04 julho, 2008

 

+ 50% de comida


ou a fome certa




http://pt.wikipedia.org/wiki/Fome_(crise_humanit%C3%A1ria)

http://confrontos.no.sapo.pt/page4.html

http://www.bancoalimentar.pt/

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Produção alimentar tem de crescer 50% até 2030

MANUELA PAIXÃO, Roma

Crise. São 191 os representantes dos países membros das Nações Unidas que se reúnem em Roma durante três dias para discutir a subida dos preços dos alimentos e as dramáticas consequências nos países mais pobres. Ontem, foram avançadas algumas soluções para resolver a crise alimentar

Custos com comida atingiram máximo em 30 anos

Produzir mais. Esta é a solução mais simples para a actual crise alimentar, provocada pela escalada dos preços das matérias-primas agrícolas e pelo aumento dos custos de produção - em especial devido aos recordes dos combustíveis. A ideia foi partilhada, ontem, pelo secretário-geral das Nações Unidas, aos participantes da reunião extraordinária da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma. Ban Ki-Moon sublinhou que a produção mundial de alimentos terá de crescer em 50% até 2030 para responder ao previsível aumento da procura. E falou de uma "oportunidade histórica para revitalizar a agricultura".

Este encontro ganhou contornos invulgarmente políticos devido à crise alimentar provocada pelo aumento para o valor mais alto em 30 anos do custo dos alimentos, a preços reais. Segundo os números da FAO, a actual crise provocou situações de fome em perto de 100 milhões de pessoas em todo o mundo. A emergência do actual contexto levou a que muitos dos principais responsáveis políticos fizessem questão de estar em Roma durante o encontro que dura até amanhã .

"Os governos puseram de lado decisões muito difíceis, nestes últimos tempos, e subestimaram a necessidade de investimentos na agricultura. Hoje, o mundo inteiro paga um preço demasiado alto", declarou Ban Ki-Moon durante o discurso de abertura do encontro.

"Se os países em vias de desenvolvimento tivessem investido na agricultura o que gastaram em armas, o problema alimentar estaria neste momento resolvido", declarou, por sua vez, Jacques Diouf, director geral da FAO. Esta organização, integrada nas Nações Unidas, avançou ainda com algumas sugestões para aliviar o peso da crise actual.

O presidente do Brasil, Lula da Silva, reafirmou, por seu turno, a prioridade do seu governo com o programa "Fome Zero" (três refeições por dia nas escolas). E, citando os mais de 800 milhões de pessoas em todo o mundo que cada noite se deitam sem jantar, propôs encontros anuais entre países desenvolvidos e outros em vias de desenvolvimento como forma de arranjar novas fontes e recursos de financiamentos.

"Fizemos muito até aqui, mas não o suficiente. O problema da fome e subnutrição é maior, sobretudo com o aumento dos preços, mas também porque mais gente é alimentada com campanhas e iniciativas de solidariedade. É óbvio que um dos grandes factores negativos, hoje em dia, é o aumento dos preços da energia", disse Lula.

O presidente brasileiro solicitou ainda a eliminação total dos subsídios agrícolas nos países industrializados, acrescentando que "é preciso evitar que a culpa do preço dos alimentos recaia e afecte os mais pobres". "Subsídios provocam dependência, quebram sistemas inteiros de produção, e provocam fome e pobreza onde poderia existir prosperidade. A verdadeira segurança alimentar deve ser global e baseada na cooperação", sugeriu.

Em 2008, a produção dos cereais crescerá 3,8% , mas os preços não vão baixar, devido à necessidade de reconstituir reservas alimentares e pela cada vez maior procura na China e Índia.

Segundo Jacques Diouf, director-geral da FAO, "não há mais tempo para conversas, a instabilidade climática e os desastres dos últimos anos, provocam anualmente 262 milhões de vítimas de calamidades naturais, dos quais 98% vive em países em desenvolvimento".

Outro factor que está ligado à emergência alimentar é o dos biocombustíveis, cuja procura "aumentará em 12 vezes até 2016, passando de 15 a 110 milhões de toneladas", declarou Diouf, que aproveitou para pedir aos líderes mundiais 30 mil milhões de dólares anuais para relançar a agricultura.

Num discurso empolgado, o director geral da FAO, indicou que em 2006 o mundo gastou 1,2 mil de dólares em armamento, enquanto se estragou comida no valor de 100 mil milhões de dólares. E o excesso de consumo por pessoas obesas chegou a 20 mil milhões a nível mundial.

Relançando o desafio contra a fome durante esta cimeira em Roma, o primeiro ministro espanhol, José Luís Zapatero, propôs uma nova conferência no Outono, para decidir uma Carta sobre a Segurança Alimentar, já que " as instituições internacionais não têm sabido dar resposta às emergências económicas e sociais destes últimos anos". E considerou fundamental para a defesa da agricultura, "ajudar os pequenos agricultores criando condições que hoje não existem".

"Sabemos que podemos alimentar o mundo inteiro, mas mesmo assim uma criança morre a cada 30 segundos, cada dia 25 000 seres humanos morrem de subnutrição, e cada dia mais de 850 milhões de pessoas passam fome", lembrou o presidente francês, Nicolas Sarkozy. Com P.F.E.

DN, 4-6-2008
 
Secretário-geral da ONU exige vitória na batalha contra a fome

ABEL COELHO DE MORAIS

Cimeira. Reunião da FAO termina hoje em Roma

Desinteresse pelo sector agrícola apontado como uma das causas da crise

São necessários 15 a 20 mil milhões de dólares por ano para neutralizar os efeitos da crise alimentar resultante do aumento dos preços dos bens essenciais e do petróleo - uma batalha em que "o fracasso é inadmissível", afirmou ontem o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, no segundo dia de trabalhos da cimeira da FAO, que hoje termina em Roma.

Ban identificou como causas da crise o desinteresse pelo sector agrícola em boa parte do mundo, a ausência de investimento e a escalada dos custos de transporte em resultado do preço do petróleo. Esta conjuntura agravou a situação em mais de duas dezenas de países, importadores de alimentos e combustível, identificados pela FAO como mais vulneráveis aos efeitos da crise, a maioria situada em África.

A "agricultura foi negligenciada nestes últimos anos pelos Governos e instituições internacionais" e isso tem de mudar, afirmou um outro responsável da ONU, John Holmes.

O presidente do Banco Mundial, Robert Zoeelick, anunciou que a questão alimentar e agrícola será uma das prioridades da cimeira do G8, em Julho, no Japão. "Com mais de dois mil milhões de pessoas que lutam todos os dias para terem comida na mesa" não poderia ser de outra forma, referiu Zoeelick.

De Roma saiu já a oferta do Banco Islâmico para o Desenvolvimento, que anunciou a disponibilização de 1,5 mil milhões de dólares para investimentos na agricultura, com o Programa Alimentar Mundial a comprometer 1,2 mil milhões de dólares para programas de assistência imediata a cerca de 75 milhões de pessoas nos países afectados. - Com agências

A política agrícola da UE é responsável pela crise?

Os subsídios directos e indirectos da UE aos agricultores de países como a França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália e Irlanda, entre outros, são apontados como um factor decisivo para a redução do preço dos bens agrícolas europeus, colocando estes a níveis que impossibilitam a concorrência do sector agrícola dos países em desenvolvimento.

O valor anual dos subsídios representa 40% do orçamento total da UE. As políticas comunitárias asseguram ainda ao agricultor europeu preços mínimos garantidos, quotas e apoios à exportação. Esta política de subsídios gera excesso de produção em lacticínios e trigo, entre outros. Os principais beneficiários, segundo documentos da UE, são as grandes explorações agrícolas. Esta política de subsídios apressa, segundo os críticos, o fim da exploração agrícola de subsistência e familiar. Por outro lado, sobrecarrega os contribuintes europeus.

A política agrícola da UE conduz à falência dos países em desenvolvimento?

O resultado desta estratégia europeia, que só deve ter alterações radicais com as reformas previstas para 2013, provocou crises parciais nos sectores agrícolas da América Latina, África e, em menor grau, da Ásia, segundo os pontos de vistas mais críticos. A falta de capacidade de escoamento dos produtos agrícolas destas regiões originou uma diminuição da produção, a retracção dos investimentos, o desemprego e a redução global dos bens agrícolas disponíveis no mercado mundial. Contribuiu também para a distorção dos mecanismos do sistema comercial internacional. Os críticos da política da UE falam da prática de dumping (comercialização abaixo do preço de custo), o que induz a escassez e a inviabilidade do sector agrícola dos países menos desenvolvidos.

Os resultados destas políticas eram sintetizados em 2007, para os Estados Unidos, pelo antigo presidente Jimmy Carter, que os considerava "(...) um estímulo ao excesso de produção e a canalização de vultuosos subsídios oficiais para os grandes produtores agrícolas". O resultado é a "punição dos pequenos agricultores nos EUA e a destruição de um sem número de famílias em muitos dos locais mais pobres do mundo".

A liberalização dos mercados é um factor da crise?

As estratégias de liberalização dos mercados mundiais têm como pressuposto a abertura dos mercados nacionais e regionais na América Latina, África e Ásia e o desmantelamento de barreiras protectoras, como taxas alfandegárias e impostos às importações.

O movimento de liberalização estaria a conduzir à "invasão" dos mercados emergentes pelos produtos subsidiados da Europa e América e ao agravamento das desvantagens dos produtores locais. A Índia do século XIX é, muitas vezes, apresentada como exemplo de um caso em que a abertura dos mercados às importações britânicas conduziu ao declínio de sectores inteiros do tecido produtivo local. Para as ONG, as principais vítimas deste processo são os pequenos agricultores dos países menos desenvolvidos, com menos peso político internacional e, deste modo, com menor capacidade negocial no âmbito das organizações internacionais.

Qual foi o papel dos biocombustíveis na presente conjuntura?

Apontada como solução alternativa para o aumento do preço do petróleo, a produção de biocombustíveis está a ser crescentemente contestada. São agora apontadas a sua ineficácia relativa face a biocombustíveis de segunda geração (palha, restos de madeira, resíduos agrícolas) que necessitam de menor área de produção e não influenciam a formação de preço dos bens agrícolas. Mas, para os críticos, a aposta nos biocombustíveis originou a diminuição do espaço útil de produção agrícola; em consequência, contribuiu para a redução da produção de bens agrícolas e para o aumento do seu preço. Em termos ambientais, o seu nível de eficácia é também contestado.

Que medidas vão sair da reunião de Roma?

A "produção alimentar tem de aumentar em 50% até 2030 para corresponder à procura", disse o secretário-geral da ONU em Roma.

Para concretizar esta meta, a célula de crise para a questão alimentar, criada em final de Abril e que agrupa 15 agências da ONU, o FMI e o Banco Mundial, estabeleceu uma série de objectivos de curto e médio prazo. No imediato, destaca-se a ajuda alimentar de emergência, o fornecimento de sementes e adubos, o fim das restrições às exportações e a redução das subvenções.

A médio e longo prazo, a questão dos biocombustíveis, a criação ou recomposição das redes de segurança social, o acesso ao micro-crédito e os incentivos ao investimento agrícola devem ter um tratamento aprofundado e produzir a elaboração de medidas concretas. - A. C. M.

DN, 5-6-2008
 
FAO quer reduzir fome no mundo para metade

ABEL COELHO DE MORAIS

Cimeira. Reunião de Roma defende mais investimentos na agricultura

Prometidos mais de 6,5 mil milhões de dólares para lutar contra a fome

A cimeira da FAO terminou ontem numa nota de optimismo mitigado, com os representantes dos 193 países presentes em Roma a comprometerem-se a reduzir para metade o número de pessoas com fome no mundo até 2015, e a abolirem as restrições aduaneiras que dificultam o comércio de produtos agrícolas .

O director-geral da FAO (organismo da ONU para a alimentação e agricultura), Jacques Diouf, anunciou ter garantido a promessa de fundos na ordem de 6,5 mil milhões de dólares para o combate à fome e pobreza.

A declaração final defende o aumento da produção de bens alimentares e a redução dos mecanismos proteccionistas, para permitir trocas "mais equitativas" dos bens agrícolas. O objectivo é a concretização de "mais investimentos no sector para intensificar a produção e a produtividade", explicou um responsável da FAO, a coberto do anonimato.

Em 1979, explicou ontem um elemento do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, o investimento nesta área "representava 18% do total da ajuda internacional; hoje, é de 3%, o que é ridículo".

O documento contempla igualmente a questão dos biocombustíveis, apontados como um dos factores que contribuíram para a subida dos preços alimentares. Mas a referência é genérica; limita-se a sugerir a criação de um sistema de avaliação para "determinar o impacto das bioenergias na segurança alimentar".

A questão da liberalização do comércio agrícola é um dos vectores centrais da ronda de Doha, que permanece por resolver.

Para o citado responsável da FAO, o obtido em Roma não é assim insignificante: "a agricultura vai deixar de ser subalternizada e tornar-se-à uma prioridade". Estimativas da ONU indicam que 850 milhões de pessoas vivem em estado de subnutrição crónica e mais cem milhões foram afectadas pela actual crise.

A divulgação do documento foi atrasada por divergências sobre o texto. A delegação da UE - cujo comissário para o Desenvolvimento Louis Michel chamou a atenção para a importância "de não ceder ao pânico e a soluções de curto prazo" - emitiu várias reservas sobre o conteúdo da declaração. Também a Argentina - um dos grandes produtores mundiais de cereais e carne bovina - se opunha às críticas "a medidas restritivas", o que podia ser tomado como a condenação da sua política fiscal para certos bens agrícolas.

Verificaram-se ainda pressões de Cuba, que - à semelhança de anteriores reuniões da FAO - pretendia inserir referência a condenar o uso dos bens alimentares "como arma de pressão unilateral". Mas o documento acabou por conter uma menção crítica à sua utilização "como meio de pressão política" .

DN, 6-6-2008
 
A FOME

Adriano Moreira
professor universitário

Até agora, os relatórios anuais do PNUD deram atenção repetida, empenhada, condenatória da irresponsabilidade ou da indiferença para com a fome que lavra sobretudo nas áreas cujas populações foram consideradas, durante o predomínio dos modelos coloniais, como a cera mole das intervenções ocidentais.

Fenómenos colaterais da globalização dos mercados, efeitos das guerras internas ou exercidas por procuração, a tendência para considerar os países pobres como apenas úteis pelos recursos naturais a explorar, são algumas referências da crítica que envolve a alarmante situação. Como estas críticas e queixas todas apoiam uma conflitualidade crescente entre sociedades afluentes do Norte e pobres do Sul, a chamada filantropia dos ricos foi posta em suspeição de finalidades menos confessáveis, pondo em causa a recta intenção dos beneméritos.

Inevitavelmente são americanos os principais interventores postos em exame pelas críticas radicais, que não admitem que nacionalidade, interesses dos países e função no mundo empresarial deixem de condicionar a estratégia da bondade.

Frequentemente são mencionadas as acções da Fundação Gates, alimentada pelo até recentemente patrão da Microsoft, e, em 2006, Warren Buffett surpreendeu os advertidos vigilantes desta acção à margem dos poderes políticos, quando anunciou que doava 80 por cento do seu património à referida Fundação Gates, o que foi avaliado como 44 mil milhões de dólares.

É dominante e constante a afirmada intenção de combater a miséria e a doença no Sul do mundo que Josué de Castro chamou a geografia da fome. Embora todas estas iniciativas estejam bem enquadradas pela confiança na sociedade civil, frequentemente reforçada pela desconfiança na lisura de comportamento das hierarquias políticas e administrativas, não faltam advertências que as consideram um factor de despolitização das sociedades destinatárias.

Parece todavia oportuno avaliar se estas acções, inquietações e perplexidades em regra relacionadas com territórios e populações concretas do Sul pobre não devem ter agora em conta o globalismo e os seus efeitos, uns colaterais, outros suspeitosamente orientados, e que vão provocando a extensão e o aprofundamento de pobreza, e da fome em que se agudiza, sem distinção de latitudes, de áreas culturais e de formas de Governo.

Um facto crescentemente inquietante para as populações do território europeu, carente de matérias-primas, de energias, e agora ameaçado de ruptura da estratégica alimentar.

Entre as duas guerras, destacou-se na linha dos "romancistas da fome", que contam as histórias do mesmo flagelo de todas as épocas, um escritor alemão, Georg Fink, cuja tradução portuguesa do seu romance intitulado Tenho Fome foi publicada no Brasil em 1944.

O editor afirmava que "poucos alcançaram o nível de Georg Fink, esse astro meteórico das letras alemãs", "que só não recebeu o prémio Nobel porque o seu autor desapareceu".

É uma história da miséria em Berlim, na qual não é feito qualquer apelo à revolta, em que um dos personagens, o menino Teddy, ao perguntarem-lhe o que pretenderá ser em crescido, respondeu - quero ser bom.

Mas a conclusão resignada do menino feito homem que vai contando o trajecto de uma família condenada à discriminação, à violência da exclusão, e que pelas esquinas da Berlim desse tempo pedia esmola, é esta: "Eu também sou imortal, continuo pedindo esmola na Rua dos Inválidos, eu, ainda mesmo que tenha outro nome, e seja outro menino o que estende a mão. Enquanto escrevo, mendigam em Berlim, em Londres, em Paris, em Amesterdão, e sou eu o que pede, sempre eu, o imortal filho dos pobres... Quando eu morrer, haverá sempre um faminto maltrapilho e gelado que, numa esquina quando passar sem vê-lo, sem ouvi-lo, murmurará pálido e trémulo. Escutai: 'Tenho fome... tenho fome'."

Os factos estão a confirmar o aviso que a utopia das sociedades afluentes e consumistas fez esquecer. Mas a mensagem da mansidão dificilmente será reverenciada se os factos confirmarem os alarmes.

DN, 10-6-2008
 
D. Duarte diz que há cada vez mais pessoas com fome

Representante monárquico no Fundão

O chefe da Casa Real Portuguesa, D. Duarte de Bragança, defendeu ontem que o Estado se deve preocupar em dar formação às famílias sobre a forma de gerir a economia doméstica, no contexto presente de crise alimentar.

"Há cada vez mais pessoas a passar fome em Portugal e isso é grave. Mas há também um problema de formação", disse aos jornalistas, à margem da sessão de abertura do colóquio "Crise Alimentar nos Centros Urbanos", que decorre no Fundão.

"Há muitas pessoas em situação difícil porque não sabem gerir a economia doméstica", refere.

D. Duarte mostrou-se ainda contra a atribuição de subsídios sem que quem os recebe "dê uma contrapartida" e defendeu uma aposta em "melhor educação".

"Por exemplo, muitas pessoas não sabem planear uma dieta equilibrada, gastando menos. Pensam que todos os dias têm que pôr um bife à mesa", referiu D. Duarte, considerando que o Estado tem um papel "fundamental" em fazer chegar formação a estas famílias.

"É para isso que pagamos impostos. Não é para construir auto-estradas inúteis e estádios de futebol, mas sim para educar e evitar que cheguemos a situações sociais como as que temos hoje", realçou.

"Não vejo que se fale de fome na Alemanha ou na Áustria, só aqui é que oiço isso", acrescentou.

A iniciativa de ontem no Fundão foi organizada pelo Instituto da Democracia Portuguesa (de que D. Duarte de Bragança é presidente de honra) em parceria com a Associação de Regantes da Cova da Beira e a Câmara do Fundão.

D. Duarte alertou ainda para a dependência alimentar de Portugal do estrangeiro, que só pode ser limitada "com uma revolução completa da política de planificação do território", destinando mais terras à agricultura.

"A agricultura tem sido injustamente perseguida em Portugal", referiu.

"Os agricultores portugueses recebem 40 por cento dos apoios que recebem os do resto da Europa." "E daquilo que vendem só retiram 15 a 20 por cento", concluiu.

Ontem, no Fundão, não foi a primeira vez que D. Duarte levou a cabo aquilo a que os seus apoiantes gostam de chamar "monarquias abertas". Já tinha estado no Alentejo, e o tema principal tinha sido a saúde. Além do colóquio sobre a "Crise alimentar nos grandes centros urbanos", D. Duarte de Bragança tinha na agenda a assinatura de vários protcolos com instituições do distrito de Castelo Branco.

DN, 10-7-2008
 
Bruxelas quer mil milhões da PAC para ajudar pobres

LUÍS NAVES

Alimentação. A Comissão Europeia defende o desvio de verbas não utilizadas na Política Agrícola Comum (PAC) para financiar ajuda aos agricultores dos países mais afectados pelo aumento dos preços mundiais da comida. Mas alguns Estados membros estão contra esta ideia e querem o dinheiro de volta

Excesso de verbas financiou projecto Galileu em 2007

A Comissão Europeia propôs ontem desviar mil milhões de euros da Política Agrícola Comum (PAC) para ajudar agricultores de países pobres onde o brutal aumento do preço dos alimentos está a causar problemas graves. A proposta envolve verbas não utilizadas, mas está a merecer fortes críticas de alguns dos Estados membros que mais contribuem para os cofres da UE.

Em 2008, Bruxelas desviaria da PAC 750 milhões de euros e, em 2009, mais 250 milhões. Este dinheiro está disponível, devido às reformas que a Comissão tem introduzido na política agrícola, e que reduziram o seu custo, equivalente a 40% do orçamento comunitário.

Os beneficiários seriam os mais atingidos pela alta de preços da comida, através do aumento da respectiva produção. As medidas previstas incluem ajuda directa, por exemplo melhores sementes e fertilizantes.

Vários países reagiram negativamente à ideia comunitária, sobretudo Alemanha, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Holanda ou Áustria. O grupo inclui os principais pagadores da UE e a resistência lembra as piores discussões do orçamento comunitário, durante 2004 e 2005.

A questão terá de ser definida por co-decisão até Novembro. Isto implica um acordo entre Conselho e Parlamento Europeus, a tempo das verbas serem autorizadas em 2008. Para o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, o novo instrumento "é um acto de solidariedade com os mais necessitados do planeta". Na sua opinião, é preciso combater os efeitos da inflação dos preços dos alimentos: "a luta contra esta subida, em todo o mundo, passa pelo aumento da oferta".

No ano passado, a Comissão já usara os excedentes da PAC para financiar o projecto Galileu, no caso 1,6 mil milhões de euros. Desta vez, a reacção surgiu antes do anúncio de ontem, ainda na quinta-feira, durante uma reunião de ministros onde os países já citados defenderam o princípio do rigor orçamental e a devolução das verbas não utilizadas.

Se a proposta da Comissão for aceite pela UE, a selecção dos países beneficiários das verbas será feita segundo "critérios transparentes", com utilização de informação de agências da ONU envolvidas na ajuda alimentar e da própria UE. Parte da acção seria canalizada através de organizações internacionais.

Ao defender-se das críticas dos Estados, a comissão diz que respondeu à decisão assumida nas conclusões da cimeira de Junho, de se criar um "fundo de apoio à agricultura dos países em desenvolvimento".

O preço dos alimentos aumentou 60% no ano passado. As razões são complexas, mas têm a ver com o aumento do preço dos combustíveis, subsídios agrícolas nos países ricos (incluindo a PAC) e o aumento do consumo na China e Índia. Mas há especulação, más colheitas e custos de produção; fertilizantes, por exemplo. Na Europa, a inflação alimentar é a pior dos últimos 16 anos, afectando o pobres. Mas o efeito num americano, que gasta 7% do rendimento em comida, é mais leve do que num egípcio, que gasta 45%. Outro exemplo preocupante: um quinto da população do Bangladesh não terá este ano dinheiro para comprar comida. São 30 milhões de pessoas, só neste caso.

DN, 19-7-2008
 
Classe média está a pedir comida por 'e-mail' às misericórdias

RITA CARVALHO

Crise. Começa a afectar pessoas que viajam para estrangeiro, mas passam fome

Dezenas de pedidos de ajuda têm chegado todas as semanas à UMP

Aos emails da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) chegam todas as semanas dezenas de pedidos de ajuda alimentar. Pessoas que evitam revelar o menos possível sobre si próprios e pedem ajuda para atravessar o período difícil que se vive e matar a fome.

Quem o diz é Manuel de Lemos, presidente da UMP, que alerta para este novo padrão de pobreza que foge ao típico retrato dos pobres conhecido em Portugal. "São pessoas com um perfil diferente, que não vivem na miséria, mas estão à beira de entrar na pobreza", explicou ao DN, acrescentando que este é um fenómeno que se veio a sentir desde o início do ano, quando se intensificaram os problemas económicos.

"Não estamos a falar de idosos, dos típicos desempregados, mas de pessoas com menos de 40 ou 45 anos que se calhar não deixam de pagar a netcabo nem desmarcam as férias na agência de viagens mas passam fome", conta Manuel de Lemos, que diz que ao seu próprio email já chegaram dezenas de pedidos de ajuda. Estas solicitações que chegam às instituições são acompanhadas pelos serviços sociais que depois encaminham os casos para as misericórdias locais.

Manuel de Lemos explica ainda que as misericórdias estão a sentir o impacto do aumento do preço dos alimentos e dos combustíveis, e da chamada crise, de duas formas. Por um lado, crescem os pedidos deste tipo e, por outro, o número de pessoas que tomam as suas refeições nas instituições. Idosos que vinham almoçar uma vez por semana e agora aparecem todos os dias, crianças e jovens. "Estas pessoas novas quando chegam para comer, põem-se a um canto, comem rápido e vão-se embora, pois sentem alguma vergonha. A situação é completamente diferente das outras que regularmente ali tomam as suas refeições", adianta Manuel de Lemos.

Recentemente, a responsável pela Federação dos Bancos Alimentares Contra a Fome veio alertar também para o surgimento de uma nova camada de pobres.

Isabel Jonett falou ao DN sobre estas famílias da classe média, algumas habituadas até a um certo nível de vida, e que que viram nos últimos meses à beira de uma situação de pobreza.

Em geral, explicou a responsável pela Federação dos Bancos Alimentares Contra a Fome, são pessoas que viveram durante algum tempo acima das suas possibilidades, se endividaram em grande escala e estão agora aflitas com a subida das taxas de juro, do preço dos combustíveis e do custo dos alimentos.

DN, 20-7-2008
 
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