vontade das partes resulta logo do primeiro considerando do Acordo: "(...) O projecto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa (...) constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional."

Pelos vistos, VM defende que fique escancarada a porta à divergência essencial e não à defesa da unidade, ao descrédito e não ao prestígio da língua. Também nunca afirmei que as diferenças ortográficas que o Acordo mantém fossem "relevantes para a legalidade do Acordo". São relevantes, sim, para mostrar que o Acordo não assegura nenhuma unidade digna desse nome.

Por tudo isto, entendo que não estou a "bisar no erro", como VM diz. Ele é que está a trisar na defesa do indefensável.

* Este entendimento, de que o AO já está juridicamente em vigor em relação a três Estados (Brasil, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe), já tinha sido apresentado por VM noutro post do seu blogue. Não apenas é incorrecto pelas razões expostas, como confirma indirectamente o que eu digo, isto é, que o Acordo não entra em vigor em todos apenas com três ratificações. E tanto assim é que o Governo português está neste momento a pedir a aprovação do Protocolo Modificativo à AR, com vista à ulterior ratificação presidencial... O entendimento oficial, por uma vez correcto, é o de que a disposição do Protocolo que se contenta com três ratificações não vale absolutamente nada...

DN, 9-4-2008
 
Acordo Ortográfico: Opositores têm «comportamentos autistas»

O professor universitário Carlos Reis classificou como «comportamentos autistas» os daqueles que se opõem ao Acordo Ortográfico, numa conferência internacional e audição parlamentar sobre o tema, realizada na Assembleia da República.

«Um acordo (...) é um encontro de vontades, fundado no reconhecimento da dignidade das partes, sem preconceitos, complexos ou reservas mentais, [que] implica disposição para o diálogo e para a abertura, não o fechamento em comportamentos autistas», defendeu o catedrático de Literatura Portuguesa.

Salientando que, «ao contrário do que tem sido dito, o Acordo Ortográfico é uma das questões mais debatidas dos últimos 20 anos», Carlos Reis frisou que «um acordo implica também o pragmatismo que leva a que se concorde no que é possível concordar, sem prejuízo de diferenças que não põem em causa o essencial da concordância».

«Se um acordo incide na ortografia - insistiu - então, reconheça-se que ele visa aquele domínio linguístico que é mais convencional e susceptível de reajustamentos rapidamente incorporados pelo uso e sobretudo pelas crianças, que são os falantes do futuro«.

Segundo o professor, o que está em causa neste Acordo Ortográfico é »aproximar a grafia da articulação fonológica - aproximar, não identificar - ou, noutros termos, o modo como escrevemos do modo como falamos«.

«Há alguma ofensa cultural, se passo a escrever 'elétrico' em vez de 'eléctrico'? Houve desrespeito pelo idioma de Alexandre Herculano, pelos legisladores do Liberalismo ou pelos cidadãos letrados seus contemporâneos, quando passámos a escrever 'fósforo' ou 'exausto', em vez 'phosphoro' ou 'exhausto'?», exemplificou.

E colocou, em seguida, algumas perguntas que caracterizou como «claramente retóricas», a primeira das quais foi: «Deve Portugal manter-se agarrado a uma concepção conservadora da ortografia, como se ela fosse o derradeiro baluarte da identidade portuguesa?».

E podem alguns portugueses persistir em encarar o Brasil como um parceiro menor neste processo ou até como um inimigo?«, lançou, acrescentando: »É curial ou inteligente ignorar o muito que o Brasil faz, por muitas vias, para a afirmação internacional da Língua Portuguesa?«.

E - interrogou-se - »se no futuro, os países africanos de língua oficial portuguesa, incluindo o Brasil, se entenderem quanto à adopção de uma ortografia comum, em que posição fica Portugal?«.

DD, 08-04-2008
 
PARTES DE ÁFRICA

Vasco Graça Moura
escritor

Diziam os docentes do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa na posição que tomaram em 1986 e que já citei aqui por mais de uma vez: "Estranha-se que, sendo este um acordo de unificação ortográfica entre países da África, da América e da Europa que usam o português, não tenham sido previstas regras de adaptação para a ortografia de palavras provenientes de línguas africanas que já se tenham integrado ou venham a integrar-se no português."

Isto, que se aplicava ao Acordo Ortográfico de 1986, aplica-se inteiramente ao actual...

Quer-se uma demonstração deveras picante? Pois o Novo Dicionário Universal da Língua Portuguesa (Texto Editores), o tal que se proclama "conforme o Acordo Ortográfico", regista nada menos de três grafias, três, para a unidade monetária de Angola: "cuanza", "kuanza" e "kwanza"...

Na verdade, os negociadores do Acordo agiram com a sobranceria de donos da língua, esquecendo-se de que os países africanos que a falam são tão condóminos dela como nós ou os brasileiros e arrogando-se uma perspectiva do mais puro neocolonialismo.

O Acordo só cura de arrumar a questão entre Portugal e o Brasil. Os outros que se curvem docilmente ante a decisão.

Está-se nas tintas para os países africanos e para Goa (onde o português tem um valor histórico, cultural e simbólico insubstituível para os próprios goeses, cuja memória arquivada na nossa língua tem, aliás, cinco séculos), para Macau e para Timor.

Não se preocupa minimamente com o facto de as pronúncias africanas não estarem bem estudadas.

Nem com regras para a grafia de palavras provenientes das línguas africanas (ou do concanim, ou do chinês, ou do tétum), como acima se diz.

Nessa perspectiva, não enuncia nenhuma orientação para as distinções gráficas a que se refere a Base III: entre ch e x, entre g e j, entre s, ss, c, ç, e x, entre x e z...

Nem para as vogais e, i, o e u em sílaba átona (cfr. Base V; exs.: crear ou criar, cordeal ou cordial, lugar ou logar, taboada ou tabuada) que também não podem deixar de existir em inúmeras palavras africanas que sejam ou venham a ser incorporadas no português...

Para tais casos, o Acordo não define regras, não se arrima à etimologia nem aos usos e não pode remeter para a história das palavras ou para vocabulários e dicionários, como faz, aliás precipitadamente, para o léxico de matriz românica!

Também não se preocupa com o provável efeito de ensurdecimento, nas pronúncias africanas, das vogais seguidas de c e p (ditos "mudos") quando estes interferem no timbre delas, nem com as alterações e equívocos que tudo isso pode implicar para a língua, do que os linguistas têm dado sobejos exemplos: sem o p, intercepção acabará por se ler como intercessão, adopção como adução...

Tão pouco se preocupou com o efeito ainda mais caótico que é de prever para as "facultatividades" em África, sejam elas as previstas na Base IV, sejam outras quaisquer, nomeadamente no tocante a certas acentuações, como acima se exemplificou com a unidade monetária e poderia continuar a exemplificar-se com a ausência de critério compreensível que leva o mesmo dicionário a registar uma dança angolana como "kizomba" e "quizomba", mas a dar apenas a forma "quimbundo".

Num assinalável descaso, deve-se ter achado que, em se tratando de África, os léxicos locais não podiam aceder à mesma dignidade...

Estes pontos, já de si gravíssimos do ponto de vista ético, não têm nada a ver com interesses económicos, políticos ou geopolíticos, embora deles possam decorrer efeitos altamente nocivos também nesses aspectos.

São questões de ordem linguística a que os defensores do Acordo continuam a não se dignar dar resposta no mesmo plano, tal como não a dão quanto às objecções de idêntica índole que têm sido levantadas no tocante às variedades lusitana e brasileira do português.

É a tal ausência de debate científico que Albertino Bragança, representante de S. Tomé e Príncipe, há uma semana, referia na Assembleia da República.

Será isto contribuir para a "unidade" da língua? Alguém se admira ainda por a Guiné-Bissau, Angola e Moçambique não terem ratificado o Acordo nem os Protocolos Modificativos?

DN, 16-4-2008
 
BABEL E OUTRAS CONFUSÕES

Vasco Graça Moura
escritor

O disposto no Acordo Ortográfico, quanto às grafias facultativas, "reintroduz no sistema ortográfico português a situação babélica a que 1911 veio pôr cobro" (Ivo Castro e Inês Duarte, A Demanda da Ortografia Portuguesa, p. 34).

Escrevem os mesmos autores que, se este liberalismo ortográfico "constituirá um problema para falantes nativos do português, a situação é ainda mais grave para falantes que aprendam o português como língua segunda. E essa é a situação em que muitas crianças e adultos dos novos países de expressão oficial portuguesa aprendem o português".

Por outro lado, explicam que "na variedade europeia do português actua um processo fonológico sensível à posição do acento, que altera o timbre das vogais não acentuadas".

Demonstram que a tendência do a e do e abertos é a de mudarem para fechados e a do e e do o fechados é a de mudarem para muito fechados na derivação: exs. caça/caçada; festa/festejar; cesto/cesteiro; cola/colar; boca/bocarra.

Este processo não actua sobre um conjunto de excepções, entre elas as dos vocábulos que apresentam uma consoante etimológica que nem sempre se pronuncia.

"No caso do português europeu, a presença de uma consoante etimológica constitui, portanto, de um modo geral, uma instrução que indica que se está perante um caso excepcional em que o timbre da vogal não é alterado" (ibid., p. 35).

Isto é, não segue aquela tendência geral. De outro modo, leríamos com e fechado anti-setico, defetivo, dialetal, espetral, ceticismo, impercetível, recetação, recetáculo...

Disto resulta evidente a essencialidade das consoantes "mudas" para o timbre das vogais em Portugal e nos PALOP, mesmo que algumas palavras de uso mais corrente já tenham adquirido uma pronúncia que as dispensaria, uma vez que, não obstante isso poder acontecer nalguns casos, é impossível elaborar uma regra geral que os especifique com segurança.

Tais consoantes são a "forma de indicar a abertura dessas vogais" (C. Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática..., 9.ª ed., p. 74). Ninguém diz, e muito menos os defensores do Acordo, como assegurá-la se não for assim...

Há ainda as vantagens de se manter uma ortografia próxima da matriz românica e de se evitar a profusão das palavras homógrafas, que aumentam as ambiguidades do texto escrito.

O Acordo de 1945 já elimina as consoantes c e p nos casos em que são invariavelmente mudas nas pronúncias portuguesa e brasileira (adjuncto, adstricto, aqueducto, absorpção, esculptor...)

Mas, segundo aí se dispõe, elas conservam-se:

a) quando são invariavelmente proferidas;

b) quando são proferidas só em Portugal ou só no Brasil ou quando oscilam entre a prolação e o emudecimento;

c) após as vogais a, e ou o, quando não seja invariável o seu valor fonético e ocorram a seu favor outras razões, tais a tradição ortográfica, a similaridade do português com as demais línguas românicas, e ainda quando influem no timbre das referidas vogais;

(acepção, adopção, abjecção, acção, arquitectura, circunspecção, contrafacção, projectar, retroactivo...)

d) quando, embora mudos, devam harmonizar-se com formas afins (abjecto/ / abjecção, carácter / caracteres / didáctico / /didactismo, insecto / insecticida...).

Todos estes casos correspondem pois a outras tantas e importantes razões para a manutenção das consoantes referidas.

Aos defensores do Acordo não interessam questões culturais, como a da ligação à matriz românica, nem questões de homogeneidade gráfica entre palavras afins. Colocam-se numa perspectiva diferente. E entendem que, não sendo o c ou o p pronunciados, eles se tornaram sempre dispensáveis.

Isto significa que consideram o timbre das vogais referidas já estabilizado, quando em inúmeros casos não está. E saúdam o caos de Babel como um progresso...

É a altura de recordar a análise da CNALP: "É evidente que, de imediato, e nesta área estrita da grafia consonântica e do apoio que presta à recuperação de um supra-sistema vocálico comum, o português europeu seria de longe o mais sacrificado na coerência fonológica interna, na inter-compreensão e na facilidade de aprendizagem por povos estranhos à comunidade lusofalante" (Boletim da CNALP, 1989, p. 123).

DN, 30-4-2008
 
Notáveis lançam manifesto contra o Acordo Ortográfico

Um conjunto de figuras de relevo ligadas aos mundos da cultura, política e economia acabam de lançar um manifesto, em forma de petição online, no qual assumem frontal crítica ao Acordo Ortográfico. São signatários deste documento, entre outros, Vasco Graça Moura, Eduardo Lourenço, Mário Cláudio, Maria Alzira Seixo, António Emiliano, José Pacheco Pereira e António Lobo Xavier. A petição está disponível em http/www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa e já conta mais de mil e cem assinaturas.

O manifesto descreve o lançamento do Acordo Ortográfico como "falso pretexto pedagógico de que a simplificação e uniformização linguística favoreceriam o combate ao analfabetismo (...) e estreitariam os laços culturais". E aponta-o como uma realidade que pretende "impor uma reforma da maneira de escrever mal concebida, desconchavada, sem critério de rigor, e nas suas prescrições atentatória da essência da língua e do nosso modelo de cultura". Para os autores do texto esta reforma é "não só desnecessária mas perniciosa e de custos financeiros não calculados".

O texto começa por referir que o "uso oral e escrito da língua portuguesa degradou-se a um ponto de aviltamento inaceitável, porque fere irremediavelmente a nossa identidade multissecular e o riquíssimo legado civilizacional e histórico que recebemos e nos cumpre transmitir aos vindouros". Atribui "culpa" aos "que a falam e escrevem, em particular os meios de comunicação social". Mas mas adverte que "ao Estado incumbem as maiores responsabilidades porque desagregou o sistema educacional, hoje sem qualidade."

Esta petição explica que "o texto do chamado Acordo sofre de inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades" e avisa ainda que "não tem condições para servir de base a qualquer proposta normativa". Fala em concreto, entre outras situações, da "supressão da acentuação, bem como das impropriamente chamadas consoantes 'mudas'- muitas das quais se lêem ou têm valor etimológico indispensável à boa compreensão das palavras".

O manifesto lamenta então "que as entidades que assim se arrogam autoridade para manipular a língua" não tenham "ponderado cuidadosamente os pareceres científicos e técnicos" e avancem "atabalhoadamente sem consultar escritores, cientistas, historiadores e organizações de criação cultural e investigação científica". E acrescenta que "só ampla discussão pública poderia justificar a aprovação de orientações a sugerir aos povos de língua portuguesa".

DN, 4-5-2008
 
Quatro mil contra Acordo Ortográfico

Manifesto lançado sexta- -feira vai ser entregue à AR e ao primeiro-ministro

O Manifesto/Petição contra o Acordo Ortográfico que foi lançado na Internet na sexta-feira por iniciativa de 19 personalidades da cultura, política e economia já reuniu mais de quatro mil assinaturas. Segundo informou ontem em comunicado um dos seus promotores, Vasco Graça Moura, por se terem reunido os "requisitos legais mínimos", será agora solicitada a discussão do documento, dirigido aos presidentes da República e da Assembleia da República e ao primeiro-ministro, aos quais será "oportunamente entregue".

Subscrevem o documento Ana Isabel Buescu, António Emiliano, António Lobo Xavier, Eduardo Lourenço, Helena Buescu, Jorge Morais Barbosa, José Pacheco Pereira, José da Silva Peneda, Laura Bulger, Luís Fagundes Duarte, Maria Alzira Seixo, Mário Cláudio, Miguel Veiga, Paulo Teixeira Pinto, Raul Miguel Rosado Fernandes, Vasco Graça Moura, Vítor Manuel Aguiar e Silva, Vitorino Barbosa de Magalhães Godinho e Zita Seabra. A este grupo, segundo o comunicado, juntou-se entretanto Manuel Alegre.

O Manifesto, segundo se explica naquele comunicado, "pretende contribuir com um poderoso movimento de reflexão, apoiado pela opinião pública, sobre os defeitos do Acordo Ortográfico e a necessidade de o bloquear". Com "inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades", "mal concebida", "desconchavada", "sem critério de rigor", "desnecessária" e "perniciosa", além de ter "custos financeiros não calculados", é como os sig- natários vêem a projectada reforma ortográfica, que o Parlamento vai discutir e votar no dia 15. E lamenta-se que "pareceres científicos e técnicos", como o de Óscar Lopes, não tivessem sido tomados em consideração neste processo.

Ao Ministério da Educação, os peticionários pedem que "assuma uma posição clara de respeito pelas correntes de pensamento que representam a continuidade de um património de tanto valor e para ele contribuam com o progresso da língua dentro dos padrões da lógica, da instrumentalidade e do bom gosto".

DN, 5-5-2008
 
Quatro mil contra Acordo Ortográfico

Manifesto lançado sexta- -feira vai ser entregue à AR e ao primeiro-ministro

O Manifesto/Petição contra o Acordo Ortográfico que foi lançado na Internet na sexta-feira por iniciativa de 19 personalidades da cultura, política e economia já reuniu mais de quatro mil assinaturas. Segundo informou ontem em comunicado um dos seus promotores, Vasco Graça Moura, por se terem reunido os "requisitos legais mínimos", será agora solicitada a discussão do documento, dirigido aos presidentes da República e da Assembleia da República e ao primeiro-ministro, aos quais será "oportunamente entregue".

Subscrevem o documento Ana Isabel Buescu, António Emiliano, António Lobo Xavier, Eduardo Lourenço, Helena Buescu, Jorge Morais Barbosa, José Pacheco Pereira, José da Silva Peneda, Laura Bulger, Luís Fagundes Duarte, Maria Alzira Seixo, Mário Cláudio, Miguel Veiga, Paulo Teixeira Pinto, Raul Miguel Rosado Fernandes, Vasco Graça Moura, Vítor Manuel Aguiar e Silva, Vitorino Barbosa de Magalhães Godinho e Zita Seabra. A este grupo, segundo o comunicado, juntou-se entretanto Manuel Alegre.

O Manifesto, segundo se explica naquele comunicado, "pretende contribuir com um poderoso movimento de reflexão, apoiado pela opinião pública, sobre os defeitos do Acordo Ortográfico e a necessidade de o bloquear". Com "inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades", "mal concebida", "desconchavada", "sem critério de rigor", "desnecessária" e "perniciosa", além de ter "custos financeiros não calculados", é como os sig- natários vêem a projectada reforma ortográfica, que o Parlamento vai discutir e votar no dia 15. E lamenta-se que "pareceres científicos e técnicos", como o de Óscar Lopes, não tivessem sido tomados em consideração neste processo.

Ao Ministério da Educação, os peticionários pedem que "assuma uma posição clara de respeito pelas correntes de pensamento que representam a continuidade de um património de tanto valor e para ele contribuam com o progresso da língua dentro dos padrões da lógica, da instrumentalidade e do bom gosto".

DN, 6-5-2008
 
Acordo Ortográfico tem votação decisiva

LUÍS NAVES

O Parlamento vai discutir amanhã a proposta de resolução do Governo que aprova o 2º protocolo modificado ao Acordo Ortográfico da Língua portuguesa. Na prática, e caso de confirme o voto favorável dos deputados, faltará a assinatura do Presidente da República para terminar a ratificação. Seis anos depois, entra em vigor uma nova ortografia da língua.

A votação é polémica, pois o novo acordo ortográfico está a suscitar grandes críticas. Uma petição online, intitulada "Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa" reuniu em menos de duas semanas mais de 32 mil assinaturas. A deputada do PSD Zita Seabra pertence ao grupo de peticionários e explicou ao DN que houve pouca discussão e que o País parece não perceber a gravidade do acordo.

"Não se uniformiza a diferença", disse a deputada, ao apontar o que considera serem os erros do tratado. "A língua tem de ser rigorosa e identitária". Os críticos do documento apontam-lhe "imprecisões, erros e ambiguidades", além da confusão, devido a possibilidade de dupla grafia das mesmas palavras.

Zita Seabra não vota, por ser editora e, portanto, parte interessada. Hoje, haverá reunião do grupo parlamentar do PSD e "espero que dê liberdade de voto", explicou.

"Acho que o Governo não se deu conta da gravidade enorme de todos estes problemas", disse ao DN o eurodeputado social-democrata Vasco Graça Moura, um dos principais adversários do acordo, inclusivamente nas páginas deste jornal.

Segundo o poeta e romancista, o Governo "tenta assegurar a entrada em vigor do acordo por razões políticas, sem atender às questões científicas e técnicas, que são muitas e muito graves". Os críticos contam com a força política dos números da sua petição para impedirem o acordo de entrar em vigor, antes que passem seis anos da ratificação.

Os defensores têm menos apoio popular. Uma petição favorável, proposta pelo Movimento Internacional Lusófono, conseguiu 800 assinaturas. Para o professor de filosofia Renato Epifânio, um dos proponentes, o acordo permitirá aproximar os países lusófonos. Para o dirigente da Associação Agostinho da Silva, esta pode ser a "última oportunidade" para reparar uma cisão da língua criada por Portugal em 1911. E lembra as consequências do não acordo. Na ONU, por exemplo, os documentos têm de ser "traduzidos para duas variantes de português. É bizarro".

DN, 15-5-2008
 
Acordo Ortográfico aberto à adesão de Timor

O Parlamento aprovou ontem, com os votos favoráveis do PS, PSD, Bloco de Esquerda e sete deputados do CDS, o segundo protocolo do Acordo Ortográfico, mas Manuel Alegre (PS) e dois deputados do PP (Nuno Melo e António Carlos Monteiro), e Luísa Mesquita (ex-PCP) votaram contra. Paulo Portas e o deputado João Oliveira anunciaram declarações de voto.

Três deputados do PSD, Henrique Freitas, Regina Bastos e Zita Seabra - que invocou «conflito de interesses» por ser editora - além de Matilde Sousa Franco, do PS, abandonaram o hemiciclo antes da votação.

O segundo protocolo modificativo ao Acordo Ortográfico abre a possibilidade de adesão da República Democrática de Timor-Leste, que, à data do Acordo (1990), ainda não era um Estado soberano e somente em 2002 aderiu à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

O acordo contou com a abstenção das bancadas do PCP, PEV e dos deputados Paulo Portas, José Paulo Carvalho e de Abel Baptista (CDS/PP).

Segundo o que Manuel Alegre disse ao DN, em função do conteúdo da sua declaração de voto, "o acordo não é necessário e tecnicamente muito discutível." "A língua, incluindo a ortografia, faz parte da nossa pátria, da nossa identidade, tal como a terra, o mar, a história", acrescentou.

Para o poeta de Um Barco para Ítaca (1971), "nenhum acordo poderá unificar uma língua cuja riqueza reside na sua diversidade". Relembrando o que Cesariny costumava dizer, ou seja, que a língua portuguesa é, na sua estrutura essencial, a língua de Luís de Camões, o também deputado do PS referiu que ela dir-se-ia também "o idioma de Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Luandino Vieira, Pepetela, Mia Couto, Germano de Almeida e de todos aqueles que em português se exprimiram e que, com as suas obras, alargaram e tornaram mais rica a língua comum".

Na opinião de Manuel Alegre, "a língua é feita pelos povos, pelos poetas e pelos escritores e não por via burocrática ou diplomática".

Esta posição é, aliás, em termos gerais, expressa no manifesto online (ler caixa) contra o acordo que vai em 35 510 assinaturas, estranhando os signatários que "não se tenha ponderado cuidadosamente os pareceres científicos e técnicos, como, por exemplo, de Óscar Lopes" e se avance atabalhoadamente sem consultar escritores, cientistas, historiadores e organizações de criação cultural e investigação científica.

Escreve-se no manifesto: " Não há uma única instituição que possa substituir-se a toda esta comunidade, e só ampla discussão pública poderia justificar a aprovação de orientações a sugerir aos povos de língua portuguesa." Na petição são sublinhadas "as imprecisões, os erros e as ambiguidades do texto do acordo".

DN, 17-5-2008
 
EM FAVOR DA REVISÃO DO ACORDO ORTOGRÁFICO: TRÊS ORDENS DE RAZÕES 'CULTURAIS'

Isabel Pires de Lima
professora universitária
deputada do PS

Compreendo que o Governo português tem um compromisso político-diplomático, assumido em 2004 pelo Governo de então, que dificilmente lhe permitiria não ratificar o 2.º Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico, independentemente de discordâncias que porventura tenha quanto ao seu conteúdo. Certamente por isso, e não apenas por questões de carácter pragmático ligadas à sua implementação no terreno, a presente ratificação faz-se acompanhar do pedido de uma moratória de seis anos para a sua aplicação. Teria sido preferível pedir mais tempo, que, a meu ver, o Governo deveria aproveitar para procurar encontrar consenso diplomático com vista à revisão do Acordo.

E por que precisa ele de ser "emendado"? Por várias ordens de razões, todas culturais, em última análise:

1 - Por razões técnico-linguísticas e culturais:

Como já foi abundantemente demonstrado pela comunidade linguística, pelo menos desde 1990, o Acordo manifesta inúmeras fragilidades. Relevo apenas dois aspectos:

a) O facto de acabar por nem sequer se revelar uma "versão fraca" de unificação ortográfica, como se pretendia, mas antes uma versão permissiva, erigindo o princípio da facultatividade excessiva, o qual vai contra o próprio conceito normativo de ortografia, originando nomeadamente a possibilidade do uso de duplas grafias dentro do mesmo país, isto é, abrindo a porta à heterografia.

b) O facto de recorrer a uma diversidade de critérios na simplificação de preceitos ortográficos, com forte desrespeito pela dimensão patrimonial da língua, nomeadamente a sua dimensão histórica etimológica; ora a língua, é bom lembrá-lo, é definida na Lei de Bases do Património Cultural como um bem cultural, que, portanto, importa preservar e salvaguardar.

2 - Por razões político-diplomáticas e culturais:

Quase vinte anos volvidos sobre o Acordo e num quadro bem distinto no seio da CPLP, no que à situação político-social de Angola e Moçambique diz respeito e também no que ao caso particular de Timor se refere, impor-se-ia uma revisão do Acordo que atentasse à urgente necessidade de uma descrição linguística das variantes africanas do português, muito particularmente no caso daqueles dois países africanos que envolvem cerca de 30 milhões de falantes, cuja norma ortográfica é, recorde-se, a do português europeu. Uma tal descrição permitiria que o Acordo não se limitasse a ser o que na prática é, um acordo entre o Brasil e Portugal, mas um efectivo "acordo" entre pares.

Isso poderia ser acompanhado da garantia, hoje não assegurada, de que todos os países da CPLP, envolvidos numa vontade renovada, poriam o Acordo em funcionamento em simultâneo.

Ora, não estando garantida tal simultaneidade, como ficou claramente patenteado nas declarações do ministro da Cultura de Moçambique aquando da recente visita do nosso Presidente da República àquele país, corre-se o risco perverso de se transformar um instrumento que se quer estratégico de agregação num possível factor de desagregação com a eventual criação de outros blocos de variantes linguísticas que coloquem, por hipótese, Portugal e o Brasil de um lado e os PALOP de outro.

Acresce a tudo isto que, entre 1990 e hoje, não foi cumprido um objectivo estipulado pelo Acordo, prévio à sua entrada em vigor: a organização e publicação de um Vocabulário Técnico- -Científico que impedisse ou ajudasse a travar a forte deriva lexical que se vem sentindo entre a norma europeia e a brasileira.

3 - Por razões económicas e culturais:

A expansão internacional de uma língua não se faz nem por facilitações ortográficas bebidas em critérios fonéticos em detrimento de critérios etimológicos nem por unificações ortográficas estabelecidas por decreto, como as línguas inglesa ou francesa abundantemente revelam, mas sim pelos conteúdos que for capaz de veicular (através da literatura, da música, enfim da cultura). É por aí que passa uma verdadeira política de internacionalização de uma língua e não pelo logro da facilitação fonética da ortografia. Logro tanto maior quanto o critério acima referido da facultatividade vai criar maior dúvida grafémica em quem pretende aprender o português. Não será o Acordo que fará o português ganhar um único leitor, um só falante ou o direito a ser língua veicular num único forum internacional.

Acresce a este facto que o mercado do livro no espaço lusófono, e muito especialmente nos PALOP, tornar-se-á mais difícil de conquistar para a indústria editorial portuguesa e, consequentemente, os conteúdos culturais portugueses que os nossos livros veiculam terão mais dificuldade de penetração, designadamente ao nível das indústrias culturais e criativas, nos PALOP. Em síntese, a internacionalização da cultura portuguesa em África será mais difícil.

Estou ciente de que o bom senso político-cultural acabará por imperar através de acções concertadas que apelem à revisão do Acordo: revisão por certo desejada pela maioria dos linguistas e por todos quantos têm responsabilidades na defesa do património cultural; revisão com certeza esperada por alguns dos PALOP.

DN, 2-6-2008
 
UMA RECAPITULAÇÃO ÚTIL

Vasco Graça Moura
escritor

Sendo a língua portuguesa um bem constitucionalmente protegido, quer no seu papel identitário quer no que toca ao património cultural do nosso país (art.º 9.º, e) e f) e 78.º, c) e d) da Constituição), o Acordo Ortográfico (AO) virá a causar-lhe lesões profundas, afectando-a de maneira decisiva, irreversível e inaceitável em Portugal, com a consequente violação da lei fundamental, do interesse geral e dos direitos dos cidadãos.

É chocante o desfasamento entre o plano científico, cujas críticas e objecções não foram atendidas com posições devidamente fundamentadas por parte das autoridades competentes, e o plano político em que foram feitas, tanto a aprovação do Protocolo Modificativo de 2004, como a aprovação e ratificação em 1991 do próprio AO. Este, aliás, decorridos 18 anos, nunca entrou em vigor por razões de inadequação, desinteresse manifesto de vários dos Estados subscritores e, entretanto, de obsolescência.

Até o ilustre linguista brasileiro Evanildo Bechara, que tem tomado posição (confessadamente política) em favor do AO, acaba de afirmar, em sessão que teve lugar nos Açores em Maio do ano corrente: "Só num ponto concordamos, em parte, com os termos do Manifesto-Petição quando declara que o Acordo não tem condições para servir de base a uma proposta normativa, contendo imprecisões, erros e ambiguidades."

Tais vícios afectariam profundamente o português euro-afro-asiático-oceânico.

De resto, nenhum AO pode entrar em vigor na ordem interna sem estar regularmente ratificado por todos os países que subscreveram o Protocolo Modificativo de 2004, sob pena de se violar o n.º 2 do art.º 8.º da Constituição e de se cavar um fosso ortográfico em relação aos países que não o fizeram, contrariando de pleno os próprios objectivos de unidade ortográfica proclamados.

Não é lícito a nenhuma autoridade pública praticar actos que conduzam ao absurdo em relação aos propósitos que manifestou, como o Governo fez, ao declarar na proposta de aprovação do Protocolo que enviou para a AR, a intenção de começar já a tomar medidas para que o AO entre em vigor no prazo de seis anos.

O AO enferma de vícios que geram a sua patente inconstitucionalidade, questão que sobreleva à do cumprimento de quaisquer obrigações assumidas internacionalmente pelo Estado português.

São necessárias medidas conducentes ao seguinte:

a) Correcção das inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades do texto actual.

b) Eliminação das grafias facultativas, nele previstas ou por ele tornadas possíveis, nos domínios do H inicial (Base II), das consoantes mudas (Base IV), da acentuação (Bases VIII-XI) e das maiúsculas e minúsculas (Base XIX).

c) Reposição da questão das consoantes mudas nos precisos termos do AO de 1945.

d) Explicitação de regras claras para a integração na ortografia portuguesa de palavras de outras línguas dos PALOP, de Timor e de outras zonas do mundo em que se fala português.

e) Elaboração dos vocabulários ortográficos a que se refere o art.º 2.º do AO de 1990 (por instituições idóneas e com base em debate científico sustentado), e nos termos do mesmo, uma vez que são conditiones sine quibus non para a entrada em vigor de qualquer convenção desta natureza.

f) Realização de estudos sobre o impacto real das 21 bases do AO de 1990 no vocabulário do português europeu tendo em conta a frequência dos vocábulos, a existência de vocabulários de especialidade e acautelando a necessidade imperiosa da normalização terminológica.

g) Elaboração de estudos e pareceres sérios sobre as consequências no médio e no longo prazo da entrada em vigor do AO nos vários sectores afectados nas sociedades que seguem a norma ortográfica euro-afro-asiático-oceânica.

h) Posição clara do Ministério da Educação sobre esta matéria, que afectará nas próximas décadas o ensino da língua portuguesa e de todas as outras disciplinas.

Impõe-se a revisão e renegociação do AO e portanto a imediata suspensão da sua aplicabilidade.

As 50 mil assinaturas já obtidas pela petição Em Defesa da Língua Portuguesa e as muitas mais que entretanto acrescerão mostram que isto é uma inevitabilidade.

DN, 11-6-2008
 
THE PORTUGALS E A LÍNGUA PORTUGUESA

João Miguel Tavares
jornalista
jmtavares@dn.pt

Eu gostava de ser como Vasco Graça Moura e ter suficiente sabedoria para alinhavar dezenas de textos indignados sobre o Acordo Ortográfico. Só que o destino das consoantes mudas não me comove e a traição à raiz das palavras não provoca em mim o mais pequeno sobressalto. Mas sou sensível à questão da língua neste ponto: parece-me evidente que a escola tem cada vez mais dificuldades em meter na cabeça das criancinhas o gosto pelo português. Entre a contagem dos decassílabos d'Os Lusíadas e a promoção de "conhecimentos metalinguísticos", por algum lado o prazer se esvai. Prova disto: a recém-lançada colectânea de música Novos Talentos Fnac, que, na sua candura, me inquieta mais do que passar a escrever "coletânea" em vez de "colectânea".

Não me entendam mal: a ideia da compilação - permitir a gente nova gravar um tema em boas condições técnicas e divulgar o seu nome num disco patrocinado pela Fnac - é óptima, o preço uma pechincha (quatro euros por um duplo álbum) e os lucros até revertem para a AMI. Tudo ali é bem tratado, dos músicos aos consumidores. Tudo, menos a língua portuguesa. Porque, neste campo, acontece com a compilação de 2008 o mesmo que já acontecia com a de 2007, em que 13 das 17 músicas (76 por cento!) eram inglesas no título. Abertura do disco 1: os lisboetas The Guys from the Caravan, com o tema Just Kiss Me. Abertura do disco 2: Circles, dos The Pragmatic. E a coisa continua por aí fora, com a suprema ironia de haver pelo meio uns The Portugals, interpretando Give It to Me.

Eu sou filho, tanto como esses rapazes, de uma cultura imensamente marcada pela língua inglesa - e gosto muito. Mas é suposto haver uma certa distância entre aquilo que nos entra pelos ouvidos e aquilo que nos sai pela boca. É certo que há casos de portugueses a tocar com americanos, formando bandas transatlânticas, mas essas são excepções: o resto é mesmo pessoal da Brandoa a fingir que é de Bristol. E isso é bem mais grave, e mais sintomático da falência do português, do que o abate das consoantes mudas. Porque, das duas uma: ou se reduz uma canção à sua melodia, o que já por si diz muito da decadência das palavras, ou então não se percebe como é que um artista português, para se expressar publicamente, deixa de fora a língua que usa na rua, nas conversas de amigos, nas declarações de amor.

Não se trata aqui de "proteger" o português ou de resistir a invasões culturais, que são argumentos do tempo da Outra Senhora. Trata-se, isso sim, de acreditar na arte como uma extensão da vida - e de ver com espanto que a riqueza da língua e as suas potencialidades musicais não motivam minimamente jovens criadores, num meio tão popular quanto o das canções. Pode ser uma fase, é certo, mas se é uma fase já dura há demasiado tempo. Por mim, podem perfeitamente mudar a forma como se escreve em português - convinha é que ele continuasse a ser escrito.

DN, 1-7-2008
 
A OMELETA ESTRAGADA

Vasco Graça Moura
escritor

ACPLP vai reunir-se em Lisboa em 20e 21 de Julho. É possível que o Acordo Ortográfico volte sorrateiramente a fazer parte da agenda.

Pelo sim, pelo não, e para que não haja falhas de cabal esclarecimento, os signatários da petição manifesto em defesa da língua portuguesa estão a entregar nas embaixadas dos países membros da CPLP um dossier com todos os pareceres nega- tivos sobre o AO, que, de resto, se encontram arquivados e disponíveis no seu blogue oficial (http/emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com/).

A petição, que já ronda as 80 000 assinaturas, deverá ultrapassar as 100 000 dentro de três semanas. Quando for discutida na Assembleia da República, terá muitas mais. Mas, para já, será um firme e oportuno enquadramento da sociedade civil para a reunião da CPLP.

Entretanto, tive oportunidade de verificar que o Governo induziu escandalosamente em erro o Parlamento, a propósito do AO.

Lia-se no sétimo considerando da Proposta de Resolução n.º 71/X/3, enviada à AR para aprovação do segundo Protocolo Modificativo, que "o actual Governo consultou, através do Instituto Camões, as diversas entidades relevantes nesta matéria, como a Academia das Ciências de Lisboa, a Associação Internacional de Lusitanistas, a Associação Portuguesa de Escritores [sic] e Livreiros, a Associação Portuguesa de Linguística, a Fundação Calouste Gulbenkian e a União de Editores Portugueses".

O primeiro-ministro e os ministros dos Negócios Estrangeiros, da Presidência e dos Assuntos Parlamentares invocavam nesses termos as consultas feitas a entidades com peso científico, além das feitas àquelas que, por razões empresariais, teriam interesse em manifestar-se.

Qualquer pessoa desprevenida acreditaria que as respostas recebidas eram globalmente positivas e favoráveis.

Mas não foi assim.

Positiva foi apenas a da Academia das Ciências, em causa própria e com um parecer da pena de Malaca Casteleiro…

A Associação Internacional de Lusitanistas, consultada em 4.10.05, não respondeu.

A Fundação Gulbenkian disse, em 24.11.05, que aplicaria o AO às obras que editasse, após a sua entrada em vigor. Isto é, que cumpriria a lei.

A Associação Portuguesa de Linguística, num extenso e fundamentado parecer de 12.12.05, pronunciou-se pela imediata suspensão do processo em curso. No mesmo sentido, em 1.11.05, o Departamento de Linguística Geral e Românica da Faculdade de Letras de Lisboa. E o Instituto de Linguística Teórica e Computacional, tendo levantado vários problemas, afirmou: "De qualquer modo, o Acordo Ortográfico terá sempre consequências bem mais graves que a existência actual de duas normas, sobretudo na língua escrita no âmbito da Internet" (28.10.05).

É tudo. Outras entidades universitárias consultadas não chegaram a dar resposta, nem houve qualquer insistência para que a dessem.

As editoras e associações de editores manifestaram outro tipo de preocupações e fizeram perguntas que não foram respondidas.

Assim, o Governo não fez só tábua rasa dos pareceres negativos anteriores: veio invocar perante a AR este panorama contraditório dos fins que tinha em vista e louvou-se nele para fundamentar a sua proposta de aprovação do protocolo, o que é uma fraude pura e simples.

Entretanto, continua a não ser conhecido o teor do estudo sobre a língua portuguesa que foi entregue ao Governo há já várias semanas.

Continua a não se saber qual é a posição da ministra da Educação quanto ao Acordo Ortográfico.

E surgem notícias curiosíssimas como a do Sol de 28.6.08, segundo a qual cerca de 150 docentes e investigadores discutiriam em Coimbra, anteontem e ontem, "os desafios que se colocam ao ensino da língua portuguesa desde o pré-escolar ao básico, nomeadamente com a introdução do Acordo Ortográfico", num encontro que terá reunido professores do ensino básico e superior, entre os quais dois numerosos docentes da universidade.

Há gente que pretende fazer uma omeleta ortográfica a toda a pressa. Mas não quer que se veja que os ovos estão de todo impróprios para consumo e muito menos analisar o estado em que eles se encontram. No fundo, este é um problema mais para a ASAE do que para a CPLP.

DN, 2-7-2008
 
NÃO!

Vasco Graça Moura
escritor

É possível que o Presidente da República não tivesse outro remédio formal que não fosse o de ratificar o segundo protocolo modificativo do Acordo Ortográfico.

Mas acontece que o Presidente da República é hoje o único alto responsável político português que tem plena consciência de que o Acordo Ortográfico é um deprimente chorrilho de asneiras. E de que a sua adopção introduzirá um cancro incurável na ortografia da língua portuguesa.

O Presidente da República está ciente de tudo isso por ter mandado estudar a abundante documentação que lhe foi entregue oportunamente, coisa que, de resto, o Governo não fez e devia ter feito.

Sendo que todas as análises especializadas produzidas sobre o Acordo são profundamente negativas, criar condições para que ele entre em vigor, sem se promover uma sua revisão de fundo, gera uma gravíssima responsabilidade jurídica, moral, política, cívica e cultural que não pode ser escamoteada por ninguém e a que o Presidente da República não pode fugir.

A ratificação vai ainda tornar possível a sequência delirante e já anunciada pelo ministro da Cultura de ser promovida a aplicação do Acordo em Portugal, independentemente do que resolverem Angola, Moçambique e a Guiné--Bissau, mais uma vez contra o parecer dos especialistas mais abalizados.

Decorridos 18 anos sobre a enormidade e, entre o desuso, o desinteresse, a obsolescência e a verificação gritante da péssima qualidade do Acordo, não há razão nenhuma para acelerações e muito menos para o Governo português decidir aplicá-lo antes de Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau o terem ratificado, o que, aliás, oxalá não façam nunca...

Ao contrário do que diz o ministro da Cultura, não é o Governo que decide quando o aplica em Portugal, dado o contexto em que toda a questão se coloca. Toda a lógica da situação obriga a que Portugal não se comporte com voluntarismos caprichosos de dono pesporrente da língua. E recomendaria a qualquer decisor político de boa-fé se aproveitasse o tempo ainda disponível para se promover uma revisão imprescindível.

Mas entretanto, o Governo tentará comprometer pessoalmente o Presidente da República com toda esta situação vergonhosa, já que o Acordo Ortográfico foi subscrito em 1990 quando o prof. Cavaco Silva era primeiro-ministro. Simplesmente, há indícios de a chefia do Governo da época ter sido grosseiramente manipulada.

António Emiliano acaba de publicar na Guimarães Editores o livro O Fim da Ortografia - Comentário Razoado dos Fundamentos Técnicos do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).

Aí afirma, quanto à Nota Explicativa, única peça oficial em que se fundamenta o Acordo, que "com documento tão desconchavado, tão imperfeito e tão lacunar, nenhum decisor político está ou esteve em condições de apreciar verdadeiramente o teor e as consequências da reforma".

E acrescenta: "É meu parecer profissional que o texto da Nota Explicativa peca não apenas por conter erros grosseiros de análise linguística e de apreciação da estrutura, natureza e funcionamento de um sistema ortográfico, mas também por induzir deliberadamente em erro os decisores políticos quanto à verdadeira extensão das mudanças ortográficas propostas."

De resto, António Emiliano não se limita a demonstrar que o Acordo Ortográfico é um conjunto calamitoso de erros inaceitáveis.

Indo mais longe do que quaisquer outros estudos academicamente qualificados que já aqui citei mais do que uma vez, este livro demolidor interpela o sentido de responsabilidade de todo e qualquer falante do português euro-afro-asiático-oceânico.

Da sua análise implacável resulta que se está perante um verdadeiro crime contra a língua portuguesa.

Ante todo este escândalo, a sociedade civil não pode cruzar os braços. Tem de insistir no seu protesto. Tem de engrossar o caudal das suas tomadas de posição. Tem de assinar maciçamente a petição/manifesto que corre na Internet. Tem de começar a enviar sms para todos os lados, dizendo que o Acordo Ortográfico é uma vergonha nacional. Tem de provocar a revisão dessa enormidade. Tem de afirmar em todas as ocasiões que não o aceita e se recusa a dar-lhe cumprimento.

DN, 23-7-2008
 
AS CONTAS E OS NÚMEROS DO ACORDO ORTOGRÁFICO

António Emiliano
Linguista - Universidade Nova de Lisboa

O único documento oficial favorável ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO) que se conhece é a "Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)" (anexo II do AO). Essa Nota contém, para além de múltiplas deficiências técnicas, lacunas graves: menciona estudos preliminares que ninguém viu e que não estão disponíveis, e refere dados quantitativos que ninguém pode verificar.

A Nota Explicativa defende, nomeadamente, o baixo impacto das mudanças ortográficas através de percentagens (menos de 2% de palavras afectadas pelo AO) calculadas a partir de uma lista de 110 mil palavras (de estrutura e composição desconhecidas) pertencentes ao "vocabulário geral da língua", ignorando a) as frequências das palavras, b) as formas flexionadas das mesmas e c) a possibilidade de todas as palavras afectadas formarem combinatórias com outras, i.e., termos complexos, designações complexas, etc. É uma avaliação desprovida de método rigoroso e de base científica séria: a consideração eventual das frequências, das flexões (cada verbo tem mais de cinquenta formas distintas), das prefixações (atestadas e virtuais) e das combinatórias alterará radicalmente os números do impacto ortográfico do AO.

O Governo fez discretamente consultas em 2005, solicitando através do Instituto Camões pareceres a várias instituições: dois pareceres, o do Instituto de Linguística Teórica e Computacional e o da Associação Portuguesa de Linguística (APL), foram tornados públicos aquando da audição parlamentar de 7/4/2008. São pareceres negativos que apontam deficiências graves ao AO. A APL recomenda a suspensão do processo em curso e a não aprovação do 2.º Protocolo Modificativo. Estes pareceres foram tornados públicos, note-se, pelos autores, não pelo Instituto Camões ou pelo Governo. Um requerimento da deputada Zita Seabra permitiu recentemente o conhecimento de todas as entidades contactadas em 2005 e dos pareceres obtidos: há um parecer do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa muito negativo, com as mesmas recomendações do parecer da APL, e outro da Academia da Ciências de Lisboa, defendendo a aplicação do AO, redigido por Malaca Casteleiro (MC), autor do AO (!).

No parecer de 2005, MC afirma que "a Academia das Ciências de Lisboa, através do seu Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa, está preparado e disponível para efectuar, num prazo de seis meses, uma primeira versão do referido Vocabulário [Ortográfico], com cerca de quatrocentas mil entradas lexicais".

É informação inédita que não se conjuga facilmente com factos públicos:

1) os argumentos quantitativos de 1990 a favor do AO basearam-se numa lista de 110 mil palavras da Academia das Ciências;

2) o Dicionário da Academia de 2001, coordenado por MC, tem ca. 70 000 entradas;

3) MC foi substituído em 2006 na presidência do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia na sequência da elaboração de dicionários "conformes ao AO" publicados (em 2008) pela Texto Editores, Novo Grande Dicionário da Língua Portuguesa com ca. 250 000 entradas e Novo Dicionário da Língua Portuguesa com ca. 125 000;

4) MC é responsável por um projecto aprovado em 2006 pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia - Dicionário ortográfico e de pronúncias do português europeu (PTDC/LIN/ /72833/2006) - financiado com 70 000€, com o qual se "pretende o desenvolvimento do primeiro dicionário ortográfico e de pronúncias para cerca de 150 mil lemas do português de norma europeia, que deverá constituir uma ferramenta linguística de referência a nível ortográfico, morfológico e fonético" (informação do sítio web da FCT).

Havendo informação objectiva que associa um dos principais autores do AO a listas de palavras de dimensões e composição distintas - - 110 mil palavras em 1990, 125 mil em 2008, 150 mil em 2006, 250 mil em 2008 e 400 mil em 2005 - pergunta-se:

a) qual das listas é a mais fiável?

b) qual a credibilidade dos argumentos de 1990 baseados numa lista de 110 mil palavras?

c) como é possível o autor do AO apresentar no espaço de três anos vocabulários tão díspares?

d) por que razão, em resposta a consulta do Governo, MC declarou em 2005 poder apresentar em seis meses um vocabulário de 400 mil entradas mas em 2006 recebeu da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (ou seja, do Estado) financiamento de 70 000€ para realizar em três anos um vocabulário com 250 mil palavras?

Algo não bate certo nestes números, que requerem, naturalmente, explicações.

DN, 25-7-2008
 
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