28 maio, 2008

 

Moçambique


Mozambique




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Comments:
Cavaco Silva quer parcerias para além de Moçambique

ANA TOMÁS RIBEIRO

Os grandes objectivos da visita do Presidente da República a Moçambique são económicos. O Presidente quer dar um novo impulso às relações económicas entre os dois países, contribuindo para que se dê início a um novo ciclo de cooperação entre empresários portugueses e moçambicanos, baseado não só nas trocas comerciais, mas em parcerias sólidas para o desenvolvimento de projectos de investimento.

Uma cooperação com horizontes largos, que não se limite aos seus próprios mercados, mas que se estenda a outros países da região. Será esta, portanto, o apelo que Cavaco Silva vai deixar aos investidores no decurso do périplo de três dias por Moçambique, um dos 14 estados-membros da SADC - Comunidade de Desenvolvimento dos Países da África Austral, mercado regional com 210 milhões de consumidores. Um mercado para o qual os portugueses devem estar atentos, apesar de uma boa parte dos seus potenciais consumidores ainda hoje ter um escasso poder de compra.

Um dos momentos em que o Presidente deverá transmitir a mensagem é no discurso de encerramento do seminário empresarial, que se realizará no primeiro dia da viagem, onde a Presidência da República prevê que participem 250 pessoas. O evento será encerrado pelos chefes de Estado dos dois países, Cavaco Silva e Armando Guebuza. Além deste seminário vai haver também uma exposição - a Inoque pretende mostrar o que de mais inovador se faz em Portugal.

O objectivo é não desperdiçar um ambiente político e económico mais favorável a este relacionamento, para o qual contribuiu a resolução do problema de Cahora Bassa, o grande centro electroprodutor de Moçambique, construído por portugueses e que há pouco mais de um ano passou para as mãos dos moçambicanos. Uma transferência, aliada ao perdão de parte da dívida, vista pelos moçambicanos como "um marco histórico na vida do país". Hoje poderá abrir portas a novas oportunidades para as empresas portuguesas.

Quando a HCB -Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), empresa gestora do empreendimento, na qual Portugal ainda tem uma posição de 15%, passou a ser controlada pelos moçambicanos já era uma empresa rentável (graças ao acordo tarifário feito com a sul africana Eskon, seu principal cliente). Hoje, com as suas boas perspectivas de fornecimentos de energia para os países vizinhos, poderá levar o Governo moçambicano a acelerar o arranque de outros projectos hidroeléctricos. Projectos que, na opinião do presidente da Câmara de Comércio Portugal-Moçambique, Daniel Pedrosa, e de alguns dos 40 representantes de empresas portuguesas que acompanham o Presidente, constituem oportunidades de negócio para os portugueses. É o caso de Luis Filipe Pereira, presidente da Efacec, empresa já com uma longa experiência naquele mercado, que aproveitará a viagem para fazer contactos com a EDM Electricidade de Moçambique, com a HCB e o próprio governo, para perceber os seus planos de investimentos e se posicionar como um dos seus potenciais fornecedores de equipamentos. "O objectivo é reforçarmos as vendas", disse o gestor ao DN, mas também não exclui a possibilidade de parcerias com locais para o desenvolvimento de projectos.

Apesar de operar em muitas outras áreas, é no sector da energia que a Efacec considera que existirão oportunidades de negócio. Para fonte oficial da Presidência, este é um dos sectores que mais atrai os investidores que acompanham o PR. Tecnologias de informação, turismo e obras públicas também são alvo de interesse.

DN, 24-3-2008
 
Regresso a Moçambique com menos fantasmas

ANA SÁ LOPES

Acabaram as férias. O cidadão português Aníbal Cavaco Silva, em Moçambique há mais de uma semana em viagem particular, regressa hoje ao trabalho. "Pega" às 8.30 da manhã de Maputo (6.30 em Lisboa), no gabinete de Armando Guebuza, Presidente da República de Moçambique, para dar início à visita de Estado.

É a primeira vez que Cavaco Silva Presidente da República de Portugal visita Moçambique. Para o antigo alferes do Exército Português (1963-1965, colocado em funções administrativas), é o regresso a um território familiar: a "guerra dos papéis" que lhe calhou na rifa militar teve o condão de transformar a mobilização para África numa campanha alegre.

A visita de Estado - como quase todas as outras que Cavaco Silva tem realizado- vai ser dominada pela economia. Ontem, chegaram a Maputo os 45 empresários da comitiva oficial, apostados em potenciar as opor- tunidades de negócio. O ambiente político é hoje mais favorável des- de que foi fechado o dossier Cahora-Bassa, tendo finalmente a barragem passado para mãos moçambicanas - um fantasma da herança colonial que ensombrou durante quase trinta anos as relações entre os dois países.

Para além da economia, a cultura e a educação também têm lugar no programa da visita. Aliás, os ministros das respectivas pastas, José António Pinto Ribeiro e Maria de Lurdes Rodrigues, fazem parte da comitiva oficial.

No Centro Cultural Português, Cavaco Silva inaugura hoje a exposição "Portugal-Inovação". Amanhã, estará na sessão de abertura do colóquio "Português, Língua Global". No último dia visitará a Escola Portuguesa de Maputo.

Os encontros políticos serão variados: Cavaco Silva será recebido na Assembleia da República de Moçambique, onde discursa. Recebe as chaves da cidade de Maputo, no Conselho Municipal (câmara municipal). Recebe os chefes dos partidos políticos, o secretário-geral da Frelimo, Filipe Paúnde, e Afonso Dlhakama, líder do maior partido da oposição, a Renamo.

Encontra-se, ainda, com o antigo Presidente da República de Moçambique, Joaquim Chissano, e recebe a viúva de Samora Machel, Graça Machel (hoje casada com o antigo Presidente da África do Sul, Nelson Mandela).

Maria Cavaco Silva tem, como é da praxe, um programa à parte. Com Maria da Luz Guebuza, mulher de Armando, visitará hoje o Centro de dia Mães de Mavalane. Amanhã, visita a Escola Secundária Josina Machel, que juntou os antigos Liceu Salazar (masculino) e D. Ana da Costa Portugal (feminino) do tempo colonial. Entre 1963 e 1965, Maria Cavaco Silva deu aulas nos dois liceus.

DN, 24-3-2008
 
Moçambique deve ser prioridade para Portugal

Tirando Angola, Moçambique foi a antiga colónia portuguesa em África que mais sofreu com a guerra civil que se seguiu à independência. E, ao contrário de Angola, chegada a paz teve de se reconstruir a partir de escassas bases de riqueza, pois não dispõe do manancial petrolífero do outro grande país lusófono de África.

Por isso Moçambique merece especial admiração. Desde o fim do conflito entre a Frelimo e a Renamo, em 1992, a democracia funciona. E a própria saída de Joaquim Chissano da Presidência, em 2005, não procurando eternizar-se no poder, foi um bom exemplo para todo o continente. Justificou que se tivesse tornado o primeiro governante africano a receber o Prémio de Boa Governação da Fundação Mo Ibrahim.

Cavaco Silva inicia hoje uma visita oficial ao país onde nos anos 60 prestou serviço militar. Mais de três décadas depois do fim da guerra colonial, Portugal tem agora todo o interesse em desenvolver uma relação descomplexada com as suas antigas colónias, indo além das meras questões culturais. Mais: no seu critério de cooperação económica deve ter em conta, claro, as oportunidades de negócio, mas também a boa governação. E nesse sentido, Moçambique deve ser uma prioridade.

DN, 24-3-2008
 
"Muitas moçambicanas olham homem branco como salvação"

ISABEL LUCAS
Paulina Chiziane, ESCRITORA

O romance que publicou agora em Portugal e será editado em Moçambique questiona o envolvimento dos indígenas na colonização. Polémica garantida?

É um livro polémico. Tenho consciência, mas era preciso começar a discutir o problema. Olhávamos para o invasor como a causa dos problemas. A Zambézia é das províncias mais ricas, um lugar onde a exploração portuguesa foi muito forte. Se os portugueses eram tão poucos ali, como dominaram a província e o país? Qual a participação dos indígenas? Se parar para uma reflexão interna, a mão dos indígenas foi muito forte. A Zambézia foi a parcela do território com maior miscigenação. Como aconteceu? Será que as mulheres foram violadas? Será que se entregaram? Como é que a Zambézia tem tantos mulatos?

Este livro, O Alegre Canto da Perdiz, parte de uma teoria.

Segundo a tradição oral eram as mulheres negras que procuravam o homem branco para ter um filho mulato para que este não fosse depois deportado. Ainda há essa busca do homem branco. Muitas raparigas de 15 e 16 anos olham o homem branco como uma salvação. Sou observadora social e fui coleccionando estas questões.

Como explica, 30 anos após a independência, que essa busca do homem branco continue?

Estamos a assistir a qualquer coisa que não consigo interpretar. Os mulatos parecem estar de novo a assumir o controlo da situação. Com a economia de mercado aparecem os antigos portugueses a assumir o comando das infra-estruturas e o filho mulato ressurge no poder. Ainda não sei muito bem o que estou a fazer. Abro uma polémica para reflectir sobre o futuro do país. A reflexão sobre o que é ser moçambicano parou. Como nos vamos relacionar, que país estamos a construir? De forma suave tento levantar questões.

E o que é ser moçambicano?

Temos uma consciência nacional que não é comum aos outros países africanos. Moçambique está muito mais próximo da unidade nacional do que a maior parte das nações africanas. Aqui não há divisões tribais. Estamos todos misturados. Essa é das maiores relíquias de Moçambique.

Teme as reacções ao livro?

Tenho medo. Nem quero ser heroína nem mártir. Quero ser uma cidadã comum, mas não me sentiria bem se não escrevesse o que sei. Há gente que não vai gostar. Pode haver quem se zangue comigo. Acima de tudo quero contribuir para a reflexão da moçambicanidade.

O escritor Francisco José Viegas chama-lhe "a escritora mais divertida de África"...

Isso tem um pouco a ver com a estética da tradição oral. Quando os assuntos são muito profundos é preciso aligeirar. Já fiz isso com o livro anterior, em que o tema era a poligamia. De vez em quando tenho de fazer paragens para suavizar e dar um equilíbrio emocional ao leitor.

DN, 24-3-2008
 
Cavaco quer património preservado

PEDRO GUILHERME FIGUEIREDO

O Chefe de Estado apelou ao mecenato de várias instituições e empresas
O Presidente da República, Cavaco Silva, defendeu ontem que o património histórico construído por Portugal disperso pelo mundo, caso da Ilha de Moçambique, seja encarado como "um símbolo de aproximação entre portugueses e outras culturas". Na ilha Património da Humanidade, refúgio das caravelas portuguesas que faziam a rota das especiarias e um dos projectos principais da cooperação portuguesa com Moçambique para o triénio 2007-2009, Cavaco Silva elogiou a articulação entre as autoridades portuguesas e moçambicanas para a reabilitação do património aí edificado.

Cavaco Silva subscreveu ainda a ideia que considerou "totalmente correcta" de criar condições para a atracção da população excedentária da Ilha de Moçambique (com uma área de um quilómetro quadrado, a ilha tem 16 mil habitantes) para uma vila próxima da cidade insular, Lumbo.

"Temos que fazer um esforço adicional para mobilizar apoios acrescidos. Não é só Portugal que está aqui. Está também a UNESCO, as Nações Unidas e o Japão. E foi muito importante que elementos da sociedade civil, neste caso instituições bancárias, tenham decidido contribuir com 200 mil dólares (133 mil euros). É um sinal que, espero, possa ser seguido por outras empresas portuguesas ou luso-moçambicanas, porque a recuperação deste símbolo da proximidade histórica entre Portugal e Moçambique tem um valor para os nossos dois países", disse. O exemplo pretendido por Cavaco esteve patente numa cerimónia que decorreu no principal hotel da ilha, na qual representantes do BCP e da CGD formalizaram a entrega de dois cheques, no valor de 100 mil dólares (63 mil euros) cada um, para a recuperação dos estragos feitos pela recente passagem pela ilha do ciclone Jokwe. Na cerimónia, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, anunciou o lançamento de um programa de dois anos, com uma verba de um milhão e quinhentos mil dólares (950 mil euros) disponibilizada através da agência da ONU para o desenvolvimento industrial, para apoio a pequenas e médias empresas e criação de empregos. Anunciou ainda o apoio de Portugal à construção de uma conduta de 16 quilómetros para o transporte de água potável até à vila do Lumbo.

Jornalista da LUSA

DN, 27-3-2008
 
UMA LÍNGUA NACIONAL MOÇAMBICANA

Ferreira Fernandes

O Presidente Armando Guebuza disse não gostar que o seu país seja apresentado como de "expressão portuguesa". A fórmula geral é, de facto, ambígua. Moçambique é moçambicano. Mas dito como língua usada há que reconhecer que o português é cimento da nacionalidade moçambicana. A Constituição de Moçambique só o reconhece como "língua oficial", qualquer coisa como um tem que ser. Línguas nacionais são o shona, o macua, o maconde. A história recente do país diz outra coisa. A longa guerra civil que a Frelimo e a Renamo travaram foi acabada à mesa das negociações, porque a falar é que a gente se entende. E em que língua foi conseguido esse momento marcante do destino moçambicano? Pois é, a língua portuguesa foi a dos colonizadores portugueses, das tropas de segunda linha angolanas, dos médicos goeses - tudo o que fez o Moçambique do passado. Mas foi também com ela que já se conseguiu o Moçambique de hoje. As línguas nacionais, como as nações, vão-se fazendo.

DN, 26-3-2008
 
Maria Cavaco Silva teve uma escola em África

Ana Sá Lopes enviada especial a Maputo

A mulher do Presidente da República no antigo Liceu Salazar

"Esta escola também foi minha há muitos anos atrás". A Karen Blixen do "África Minha" teve uma quinta em África, Maria Cavaco Silva uma escola em Lourenço Marques. Por uma vez, a mulher do Presidente usa, durante a visita ao antigo Liceu Salazar, o nome colonial da cidade: "O meu encanto com Lourenço Marques..." Mas rapidamente atalha: "Isto é para referir o nome antigo. Não interessa. É Maputo e em Maputo é que estamos."

"Esta escola foi minha, muito minha", repete Maria, depois da extraordinária recepção de quase chefe de Estado (com bandeirinhas de Portugal e Moçambique, danças e discursos) que lhe fazem na Escola Secundária Josina Machel, a escola que agregou os antigos liceus masculino (Salazar) e feminino (D. Ana da Costa Portugal), edifícios contíguos do tempo colonial.

Maria Cavaco Silva viveu ali nos anos 1963/65 e "queria voltar ao lugar onde tinha sido feliz". Está emocionada (afirma-se "sufocada" e "entupida") mas totalmente em casa, espontânea e maternal. Fala do "fascínio", do sentimento de "liberdade", das viagens, do que dançou em Moçambique. A carga negativa do passado comum arruma-a a toque de caixa: "Havia muitas coisas que eu achava completamente despropositadas, mas não vamos falar disso."

Por oposição, não se esquiva a abordar directamente e com ênfase a guerra civil moçambicana posterior à independência: "Quando regressei aqui à minha escola em 1989 fiquei profundamente infeliz. Havia um clima de guerra, a gente sentia nos olhos das pessoas, na alma. Um clima de desistência e tristeza." Agora isso passou: "Sinto essa diferença dentro de mim. A vossa paz é também a minha paz."

Só Walter tenta estragar a festa. Não lhe chama "mamã", como pelo segundo dia consecutivo Maria Cavaco Silva voltava a pedir às crianças para fazerem, seguindo um costume africano. Pergunta o estudante Walter: "A sua saída de Moçambique em 1964 [em 1965] teve algumas motivações políticas, já que foi em 1964 [foi antes] que se iniciou a luta armada?"

É travado o arroubo nostálgico e quase heróico de uma memória pessoal feliz do tempo colonial. Maria põe-se mais séria: "A minha estada em Moçambique teve uma razão política. O meu marido estava a fazer a tropa. A luta armada já tinha começado antes. A nossa vida, como era normal na altura, era muito marcada por razões políticas que nos ultrapassavam, tendo nós vinte e poucos anos." A mulher do Presidente lembra que o marido "estava a fazer o serviço militar obrigatório": "Não éramos nós que mandávamos na nossa vida. Não éramos nós que mandávamos o nosso ir e o nosso partir."

Foi a nota que destoou na exaltante manifestação de acolhimento. Maria veste a capulana que lhe oferecem. "Gostaríamos que Vossa Excelência nos levasse embalados no colo. Escolhemos a capulana, o símbolo da mulher africana, como símbolo de grande recordação", é este o discurso que acompanha a oferenda. Lá estão outra vez a chamar-lhe "mamã".

Eusébio, que também está na comitiva, acompanha Maria Cavaco Silva à escola. A mulher do Presidente apresenta aos estudantes "a glória internacional de Portugal e de Moçambique". Eusébio lamenta os dias do seu Benfica e conta como tudo começou, quando o treinador do Desportivo de Lourenço Marques o pôs no banco e, apesar de ser adepto do Desportivo, acabou a jogar no Sporting. A jornalista viajou a convite da Presidência da República

DN, 26-3-2008
 
MOÇAMBIQUE E A PAZ VIRTUOSA

Maria José Nogueira Pinto
jurista

Cheguei pela primeira vez à cidade de Maputo, então Lourenço Marques, há muitos anos atrás. Viajava num paquete e à vista de terra, como sempre acontecia, os passageiros corriam pelo deck e debruçavam-se das amuradas invadidos por sentimentos diversos: para uns o regresso, para outros a novidade. Fui dominada pela vista deslumbrante de uma cidade de traçado rigoroso e limpo, a lembrar Haussman, uma vegetação luxuriante disciplinando o espaço, casario branco e luz como poalha dourada. Voltei uma e outra vez depois da independência e olho sempre para o copo meio cheio, registando as melhorias: um espaço público mais bem cuidado, verde por todo o lado, menos buracos no asfalto do que em algumas ruas de Lisboa, uma incipiente mas visível reabilitação urbana, as fachadas dos edifícios públicos pintadas, o grande Liceu Josina Machel com todos os vidros inteiros. As avenidas largas, as enormes acácias, os restaurantes e esplanadas ajudam a um ar cosmopolita e os pequenos mercados, o artesanato, os panos de batik desfraldados na marginal, os "chapas" a abarrotar, a "Casa Elefante" contrastam com um gigantesco centro comercial (progresso "oblige") e lojas cujas montras se assemelham ao Prix Unique francês dos anos sessenta. Sinto-me bem aqui. Ao fim do dia levanta-se um vento morno, um afago levemente pegajoso, uma mistura de humidade e açúcar como um prato de nouvelle cuisine.

Na cooperação bilateral utiliza-se uma classificação ad hoc para situar países e regiões sub-desenvolvidos numa escala cujo critério é o número de vezes que comem por dia os seus habitantes: duas vezes ao dia ou uma única vez ao dia. É um critério pragmático e seco mas elucidativo. De facto, o mundo é muito mais pobre do que imaginam os cidadãos habituais das suas zonas desenvolvidas, onde a maior causa de morte ainda é comer e beber de mais. É neste quadro de relatividade que Moçambique tem que ser visto e justamente apreciados os progressos feitos, quer na normalização da convivência democrática quer no desenvolvimento do país.

Sabemos quão enormes são os problemas neste continente realmente esquecido, agravados pela fragilidade de tudo: da paz, das instituições, dos caprichos climatéricos, das tentações ditatoriais, das novas (e velhas) doenças galopantes, das questões étnicas, das dependências para tudo, incluindo para comer. Uma desigualdade totalmente arbitrária porque meramente geográfica: diz-me em que latitude nasceste e dir-te-ei como e quando vais morrer.

Por isso pensei, nos últimos dias passados em Moçambique, na decisiva virtude da paz para qualquer processo de desenvolvimento e como isso é ainda mais vital num país sem grandes riquezas, sem petróleo (pelo menos até agora) ou diamantes, com mais de oitenta por cento de população rural, uma agricultura que foi devolvida a um estado pouco mais que artesanal, um mar riquíssimo que por falta de meios de fiscalização é devassado por uma pesca predadora. Um país que depende grandemente dos doadores internacionais e que, embora com um Orçamento muito inferior àquele que gere, em Portugal, o ministro da Saúde, conseguiu nos últimos anos meter mais um milhão de crianças no sistema escolar.

Pode que navegar já não seja preciso mas visitar, conhecer e reconhecer é preciso. A conclusão, com êxito, do processo de reversão e transferência da Hidroeléctria de Cahora Bassa de Portugal para Moçambique e a recente Cimeira UE-África realizada em Lisboa sob a presidência portuguesa da União Europeia seria já por si suficiente para uma boa recepção ao Presidente português. Que a isso se juntassem memórias e afectos pessoais só fez bem às almas. Que Moçambique se sinta encorajado neste esforço de Paz - Governo e Oposição, pois os méritos são repartidos - é essencial. Se ao proferirem os últimos discursos, Guebuza e Cavaco dispensaram os textos escritos e falaram de improviso, algo raro em visitas oficiais de Chefes de Estado, foi porque, decerto, a ligação estava estabelecida e a corrente tinha passado.

DN, 3-4-2008
 
O segredo de Cavaco Silva

Ana Sá Lopes
Jornalista

Afonso Dlakhama já não é um "bandido armado". No tempo da guerra civil, era assim que a Frelimo, o partido único do regime moçambicano pós-independência, chamava à Renamo, a oposição que combatia o statu quo pela guerrilha - ou pelo terrorismo, conforme a preferência pessoal por terminologia mais light ou mais heavy.

Em Moçambique, a democracia instalou-se e o antigo "bandido armado" Afonso Dlakhama é hoje a alternativa a Armando Emílio Guebuza, o frelimista Presidente da República de Moçambique.

Cavaco Silva recebeu Dlakhama durante a visita de Estado que na semana passada fez a Moçambique, mas o encontro foi mais do que uma trivial audiência entre um Presidente da República de um país estrangeiro e o líder da oposição do país visitado.

Sabe-se hoje que, em nome do Estado português, o primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva deu ordens à secreta militar portuguesa para proteger a mulher e os vários filhos de Dlakhama, que se encontravam em Portugal.

A ajuda a Dlakhama foi uma das contribuições nacionais para a instalação de um regime pluripartidário em Moçambique: ainda com a guerra civil em curso, o governo de Portugal disponibilizou uma verba do Orçamento do Estado para financiar a estada da família Dlakhama em Lisboa, pagamento de estudos às crianças incluídos.

A revelação do auxílio do Estado português à oposição moçambicana foi feita na semana passada, na Antena 1, pelo jornalista Luís Delgado - também ele envolvido, nessa época, na ajuda à Renamo. Era um segredo bem guardado. Cavaco Silva sempre manteve com os governos de partido único dos países africanos de língua oficial portuguesa uma relação pacífica. Ao contrário de Mário Soares, alvo dos ataques do MPLA que lhe condenavam a "aproximação" à UNITA, Cavaco Silva sempre gozou de enorme popularidade nos regimes dos partidos saídos dos movimentos de libertação.

À luz do seu papel, enquanto primeiro-ministro, no auxílio à democracia em Moçambique, percebem-se melhor as contínuas manifestações de regozijo sobre o sucesso do sistema que Cavaco Silva produziu durante a recente visita de Estado.

No discurso da Assembleia da República de Moçambique, Cavaco referiu de relance o seu papel na paz, quando recordou que na última vez que visitara oficialmente o país, há 18 anos, "todas as atenções estavam concentradas, interna e externamente, na necessidade de levar a bom termo as negociações de paz, cuja génese e evolução, como é sabido, acompanhei sempre de muito perto".

Lembrando a adopção da Constituição de 1990 que introduziu a democracia em Moçambique e abriu caminho à assinatura, dois anos depois, do acordo geral de paz - e depois às primeiras eleições multipartidárias - Cavaco Silva prestou a sua "sincera homenagem à clarividência e coragem dos dirigentes moçambicanos, de todos os quadrantes políticos, muitos deles hoje aqui presentes, que compreenderam que a única via para atingir o ideal de 'liberdade, unidade, justiça e progresso', inscrito no seu texto fundamental, seria através da paz, da democracia e da reconciliação nacional".

Mas deixou avisos: se "a democracia é hoje um valor enraizado na sociedade moçambicana e um activo colocado ao serviço do desenvolvimento e do progresso do país", para Cavaco é verdade que "os sucessos alcançados não nos devem, contudo, fazer perder de vista que a construção da democracia, em qualquer país e em qualquer sociedade, é um desafio permanente e em constante evolução". Para que conste, em ano pré-eleitoral, numa altura em que Armando Guebuza se se empenha em mudar os rostos do Governo. Poucos dias antes da chegada de Cavaco Silva, o Presidente mudou três ministros, incluindo a dos Negócios Estrangeiros.

Em plena visita de Estado - que coincidiu com a visita oficial de Nuno Severiano Teixeira, ministro da Defesa - caiu o ministro da Defesa, quando andava ainda o seu homólogo português por terras moçambicanas.

DN, 6-4-2008
 
Alfândega quinhentista vai ser recuperada

DAVID BORGES

Ilha de Moçambique. Antiga capital do país é património da UNESCO

Alfândega quinhentista vai ser recuperada

Edifício vai receber administração distrital, museu e posto de turismo
O velho edifício da alfândega, na Ilha de Moçambique, vai ser reabilitado, no que é considerado como o passo seguinte do mais vasto projecto de recuperação da antiga capital de Moçambique e que é património da humanidade, por decisão da UNESCO, desde 1991.

Rosário Fernandes, da Autoridade Tributária de Moçambique, anunciou o projecto de reabilitação, sublinhando ter sido ali que, "em pleno século XVI, foi construída a primeira alfândega, na que se tornaria a primeira capital de Moçambique".

Na verdade, foi um dos primeiros testemunhos da presença colonial portuguesa, com o Forte de S. Sebastião e o palácio do governador, e nesse edifício começou a funcionar, em 1584, os primeiros serviços alfandegários de Moçambique.

A reabilitação do edifício deverá levar cerca de um ano e consumir 1,3 milhões de dólares, havendo a intenção de ali instalar a administração distrital, um museu da história dos serviços alfandegários e uma área de promoção do turismo.

A Ilha de Moçambique é uma estreita faixa de terra, de três quilómetros de extensão e não mais de 500 metros de largura, ligada ao continente por uma ponte.

Foi capital de Moçambique até 1898 e é agora um espaço mágico, carregado de história. "Não é a pe-dra que me fascina, é o que a pedra diz", como escreveu, a propósito Mia Couto.

Cantada por poetas, é referida como "Ilha de Todos", "Ilha do Ouro", também como a "Ilha dos Amores" de Camões, que por ali andou, como um dos "portugueses do Ocidente, buscando as terras do Oriente".

E por ali foi ficando, esse "velho Camões, macúa zarolho só por ter visto sempre demais", como diz o poeta moçambicano Eduardo White que admite ter Camões talvez ali "amado o seu negro, seus humanos adamastores e com eles provado essa fatalidade incontornável de ser poeta sem ilha na ilha extensa dos que aqui, até hoje, não sabem ler"

DN, 22-6-2008
 
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