02 maio, 2008

 

Maio de 68


40 anos depois que lugar à utopia?




http://pt.wikipedia.org/wiki/Maio_de_1968

http://68bis.arte.tv/

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QUARENTA ANOS DEPOIS

Mário Soares

Maio de 1968 foi há 40 anos! Abalou a França e a Europa. Não a América do Norte, onde a revolução dos hippies, a revolta nas faculdades e a libertação sexual tinham começado um ano antes, pelo menos.

1968 foi o ano em que foi assassinado o pacifista Martin Luther King, por ter lutado contra a segregação racial e também contra a pobreza (segregação social), estendendo a mão a todos os oprimidos. Hoje, 40 anos depois, Barack Obama retoma a luta - e o sonho - para que um negro chegue à Casa Branca. Mas não só. Também para que os Estados Unidos se transformem, actualizem e renovem o velho pioneirismo americano, em favor dos direitos humanos, tão caro aos democratas, como Wilson e Roosevelt. Acabem com os Guantánamos, os Abu Ghraibs, as torturas, os assassinatos políticos. Consigam banir para sempre a violência, as intervenções armadas, o unilateralismo, as guerras preventivas, nas suas relações externas.

Como se gritava nas ruas de Paris em Maio de 68: "É proibido, proibir!"; "Sejam realistas, peçam o impossível!"; "A imaginação ao poder!..."

Passei quase todo o ano de 1968 - tinha 44 anos - deportado em São Tomé. E se Salazar não tem caído da cadeira - e Caetano não tivesse montado a operação "renovação na continuidade" - teria lá ficado bastante mais tempo. Segui por um pequeno transístor, que captava a Rádio Brazzaville, que me haviam feito chegar clandestinamente, esse período que marcou toda a geração de 68, tanto a ocidente como a leste. Quando regressei a Lisboa, percebi que a política de oposição portuguesa de unidade antifascista tinha mudado radicalmente e que o regime tinha entrado na sua fase final.

Daniel Cohn-Bendit foi a figura de cartaz de Maio de 68. Judeu, franco-alemão, é hoje deputado verde, ao Parlamento Europeu. A fotografia dele em jovem, com um sorriso irónico, a desafiar a polícia francesa, em Nanterre, correu mundo e ficou na memória de sucessivas gerações.

Hoje, Nicolas Sarkozy entende que é preciso "liquidar a herança de Maio de 68". Mas os franceses, numa sondagem recente, pensam o contrário: 74% afirmam que Maio de 68 "teve um efeito positivo na sociedade". Em que medida? Em matéria de igualdade entre homens e mulheres; nos costumes; na assunção da liberdade sexual; nos direitos sociais; na vida política; nas relações entre pais e filhos, etc... Dany le rouge, como lhe chamavam, fez o balanço desse tempo e diz: "Ganhámos!" Escreveu no seu recente livro Forget 68: "Não há nada a liquidar, mas tudo a reinventar para mudar a política."

A Fundação Mário Soares vai organizar um colóquio, no próximo mês, sobre Maio de 68 e uma exposição de cartazes da época. E em Junho penso poder trazer a Lisboa Daniel Cohen-Bendit para uma conferência-debate sobre o mesmo tema.

DN, 8-4-2008
 
PARA ENTRARMOS EM MAIO DE... 2008

João Lopes
crítico

Aproxima-se uma efeméride que, por certo, não irá favorecer nenhum consenso unanimista, cínico e redutor. Estou a pensar nos quarenta anos passados sobre as revoltas de Maio 68, em França, um "mês" lendário, indissociável de múltiplas e duradouras repercussões políticas, estéticas e simbólicas. Na pior das hipóteses, alguns discursos maniqueístas, prisioneiros do imaginário televisivo, vão tentar encurralar-nos nos grandes paralelismos pueris ("como é que evoluiu a revolta?"), esquecendo que Maio 68 foi a concretização dramática de uma pluralidade, radical e contraditória, que não pode ser descrita de modo tão fútil.

O problema, como é óbvio, não se reduz a uma curiosidade "francesa". E não só pelos ecos globais das palavras e das acções de há quarenta anos. Assim, importa voltar a olhar para as imagens de Maio 68, nunca esquecendo que tais imagens são indissociáveis de ideias fortes que foram testadas na própria agitação das ruas e das reuniões ou, então, para o melhor e para o pior, nasceram da sua dinâmica. De França começam a surgir alguns contributos estimulantes como, por exemplo, o número especial de Le Magazine Littéraire, intitulado, precisamente, Les idées de Mai 68. Vale a pena consultar também o site do Institut National de l'Audiovisuel (www.ina.fr) cuja secção "La révolution en images" apresenta uma fascinante colecção de registos ligados a Maio 68 (reportagens, emissões televisivas, etc.), num trabalho de divulgação realizado em colaboração com o jornal Libération, cujos ecos se deverão fazer sentir no próximo Festival de Cannes (14/25 Maio).

Esta é uma efeméride tanto mais sedutora quanto a possibilidade da sua revisitação não se esgota numa mera visão "pitoresca" dos confrontos entre estudantes e polícias ou das barricadas de rua. De facto, a história ensina-nos que alguns títulos do cinema francês escreveram uma espécie de história paralela de Maio 68, não necessariamente porque o tenham abordado enquanto acontecimento, mas também porque, por vezes, souberam conter sinais de uma inquietação profunda a que, mais tarde, não pudemos deixar de reconhecer um valor premonitório.

Entre as referências emblemáticas de tal cumplicidade entre cinema e história colectiva, é inevitável citar essa obra-prima de 1967 (estreada a 29 de Dezembro, em Paris) que é Weekend, de Jean-Luc Godard, entre nós chamado Fim de Semana (estreia portuguesa: 13 de Dezembro de 1974). É nesse filme de Godard que encontramos a célebre sequência de um monstruoso engarrafamento motivado por um acidente, sequência que pela sua crueldade física e pelo sentimento de indiferença que a atravessa, ficou como um emblema da desumanização da sociedade de consumo.

Aliás, quando revemos um filme como Weekend, ou outros que Godard dirigiu na mesma época (penso em Deux ou Trois Choses que Je Sais d'Elle ou La Chinoise, respectivamente de 1966 e 1968), deparamos com um sentimento de verdade histórica que nada tem a ver com o mero efeito "documental" das imagens. Com Godard, aprendemos que a passagem para a ficção não implica um alheamento da realidade que nos rodeia. Bem pelo contrário, pode ser uma singular via de entrada nos seus enigmas e contradições.

DN, 13-4-2008
 
VASCO, PARIS, ANOS 60

LEONOR FIGUEIREDO

Vasco soltou a sua natureza no Maio de 68. Faz agora 40 anos
Vendeu jornais, foi guarda da noite num hotel, pintou apartamentos, foi secretário de um conde pintor, colaborou na imprensa francesa, editou discos, criou e participou em jornais underground, caricaturou, escreveu. Tudo isto entre 1961 e 1974, o tempo da guerra colonial. Estreou-se sozinho em Paris aos 25 anos, para só voltar a Portugal no segundo avião que conseguiu aterrar na Portela a seguir ao 25 de Abril. 13 anos depois. Para trás ficara a outra revolução. E Montparnasse. E tudo quanto de novidade se lhe apresentou , quando ali chegou, vindo de um país pobre e atrasado. "Esses tempos representam para mim o colo da mãe, a aldeia dos avós, ou a mulher que se perdeu." Um sentimento que verteu em short stories para o livro, "como se fosse em busca do paraíso perdido". Conviveu com inúmeros intelectuais , namorou a filha adoptiva de Sartre. E entrou no Maio de 68. "Envolvi-me em tudo, pintei a manta", recorda. "mas com cuidado para não ser preso e repatriado". Entrou nas manifs, nas barricadas, pertenceu ao Comité de Acção para sensibilizar, logo às seis da manhã, os nossos emigrantes que entravam nas fábricas, aconselhando-os a não furarem as greves. Eram uns quarenta portugueses que mais tarde acharam a pequena sala da Sorbonne que lhes fora cedida muito pequena e ocuparam a Casa de Portugal na cidade universitária que pertencia à Gulbenkian. O importante era fazer a revolução...

DN, 26-4-2008
 
"DEIXOU DE EXISTIR O QUE PRODUZIU O MAIO DE 1968"

ABEL COELHO DE MORAIS

Entrevista. Autor de obras sobre o marxismo heterodoxo, Anselm Jappe esteve em Lisboa para participar num colóquio sobre o Maio de 68 e apresentar o seu mais recente livro consagrado a um dos pensadores que influenciaram a época, Guy Debord.


Passados 40 anos sobre o Maio de 1968, o que pode ser hoje uma revolução?

O Maio de 1968 demonstrou que é possível fazer uma revolução fora dos partidos e além do objectivo da tomada do poder. Mas, hoje, por outro lado, praticamente deixaram de existir as realidades que produziram o Maio de 68; por exemplo, já não existe concentração do proletariado. A questão da mudança social coloca-se de outra forma, não sei sequer se ainda se pode chamar revolução. A própria palavra degradou-se num slogan publicitário...

Tendo estudado os autores situacionistas e, em particular Guy Debord, que influenciaram as ideias do Maio de 68, que herança ficou deste período?

A teoria situacionista hoje não pode ser olhada como há 40 anos. Precisa de ser desenvolvida. Isso está a ser feito com a crítica do fetichismo da mercadoria em vários países e por vários autores, mesmo sem filiação directa com o situacionismo. Este pode ser parcialmente utilizado por exemplo numa crítica da sociedade regida por princípios como o da mercadoria e na crítica da ideia pós-moderna de que a realidade é formada por fragmentos que não se encontram ligados entre si.

Até que ponto o situacionismo foi influenciado pelo marxismo?

Na época do Maio 68, em França e noutros países, o peso do Partido Comunista era importante, e foi indispensável fazer um esforço sério para entender que existia toda uma outra leitura possível de Marx, que nada tinha a ver com o leninismo e o estalinismo. Logo na primeira linha da Sociedade do Espectáculo, Debord analisa o espectáculo enquanto mercadoria, baseando-se em conceitos marxistas como a crítica do valor, do dinheiro, do fetichismo e do trabalho, que é importante em Marx, mas estes elementos surgem associados em Debord à utilização de outros conceitos como a luta de classes, o protagonista revolucionário. Mas em minha opinião sem ir suficientemente longe na reformulação do marxismo...

Referiu a questão do protagonista revolucionário. Quando se fala de feminismo, alterglobalização, transsexualidade, estamos perante causas revolucionárias ou formas do espectáculo, do simulacro, da "negação visível da vida", para citar Debord?

Simulacro é um conceito de Jean Baudrillard, não é algo que tenha prendido a atenção de Debord. Este manteve sempre uma perspectiva tradicional do sujeito revolucionário - o povo, o proletariado. Podemos considerá-lo bastante céptico em relação a protagonistas parciais, como as reivindicações feministas ou de outras minorias que, em regra, apenas reivindicam a inserção no sistema existente, nada que vá além da lógica base do sistema. Debord, a partir de 1972, mostrou-se bastante sensível à temática ecológica e crítico do ecologismo político, como o fenómeno dos Verdes, estando entre os primeiros a indicar que a destruição da natureza devido à sociedade espectacular era uma das bases em que se colocava a questão da totalidade.

A ecologia é um actor revolucionário?

A crítica anti-industrial, que existe em vários países na Europa e não só, muita dura face à sociedade industrial, pode num certo sentido reivindicar-se da interpretação de Debord. Em França, por exemplo, está presente na contestação aos organismos geneticamente modificados e aos alimentos transgénicos, de que José Bové e algumas das suas acções são exemplo.

É então um veículo revolucionário?

Creio que na questão ecológica existe um potencial prático mais forte do que noutras situações, em que acaba por se regressar à ideia da distribuição da riqueza capitalista. Com a questão ecológica vai-se mais longe ao pôr-se em causa todo o percurso da sociedade e não apenas a quem esta aproveita. Coloca-se aqui a questão da totalidade. E não se consegue dissociar a questão capitalista de tudo o resto, não se pode falar de capitalismo ecologista, por exemplo, como alguns pensam.

Há uma ligação destes movimentos ao conceito mais geral de alterglobalização. Este movimento encerra algumas das qualidades de 68?

Esse movimento limita-se à crítica de certos aspectos do capitalismo e das práticas neoliberais. É uma crítica parcial concentrada na questão dos mercados financeiros, e falta a ideia de outra vida que seria possível através de uma reformulação global do sistema. É positivo que haja esse interesse pelo que está mal na sociedade contemporânea, mas é necessário perguntarmo-nos em nome de que alternativas e valores se colocam estas críticas.

DN, 2-5-2008
 
O MAIO DE 68 À MODA DE LONDRES

Ferreira Fernandes

O que melhor ficou de Maio de 68 foram as frases. Curtas e incitando a imaginação. Cartazes, pois. Logo publicidade. Ou, ainda mais curto, dito em parisiense: pub. Os escritores da época e que escreveram sobre a época, estruturalistas e pós- -modernos, não entenderam nada e por isso escreveram longo e fechado. Maio de 68 pode comemorar-se de dez em dez anos porque nos fascinarão sempre aquelas frases-flashes. Palavras como "tudo" e "já". Maio de 68 cabe num daqueles reclames de frontaria de teatro com luzinhas a acender. Disse teatro? Pois, estou a falar de grande espectáculo. Essa, a mensagem lançada há 40 anos. E, como já se disse, integrado no ADN das gerações seguintes. Por isso o Maio de 68 é comemorado em Londres: dois comediantes concorrem à câmara da cidade que já foi vitoriana, convencional. Hoje, o tirocínio dos políticos faz-se nos programas humorísticos, por onde andou Boris Johnson, talvez o próximo mayor de Londres. De direita, é? Filho de Maio.

DN, 3-5-2008
 
MAIO EXPLICADO A UM FILHO

LEONOR FIGUEIREDO

Querido filho,

Perguntas-me o que foi o Maio de 68. Desta vez, confesso, apanhaste-me de surpresa. Não é de repente que se fala dele. Mas posso dar-te umas pistas. Depois vai ao Google e terás muitas pontas por onde pegar. Mais do que as barricadas, ocupação de universidades e confrontos com a polícia - impressionei-me com o dia em que as porteiras (será que alguma era portuguesa?) desfilaram em Montmartre. Empunhavam cartazes onde se lia: "Nós também temos direito à palavra!" Fiquei a pensar. O Maio de 68 foi um tremor de terra que até levou as concierges para a rua.

Ao que parece tudo começou na universidade de Nanterre, ali perto, porque os estudantes queriam liberdade sexual. Depois o movimento alastrou à Sorbonne - fica no Quartier Latin -, um dos bairros onde se acolhiam intelectuais e estudantes. A Sorbonne é fechada, estudantes são presos. Seguiram-se manif's e barricadas. Em Paris só se andava a pé. Não havia gasolina nem transportes públicos. A polícia apanhou com muitas pedras retiradas das calçadas, deixando à vista a areia de Paris. A praia...Houve muitas centenas de estudantes e polícias feridos e carros incendiados. Na noite mais violenta os estudantes montaram dezenas de barricadas.

A certa altura os sindicatos entraram na festa dos estudantes. A greve geral deixa a pouco e pouco França num caos. Fábricas e empresas fecharam. Dez milhões sem trabalhar. Mas a simpatia inicial com que se ouvia os estudantes dizer " é proibido proibir", "não mudemos de emprego, mas o emprego da vida", "ter tempo para amar e para aprender a amar" -, acabou.

Quase no fim do mês os sindicatos conseguem aumentos e mais férias. Largam a estudantada, que os acusam de traidores. A maioria silenciosa gaullista faz uma imensa manif, sinal tudo estava a terminar. Mas o que parecia a derrota entrou nos costumes. As pessoas aprenderam a contestar, a ter autonomia, a respeitarem a diferença, a viverem a revolução sexual. E outras coisas. Olha, estou atrasada, há muito mais, mas tenho de ir trabalhar. Não te esqueças de ir ao Google. Deixo-te com uma das palavras de ordem: "Nem deus, nem dono". Que achas? Escreve-me. Mãe.

DN, 3-5-2008
 
A pílula e o Maio de 68 dinamitaram o conceito de família tal qual vigorou durante quase dois mil anos, desde a ocorrência do mistério central da cristantade, a imaculada concepção, que hoje se celebra no Dia da Mãe.

A invenção da pílula abriu a porta para o amor livre e a democratização do sexo - e o caminho para os anos 60, loucos e rebeldes, que nos deram os Beatles, os Rolling Stones, a massificação do consumo do LSD e marijuana, o Maio de 68, as revoltas estudantis contra a Guerra do Vietnam, o homem na Lua, os Velvet Underground, a Pop Art e Andy Warhol.

Os valores actuais (ou, se preferirem, a ausência deles) são filhos da década de que o Maio francês será, talvez, o ícone maior e o acontecimento fundador da sociedade liberal que transformou em mentira a frase "mãe, há só uma" que foi verdadeira durante muitos séculos. A explosão de divórcios e de segundos casamentos deu origem a uma geração em que os filhos se subdividem em três categorias: "os meus, os teus e os nossos."

O aumento das adopções trouxe para as primeiras páginas dos jornais e aberturas dos noticiários os novos conceitos de mãe biológica e mãe adoptiva, celebrizados no triste caso da pequena Esmeralda.

A inseminação artificial possibilitou a milhares de mulheres serem mães, introduziu um novo conceito - o da barriga de aluguer -, e permite que um casal de duas lésbicas tenha filhos, que automaticamente passam a ter duas mães.

Para descobrir os fundamentos deste Mundo Novo, em permanentes e desvairadas mudanças de vidas e de costumes, temos de recuar no tempo 40 anos e olhar para o que se passou em Paris, em Maio.

DN, 4-5-2008
 
RECORDANDO ESQUECIDAS LUTAS DE 1968

Ferreira Fernandes

Em 1968, nem todos faziam barricadas. Pelo menos a 6 de Abril havia muita gente na mais conservadora das posições, sentadinha no sofá, olhando o final do festival da Eurovisão. Estão desculpados, havia uma bela canção: a inglesa Congratulations, de Cliff Richard. No entanto, quem ganhou (resvés, 29 contra 28 votos para inglesa) foi a La, la, la, da espanhola Massiel. La, la, la deveria ter sido cantada por Joan Manuel Serrat, mas este queria fazê-lo em catalão e a ditadura de Franco substituiu-o. Uma canção que tinha vários versos assim La lalala lalala lalala teve polémica linguística castelhano-catalã... Não há dúvidas, 1968 foi um ano de boas histórias. Mas há mais: um documentário televisivo (que será exibido amanhã em Espanha) revela que Francisco Franco comprou a votação internacional, para promover o país. E, lembro, La, la, la foi a preferida do júri português. Não sei se comprado, mas ingrato: Cliff Richard, hoje, é um cidadão algarvio que até vinho português produz.

DN, 7-5-2008
 
UM RIMBAUD EM CADA RUA

FERNANDO MADAÍL
Frases vindas do acaso e da imaginação

"Os estudantes exasperados? Peripécias." Em Dezembro de 1969, já voluntariamente afastado do poder, mas ainda espantado com o Maio de 68 em que "tudo [lhe] escapara" e "o [seu] amigo Mao representava a liberdade" para os soixante-huitards, De Gaulle minimizava a revolta juvenil do ano anterior, à conversa com o seu ex-ministro e apoiante incondicional André Malraux, que reproduz esse encontro em Quando os Robles Se Abatem, livro que - adverte - "é uma entrevista, do mesmo modo que A Condição Humana é uma reportagem".

Boné militar e nariz exagerado nas caricaturas dos cartazes, o Presidente da próspera França era tratado como símbolo do autoritarismo envelhecido e retratado "como um pensionista bem pago", como sintetiza Tony Judt em Pós-Guerra - História da Europa desde 1945.

Mas nada parece ter deixado marca comparável à dos slogans, que "a poesia [estava] na rua". Algumas frases surgem do acaso e da imaginação. "Debaixo das pedras da calçada [retiradas para fazer as barricadas, o que deixava à vista uma areia fina], a praia." Ou, como refere Olivier Rolin em Tigre de Papel, após a carga da polícia de choque, "uma assonância um pouco fácil [levava-os] a insultar [a CRS (Compagnie Républicane de Sécurité)] com o termo SS", a milícia de Hitler. O resto eram expressões situacionistas, essa corrente estético-revolucionária de Guy Debord e de Raoul Vaneigem, cujo livros A Sociedade do Espectáculo e Tratado de Saber Viver para Uso das Novas Gerações eram tão lidos como O Homem Unidimensional, de Herbert Marcuse, ou A Revolução Sexual, de Wilhelm Reich.

E tudo isto se ilustra com a foto de Cartier-Bresson que o historiador Eric Hobsbawm escolhe para descrever "parte dos [seus] sentimentos de então". "Um homem de idade, da classe média, está de pé, com as mãos cruzadas atrás das costas, contemplando pensativamente, numa rua de Paris, uma parede coberta de cartazes, na qual há uma tosca porta de madeira (dando provavelmente para um pátio ou um estaleiro). Os cartazes mais recentes tinham sido arrancados do muro, deixando à vista uma superfície de blocos de cimento e alguns anúncios de filme sobre os quais outros cartazes haviam sido colados. A porta estava coberta de cartazes políticos: um do Partido Comunista, por cima de um panfleto sobre o poder dos estudantes, uma folha meio arrancada em que se apela à luta por uma sociedade democrática que abra caminho à transição para o socialismo e, por cima, uma palavra de ordem escrita com a arma fundamental dos rebeldes do Maio francês, o spray de tinta, que reza assim: jouissez sans entraves (...)" - metade da frase que concluía o célebre panfleto situacionista Da Miséria em Meio Estudantil: "vivermos sem tempos mortos e divertirmo-nos como nos der na gana".

E, como no verso de Manuel Alegre, até parecia que "de repente Paris era Rimbaud".

DN, 10-5-2008
 
Imagens e ecos de dias agitados em três DVD

EURICO DE BARROS

Na onda de edições associadas aos 40 anos dos acontecimentos de Maio de 1968, não podia deixar de haver filmes. Por isso, a Midas lança hoje no mercado três DVD temáticos: Os Dias de Maio, de William Klein (1978), Morrer aos Trinta Anos, de Romain Goupil (1982), e Greve Ocupação, de Marin Karmitz (1972).

Apenas o filme de Klein, realizador americano radicado em França logo após a II Guerra Mundial, se refere directa e presencialmente aos dias incendiários de há quatro décadas. É um testemunho directo dos factos, feito a "quente", mesmo no coração da tempestade social e política parisense.

Rodado a preto e branco, Os Dias de Maio contém imagens únicas feitas nas ruas, nos estabelecimentos de ensino paralisados e virados de pernas para o ar, nas empresas em greve e nas reuniões, pequenas ou de massas, em recintos fechados ou nos passeios e em estádios.

O filme de Romain Goupil, com o qual se estreou na realização, é uma evocação autobiográfica dos seus dias despreocupados de rapaz nos tempos pré-Maio de 68, e do seu posterior envolvimento na militância, primeiro comunista, depois da esquerda mais radical, até meados dos anos 70.

Em paralelo, Morrer aos Trinta Anos conta a história de um dos amigos mais próximos do realizador, que não resistiu à ressaca desses tempos de utopias revolucionárias violentas, e se suicidou.

Quanto à fita de Marin Karmitz, que abandonaria depois a realização para se transformar num dos principais exibidores e distribuidores franceses, além de produtor, apresenta-se como uma encenação "militante", a partir de factos reais, de uma greve numa fábrica com uma mão-de-obra composta essencialmente por mulheres, e dá conta das ondas de choque que Maio de 68 fez alastrar ao mundo laboral francês.

Abertamente engajada, e também bastante primária (os patrões vivem em casas imaculadas, usam chapéu, guiam Mercedes brancos e andam de nariz no ar), Greve Ocupação é uma obra de uma enorme agressividade. O filme fecha com a voz off de uma mulher a invocar a "justiça popular" e a ameaçar que a "mancha de óleo" da contestação pode transformar-se numa "mancha de sangue".

Raymond Aron, que foi à época uma das vozes públicas mais sonoramente críticas do Maio de 68, dissecado num brilhante livro escrito em quatro dias, La Révolution Introuvable, e publicado pouco depois da acalmia que se seguiu àquele mês de agitação, detectou três grandes componentes neste fenómeno.

São elas a de "carnaval", corporizada em boa parte pela agitação estudantil; a genuinamente revolucionária, que chegou a ameaçar a ordem democrática e institucional, e que Aron remete para as revoltas do século XIX em França, do dealbar da sociedade liberal, burguesa e industrial; e a que chamou de " maratona verbal", representada pelas torrentes de retórica ideológica e pelo palavreado "revolucionário" em jacto contínuo, produzido em milhentas e intermináveis reuniões de comités, encontros de intelectuais, comícios, discussões de rua, etc., e que anos mais tarde seriam reproduzidas durante o PREC em Portugal.

Todas as três surgem, em quantidades, tons e contextos diversos, neste trio de filmes sobre Maio de 68 e os ecos que deixou em França.

DN, 13-5-2008
 
Greve no aniversário de Maio de 68

Quatro décadas depois dos protestos
que abalaram a França, dando
origem ao “Maio de 68”, foi convocada
uma nova greve estudantil.
Os estudantes liceais estão em greve,
em solidariedade com os professores
que protestam a intenção do
Governo de suprimir mais de onze
mil postos de trabalho para docentes
na função pública.
Há 40 anos, os alunos dos liceus saíram
à rua em solidariedade com os
estudantes do superior, para colocar
em causa as regras vigentes e o
próprio papel dos professores. Hoje
manifestam-se em defesa desses
mesmos professores.
A ideia é, contudo, rejeitada por
Daniel Cohn-Bendit. O rosto mais
conhecido do Maio de 68 diz que
compreende os jovens de hoje:
“Compreendo a sua confusão face
ao futuro. Há 40 anos dizíamos que
íamos construir o nosso futuro, que
o futuro nos pertencia. Hoje os jovens
perguntam se terão futuro.
Essa é a grande diferença”.

RRP1, 15-5-2008
 
Maio ao contrário

A geração de Maio de 68 chocou os pais, revoltando-se contra os valores tradicionais,
culturais e religiosos de então. Quarenta anos depois, o Página 1
falou com três jovens que percorreram um percurso inverso.

» Filipe d’Avillez

“Andavam aos tiros às procissões”, diz Joel, para demonstrar o anti-clericalismo da família em que nasceu. O baptismo não foi sequer considerado e, crescendo, divertia-se a gozar com a irracionalidade dos católicos.
Uma coisa o distinguia, porém, dos pais: “Sempre me senti monárquico, apesar de não ter tido qualquer infl uência, identifi cava-me com
as virtudes dos reis.”
Partiu daqui o primeiro choque geracional.
“Assumi-me politicamente aos 14 anos” os pais reagiram muito mal, “chamavam-me fascista,
discutimos muito”, mas não cedeu.
No meio monárquico começou a conviver com pessoas que desafi avam os estereótipos que
tinha dos crentes. Quanto mais estudava, na escola, as diferentes religiões e confi ssões cristãs,
mais se identifi cava com o catolicismo.
Acabou por tomar a decisão que deixaria os pais chocados.
“Decidi baptizar-me aos 17 anos. Chorei à mesa quando contei aos meus pais, toda a minha conversão
foi muito emotiva, porque a alegria que sentia por ter
descoberto Deus chocava com a reacção deles”. Isto apesar de ter sido sempre educado com valores de justiça, caridade e solidariedade que mais tarde viria a identifi car com a doutrina social da Igreja, e que a família colocava em prática.
O que lhe vem à cabeça quando ouve falar no Maio de 68? “O espírito de rebeldia, o proibido proibir, a
revolta contra a autoridade, uma certa moleza e um descomprometimento. Valores contrários aos que admiro e tento praticar.”

Uma história de amor

Ao contrário dos pais do Joel, os de Sibila, muçulmanos retornados de Moçambique, nunca se deixaram contagiar por esse espírito.
Por isso, quando a Sibila tomou a decisão de se baptizar, após um longo e difícil percurso que descreve como “uma história de amor”, a reacção negativa dos
pais não fi cou a dever-se a anti-clericalismo. “O meu pai sentiu que tinha falhado na minha educação religiosa, na transmissão da tradição da nossa família”.
No colégio, católico, Sibila ia às missas semanais com as colegas, gostava das aulas de religião e tinha uma grande sede espiritual. Aos 13 anos, sozinha na capela,
olhou para a cruz e sentiu-se apaixonada.
A medo, falou com os pais. Temendo ser apenas uma moda, pediram que tivesse calma e que não se baptizasse logo. Durante anos foi à missa sem poder comungar.
Incrédula, via os fi éis que se davam ao luxo de não comungar: “Dá Deus nozes a quem não tem dentes”,
pensava.
Até que, por fi m, deu o passo decisivo, baptizando-se numa cerimónia privada em que os pais e o irmão estiveram presentes.
Licenciada em Direito, concorda com a visão negativa do Maio de 68, “a própria falta de adesão dessa geração descredibiliza-o. Já na altura era obsoleto.”

RRP1, 26-5-2008
 
Cohn-Bendit às avessas

“Todos nós somos Judeus alemães”
cantaram as multidões nas ruas de Paris em 1968, em solidariedade com Daniel Cohn-Bendit, uma das fi guras lendárias dos protestos, que por ser fi lho de alemães era acusado pelos seus opositores
de ser estrangeiro.
Cohn-Bendit foi apenas um dos “muitos judeus, não enquadrados, rebeldes, filhos de sobreviventes do holocausto”
que tiveram um papel activo nesse
movimento, diz Nuno Wahnon Martins.
Nuno fez um percurso em quase tudo
contrário a Cohn-Bendit.
Onde este diluiu o seu
judaísmo em favor de maior assimilação e causas políticas de extrema-esquerda, aquele, descendente de uma família judia completamente assimilada,
redescobriu a sua herança espiritual e selou o seu regresso ao judaísmo, circuncidando-se aos 24 anos, mais ou menos a idade com que “Dany le Rouge” andava a lançar pedras às forças da ordem em Paris.
Apesar de compreender as motivações
dos estudantes de 68, Nuno distanciase dos efeitos políticos, centrando o seu próprio activismo na defesa da cultura e da história judaica com a mesma paixão, mas sem a violência de Cohn-Bendit e os seus camaradas.

RRP1, 26-5-2008
 
João Bénard da Costa esteve lá...

João Bénard da Costa, actual director da Cinemateca Portuguesa estava em Paris quando tudo começou
e recorda os acontecimentos que quase pararam a França.
No mês em que se comemoram os 40 anos do Maio de 68, a Renascença ouve várias personalidades portuguesas que viveram de perto aqueles acontecimentos.
Uma delas foi João Bénard da Costa, director da Cinemateca
Portuguesa e um dos fundadores da revista “O Tempo e o Modo”, no início dos anos 60, que esteve em
Paris quando tudo começou.
“Estava em Paris no início de Maio e apanhei já grandes coisas na rua. Depois fui para Portugal dizer ‘onde é que isto vai parar’. Azar meu, pois foi o último avião
que saiu de Paris para Portugal. No dia seguinte estavam todos os aeroportos fechados. Por mais um dia, se tenho adiado a minha vinda um dia, teria fi cado obrigatoriamente em Paris e assistia a tudo. Se eu soubesse
o que sei hoje…”.
Naqueles dias, depois de apanhar o avião para Portugal, as notícias que cá chegavam não espelhavam verdadeiramente o que tinha deixado para trás em França.
“A censura fi ltrava cuidadosamente todas as notícias
e o que aparecia nos jornais eram pequenas notícias que davam conta de pequenos incidentes. Nunca houve
grande repercussão do signifi cado que esses acontecimentos estavam a ter”, recorda.
Bénard da Costa tinha já, naquela altura, uma intervenção activa na vida cultural portuguesa, e apercebeu-se do que estava para mudar na sociedade.
“Era a noção de estarmos a assistir a uma transformação
total de mentalidades, costumes e
épocas. Todos os costumes de rapazes e raparigas - que hoje estão atenuados - explodiram
naquela altura.
Transformações na família, nas relações hierárquicas com o saber e o conhecimento…”, afi rma
João Bénard da Costa ao jornalista
João Santos Duarte.

Poesia... em alguns casos

Página 1 recolheu, também, as memórias de outros dois portugueses que acompanharam de perto os acontecimentos e que ainda
hoje vivem em França.
Teresa Mota, na altura uma jovem actriz de teatro, recorda que saía dos debates da Sorbonne para representações teatrais e sessões de declamação de poesia em várias fábricas ocupadas. Para ela, isso “era um momento de participação, de solidariedade, era um momento colectivo e vital”.
O jornalista Daniel Rosário ouviu também Jorge Ferreira, um operário que se lembra de ocupações de fábricas, feita por estudantes
e trabalhadores.
De sessões de declamação de poesia garante que não se recorda.
A sua memória é outra: “Tivemos a
visita de um grupo de estudantes, cujo objectivo era pedir para
destruirmos as máquinas com que trabalhávamos, mas essa não era a nossa intenção e nunca participámos
nessas actividade. E aí começam os distúrbios e mal-entendidos entre estudantes e classe operária”.

RRP1, 28-5-2008
 
O OUTRO MAIO DE 68

Maria José Nogueira Pinto
jurista

A "revolução inexistente" de Maio de 68, que há 40 anos e agora muita tinta e pouco sangue (graças a Deus) fez correr, teve nas suas comemorações por cá aquele lado já nostálgico mas também branqueador com que a esquerda fundamentalista sempre celebra e embeleza os seus mitos.

A bem dizer, recordando esses dias de Maio, que aqui pudemos seguir nos jornais e na RTP dos últimos meses do salazarismo (Salazar deixaria o poder por doença quatro meses depois), para além da espectacularidade das ruas do Quartier Latin em fogo, das batalhas campais dos estudantes contra polícias, da greve geral de sete milhões de trabalhadores com ocupação de fábricas, poucas vezes uma rebelião, no seu curto e médio prazo, pelo menos, terá tido efeitos tão perversos para os seus promotores.

Recordemos. Na noite de 24 de Maio, mais ou menos três semanas depois do início dos tumultos, a violência atinge o seu paroxismo com o ataque, com cocktails Molotov a um Comissariado de Polícia, na Place du Panthéon, no 5ème Arrondissement. Cercados, com a esquadra a arder, os agentes põem a questão e pedem autorização superior de abrir fogo para se libertarem. Os CRS (Compagnies Républicaines de Sécurité) chegam a tempo de dispersar os atacantes e de os livrar. E nessa noite, em Paris e em Lyon, ocorrem os dois primeiros mortos desta revolução até aí sem sangue…

No dia seguinte, a opinião pública virou e começa a condenar os "revolucionários". Georges Pompidou, o mal-amado primeiro-ministro de De Gaulle, põe em marcha a sua estratégia. Já percebeu que os comunistas e a CGT, enfeudadíssimos à linha de Moscovo e de Breznev, não querem criar problemas à França gaullista, que joga no antiamericanismo e terceiro-mundismo, critica a política de Washington no Vietname e perturba a unidade da NATO.

Pompidou avança assim para as negociações sociais com os sindicatos, que não quererem confusões com os estudantes, com os "filhos da burguesia" e com as suas proposições de retórica maoísta e radical. Pompidou está a preparar o terreno, através de um jovem secretário de Estado que depois dará que falar - Jacques Chirac. É na Rue de Grenelle que tudo se passa. Estão lá as grandes centrais sindicais - a GGT comunista de Séguy, a CFDT. As reivindicações concretas - aumento do salário mínimo, alargamento dos direitos sindicais, abertura à famosa participação, avançam rapidamente nesse fim-de-semana de 25, 26 de Maio. Os comunistas não se querem deixar ultrapassar pelos socialistas e esquerdistas; na segunda-feira, 27, de madrugada, chega- -se a um acordo.

A esquerda parlamentar, com Pierre Mendès--France e François Mitterrand, procurou repescar a crise; mas hesitou na táctica, entre a linha próxima dos esquerdistas e a estreita legalidade, e deixou-se ultrapassar.

O Governo, no fundo, passada a surpresa, fez uma gestão controlada dos medos e indignações da classe média. Depois dos Acordos de Grenelle, que desmobilizavam os sindicatos na via revolucionária, apesar de as ocupações das fábricas só irem terminar em meados de Junho, era a hora da iniciativa.

De Gaulle partiu para a Alemanha em 29 de Maio, para se encontrar com Massu e com os comandantes do Exército do Reno em Baden-Baden e pedir o seu apoio em caso de confrontação. A troco - que lhe foi exigido - da libertação dos oficiais ainda presos por causa da Argélia Francesa, recebeu o apoio dos militares. Com esta segurança voltou a Paris e a 30 de Abril, às quatro da tarde, falou à Nação com aquela voz profunda, solene, histórica, de militar da velha guarda. Que não se ia embora, que conservava o primeiro-ministro, que dissolvia a Assembleia Nacional. Que o povo decidisse.

Estava a acabar o seu discurso, uma gigantesca manifestação das "direitas unidas" e dos gaullistas saía para as ruas de Paris. Semanas depois eram as eleições e a esquerda conhecia uma derrota espectacular.

DN, 5-6-2008
 
Ópera sobre Maio de 68

FERNANDO MADAÍL

O ano de 1968 teve diferentes palavras de ordem em Paris e em Praga. Não é a mesma coisa gritar "a imaginação ao poder" ou "russos, vão para casa". E, no entanto, é checa a ópera sobre a revolta francesa

Guevara morrera no ano anterior, Mao estava nos antípodas do globo, mas ambos se juntam a Sartre e a De Gaulle na galeria de personagens do libreto da ópera Maio 68 que vai estrear-se, sexta-feira, no Teatro Nacional de Brno, na República Checa. Na sala onde foram ouvidas pela primeira vez algumas das óperas de Leos Janacek, durante duas horas vai escutar-se agora a música de Petr Kofron, co-fundador da Agon Orchestra e que, além de manter estreita colaboração com encenadores e coreógrafos, já compôs, por exemplo, a ópera O Feto Dourado . O encenador Zdenek Plachy vai mostrar ao público tudo o que se desenrola em volta de Jarmila, uma estudante checa que, depois de viver uma história de amor com um jovem francês nas barricadas da Sorbonne, em Maio, ao regressar ao seu país irá ser morta, em Agosto, pelas balas dos soldados soviéticos que foram ali para esmagar a Primavera de Praga. Após a apresentação em Brno, que é também a cidade natal do escritor Milan Kundera (cuja obra reflecte a abertura política ensaiada por Dubcek e o seu esmagamento em 1968), a ópera vai para o Teatro Nacional de Praga, onde Mozart estreou Don Giovanni, pois a sempre melómana capital da Boémia era mais atenta à genialidade que a faustosa Viena.

DN, 14-6-2008
 
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