05 março, 2008

 

Da razão


da guerra




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AS RAZÕES DAS GUERRAS

ABEL COELHO DE MORAIS

A ameaça de guerra civil no Quénia, a perspectiva de novo ciclo de violência no Kosovo, a sombra da Al-Qaeda no Magrebe e certas áreas da África subsariana, a intensificação dos confrontos no Sri Lanka, as provas de força da guerrilha das FARC, o regresso dos ataques terroristas no Iraque, acções de retaliação israelitas sobre os radicais palestinianos são algumas das provas de que a paz prometida no último quartel do século XX está longe de garantida.

O mundo vive sob a ameaça de uma longa série de conflitos degenerarem em guerras abertas e de antigas tensões ressuscitarem sob forma violenta em diferentes pontos do globo.

A presente crise no Quénia - visto como uma nação estável e relativamente desenvolvida - ilustra um dos aspectos dos novos conflitos e o modo como um país politicamente pluralista e aberto em termos sociais assiste, num momento, ao curto-circuito dos mecanismos de resolução pacífica de tensões e passam para primeiro plano reivindicações de redistribuição de poder, político e étnico, e se perspectiva um longo período de violência que pode culminar numa guerra civil.

Ainda em África, guerras de atrito de longa duração entre países adjacentes (que parasitam por vezes conflitos internos: o sucedido na RDCongo e no Ruanda, por exemplo), com os seus ciclos de represália e contra-ofensivas, conduzem à desagregação do aparelho do Estado, a vagas de populações deslocadas que "invadem" países fronteiriços, alastram a esfera de instabilidade e convidam à intervenção de novos actores na crise.

Afeganistão e Iraque são, na actualidade, exemplos daquela forma de conflito, cujo controlo ou extinção se afigura improvável, perspectivando, pelo contrário, a hipótese do seu agravamento ou a sua perpetuação por tempo indefinido.

É ainda no Médio Oriente que Israel, palestinianos, Líbano e Síria estão envolvidos num conflito poliédrico e de geometria variável envolvendo, à vez, alguns ou todos estes protagonistas numa lógica de tensões que desafia qualquer hipótese de solução pacífica. Neste quadro, o braço-de-ferro entre a Fatah, de Mahmoud Abbas, e o Hamas, em certa medida apoiado pelo Irão, acrescentou um factor de guerra civil à sociedade palestiniana que só veio tornar ainda mais complexo negociar a paz na região.

Uma região em que não se deve esquecer a longa guerra civil libanesa e a recente afirmação de poder do Hezbollah como principal representante da comunidade xiita, demograficamente maioritária mas politicamente menorizada, e a longa sombra de Damasco sobre o Líbano, que considera o seu "quintal" privativo e interface operacional no conflito com Israel. A soma destes factores deixa antever uma conjuntura regional explosiva no curto, no médio e no longo prazo.

Conjuntura explosiva é também aquela que se perpetua no Sri Lanka, onde as reivindicações de tâmiles e a supremacia política e social dos cingaleses desembocaram numa guerra civil, que provocou mais de 60 mil mortos em duas décadas.

Num espaço actualmente pacificado em termos de conflitos internos armados, a América Latina, persistem algumas organizações de guerrilha que - passado a época do fervor ideológico - actuam hoje como predadores sociais e económicos, mantendo forte pressão sobre o Governo dos países em que operam. As poderosas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) representam uma real ameaça ao Governo de Bogotá, pela capacidade de mobilização e força armada (cerca de 20 mil efectivos), pelo domínio sobre largas regiões do país e pela renda resultante do controlo da produção e comercialização de cocaína.

É contudo na Europa que se manifesta uma das situações mais críticas, numa zona com longa e violenta história: o Kosovo. O cenário da independência desta região, central no imaginário nacionalista sérvio, e a possibilidade de retaliações de Belgrado pode conduzir a uma escalada em que o cenário de uma adesão da Sérvia à União Europeia ou o peso da presença da NATO naquela região de maioria albanesa podem não ser dissuasor suficiente para evitar o conflito aberto. Mas o preço da paz sempre é elevado.

DN, 24-1-2008
 
A arma da diplomacia e da economia

A força das armas não é o único argumento nos conflitos internacionais. Fracassada a opção militar ou o receio de recorrer a esta abrem caminhos aos meios de pressão diplomática e económica.

Na Europa, Gibraltar, Chipre, a Transdniestria e o Kosovo são exemplos de tensões militares que evoluíram para a esfera diplomática, embora no último caso o cenário de novos confrontos armados permaneça uma real possibilidade. Por seu lado, Chipre vive a possibilidade de permanecer para sempre em duas entidades, mesmo após a adesão turca à União Europeia enquanto a pouca conhecida região da Transdniestria demonstra a recorrente tentação de Moscovo testar os limites da soberania dos novos Estados independentes saídos da ex-União Soviética. Um teste que se manifesta, principalmente, com as armas da diplomacia e da pressão económica, mas quando não necessário não hesita em recorrer à linguagem das armas.

As armas foram também uma solução - pontualmente - nos diferendos nos mares asiáticos em que a República Popular da China se afirma, cada vez mais, como potência regional. Os arquipélagos Spratly e as ilhas Senkaku/Diaoyutai têm sido, desde os anos 70, o palco de várias exibições de força e alvo de um sem-número de encontros diplomáticos. Aqui, a negociação tem-se sobreposto às armas, mas o inverso não é inverosímil a médio ou longo prazo.

Também nas Malvinas/Falklands a lógica das armas foi substituída por um duelo diplomático entre Buenos Aires e Londres, a que ocupação britânica confere carácter pouco produtivo.

De volta à Europa, Espanha mantém dois diferendos diplomáticos, um exigindo a devolução de um território (Gibraltar), no segundo caso, recusando-se a devolver outros (Ceuta e Mellila). Perdido o "rochedo", Madrid não cessa o de reivindicar, prosseguindo até há pouco uma política de sanções sobre aquele território. Por outro lado, com Marrocos, recusa qualquer negociação sobre o futuro dos enclaves espanhóis no Norte de África.

Diplomacia e negociação têm sido também empregues em conflitos internos para se chegar às "condições de paz": reformas políticas, redistribuição de poderes, acesso a recursos ou definição de autonomias regionais. Os acordos para a autonomia do Aceh (Indonésia) ou de Mindanao (Filipinas) indicam que a diplomacia não é um sucedâneo da guerra, mas pode ser uma alternativa a esta.

DN, 24-1-2008
 
América já viu morrer um milhão de militares

Leonídio Paulo Ferreira
jornalista

Chamava-se José Rubio o morto 4000 do exército americano no Iraque. Mas podia também ser George Delgado, Christopher Hake ou Andrew Habsieger. Os quatro patrulhavam as ruas de Bagdad quando uma explosão destruiu o seu blindado. Nesse domingo, 23 de Março, a frieza dos números redondos ajudou a que a sua morte fosse menos anónima que as dos outros americanos que caíram já no Iraque apesar de George W. Bush ter proclamado vitória em Maio de 2003. Nesse momento, com Saddam em fuga, a invasão parecia ser um sucesso, uma das novas guerras em que o atacante, com a sua tecnologia, morre pouco.

José nasceu no México, cresceu no Texas e sonhava ganhar a nacionalidade americana. Por uns dias, foi um ícone: o jovem, de 24 anos, que se imolou por uma guerra que se baseou em premissas falsas. Saddam tinha um historial de agressões (do Irão ao Koweit), mas não possuía as armas de destruição maciça de que falava Bush. Rapidamente, porém, o soldado Rubio passará ao anonimato. É o destino de quase todos os mortos. E em dois séculos, a América já viu morrer um milhão de soldados.

São 12 os grandes conflitos em que os americanos se envolveram, segundo o Departamento dos Assuntos dos Veteranos, que possui estatísticas das guerras desde 1775. A mais recente surge sob a designação de Guerra Global ao Terror, mas na prática divide-se em duas: Afeganistão e Iraque (respostas ao 11 de Setembro de 2001).

De todos os embates do passado, dois foram especialmente mortíferos. A Guerra Civil, porque pela primeira vez se usaram técnicas modernas (couraçados, caminhos-de-ferro, telégrafo, balões de reconhecimentoaéreo), e a Segunda Guerra Mundial.

País de imigrantes, muitos soldados americanos nasceram no estrangeiro como José. Houve portugueses na batalha de Nova Orleães em 1815. Houve luso-americanos na Segunda Guerra. E há também os há no Iraque, como Joseph Câmara e Michael Andrade, filhos de açorianos e ambos mortos no primeiro ano da guerra. Apenas dois nomes entre o tal milhão.

DN, 6-5-2008
 
A LENTA DESCIDA PARA A GUERRA

João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Os jornais andam cheios com uma palavra que julgávamos extinta: guerra! Após 1945, o Ocidente prometeu acabar de vez com esse pesadelo e declarou solenemente: "Nunca mais!" Houve vários conflitos nos últimos 60 anos, mas em geral em zonas longínquas e, apesar de tudo, sem ultrapassar os limites locais.

Agora porém fala-se cada vez mais de confrontos e embates com ramificações globais.

Os cínicos não se admiram destas ameaças porque nunca acreditaram naquele voto piedoso. A guerra faz parte da natureza humana, dizem. Mas o mundo mudou muito neste campo. Graças ao progresso económico temos hoje cinco importantes protecções contra uma guerra global.

A primeira é essa lembrança da pior de todas as guerras. Os avanços industriais aumentaram tanto a capacidade devastadora que a ruína de 1939 a 1945 foi inacreditável. Ligada a esta está a segunda protecção, porque o progresso continuou e o ser humano tem hoje armas ainda mais medonhas.

Uma futura guerra pode ser final porque será assombrada pelo fantasma da aniquilação planetária.

O progresso contribuiu também com uma protecção subtil: deu ao mundo a certeza ou a esperança de grande conforto e o desejo de o conservar. O globo vive crescentemente numa sociedade de classe média, comercial e financeira, onde a burguesia é dominante. Ela foi sempre o estrato mais relutante em combater porque, consumista e próspera, prefere a diplomacia à birra...

As lutas nascem em geral de nobres ociosos ou proletários desesperados.

As duas últimas razões são ideológicas, embora ligadas a esta dinâmica. A cultura contemporânea perdeu o culto da glória militar e a exaltação dos combatentes. Se agora um governo desenvolvido, mesmo americano, anunciasse uma conquista imperial, seria, não aclamado como antes, mas desprezado pelos eleitores. Por outro lado, a nossa crença nos direitos humanos leva-nos a respeitar os outros povos sem nos considerarmos superiores. Está obsoleta a teoria, antes comum, do domínio sobre os indígenas ignaros para bem deles e da civilização.

Estes cinco elementos revelam como a evolução económica reduziu em muito o impacto agressivo de alguns traços da natureza humana: a cobiça, inveja e orgulho são hoje mais bem servidos pelo comércio que pela conquista, gerando aquelas protecções. Mas outros aspectos do nosso carácter contrastam com estes e criam o recente surto militar.

O primeiro é o medo e desconfiança. O pavor gerado pelo 11 de Setembro de 2001 gerou uma hostilidade que ainda dura. A China e a Índia gerarão outros. A segunda causa, principal origem de todas guerras, é a busca da justiça. Os confrontos nascem em geral, não dos maus, mas dos que se julgam bons atacando os que consideram maus. Apesar de exaltarmos a tolerância e os direitos, continuamos a acusar e castigar os outros, agora não por origens étnicas mas opções ideológicas. Por exemplo, o Ocidente diz ter grande respeito pelos povos árabes, mas está disponível para insultar Maomé e os seus dogmas devido às posições muçulmanas acerca das mulheres, liberdade e violência. Toleramos tudo menos o que achamos intolerável. Como os nossos avós. Assim, o próximo conflito mundial nascerá do medo e castigo.

Hoje tal cenário ainda parece longe, mas também em 1918 ninguém acreditava que 20 anos depois se estaria de novo em guerra. Já se percorrem paulatinamente as etapas que lá conduzem. Como em séculos anteriores, pequenos passos de agressão, insignificantes em si, descem patamares de onde já não se sobe. No terrorismo cada nova crueldade é marco a ultrapassar. Por razões inversas, a mesma progressão se dá na civilização.

Após a libertação do Koweit em 1991 e a in- vasão bondosa da Somália em 1992 foi mais fácil o bombardeamento libertador do Kosovo de 1999. Isso tornou admissível os ataques punitivos ao Afeganistão em 2001 e Iraque em 2003. Que por sua vez fazem plausível uma ameaça ao Irão hoje. Cada assalto estabelece o nível de violência de onde se parte na vez seguinte. Este caminho levou de Bismarck a Guilherme II e daí a Hitler.

DN, 28-7-2008
 
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