28 maio, 2008

 

Água virtual


O preço do produto final




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Água virtual

Bernardino Guimarães , Ambientalista

Um quilo de carne de vaca, até chegar ao consumidor, exige o gasto de dez mil litros de água. Surpreendente? Mais ainda será pensarmos que uma simples chávena de café, fumegante e consoladora, equivale a 140 litros de água despendidos, desde o cultivo, passando pela produção e armazenamento dos grãos. Também no ciclo de produção de, digamos, meio quilo de queijo, vão-se 2500 litros do precioso líquido. A substância vital da vida no nosso planeta Terra (que alguns prefeririam denominar planeta Água), bem escasso, perde-se assim, em processos que em grande medida ignoramos.

Os dados que aqui deixei provêm de estudos do professor Jonh Anthohy Allan, galardoado com o "Prémio Estocolmo da Água 2008", que estabeleceu a teoria da "Água virtual", com o cálculo da quantidade desse líquido que é gasta na produção de alimentos. Água virtual será, deste modo, água cujo consumo real fica oculto no processamento dos alimentos, desde a agricultura e pecuária até à sua fabricação, armazenamento e distribuição. Quando vasculhamos as prateleiras dos supermercados, dificilmente temos consciência desse gasto de um recurso finito e frágil, que se junta aos consumos "visíveis" que vão do acto de beber, de tomar banho ou mesmo de abrilhantar o automóvel em domingueira lavagem.

Cada um de nós, habitante dos países ditos desenvolvidos, requer por dia entre dois e cinco mil litros de "Água virtual", o que supera largamente a quantidade usada para o consumo directo.

A Hidrosfera (total da água existente junto da ou na superfície da Terra) é vasta, configurando mesmo a cor azul que recobre, qual fina película milagrosa, o planeta que nos serve de casa, mas não ignoremos o facto de que os mares e oceanos retêm, pelo menos 97% de toda essa água, e que o gelo (as calotes polares e os glaciares) reivindica mais uns dois por cento. O que sobra de água doce e utilizável, em aquíferos subterrâneos, lagos e rios (e naturalmente na atmosfera) fica-se por menos de 1% desse líquido. Poluindo rios e lagos, contaminando aquíferos ou permitindo a sua salinização, estamos a reduzir ainda mais a quantidade do recurso disponível. Como outras coisas na vida, infelizmente, a disponibilidade de água no Mundo está mal distribuída- grande parte da Humanidade vive em territórios áridos e semidesérticos, onde todos os dias se joga a sobrevivência… na busca de um balde de água!

Acresce que as alterações climáticas em curso podem agravar este quadro não demasiado brilhante, tornando as secas mais frequentes e prolongadas e estendendo as "cinturas de aridez." Não só em África e Ásia- o Sul da Europa é muito vulnerável e Portugal deve gerir com consciência e inteligência os seus recursos hídricos.

A insistência em projectos de agricultura intensiva e o turismo insustentável, que rega copiosamente campos relvados no clima semiárido do Sul do país, são exemplos do que não deve fazer-se, mas faz-se!

Entre rios poluídos (veja-se aqui o Leça, o Tinto, o próprio Douro) e o desperdício absurdo nas redes de abastecimento (em média, perde-se 40% da água destinada às cidades, por defeitos nas condutas e erros de concepção nas redes), pode dizer-se que uma política nova para a água é urgente.

A teoria do professor Allan ajuda-nos a entender melhor essa necessidade, que nos toca enquanto consumidores, tantas vezes ignorantes da "pegada ecológica" que deixamos, nos gestos quotidianos e banais. Muito do que é essencial é deixado para trás nesta sociedade de consumo e de indiferença. Nada é mais essencial do que a água, mesmo que "virtual" aos nossos olhos distraídos.

blguimaraes@hotmail.com

JN, 1-4-2008
 
Uma grave crise mundial nas fontes de água potável

LUÍS NAVES

A cada 20 segundos, morre uma criança com alguma doença relacionada com a falta de água potável. Isto origina um holocausto anual de 1,5 milhões de vidas. Mais de mil milhões de pessoas têm dificuldades de acesso a água segura e 2,6 mil milhões não dispõem de instalações sanitárias. A ONU, que celebrou ontem o Dia Mundial da Água, quer reduzir o número de pessoas nesta situação para metade, até 2015.

Este objectivo é uma verdadeira corrida contra o tempo e será difícil de alcançar: de um lado, estão as alterações climáticas ou os problemas económicos; do outro lado, avanços tecnológicos e novas técnicas de gestão. A água é um bem escasso e a ciência conhece esse facto há muito tempo, mas as crescentes necessidades estão a colocar outra pergunta: até que ponto existe uma crise mundial no acesso à água potável?

Em várias regiões do planeta acumulam-se indícios de faltas de água crónicas. No Médio Oriente, por exemplo, a crescente escassez está a preocupar os decisores políticos e pode vir a ser motivo de novos conflitos. Israel é um exemplo: o país atravessa uma seca há uma década e a sua agricultura usa proporção considerada excessiva da água disponível. Com os aquíferos debilitados e as unidades de dessalinização a um terço do necessário, o Governo foi forçado a reduzir para metade a água agrícola e aposta na reciclagem.

Partes de África estão em situação complicada. O lago Chade abastece 30 milhões de pessoas mas, no espaço de uma geração, encolheu para um décimo do tamanho original, o que é visível em imagens de satélite.

Um estudo agora publicado na revista Nature aponta para soluções práticas na crise de água no planeta. A potável equivale a 3% da que existe na Terra; dois terços dessa água segura encontram-se em glaciares que o aquecimento global está a destruir; a de superfície equivale a menos de 1% da potável, ou 0,03% do total; e só 2% destes 0,03% estão em rios.

O estudo defende que as mudanças climáticas estão a ter impacto na escassez. E o sector da agricultura terá de reduzir o seu consumo, que se calcula seja, nos EUA, de 40% do total de água potável extraída.

A dessalinização é um processo dispendioso em energia e as técnicas de desinfecção causam problemas ambientais. Mas o problema é também económico, com os países pobres a sofrerem mais. A falta de água potável é uma das causas da pobreza, além de seu efeito: 6% de todas as doenças são causadas por falta de água segura e de saneamento básico.

Não admira que a ONU esteja pessimista em relação aos seus objectivos de 2015. Segundo escrevia o secretário-geral Ban Ki-moon, numa mensagem por ocasião do Dia Mundial da Água, "em 2015, 2,1 mil milhões de pessoas não terão saneamento básico. Ao actual ritmo, a África subsariana não atingirá a meta [da ONU] antes de 2076".

DN, 23-3-2008
 
UM PLANETA DE ÁGUA

A. M. Galopim de Carvalho
Geólogo

Pela distância a que se encontra o Sol, a superfície do nosso planeta caracteriza-se por um intervalo de temperaturas que permite a presença de água nos estados sólido, líquido e gasoso, sendo o líquido o de mais vasta representação e o que maior influência teve e tem nos processos geológicos e biológicos. A vida nasceu na água, líquido essencial à composição e fisiologia das plantas e animais. Grande parte do corpo dos seres vivos é água. A água é essencial à alteração das rochas e à formação dos solos, à erosão e à deposição de sedimentos. Mas o papel da água não se confina aos processos superficiais. Está ainda presente nos processos físicos e químicos internos geradores de rochas como o granito o basalto e muitas outras.

Na Terra, o precioso líquido terá surgido por condensação de uma atmosfera primitiva, rica em vapor de água, a que se terá juntado muita água transportada por cometas. Teria bastado o abaixamento da temperatura à superfície, para valores inferiores a 370ºC, e uma diminuição da pressão atmosférica, para níveis na ordem dos 220 bars, para que o vapor de água condensasse e começasse a preencher as áreas mais deprimidas do planeta de então, originando as primeiras bacias isoladas que puderam crescer em profundidade e extensão, acabando por coalescer em um ou mais oceanos primitivos. Hoje com cerca de 71% da superfície coberta por este líquido, o nosso planeta, se reduzido a uma esfera, estaria envolvido por uma camada de água, com cerca de 2.5km de espessura

As águas pluviais e a precipitação de neve alimentam rios e glaciares, cuja acção erosiva modifica constantemente, o relevo da Terra, escavando vales, arrasando montanhas e aplanando vastas extensões da sua superfície. Sendo o principal agente da alteração das rochas, a água está na origem do solo. A água exerce erosão química sobre as rochas, carregando-se de sais que transporta para os oceanos.

Foi no seio da água que teve lugar a formação de algumas moléculas existentes no mundo orgânico, entidades que, acumuladas nos mares primitivos, ainda quentes, geraram as primeiras fases de uma evolução progressivamente mais complexa, mas ainda não considerada vida. Numa caminhada de complexidade crescente, algumas macromoléculas, surgidas dessa evolução, adquiriram capacidade de regular a informação genética, esbatendo a diferença que separa o mundo vivo do mundo mineral. Sempre no seio da água, os já então seres vivos foram melhorando a sua eficácia na utilização da energia e só muito mais tarde, uns três mil e quinhentos milhões de anos depois, a vida pôde sair do mar e povoar as terras emersas.

DN, 14-6-2008
 
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