13 junho, 2008

 

100 anos do nascimento de


( Maria Helena ) Vieira da Silva



http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Helena_Vieira_da_Silva


http://www.vidaslusofonas.pt/vieira_da_silva.htm

http://www.fasvs.pt/

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Vieira e Arpad no labirinto poético de Mário Cesariny

ANA MARQUES GASTÃO

Centenário. 'Correspondências' inaugura-se hoje

Exposição na Fundação Vieira da Silva fica patente até 4 de Outubro

A atribuir-lhe uma forma, seria espiralada, não do ponto de vista decorativo, mas do labirinto, caminho que o visitante transporta em si como se penetrasse numa realidade mitológica. "Correspondências", que hoje se inaugura, às 18.30, na Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, a partir de O Castelo Surrealista (1984), de Mário Cesariny, é um estar dentro da amizade de inteligência e invenção entre os três artistas, um estar perto da admiração e do afecto que cultivaram em momentos singulares como a prisão do poeta em Fresnes ou a morte de Arpad.

"O Castelo Surrealista, de Mário Cesariny, é um misto de devaneio com historiografia, passando-se intermitentemente de um estado a outro" - diz Marina Bairrão Ruivo, directora da Fundação Arpad/Vieira da Silva, cujos 100 anos do nascimento se comemoram sexta-feira, 13.

A partir do trabalho do Centro de Documentação, em parceria com Sandra Brás Santos, construiu-se este belo labirinto poético que pretende ser uma visão sobre a dupla Vieira-Arpad a partir de correspondências que marcaram a "relação firmada pela amizade e pelas afinidades electivas". Para além da vertente documental (cadernos são notáveis), a que Cesariny se dedicou durante 20 anos, são apresentadas obras referidas em O Castelo Surrealista, exemplificativas dos laços comunicantes, sobretudo do período 1930-1940.

Ao projecto juntou-se a Fundação EDP, que patrocinou as mais importantes retrospectivas de Cesariny, organizadas por João Pinharanda que, com Marina Bairrão Ruivo, assume o comissariado de Correspondências: no catálogo escrevem textos ao lado de José Manuel dos Santos. Nesta Fundação inaugura-se, entretanto, dia 11, Couples, uma mostra de desenhos de Arpad, que se prolonga até 28 de Setembro.

Forte participação na iniciativa tem ainda a Fundação Cupertino de Miranda - Centro de Estudos do Surrealismo, de Vila Nova de Famalicão (Perfecto Cuadrado e António Gonçalves), onde está depositado o espólio documental do poeta, parte significativa da sua obra artística e toda a correspondência.

É a Arpad, no uso das tonalidades pastel e da organização em camadas horizontais, que Cesariny deve muito sobretudo do ponto de vista formal, em particular nos períodos inicial e final. As Linhas de Água (anos 80) relembram, porém, o Lapa de Lagos.

Há, no entanto, com Vieira um diálogo alquímico, "do princípio do mundo e até ao fim do mundo", evidente nas palavras e na interpretação, bem como nas cartas. É na tradição da escrita em imagens, nessa espécie de mudez e palavras tão poucas de Vieira que a relação com Cesariny se desenvolve como uma espécie de representação do invisível. Quando falam dos gatos, da cidade mágica - Cidade Queimada de Cesariny -, do valor orgânico ou simbólico das formas, disto ou daquilo, os artistas caminham sempre sobre a terra do amor, o perigo e as penas.

DN, 5-6-2008
 
Museu de Vieira está hoje aberto

'Correspondências' até 4 de Outubro

Exposição revela olhar de Mário Cesariny sobre Vieira e Arpad

No dia da passagem do centenário de nascimento de Maria Helena Vieira da Silva, o Museu com o seu nome e o de Arpad Szenes está aberto ao público (das 11.00 às 19.00). Dia para (re) ver a exposição comemorativa: Correspondências. Vieira da Silva por Mário Cesariny (a que o DN já se referiu), comissariada por Marina Bairrão Ruivo e João Pinharanda. A mostra fica patente até 4 de Outubro.

A Fundação decidiu, tendo em atenção a comemoração do centenário, sugerir visões e revisões da obra de Vieira da Silva que "resultam num desafio estimulante pelos diferentes olhares de pessoas que com ela tiveram relações profissionais ou afectivas."

Há muito que a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva ansiava divulgar "o trabalho discreto e silencioso,

laborioso e criterioso" que tem vindo a ser feito no Centro de Documentação, desde há de dez anos: estudos, acondicionamento e arquivo de monografias, documentação dispersa e fotografias, bem como o riquíssimo espólio de correspondência entre várias personalidades e o casal Szenes.

A ideia de uma exposição que ligasse Mário Cesariny a Vieira da Silva surgiu naturalmente, como natural foi a junção da Fundação EDP - que patrocinou as mais recentes e importantes exposições retrospectivas da obra de Mário Cesariny, comissariadas por João Pinharanda - a este projecto, estendendo-se essa cumplicidade a Arpad Szenes.

A esta teia de amizades - conforme se escreve no catálogo - depressa se associou a Fundação Cupertino de Miranda - Centro de Estudos do

Surrealismo, de Vila Nova de Famalicão, onde se

encontra depositado todo o espólio documental de

Mário Cesariny, uma parte significativa da sua obra gráfica e toda a correspondência.

Partindo de Vieira da Silva, Arpad Szenes ou O Castelo Surrealista - obra que Cesariny escreveu nos anos 60 e publicou em 1984, centrada na pintura de Arpad Szenes e Vieira da Silva dos anos 30 e 40 - a exposição pretende ser a visão de Mário Cesariny sobre a dupla Vieira-Arpad por meio de "correspondências".

Na Fundação EDP está a decorrer, entretanto, Couples, uma mostra de desenhos de Arpad, que se prolonga até 28 de Setembro. A correspondência entre Vieira e Arpad será, entretanto, editada pela Assírio e Alvim - que também publica o catálogo -, em Setembro.

O DN gente publica amanhã um dossier sobre a pintora portuguesa em que serão abordados vários aspectos da sua vasta obra. - A.M.G.

DN, 13-6-2008
 
A FIGURA MAIOR DA PINTURA PORTUGUESA

NUNO CRESPO

Fez ontem 100 anos que nasceu Maria Helena Vieira da Silva. Reconhecida como um dos nomes mais importantes da arte do pós-guerra e em diálogo intenso com as vanguardas europeias, só em 1970 teve em Portugal a primeira exposição individual

A pintora que Portugal expulsou e que por isso preferiu ser francesa

Descrita como tendo uma personalidade forte e uma presença discreta, Maria Helena Vieira da Silva nasceu em Lisboa a 13 de Junho de 1908 e foi a mulher artista que mais longe chegou em termos de reconhecimento e aceitação internacionais na história da arte portuguesa. As suas paisagens urbanas eram complexas e densas, mas conseguiram seduzir todos e entrar nos melhores museus do mundo. Internacionalmente, tem obras nas colecções no MOMA de Nova Iorque, no Pompidou, no Getty Museum, etc.

Aos onze anos começou a estudar pintura e desenho na Academia de Belas Artes de Lisboa e, motivada pela escultura, estudou Anatomia na Faculdade de Medicina de Lisboa. Mas foi aos 20 anos que se deu o ponto de viragem decisivo. Apoiada pela família, partiu para Paris, onde estudou pintura com Fernande Léger, e trabalhou com Duffrene e Waroquier.

Nestes anos, o seu campo de interesses era muito vasto. Pintura, escultura, gravura e os têxteis constituíam o seu horizonte.

1930 é um ano importante para a artista. Casa--se com o pintor húngaro Arpád Szenes, nome ao qual ficará para sempre associada, e faz a sua primeira exposição em Paris. E é em 1931 que participa no importante Salons d'Automme e Surindépendents. São desta época as importantes telas Les Balançoices e Le Quai de Marseille, onde, como escreve Maria Almeida Lima, " se começou a manifestar a autenticidade das suas qualidades artísticas." (in Roteiro da Colecção do Centro e Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, da Fundação Gulbenkian).

Em 1932 foi para a Academie Ranson, onde foi aluna de Bissière. Uma estada importante porque foi onde Vieira da Silva descobriu, continua Maria Almeida Lima, "a repetição das perspectivas, das malhas e dos quadrados". Em 1940 surge a pintura L'Atelier, que é uma das obras mais importantes, tida por muitos como perfeita.

Com a II Guerra Mundial foge com o marido para Lisboa, onde são fortemente hostilizados pelo Governo de Salazar, o que os leva a uma nova fuga para o Brasil. Estes são tempos de grandes dificuldades, financeiramente na ruína com um casamento a dar sinais de mau funcionamento. A relação com a cultura brasileira não é das mais estimulantes, à excepção dos poetas amigos do casal Cecília Meireles e Murilo Mendes, que apoiam e divulgam o seu trabalho. Em 1947 regressa a Paris. Regresso este que deu início a um conjunto de trabalhos que vão fazê-la mundialmente famosa. São dos anos do regresso do exílio que datam pinturas como La Bibliothèque e Gare Saint-Lazare e é considerada como uma das principais figuras do abstraccionismo lírico da Escola de Paris.

Até meados dos 50 o trabalho de Vieira da Silva caracteriza-se pela complexidade formal e composições densas e complexas, os espaços que insistentemente pinta são labirínticos e a repetição de que tanto faz uso baralha e maravilha a perspectiva do espectador. As formas fragmentadas, as ambiguidades espaciais e o modo como o seu trabalho ecoa a palete de cores do cubismo e da arte abstracta fazem de Vieira da Silva umas das artistas abstractas mais importantes do pós-guerra. Tocada pelo surrealismo e pelo expressionismo abstracto vindo dos EUA, as suas pinturas deste período assemelham-se a procuras do infinito no interior de uma cidade, procura e tensão estas que encontram nas bibliotecas que pintou a sua maior intensidade. Há quem veja nesta sua obsessão pela cidade e pela planta irregular e irrequieta da cidade um desejo do Absoluto feito pintura.

Era assim que Vieira da Silva, como escreve José Manuel dos Santos, "pintava ateliers, cidades, pontes, bibliotecas, labirintos, gares, estrelas, desastres". Neste mesmo texto a propósito da relação entre a pintora e o poeta Cesariny, continua: "Para Cesariny, Vieira era a grande feiticeira que via a visão e a cegueira, o verso e o reverso, o abaixo e o em cima, o exterior e o interior, o visível e o invisível. Diotima, bruxa, mágica, pitagórica, pitonisa, iniciada, vidente, possessa, mulher-xamã, a do voo imóvel, dizia ele dela e da sua álgebra geométrica."

A partir de 1948 o estado Francês começa a adquirir as suas pinturas e em 1956 tanto ela como o marido obtêm nacionalidade francesa. Em 1960 o Governo Francês atribui-lhe uma primeira condecoração, em 1966 é a primeira mulher a receber o Grand Prix National des Arts e em 1979 torna-se cavaleira da legião de honra francesa.

DN, 14-6-2008
 
A arte como construção de labirintos

ANA MARQUES GASTÃO

Criação. A artista criou uma dramaturgia em espiral

Para Vieira, o labirinto não é um lugar de perdição, mas uma vitória da imaginação

A missão essencial do labirinto era defender o acesso iniciático à sacralidade, à imortalidade e à realidade absoluta, sendo, segundo Eliade, um equivalente de outras provas, como a luta contra o dragão. Pode também ser entendido como uma aprendizagem do néofito relativamente à forma de entrar nos territórios da morte.

Os labirintos de Vieira da Silva possuem ainda a qualidade da atracção do abismo, do redemoinho das águas, e de tudo o que é similar. São templos iniciáticos, onde vive o fio de mel de Ariadne em Cnossos, e o saber inconsciente de que a vida tem da sua saída.

Os labirintos de Vieira são mudos, mistérios, com o sentido do vivido, mas indesvendáveis, resistem à explicação, e na sua representação figurativa, estão próximos das ideias. Cada linha espiral - que pode ser vista de uma forma decorativa -, é um caminho de formas e ritmos, ritmos e música, construção em acto e silêncio.

Na sua obsessão existencial, é o desejo que conta em Vieira da Silva, no caos da sua sublimação. L'Aréne representa esse diálogo entre vida e morte: o mundo como labirinto, absurdo ou terror, na sua dimensão-reflexo do diagrama celeste. Esta espécie de jardim remete-nos para o Livro da Consciência e da Vida, tratado de alquimia chinesa que diz: "Esquecendo a forma, olha para o interior".

O itinerário de verdade da pintora ergue-se dos seus quadrados, triângulos, ângulos e bicos, das bibliotecas, que são o saber. Dir-se-ia uma construção de luz, diurna e nocturna. A sua arte viaja da luminosidade fria à melancolia subtil, da cidade vertiginosa a uma poética da memória, das pontes, estaleiros e gares à água-mãe. Labirinto, em Vieira da Silva, é o artista à procura do espírito na criação. Em busca da arte da vida.

DN, 14-6-2008
 
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