05 maio, 2008

 

Pobreza


infantil



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Um quinto das crianças em risco de pobreza

CARLA AGUIAR

Pobreza. Relatório da Comissão Europeia diz que Portugal é o segundo país da UE onde o risco de pobreza infantil é maior. A subida do desemprego, o baixo nível de vida e a elevada taxa de abandono escolar são factores que explicam o retrato negro

Uma em cada cinco crianças portuguesas está exposta ao risco de pobreza, o que faz de Portugal o País da União Europeia, a seguir à Polónia, onde as crianças são mais pobres ou correm maior risco de cair nessa situação.

O retrato negro consta do relatório conjunto sobre a protecção social e inclusão que é hoje apresentado em Bruxelas (Bélgica) e que deverá ser adoptado no dia 29 pelo Conselho de Ministros do Emprego e Segurança. O mesmo relatório permite concluir que a situação portuguesa nesta matéria não só piorou em termos absolutos face ao último balanço realizado sobre a matéria em 2005 ( referente a rendimentos apurados em 2004) como também ficou mais isolada em termos comparativos.

Portugal em penúltimo

No balanço anterior, o nível de exposição à pobreza infantil em Portugal estava em 20% e alinhava com países como a Espanha, Irlanda e a Grécia, estando, ainda assim, abaixo dos níveis registados na Lituânia e na Polónia. Agora, de acordo com dados do novo relatório, o risco de pobreza infantil só é pior na Polónia, e já superou o patamar de 20%.

Uma situação que está relacionada com a escalada do desemprego em Portugal. Enquanto em 2004, Portugal ainda apresentava das taxas de desemprego mais baixas de toda a União Europeia, nos últimos anos, a situação inverteu-se.

Em Julho do ano passado, por exemplo, Portugal já era, a par de países como a Grécia, Polónia e Eslováquia, um dos três países com as mais elevadas taxas de desemprego, em torno dos 8,2%.

Baixos salários

O desemprego não é, no entanto, o único factor a explicar o crescimento do risco de exposição infantil à pobreza, que remete também para o baixo nível salarial praticado em Portugal, para a crescente precariedade do emprego ou para níveis mais baixos de transferências sociais.

Nunca é demais lembrar que mais de 20% da população empregada tem actualmente contratos a prazo - que não garantem estabilidade de rendimentos - e que o salário mínimo não vai, este ano, além dos 426 euros. Em 2006, por exemplo, o salário médio nacional rondava os 712 euros.

Isso mesmo é possível concluir do relatório conjunto sobre protecção social e inclusão, quando refere que o risco abrange tanto as crianças que vivem no seio de famílias desempregadas como as que vivem em lares onde os pais estão empregados.

Isto, porque, de acordo com dados do Eurostat de 2005, relativos a rendimentos de 2004, os trabalhadores portugueses são, juntamente com os polacos, os que apresentam a mais elevada taxa de risco de pobreza, em torno dos 14%, no seio da União Europeia. Ou porque os salários não são suficientes ou porque o emprego não é sustentável.

Mesmo assim, relativamente ao risco para as crianças, há outros países que partilham com Portugal níveis relativamente altos de pobreza, como sejam a Espanha, Grécia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo e Polónia.

"É uma situação que tem de ser superada, porque afecta direitos básicos de cidadania", afirma Armando Leandro. O presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças em Perigo diz mesmo que "o combate à pobreza deve ser um desígnio nacional" e que existem já iniciativas para a combater. O responsável separa a situação da pobreza do risco para a criança, mas refere que há perigos, como "menor disponibilidade dos pais ou menor escolarização"

Os estudos realizados sobre a pobreza coincidem na conclusão de que os riscos de pobreza aumentam nas famílias com crianças e idosos, mas também, e sobretudo, nas famílias monoparentais.

Deficiente alimentação

A situação de desestruturação familiar é apontada pela presidente do Banco Alimentar, para explicar "o agravamento das condições de vida" de muitas famílias. "Muitas crianças apenas se alimentam com o que lhes é servido nas instituições de solidariedade social, nem sequer tomam pequeno-almoço em casa", disse Isabel Jonet. Acrescentando que "quando vão de férias regressam mais magras".

O abandono escolar é outro factor incontornável para medir o risco de exposição infantil à pobreza, sabendo--se que os desníveis nas qualificações são a causa fulcral das desigualdades sociais. A este respeito, Portugal também está numa posição preocupante: a percentagem de jovens até os 24 anos com baixa educação secundária era de 39% em 2006 (ano lectivo de 2004-2005), a segunda pior de toda a União Europeia, a seguir a Malta. A taxa de abandono escolar baixou entretanto para valores da ordem dos 35%, mas, ainda assim, Portugal continua, neste campo, na cauda da União Europeia.

com RUTE ARAÚJO e LUSA

DN, 25-2-2008
 
Situação piorou desde o último relatório de 2004

Quando, em 2003, Portugal já ocupava um dos últimos lugares na lista de países mais expostos à pobreza, a principal abordagem estratégica apontada pela Comissão Europeia para combater a situação portuguesa passava por aumentar a empregabilidade das pessoas, com "uma taxa de actividade elevada, através de medidas que permitam às pessoas encontrar um emprego". E, em consequência, "uma redução do número de portugueses expostos aos risco de pobreza até 2010". Outra recomendação era ainda a de melhorar a integração numa perspectiva de igualdade entre homens e mulheres.

A dois anos do prazo estabelecido, os dados mostram que a situação melhorou ligeiramente ao nível da população geral, mas poderá ter piorado na situação concreta das crianças. Até porque no relatório daquele ano, Portugal apresentava ainda uma taxa de desemprego das melhores da Europa, o que era realçado no documento como ponto positivo.

O relatório não só destacava "a taxa de emprego muito elevada e a taxa de desemprego muito baixa", como a "intensificação dos esforços consentidos em matéria de inserção social e diminuição da percentagem de beneficiários da assistência social".

A crítica apontada prendia-se com as metas assumidas. Consideravam os autores que os objectivos propostos seriam "difíceis de alcançar". E estes passavam pela "redução para metade da dependência da assistência social" e também pelo aumento da taxa de emprego para 80%".

O relatório de hoje deve inverter as recomendações, tendo em conta a mudança na taxa de desemprego ocorrida nestes anos, com Portugal a sair de uma das melhores posições para uma das piores no contexto europeu.

As seis prioridades definidas pela Comissão Europeia para reforçar a inclusão social, na linha da Estratégia de Lisboa, passam por garantir que os regimes de protecção social são adaptados e acessíveis a todos e que proporcionam incentivos reais ao trabalho para as pessoas que podem trabalhar. Outra linha passa por investir em medidas que favoreçam um mercado de emprego activo e assegurar a sua adaptação para responder às necessidades das pessoas com maiores dificuldades de acesso ao emprego.

Reforçar os esforços no combate ao abandono escolar precoce e promover uma transição tranquila da escola para o mundo laboral era outro ponto fundamental. Colocar a tónica na erradicação da pobreza infantil e definir uma política dinâmica de redução da pobreza e da exclusão social dos imigrantes completavam as directivas.

DN, 25-2-2008
 
IGUALDADE DE OPORTUNIDADES

António Vitorino
jurista

Hoje mesmo a Comissão Europeia entrega aos ministros do Emprego e dos Assuntos Sociais da União Europeia um relatório que faz o balanço das reformas em curso nos sistemas de protecção social e no âmbito das políticas de inclusão social.

O relatório evidencia que esta agenda de reformas consagrada na Estratégia de Lisboa é partilhada por governos de distintas cores políticas e em países com graus muito diversificados de desenvolvimento económico e social.

O que é sublinhado neste relatório é que, independentemente da diversidade das realidades económicas e sociais dos países da União, as actuais condições de concorrência global e o panorama da evolução demográfica coloca todos os países da União perante desafios semelhantes que impõem reformas nos sistemas de protecção social vigentes.

A dificuldade consiste em proceder a essas reformas mantendo os valores essenciais da coesão e da justiça social.

A que acresce que a aferição dos seus resultados exige uma avaliação num período relativamente longo, muito em contraste com a premência das expectativas dos cidadãos e com a velocidade alucinante da globalização económica e financeira.

Se a este panorama juntarmos a instabilidade política global, o aumento do custo de matérias-primas e produtos essenciais (do petróleo aos cereais e outros bens alimentares) e a recente crise financeira gerada a partir do mercado hipotecário americano, não será difícil concluir que a margem de manobra não é muito grande.

O caldo de cultura envolvente torna as reformas inadiáveis, mas a crise internacional condiciona a liberdade de acção dos governos e das sociedades e cria um sentimento de insegurança e incerteza que alimenta as lógicas defensivas, proteccionistas e imobilistas.

Mesmo assim, o balanço das reformas apresentado pelo relatório da Comissão regista algumas evoluções positivas.

Assim, as taxas de emprego aumentaram em todas as categorias de trabalhadores mais velhos (entre os 55 e os 64 anos) e entre as mulheres, e as reformas dos sistemas de pensões e dos mercados de trabalho melhoraram a sustentabilidade dos sistemas de segurança social bem como os incentivos ao trabalho.

Por contraste, no domínio da inclusão social, 16% dos cidadãos da União Europeia (ou seja, 78 milhões de pessoas!) permanecem em risco de pobreza, enquanto cerca de 8% estão nessa situação embora tenham um emprego.

Esta realidade preocupante sente-se com mais intensidade nas comunidades de imigrantes presentes nos países europeus e respectivos descendentes.

Mas provavelmente o dado mais chocante que este relatório contém diz respeito à pobreza infantil, situação que afecta 19 milhões de crianças!

Esta conclusão torna, por si só, incontornável que a grande prioridade do combate à pobreza na União Europeia nos próximos anos tem de ter as crianças no centro das suas preocupações.

Esse combate interpela naturalmente as autoridades públicas mas também a sociedade civil.

E porque se trata de um combate sobre dramas humanos muitas vezes escondidos ou camuflados exige uma intervenção de proximidade, tanto a cargos dos serviços públicos de linha, com especial relevo para as autarquias locais, como a cargo das organizações não governamentais e outras instituições assentes no voluntariado e das próprias empresas, enquanto expressão da sua responsabilidade social.

Para tanto é necessário, desde logo, compreender que o combate à pobreza infantil exige a conjugação de medidas de apoio às famílias e de medidas directamente vocacionadas para o apoio às próprias crianças. Medidas que apresentem a flexibilidade necessária para se adaptarem às transformações profundas por que passa a estrutura das famílias actualmente (designadamente a crescente relevância das famílias monoparentais a cargo da mãe) e que tenham uma vocação transversal para responderem à desestruturação de tantos agregados familiares no seio dos quais as crianças representam o elo mais vulnerável.

É que hoje em dia é na luta contra a pobreza que começa a igualdade de oportunidades.

DN, 29-2-2008
 
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