13 junho, 2008

 

120 anos do nascimento de


Fernando Pessoa




http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa

http://www.fpessoa.com.ar/
http://pessoa.mdaedalus.com/
http://www.cfh.ufsc.br/~magno/frames.html

http://www.casafernandopessoa.com/

http://purl.pt/1000/1/

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Descoberto poema inédito atribuído a Alberto Caeiro

ISABEL LUCAS

"Tudo é definido, tudo é limitado, tudo é cousas." Este é o último verso de um poema inédito atribuído a Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, e encontrado na última página de um livro que pertenceu a Pessoa pela equipa que está a digitalizar o espólio do poeta. O livro estava na casa que ocupa o nº 16 da rua Coelho da Rocha e só por acaso não foi detectado antes. "O poema está manuscrito e tem como cabeçalho a palavra Caeiro sublinhada", disse ao DN Patricio Ferrari que, a par com Jeronimo Pizarro, dirige a equipa que está a passar a formato digital toda a biblioteca que pertenceu a Fernando Pessoa, não apenas da Coelho da Rocha, como os papéis ainda nas mãos da família do poeta.

O poema foi encontrado a 30 de Abril pelo italiano Antonio Cardiello. "Foi uma descoberta inesperada", declarou Jeronimo Pizzarro,que só gastaria de ver o poema divulgado depois de" devidamente" estudado por especialistas na obra de Caeiro. Por enquanto levanta dúvidas. "Apesar da linguagem ser a de Alberto Caeiro e de o poema ser precedido pelo nome Caeiro, tanto pode ser o título como a assinatura. Além disso está num livro datado de 1907 quando sabemos que aquele heterónimo só apareceu em 1914." As cautelas de Pizarro, o investigador que já transcreveu o poema, são partilhadas por Patricio Ferrari. Um e outro opõem-se à intenção de Inês Pedrosa, directora da Casa Fernando Pessoa, de fazer postais com réplicas do manuscrito para celebrar os 120 anos do nascimento de Pessoa, que se comemoram a 13 de Junho.

Sem querer divulgar a temática e mantendo para já o manuscrito bem guardado, os dois académicos defendem que ele deve ser divulgado de pois de devidamente contextualizado e em simultâneo com toda a marginália de Pessoa, também inédita e onde, por exemplo, foram encontrados em dois livros diferentes, dois horóscopos de Mussolini feitos pelo poeta. "A biblioteca de Pessoa é muito original. Ele anotava os livros, escrevia filosofia, prosa, poesia. Temos uma espécie de segundo ou terceiro espólio que nasce nos livros que ele costumava ler. Não sabemos sequer se este poema será o mais importante", salienta Jeronimo Pizarro.

Nem o poema agora encontrado nem os livros estão no lote que irá a leilão em Outubro, pela P4 Photography, e que temem venha a cair nas mãos de estrangeiros e a dispersar-se. Sobre este tema e sabendo que as suas palavras podem ser usadas para especular preços, Pizarro limita-se a dizer que é algo valioso. "Nunca nenhum papel de Pessoa foi a leilão", lembra. Os anteriores 27 mil foram comprados em 1979 pelo Estado e estão na Biblioteca Nacional. Quanto a estes 800 que a família do poeta decidiu levar a leilão, Pizarro salienta que eram desconhecidos então. "O Estado pensava estar a comprar tudo o que era de Pessoa." Não estava. O DN contactou o Ministério da Cultura que, para já, quer mais detalhes sobre o lote que contém o chamado dossier Pessoa-Crowley. Por sua vez Inês Pedrosa não tem dúvidas: "O Governo tem a obrigação de salvaguardar esse património." Isso e os cerca de 140 livros ainda na posse da família , acrescenta Ferrari. "Todos têm marginália importante que nunca foi totalmente trabalhada."

DN, 27-5-2008
 
200 títulos da biblioteca de Pessoa 'online' no dia 13

ISABEL LUCAS

É o Jôgo da Cabra Cega. Assim mesmo, título com circunflexo no 'o' como impunham as regras ortográficas da época. O livro corre lento, página a página. Um plano e uma paragem. Um vido sobre o plano, cartolina preta por baixo da lombada e o clique da máquina fotográfica que dispara mais uma digitalização. Estamos na varanda da Rua Coelho da Rocha, nº16, casa onde viveu Pessoa, que também começou por assinar com circunflexo e que agora é a sede de uma instituição pública, a Casa Fernando Pessoa.

Desde 14 de Abril que uma equipa coordenada por dois elementos do Centro de Linguística Portuguesa da Universidade de Lisboa (CLUL), o colombiano Jeronimo Pizarro e o italiano Patricio Ferrari, digitaliza, de graça, toda a biblioteca pessoal do poeta dos heterónimos. São cerca de 1200 títulos, entre livros, revistas, jornais, pertencentes à Casa Fernando Pessoa e ao espólio da família. Desses, 200 estarão disponíveis para consulta pública a partir de 13 de Junho, dia em que se celebram os 120 anos do nascimento do autor de A Mensagem, a partir do site da casa Fernando Pessoa.

As mesas de digitalização estão alinhadas na varanda onde a luz natural teima em não ser certa. De vez em quando há uma nuvem que tapa o sol. Nada que depois não se trate na pós-produção, como refere Liliana, uma voluntária, como todos os que ali trabalham e que, entre um virar de página e um disparo tem tempo para fixar frases, ler coisas que pessoa escreveu em algumas margens, sublinhados e no caso deste Jôgo de Cabra Cega, apenas as palavras do autor do livro. Trabalho de paciência este o de virar da página, minuto a minuto, hora a hora, dia após dia? Não, "é uma meditação em movimento", classifica, quando o livro já vai a mais de meio.

A mãe de Patricio Ferrari, um dos coordenadores, chegou ontem de Itália e vai ajudando Liliana no virar de cada página. Patrício está sentado de frente para elas e tem à frente cerca de uma dezena de volumes. São de um dos sobrinhos de Pessoa, Luís Roza, o mesmo que publicou parte do Dossier Pessoa-Crowley, esse que irá a leilão em Outubro. Não será o caso de nenhum dos exemplares que Ferrari tem à frente. Esses manter-se-ão para já com a família. Alguns exibem a assinatura do ex-proprietário na primeira página, aquela a seguir à capa, a que precede o título, um sinal de posse que vai oscilando. Fernando Nobre Pessôa, Alexander Search, uma dos heterónimos, e um único William Alexander Search. "único até agora", como salienta Patricio Ferrari, "porque em Pessoa nada é definitivo.

Bolseiro a fazer doutoramento sobre o poeta, Ferrari reconhece ter aqui uma oportunidade única de conhecer o criador que foi Pessoa. "Consigo conhecer o leitor, o estudioso, o criador. Nas margens, nos sublinhados, nos espaços em branco de muitos dos seus livros estão as marcas desse Pessoa." Aprendeu a lê-lo. Ou melhor, a ler-lhe a caligrafia. O dedo aponta um exemplo: "a rima é uma doença do ritmo", decifra numa das páginas, mas reconhece que Jeronimo Pizarro é melhor nessa tarefa. Foi Pizarro quem transcreveu o inédito atribuído ao heterónimo Alberto Caeiro que vai passar a postal, também no dia 13, esse poema que termina com o verso "tudo é definitivo, tudo é limitado, tudo é cousas" e que fez a equipa de Pizarro parar quando deu com ele na última página de um dos livros que estava a ser digitalizado pertencente à biblioteca que se encontra na Casa Pessoa. Foi a 30 de Abril. Agora essa equipa que oscila entre as sete e as 14 pessoas agora divide-se e encontra-se uma vez por semana na varanda que dá para as traseiras da casa. Sempre que há um sublinhado maior, umas margens mais preenchidas, as atenções aumentam e não há quem não tente decifrar os mistérios de uma letra que foi ficando cada vez mais indecifrável à medida que Pessoa avançava na idade e que, quando escrita a lápis, o tempo foi apagando.

As mãos de Liliana continuam nesse movimento de meditação que os olhos acompanham. Não se demora em nenhuma página. Aquele é um livro sem notas nem escritos. Pertence à categoria "8" de uma seriação criada para este fim e que corresponde aos livros de literatura. Há ainda os de filosofia e psicologia, esoterismo, ciências sociais e políticas, matemática, medicina, jornais, revistas... A equipa teve data para começar, mas não tem nenhuma para terminar uma tarefa que depende do sucesso de protocolos. Com o CLUL ou com a Câmara de Lisboa, que tutela a Casa Pessoa. Disso e do êxito da digitalização no site. Isso será posto à prova já no dia 13.

DN, 30-5-2008
 
QUARESMA OU O PESSOA POLICIAL

ISABEL LUCAS

As novelas policiais de Fernando Pessoa estão reunidas num só volume. Esta é a maior novidade editorial em véspera de se comemorar os 120 anos do seu nascimento. É Pessoa na pele de Quaresma, Decifrador em 13 novelas inacabadas

A grande biblioteca pessoana foi agora acrescentada

Nome: Abílio Fernandes Quaresma. Profissão: decifrador. Não é um heterónimo, nem ortónimo, mas uma personagem criada por Fernando Pessoa que ultrapassa essa dimensão, a de personagem. Ele é o elo entre as novelas policiais do autor de Mensagem, o centro do Pessoa policial que pela primeira vez está reunido num único volume publicado agora pela Assírio & Alvim nos 120 anos do nascimento do poeta que se celebram amanhã, 13 de Junho.

São novelas inacabadas e foram sendo escritas ao longo da vida de Fernando Pessoa, desde Durban a Lisboa - primeiro em inglês depois em português. Escreveu-as até à morte, ocorrida em 1935. Apesar de nunca terem sido objecto de estudo aprofundado pela maioria dos estudiosos pessoanos, o seu autor dedicava-lhes importância equiparável à obra poética, e talvez um afecto maior. "Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam ao que ainda resta de intelectual na humanidade é a leitura de romances policiais. Entre o número áureo e reduzido das horas felizes que a Vida deixa que eu passe, conto por do melhor ano aquelas em que a leitura de Conan Doyle ou de Arthur Morrison me pega na consciência ao colo. [...] Talvez seja para os senhores como que causa de pasmo, não o eu ter estes por meus autores predilectos e de quarto de cama, mas o eu confessar que assim os tenho."

Se dúvidas houvesse quanto à sua admiração pelo género, este apontamento pessoal dissipava-as e Pessoa chegou mesmo a questionar-se se, em vez de começar a publicar com a Mensagem, não deveria ter-se iniciado na edição com uma destas narrativas que têm como figura principal esse Abílio Fernandes Quaresma, o detective, ou decifrador, como prefere chamar-lhe Fernando Pessoa.

"Abílio Fernandes Quaresma era solteiro, maior de idade e médico sem clínica. Morava num 3º andar da Rua dos Fanqueiros, num quarto pequeno, desarrumado, com uma janela aberta para os telhados, por onde entrava a luz de Lisboa." De si, Quaresma dizia: "procurei sempre ser espectador da vida, sem me misturar nela. (...) Tenho na vida o interesse de um decifrador de charadas. Paro, decifro e passo adiante. Não emprego nenhum sentimento." Dele, Pessoa descrevia as marcas que agora o prefácio deste Quaresma, Decifrador recupera: "Vivia no seu quarto, num estado de semi-doença indefinida, vegetando embrulhado numa manta e lendo. Deixava perceber, por um ligeiro tremor e pelos dedos amarelados, as marcas dos seus dois vícios, o alcoolismo e o tabaco. Preferia charutos baratos, Peraltas escuros, a 25 réis, que contribuíam para a tosse cadavérica que por vezes o tomava."

Este Quaresma, Decifrador é uma das novidades publicadas no momento em que surgem reedições de outras obras de Pessoa, um escritor que não vende mais por estes dias, como garantiram ao DN alguns livreiros, mas que vai vendendo sempre. É o que acontece, por exemplo, na Bertrand do Chiado onde esta colectânea de 13 novelas surge ao lado de outra novidade, a Pessoana, de José Blanco (também Assírio & Alvim) e da Antologia de Pessoa Ilustrada, da Porto Editora. São novidades numa altura em que se sucedem homenagens e pouco depois de se saber que parte da sua biblioteca vai a leilão. No ano dos seus 120 anos.

DN, 12-6-2008
 
Fernando Pessoa na mira do 'hip hop' nacional

JOÃO MOÇO

Homenagem. Espectáculo no Terreiro do Paço

Falta de público impediu a festa esperada na Praça do Comércio, em Lisboa

A poesia de Fernando Pessoa saiu à rua. E encontrou o hip hop. Esta foi a ideia que esteve na base de um espectáculo que, sexta-feira, assinalou os 120 anos do poeta, em plena Praça do Comércio, em Lisboa. O desafio foi lançado pela Casa Fernando Pessoa e pela autarquia à editora Loop Recordings, etiqueta essencialmente dedicada ao hip hop. E em Setembro esta mesma ideia vai gerar um disco.

Além da música, o graffito também marcou presença na homenagem a Fernando Pessoa, através dos painéis de Normen, que, segundo confessou ao DN, "nem era grande conhecedor da sua obra", mas identificou-se "por causa dos heterónimos, uma vez que os writers de graffiti também se multiplicam em várias personalidades, têm as suas tags", ou seja, as suas assinaturas.

Pela noite de sexta-feira, durante pouco mais de uma hora e meia, nomes reconhecidos do hip hop português subiram ao palco e mostraram como a poesia de Fernando Pessoa pode ganhar diferentes leituras. Todavia, os lisboetas não aderiram em massa a este evento, de entrada gratuita e que, pela noite fora, foi despertando a curiosidade do comum transeunte, mas longe da grande festa em celebração do poeta como seria de esperar.

DJ Ride esteve sempre no palco, enquanto rappers como Maze, Fuse ou Sagas entravam e saíam de cena. A grande surpresa da noite ficou reservada para Viriato Ventura, pai de Sam the Kid, que interpretou o conhecido poema Tabacaria. O cantor Melo D foi quem mais tentou animar os presentes. Ao palco levou o poema Morde-me com o crime que tens nos olhos.

DN, 15-6-2008
 
Dias contados

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

PESSOAS PEQUENAS

Leio que a Casa Fernando Pessoa comemorou os 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa, o que sem dúvida parece adequado. Em seguida, o que parece menos adequado, leio que as comemorações envolveram um concerto de hip hop e uma sessão prática de graffiti alusivos.

Admito não ter visto os graffiti nem o concerto. Mas estranho um bocadinho que o maior escritor português do século XX seja evocado através de umas garatujas na parede e da adaptação musical (?) de poemas de Álvaro de Campos por artistas do gabarito de (recorro à notícia) Melo D., Maze, Fuse, Raptor ou Rocky Marsiano. Felizmente, a directora da Casa, Inês Pedrosa, esclarece: a intenção é "atingir os mais jovens".

Nada tão claro. O gentil pressuposto em causa é o de que quanto mais jovem mais estúpido. Aparentemente, dadas as vicissitudes do tempo, um petiz não alcança nenhuma obra literária excepto se esta for arrancada com violência do seu habitat natural e degradada até ao limite do reconhecível. Adaptar Pessoa ao jovem médio implica que alguém, acompanhado por uma sanfona electrónica, grite as respectivas palavras para o microfone, de preferência com interjeições à mistura. Para o jovem de compreensão particularmente lenta, os rabiscos na parede bastam.

Sendo um pressuposto comum e, ao que se vê, eventualmente justo, não há razão para não alargar o método às celebrações de outros escritores. Imagino que a juventude acedesse com facilidade à lírica camoniana desde que interpretada por mimos e marionetas do Chapitô. E que Eça alargaria o seu público se o elenco de Morangos com Açúcar encenasse uma adaptação dramatúrgica de A Relíquia (sob o título Fónix pá tia, man!). E que um álbum conceptual do Avô Cantigas recuperaria para as gerações vindouras os romances de José Cardoso Pires. Pelas crianças, tudo, ou elas não fossem o melhor do mundo, segundo escreveu Pessoa. Ou Bernardo Soares. Ou Ricardo Reis. Bem, o certo é que ouvi a frase a um rapper de Almada e achei-a o máximo.

DN, 22-6-2008
 
Ricardo Reis em 2009 no 'site' da Biblioteca Nacional

Alberto Caeiro já está na Internet

Seguir-se-ão Cesário Verde, Antero de Quental e Camilo Pessanha

A Biblioteca Nacional Portuguesa (BNP) irá disponibilizar na Internet, em 2009, a obra poética de Ricardo Reis, um dos heterónimos de Pessoa, disse ontem à Lusa o director da BNP, Jorge Couto.

À margem do colóquio de ontem dedicado a Fernando Pessoa, Jorge Couto referiu que a instituição pretende continuar o processo de digitalização e colocação online do espólio do autor de Mensagem. Até hoje, estarão disponíveis na Biblioteca Nacional Digital (BND), no site oficial daquele organismo, 29 cadernos de apontamentos de Fernando Pessoa, com cerca de 1500 páginas.

No colóquio, uma das responsáveis pelos tratamento do espólio que está na BN, Manuela Vasconcelos, revelou algumas das imagens desses cadernos, que incluem poesia e prosa dos heterónimos, exercícios de caligrafia, desenhos, listas de projectos empresariais e até horóscopos que Pessoa fez de Hugo ou Goethe.

Actualmente está também na Internet a obra completa de Alberto Caeiro, autor de O Guardador de Rebanhos e outro dos heterónimos de Pessoa. Este ano, a Biblioteca Nacional pretende ainda colocar online as obras dos poetas Cesário e de Antero de Quental e, em 2009, a de Camilo Pessanha. Na abertura do encontro, que contou com a presença do ministro da Cultura, o director da BNP exaltou "o estudo exponencial da obra de Pessoa nos últimos 20 anos", que fazem do poeta "um dos heterónimos de Portugal".

Jorge Couto sublinhou que "não basta inventariar e microfilmar os 27 185 papéis" do espólio. "A partir de qualquer ponto do globo, pode fazer-se uma pesquisa. Um simples curioso, se quiser, também observa a caligrafia de Pessoa", sugeriu.

DN, 26-6-2008
 
Ministro explica como a marca Pessoa vale mais que a PT

LEONOR FIGUEIREDO

Pinto Ribeiro pormenoriza raciocínio na Casa Fernando Pessoa

Ministro explica como a marca Pessoa vale mais que a PT

Discussão sobre valor de exportação do autor põe a nu insuficiências graves
"Fernando Pessoa tem mais valor do que a PT enquanto produto de exportação. Como valor cultural. A PT foi para o Brasil porque lá falam a língua de Pessoa. Uma vai às costas da outra. Não foi o Pessoa que foi às costas da PT. Ele foi por si, sozinho, traduzido, para muitos países."

Assim se expressou, na quinta-feira à noite, na Casa Fernando Pessoa, o ministro da Cultura, presente no debate sobre a marca Pessoa, por afirmações anteriormente proferidas. O auditório estava cheio e o mote fora dado pelo próprio José António Pinto Ribeiro, quando, há cerca de um mês, afirmara que Fernando Pessoa, enquanto produto de exportação, talvez valesse mais do que a Portugal Telecom.

Moderado pelo jornalista Carlos Vaz Marques, o ministro teve a oportunidade de esclarecer o que quis então dizer. E para isso também recorreu ao exemplo do castelhano, que se internacionalizou através da América Latina. "Mas o que ajudou este fenómeno", alertou José António Pinto Ribeiro, "foi a língua que desde o século XVIII se sedimentou com uma única ortografia e um único dicionário. Se falarmos da língua portuguesa, diria que esta é uma espécie de Pessoa, com um conjunto de heterónimos, como o brasileiro, o angolano, o moçambicano, etc. E é esta língua um extraordinário instrumento de identificação."

Perante insistências sobre o valor económico do português, o ministro declarou que decorre um estudo e estima que a nossa língua "deverá corresponder a 15% do PIB, enquanto o futebol apenas contribui com 1%. Mas temos de verificar se os números estão certos", concluiu.

Sobre dinheiro, também falou a sobrinha do poeta. "Fernando Pessoa não ligava nada ao dinheiro. Não passou necessidades, mas não tinha a noção do valor do dinheiro. Era tímido e tinha-lhe horror", contou Manuela Nogueira.

Uma casa sem meios

O debate não chegou a ser debate porque de seguida vários intervenientes aproveitaram a presença de José António Pinto Ribeiro para lembrar que ainda há muito a fazer pelo poeta, apesar da Casa Pessoa estar dependente da Câmara Municipal e não do ministério.

Uma das "curiosidades" é o facto do colombiano Jerónimo Pizarro, investigador de Pessoa, estar a digitalizar a obra do poeta gratuitamente há já algum tempo. Também os funcionários da Casa Pessoa tem feito trabalho nocturno (como o desta noite) sem receberem qualquer remuneração extra, apenas para que os eventos culturais daquela casa se possam concretizar.

Quanto ao futuro leilão de parte do espólio de Fernando Pessoa, ainda sem data marcada, o ministro afirmou que "tanto o Estado português como o ministério têm todo o interesse em que o espólio de Pessoa não seja separado".

A sobrinha do poeta também concorda. E disse que "a família está disponível para conversar com o Estado sobre esse assunto". E mais não adiantou.

DN, 28-6-2008
 
Pessoa denunciou aproveitamento religioso e político de Fátima

ISABEL LUCAS

Documento. Contra o catolicismo de Roma

Alguns inéditos ajudam a entender o pensamento religioso do autor

"Fátima é o nome de um logar da província, não sei onde ao certo, perto de um outro logar do qual tenho a mesma ignorancia geographica mas que se chama Cova de qualquer santa." Começa desta forma o documento revelado na última sessão de "Pessoa Guardador de Papéis" que a Casa Fernando Pessoa está a organizar nos 120 anos de vida do poeta, um inédito datado de 1935, o ano da sua morte, onde fica clara a sua posição anticatolicista.

Divulgado pelo historiador José Barreto, este manuscrito, elaborado num tom satírico, é posterior à defesa que o poeta fizera da maçonaria. "Não se trata de um escrito propriamente religioso, mas político-religioso. Não é a crença dos devotos de Fátima que é visada em primeiro lugar no escrito de Pessoa, mas o significado político-religioso que ele atribuía a Fátima, identificada por ele, desde os anos 20, como centro ideológico e lugar profético do nacionalismo católico e monárquico. Era esta ideologia 'reaccionária' que Pessoa julgava estar a atingir predominância em Portugal, nos anos 30, com a instauração do Estado Novo, inspirando toda a sua legislação antiliberal que, para o escritor, constituía uma séria ameaça as valores fundamentais do liberalismo: a dignidade do homem e a liberdade do espírito", declarou José Barreto ao DN

Jeronimo Pizarro, um dos organizadores deste ciclo de debates, afirmou ao DN que até agora o que se sabia do anticatolicismo de Pessoa, nomeadamente a sua posição sobre Fátima, "era muito fragmentário". O documento em causa, pela sua extensão, vem reforçar esse traço pessoano. "Ele assistiu ao nascimento do fenómeno e ao seu aproveitamento político e religioso"

Escrito de uma só vez, "que não parece ter sido passado a limpo", o documento teria umas sete páginas tipográficas e foi encontrado espólio de Fernando Pessoa, depositado na Biblioteca Nacional. "Como estão lá cerca de 50.000 páginas em relativa desordem e como nunca se fez uma catalogação detalhada do dito espólio, não foi fácil de encontrar. Mesmo quando soube - ou suspeitei - da existência dele e me pus a procurá-lo, demorei mais de um ano até o encontrar", conta José Barreto. "Vemos agora que ainda vamos conhecer muitos mais textos do anos da vida", declarou Jeronimo Pizarro. Quando o escreveu, Pessoa queria publicá-lo no primeiro número da revista Norma, uma dos três projectos editoriais que tencionava levar por diante no ano em que morreu. Manteve-se em segredo até à última quarta-feira.

DN, 4-7-2008
 
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