09 maio, 2008

 

Museu do Oriente


Fundação do Oriente



http://www.foriente.pt/195/o-museu.htm

Comments:
Museu do Oriente abre portas a 8 de Maio

MARIA JOÃO PINTO

Museu do Oriente abre portas a 8 de Maio

Fundação Oriente prestes a celebrar 20.º aniversário
A data é definitiva. Será no mês dos museus e, também, no ano em que a Fundação Oriente (FO) comemora o seu 20.º aniversário: projecto com duas décadas, por várias vezes adiado por vicissitudes de localização, o Museu do Oriente abrirá as suas portas ao público a 8 de Maio. O anúncio foi feito ontem pelo presidente da FO, Carlos Monjardino, na apresentação do museu que, sedeado no Edifício Pedro Álvares Cabral, em Alcântara, dará novos usos ao antigo complexo de armazéns frigoríficos do Porto de Lisboa, projectado pelo arquitecto João Simões, em 1939.

Resultado de um investimento de "25 a 30 milhões de euros" e adaptado sob projecto de Carrilho da Graça e Rui Francisco, o museu respeitará a traça original e os baixos-relevos de Barata-Feyo apostos na fachada. Terá um jardim, concebido por Gonçalo Ribeiro Telles, e o acesso, por transporte público, à zona portuária será facilitado: após negociações com a Carris, uma carreira de autocarro circulará pela faixa interior, circunstância que ajudará equipamentos culturais vizinhos como o Museu da Electricidade.

Iniciado logo após a constituição da Fundação (a 18 de Março de 1988), por aquisição de espólio ilustrativo das relações que Portugal estabeleceu com a Ásia, o acervo do Museu do Oriente integra, entre outros, núcleos de arte chinesa, indo-portuguesa, japonesa e timorense. Núcleos traduzidos por objectos votivos e de ritual, cerâmicas e terracotas, têxteis, mobiliário, pintura e máscaras, e aos quais se juntou, em 1999, por doação do sinólogo francês Jacques Pimpaneau, a colecção Kwok On de arte popular asiática: 13 mil peças, muitas delas raras e de grande escala.

O acervo da Fundação (projecto museológico da responsabilidade de Fernando António Baptista Pereira; direcção de Natália Correia Guedes) partilhará ainda a sua casa com um conjunto de colecções externas de idêntica temática. Provenientes do Museu Machado de Castro, em Coimbra, colecções doadas ao Estado como as de Camilo Pessanha e Teixeira Gomes ficarão aqui integradas, em regime de depósito de longa duração. Em regime de empréstimo, figurarão também peças, entre outros, da Fundação da Casa de Bragança, museus Militar, de Arte Antiga e do Traje, Arqueológico do Carmo e de Antropologia da Universidade de Coimbra, bem como de privados.

Apesar de não ter sido uma primeira escolha, este edifício - "curioso" pela sua tipologia e "com uma localização privilegiada", nas palavras de Carlos Monjardino - constituiu, lembrou, um desafio para os projectistas, dada a segmentação dos seus interiores. Ao longo dos anos, recorde-se, o museu teve várias localizações em perspectiva: Praça de Espanha (terrenos adquiridos pela FO, onde se mantêm os pavilhões da feira local, num processo "que ainda hoje se arrasta"); terrenos do Pavilhão do Futuro (actual Casino de Lisboa); Cinema S. Jorge. Actualmente classificado como Valor Concelhio, o Edifício Pedro Álvares Cabral aguarda, por pedido da Fundação ao IGESPAR, uma reclassificação como Imóvel de Interesse Público.

DN, 29-2-2008
 
Uma panorâmica da Ásia tradicional no Museu do Oriente

MARIA JOÃO PINTO

Tudo começou com a paixão de um homem por marionetas chinesas. Movido por esse gosto, esse homem, chinês de Hong Kong e banqueiro toda a sua vida, foi construíndo, ano após ano, a sua colecção. Em finais dos anos 60, essa mesma paixão por marionetas chinesas fá-lo-ia cruzar-se com o sinólogo francês Jacques Pimpaneau, nessa época a trabalhar em Hong Kong. A amizade que se estabeleceu entre ambos levaria o primeiro a doar-lhe a sua colecção, corria então o ano de 1971. A partir desse legado nasceria, depois, um museu - o Museu Kwok On, de Paris, assim chamado em homenagem ao homem que tornara possível essa colecção. Colecção que, doada por Jacques Pimpaneau à Fundação Oriente, em 1999, está hoje em solo português.

Será a partir da próxima quinta-feira, data de inauguração do Museu do Oriente, onde constituirá um dos seus principais núcleos, que será possível conhecê-la. "Passo a passo", como refere ao DN gente Sylvie Pimpaneau, conservadora e comissária, em parceria com o seu marido, das exposições que terão por base esta colecção.

E passo a passo será porque a colecção que o Senhor Kwok On pacientemente reuniu cresceu exponencialmente. Considerada a mais importante no seu género em território europeu, graças às aquisições que Jacques Pimpaneau foi fazendo ao longo dos anos, integra hoje cerca de 13 mil peças, cobrindo geograficamente toda a Ásia, no seu sentido mais lato, "da Turquia ao Japão". Em termos numéricos, o legado original representará hoje "cerca de três por cento da totalidade da colecção", diz Sylvie Pimpaneau. Também o seu âmbito se alargou com o tempo, cruzando as "artes do espectáculo com a religião, a mitologia e a literatura asiáticas". Deuses da Ásia, marcando a abertura do Museu do Oriente, será a primeira dessas exposições.

Treze mil peças - como as que ilustram estas páginas - que, numa explosão de cor e de forma, escala e detalhe, cruzam os campos da escultura, iconografia e traje, máscaras, jogos tradicionais, instrumentos musicais, marionetas, teatro de sombras. Pelo seu número e diversidade e também por razões de conservação, a colecção será apresentada em regime de rotatividade, ocupando cada mostra todo o circuito expositivo do piso 2 do Museu do Oriente.

"Talvez em dez anos seja possível mostrar toda a colecção", diz Sylvie Pimpaneau, sublinhando o compromisso de que ela continuará a crescer: "Uma colecção que não evolui é uma colecção que morre, pelo que há que continuar a enriquecê-la."

Anualmente, e como tem feito até aqui, o casal viaja pela Ásia em busca de novas peças para a colecção. É sobretudo nos meios rurais, "onde as tradições se mantêm mais presentes", que as encontram. Em meio urbano, sobretudo nas grandes metrópoles, algo mudou, no entanto, "nos últimos 15 anos", dificultando essa recolha: um mercado emergente, "associado à moda das artes 'primitivas'", no qual "objectos simples atingem preços astronómicos".

A cadência de cada mostra temporária, essa, será de 14 meses, volvidos os quais o acervo se renovará com novos temas. Futuramente, um deles "será o Ramayana, uma das grandes epopeias da Índia", posteriormente difundida para lá das suas fronteiras.

"Criar um público fiel" é outro dos objectivos. Especializado ou não especializado, sublinha, todos os públicos serão bem-vindos. "Serão exposições acessíveis a toda a gente. Qualquer pessoa, não importa a sua idade, nível de instrução ou classe social, compreenderá à sua maneira o que aqui se expõe e aprenderá alguma coisa, que aprofundará depois, se assim o desejar". "Colecção de etnografia cultural", lembra Sylvie Pimpaneau, a Colecção Kwok On pretende ser, no fundo, uma janela sobre a Ásia e a(s ) sua(s ) cultura(s). "Tendo sido os Portugueses os primeiros a descobri-la", o significado será, aqui, ainda mais forte.

DN, 3-5-2008
 
O PRIMEIRO DIA DO MUSEU DO ORIENTE

MARIA JOÃO PINTO

'Festa do Oriente' marcará fim-de-semana inaugural

Fomos os primeiros a chegar e os últimos a partir, mas para muitos portugueses, a Ásia - ou as muitas Ásias que coexistem dentro dela - permanece(m) um lugar não apenas longínquo, mas desconhecido. Revelá-lo, na sua grandeza e diversidade, será agora a missão do Museu do Oriente, a inaugurar hoje oficialmente, na presença do Presidente da República, Cavaco Silva. A abertura ao público está marcada para amanhã e, até domingo, todos os caminhos irão dar à doca de Alcântara, por via de uma série de iniciativas alusivas e com entrada livre, que o museu preparou sob o título-tema "Festa do Oriente".

Sonho com 20 anos, tantos quantos tem a Fundação Oriente, o museu que Lisboa vê agora abrir portas procurará ser "uma verdadeira Casa da Ásia", como lembrou ontem, em visita de Imprensa, o museólogo e historiador de arte Fernando António Baptista Pereira, responsável pelo percurso e arranjo museográfico da colecção permanente. Desenvolvida "como uma narrativa", "proporá duas leituras cru- zadas", a primeira das quais visando a presença portuguesa na Ásia, núcleo correspondente, em larga medida, às aquisições que a Fundação Oriente foi fazendo ao longo dos anos.

A segunda dessas leituras terá por base uma panorâmica das culturas orientais, por via da Colecção Kwok On, de artes performativas e tradicionais, sendo a Ásia entendida aqui num sentido lato, num arco que vai da Turquia ao Japão. Dada a sua extensão - mais de 13 mil peças, muitas das quais exigindo cuidados especiais de conservação -, este núcleo rodará, recorde-se, de 18 em 18 meses, com novos temas e novas peças, sendo Deuses da Ásia a temática inaugural. Centrada na Colecção Kwok On será também a primeira mostra temporária do museu: Máscaras da Ásia.

Será justamente este diálogo, lembrou Fernando António Baptista Pereira, que fará deste não apenas "um museu único no seu género entre nós", mas raro também no contexto internacional. Para lá da "memória que convocará", o Museu do Oriente terá também os olhos postos no presente, por via da programação do seu serviço educativo e da sua programação de conferências e espectáculos, com particular destaque para o cinema e para a música. Trimurti, peça musical que o pianista Mário Laginha criou expressamente para assinalar o momento, marcará a abertura do museu (dias 9 a 12), tendo a seu lado, em palco, músicos do Vietname, Índia e Japão.

O estudo e valorização de espólios, áreas a que o novo equipamento naturalmente prestará atenção, terão, desde já, um impulso: de realçar, como lembrou Baptista Pereira, que o Museu do Oriente "abrirá as suas portas ao público com quatro catálogos" em simultâneo, resultantes do "esforço enorme de estudo da colecção". Um deles, de carácter generalista, sai com chancela tripartida da Fundação BNP Paribas, de Paris, Fundação Oriente e Réunion des Musées Nationaux, de França.

Um outro catálogo, de perfil monográfico, será dedicado à trajectória do edifício, agora sede do museu: os antigos armazéns frigoríficos do Porto de Lisboa, peça singular da arquitectura industrial dos anos 40. Graças a ele, revelar-se-á também o trabalho de um arquitecto injustamente esquecido: o seu projectista, João Simões (1908-1995), um dos últimos discípulos de mestre José Luís Monteiro e companheiro de geração de Cassiano Branco, Reis Camelo, Jacobetty Rosa, Keil do Amaral e Hernâni Gandra.

DN, 8-5-2008
 
Uma 'casa da Ásia' em Lisboa

MARIA JOÃO PINTO

Cavaco Silva enaltece perseverança da Fundação Oriente

A Fundação Oriente fechou ontem um capítulo na sua trajectória de 20 anos, ao cumprir aquele que foi, nas palavras do seu presidente, Carlos Monjardino, "um desígnio desde a primeira hora": a constituição, em Lisboa, de um museu dedicado aos laços que unem Portugal à Ásia.

Foi perante mais de 700 convidados dos meios cultural, político, diplomático, financeiro e empresarial que esse capítulo se encerrou, para dar agora lugar a uma nova página: oficialmente inaugurado, em cerimónia presidida por Cavaco Silva, ao lado do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, e do primeiro-ministro, José Sócrates, o Museu do Oriente entra agora na rota dos equipamentos culturais da cidade.

Enaltecendo a "perseverança" com que a Fundação Oriente foi construindo a sua colecção ao longo destas duas décadas, o Presidente da República salientaria também o trabalho de requalificação de património que a instituição acabou por abraçar, ao escolher o "belíssimo edifício, eximiamente recuperado", dos antigos Armazéns Frigoríficos do Porto de Lisboa para acolher essa mesma colecção.

Edifício que, referiu Cavaco Silva, "renasce com uma nova função e uma nova dignidade", para revelar "um notável conjunto de peças de arte que testemunham aquela que foi a primeira experiência de globalização, orgulhosamente levada a cabo pelos Portugueses", e contribuir para o "estreitamento das relações culturais entre o Ocidente e o Oriente", por via da programação do museu.

Esse ponto seria igualmente sublinhado por Carlos Monjardino, ao referir que "o desenvolvimento das relações económicas tem de assentar também, tal como no passado, na arte, na ciência e na cultura". E, nessa medida, disse, "não poderíamos encontrar melhor lugar que este" para instalar um museu desta natureza: junto ao Tejo, onde tudo começou.

O Museu do Oriente abre hoje as suas portas ao público com uma programação festiva que se prolongará pelo fim-de-semana. Sob o título "Festa do Oriente - Venha conhecer o outro lado do mundo", integrará música, danças tradicionais, cinema de animação, visitas orientadas e um conjunto de ateliers e workshops para públicos de todas as idades - Origami, Ikebana, Tai Chi, tradução de nomes para chinês, adivinhação e consulta zodiacal serão alguns deles. Com excepção de Trimurti, peça composta por Mário Laginha para a abertura do museu, todas as actividades têm entrada livre.

DN, 9-5-2008
 
O património cultural como matéria de trabalho

NYSSE ARRUDA

Natália Correia Guedes. A directora do recém-inaugurado Museu do Oriente, em Lisboa, tem um vasto currículo: esteve na fundação e direcção do Museu Nacional do Traje, na presidência do Instituto Português do Património Cultural e ainda na direcção do Museu Nacional dos Coches
Em 2007, quando o presidente da Fundação Oriente, Carlos Monjardino, a convidou para ocupar o cargo de directora do novo Museu do Oriente, em Lisboa, Natália Correia Guedes estava empenhada nas Comemorações do quinto centenário de São Francisco Xavier, um tema que já a envolvia nos assuntos do Oriente.

"Fiquei muito honrada e a minha primeira meta foi conhecer a colecção e integrar-me numa equipa que já contava com especialistas como o coordenador-geral e director do serviço de cultura, João Galvão, e os comissários das exposições", começa por dizer ao DN gente a directora do Museu do Oriente no seu luminoso gabinete, na zona de Alcântara.

A colecção Kwok On, doada pelo sinólogo francês Jacques Pimpaneau, um conjunto de 13 mil peças de arte popular asiática, muitas delas raras e de grande escala, foi a que mais a impressionou devido à policromia sensacional e ao sentido estético totalmente diverso do que prevalece no Ocidente.

"Os altares hindus e budistas são de uma beleza excepcional", observa, acrescentando que as mais de duas centenas de máscaras da Índia, Sri Lanka, Tailândia, Indonésia, China, Coreia e Japão agora em exposição são de uma variedade e riqueza incomparáveis.

O sucesso da abertura do Museu do Oriente, que atraiu cerca de 15 mil visitantes logo nos primeiros dias, foi mais um motivo de prazer para Natália Correia Guedes que, ao longo de sua carreira, já experimentou outras ocasiões dignas de emoção.

"Tenho várias décadas de trabalho em museus e na montagem e comissariado de exposições. É uma verdadeira vocação. Gosto da ideia de disponibilizar cultura ao público", afirma ela.

Natália Correia Guedes mantém este lema ao longo dos seus muitos anos de carreira no cenário museológico português, desde o momento em que viu a sua tese do curso de conservadora de museu ser transformada em realidade com o projecto do Museu Nacional do Traje, em 1975.

"Tinha sido estagiária do Museu Nacional dos Coches, que já possuía uma colecção notável de trajes de corte, e a directora de então convidou-me para fazer uma exposição do traje civil em Portugal no Museu Nacional de Arte Antiga, em pleno ano de 1974", lembra, dizendo que foi então que surgiu o embrião para a criação do Museu Nacional do Traje, reforçado com a sua tese.

"Na altura o então secretário de Estado da Cultura disse para eu encontrar um local e organizar o museu e eu sugeri a compra do Palácio do Monteiro-Mor, onde coloquei um letreiro a indicar que ali estava em organização o Museu Nacional do Traje. O engraçado é que na época começaram as ocupações de casas devolutas e os ocupantes do Palácio Bulhosa pensaram que eu também era ocupante e vieram dar-me os parabéns e oferecer o guarda-roupa do Bulhosa, o que eu naturalmente não aceitei", conta ela a rir-se do episódio.

"Nesse momento novo para o País nasceu então um museu novo, com uma concepção nova e cujas colecções foram doadas na quase totalidade por pessoas que partiam do País ou que tinham uma mentalidade diferente e ofereciam por gosto", diz Natália Correia Guedes, ressaltando que foram necessários sete anos de trabalho para ver o projecto concretizado e que o núcleo que ela organizou mantém-se até hoje como base da colecção.

Logo em 1979, ela assume a Direcção-Geral do Património Cultural, uma instituição então renovada que lhe permitiu um contacto e um campo de acção alargado, contando que havia 12 departamentos - Arqueologia, Património Arquitectónico, Museus, Arquivos, Teatros, Bibliotecas, etc. - que se transformaram em outras instituições no futuro.

Prosseguindo este trabalho, Natália Correia Guedes torna-se naturalmente na primeira presidente do Instituto Português do Património Cultural, a partir de 1980.

"Éramos uma equipa jovem e muito activa e produtiva e muitas das acções que tiveram visibilidade dez anos depois nasceram no instituto", ressalta, dizendo que era uma época florescente e quente e que o trabalho levou-a a percorrer o país a estudar cada caso de edifícios então passados para a tutela do IPPC, depois de o Ministério das Finanças ter resolvido abrir mão dos palácios e muitos monumentos classificados.

"Lembro-me de uma das rondas que fizemos pelo Alentejo para visitar o Castelo de Alter Pedroso e a descoberta de que não havia mais castelo algum, pois as pessoas tinham a pouco e pouco retirado as pedras do edifício", conta Natália Correia Guedes.

Entre 1985 e 1990, retorna ao Museu Nacional dos Coches, em Lisboa - agora como directora. "Foi o meu primeiro museu, onde eu já tinha sido estagiária e conservadora", lembra, destacando a relação muito próxima com a instituição, o museu mais emblemático de Portugal, com a maior colecção do mundo de carruagens antigas.

Ainda no Museu dos Coches, a directora publicou diversos catálogos e estudou a obra entalhada que faz o edifício, criando uma exposição que chegou a ser apresentada em África.

"Cheguei mesmo a realizar uma exposição sobre a falcoaria real em Salvaterra de Magos, em 1990, com os fardamentos relacionados com a casa real e as caçadas e seus instrumentos de metal", menciona esta mulher que tem um antepassado holandês, Verhoeven, do Brabante, falcoeiro-mor do rei da Dinamarca, parente do rei de Portugal, que veio ensinar e recuperar a falcoaria em Portugal durante o reinado de D. José (século XVIII).

Outro trabalho de fôlego de Natália Correia Guedes foi o de coordenadora do projecto Inventário do Património Cultural, do Ministério da Cultura, realizado graças aos fundos oriundos da União Europeia entre os anos de 1997 e 2000.

Antes disto, porém, foi comissária de uma série de exposições nacionais e internacionais como Cem Obras de Arte Portuguesa, apresentada em Madrid, em 1985, Roma Lusitana, Lisboa Romana, em Roma em 1991, e Oito Séculos de Missionação Portuguesa, apresentada em Lisboa, em 1994, no Museu de São Vicente de Fora, primeira exposição neste espaço, e que também foi exibida no Vaticano em 1995, contando as honras de uma visita do Papa João Paulo II.

"Foi um gesto inédito do Papa João II. Ele parava frente a cada vitrine, especialmente naquela em que estava exposto o primeiro livro de cochinchinês numa inédita tradução para a língua portuguesa, feita por um missionário português", conta com visível orgulho a directora do Museu do Oriente.

Outra exposição de destaque e que teve um patrocínio inédito das câmaras municipais de nove cidades do Japão foi a de São Francisco Xavier, apóstolo das Índias - pondo em foco a sua vida e a sua obra. Esta exposição foi apresentada em 1999, no Japão, e em seguida em Lisboa, na Cordoaria Nacional.

Já em 2000, apresentava o resultado de dois anos de estudos e um ano de preparação com a exposição 500 Anos de Misericórdias Portuguesas, Solidariedade de Geração em Geração, que foi apresentada no convento das Mónicas, em Lisboa.

"Foi um trabalho bastante abrangente, remontando ao século XVI, e tendo por lema os dogmas das obras das misericórdias, como visitar os presos, dar aos pobres, vestir os nus, etc.", diz a actual directora do Museu do Oriente. Natália Correia Guedes sempre quis estabelecer um diálogo entre as várias especialidades e criar um relacionamento amplo com as várias pessoas envolvidas na dinâmica dos museus.

DN, 31-5-2008
 
UM MUSEU FABULOSO

Mário Soares

Em tempos de recessão - e com o País preocupado e deprimido - dá gosto e faz bem ao ego dos portugueses fazerem uma visita, se possível guiada, ao novo Museu do Oriente. Aconselho-a vivamente.

A Fundação do Oriente - e Carlos Monjardino, seu presidente - estão, francamente, de parabéns. Realizaram uma obra de grande beleza e sobriedade, de enorme dimensão e significado nacional, no velho armazém frigorífico, mais ou menos abandonado, do Bacalhau, onde mandava o polémico almirante Tenreiro, próximo da Gare Marítima de Alcântara, agora recreado por dentro, com inegável mestria, arte e bom gosto pelo arquitecto Carrilho da Graça. Também está de parabéns, bem como o meu querido amigo, arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que fez o arranjo urbanístico exterior e conseguiu o milagre de esconder a linha do caminho-de- -ferro...

A visita faz bem aos portugueses, porque nos mostra, com obras de rara beleza, impressionantemente bem expostas, a decisiva importância que os portugueses tiveram - e continuam a ter, embora a maioria o não saiba - no Oriente, quanto à forma como viram, interpretaram, divulgaram na Europa e deixaram a sua marca, na imagética oriental, nas religiões, nas obras de arte e naquelas requintadas civilizações que encontraram, em grandes países, como: a Índia, a China, o Japão, a Coreia, o Tibete, Myanmar, a Indonésia, Macau e Timor. Mostra-se, assim, como os portugueses iniciaram no séc. XVI, e continuaram a fazê-lo até hoje, o diálogo entre o Ocidente e o Oriente e o encontro fecundo entre tão diferentes civilizações - diálogo e encontro que mantêm uma extraordinária actualidade, no mundo global, tão conturbado e complexo em que hoje vivemos.

As colecções expostas representam acervos, laboriosa e criteriosamente adquiridos, pela Fundação Oriente, milhares de peças de várias procedências e civilizações, ao longo dos últimos 20 anos da sua existência, em antiquários asiáticos, europeus e leilões, realizados em várias regiões, mas sempre de grande qualidade. Além disso, a colecção Kwok On, extraordinária, organizada pelo sinólogo francês Jacques Pimpaneau, que a depositou em boa hora na Fundação. E, finalmente, para só citar as principais, centenas de peças (de madrepérola, biombos, móveis, pinturas, faianças, marfins, etc.) depositadas pelo Museu Machado de Castro, por exemplo, as colecções doadas àquela instituição por dois grandes artistas e escritores, Camilo Pessanha e Manuel Teixeira Gomes, refinado homem de cultura e arte, embaixador da República em Londres e, depois, Presidente da República, e ainda peças variadas do Museu Nacional de Arte Antiga, da Sociedade de Geografia, e de outras entidades, públicas e privadas.

Tive o grande privilégio de visitar o Museu guiado por Carlos Monjardino, presidente da Fundação Oriente (meu velho amigo, que também já fui de seu pai, ilustre médico, Pedro Monjardino e de seu avô materno, o grande professor de Medicina Pulido Valente), responsável pela aquisição da maior parte do acervo, e pelas dras. Natália Correia Guedes, actual conservadora do Museu e Manuela Oliveira Martins, sua principal colaboradora, ambas profundas conhecedoras das obras expostas e da Arte, da Imagética e das Religiões Orientais.

A influência dos portugueses na Ásia - e por toda a parte onde passou a missionação dos nossos jesuítas, franciscanos, dominicanos e outras ordens - é realmente extraordinária, pelo que representou e pelo que dela persiste. Sem esquecer, obviamente, África, o Brasil e o resto do mundo, por onde os portugueses andaram - e andam -, que não fazem parte do património do Museu do Oriente. Somos realmente um povo singular, aberto ao vasto mundo e a todas as civilizações e influências, ao diálogo de culturas, no melhor sentido do termo, às influências que sofremos e às marcas que deixamos.

Aliás, a exposição permanente está inspirada, em todo o seu percurso, por dois grandes livros-guia: Os Lusíadas, de Camões; e A Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, dois portugueses seiscentistas que viveram e escreveram no primeiro grande século da saga dos Descobrimentos, deixando-nos, cada um à sua maneira, uma marca indelével da sua visão originalíssima.

O Museu do Oriente para além da mostra permanente, que tentei escrever em síntese, está aberto a exposições temporárias. A que lá está agora intitula-se Máscaras da Ásia. Tem ainda um importante centro de documentação e uma biblioteca especializada, um excelente auditório para conferências e espectáculos, com 350 lugares e instalações destinadas às crianças que visitam o museu e que são convidadas depois de o verem, a desenhar e pintar o que sentiram. Uma experiência inovadora, com resultados à vista, espectaculares, que irá ser completada com visitas de alunos seleccionados e pertencentes a escolas de vários países marcantes da Rota do Oriente, onde os portugueses estiveram.

Dispõe ainda de uma loja bem provida, onde se podem comprar os três catálogos do museu, livros da especialidade, reproduções de algumas das obras expostas, tecidos orientais, etc. E ainda um restaurante, com uma vista espectacular sobre o rio, de onde partiram as caravelas, um bar e amplos espaços de lazer. Desculpem os leitores esta descrição que parece de propaganda, mas não é. Tem uma intenção didáctica e patriótica. Visitem o Museu do Oriente! Visitas destas, em tempos complexos, vão, seguramente, fazer muito bem ao ego dos portugueses.

DN, 3-6-2008
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?