26 julho, 2008

 

O Aleixo


e outros bairros sociais




http://pt.wikipedia.org/wiki/Bairro_do_Aleixo

http://www.aleixo.taf.net/
http://nobairrodoaleixo.blogspot.com/

Comments:
Aleixo demolido dá lugar a condomínio de luxo

FRANCISCO MANGAS

Porto. Em 2013, no lugar do problemático bairro de habitação social do Aleixo, com as suas cinco enormes torres, haverá uma pacata zona residencial de luxo. A Câmara do Porto vai trocar o bairro, numa zona nobre da cidade, pela reabilitação de parte da Baixa e do centro histórico

Alguns dos moradores voltam à zona da Ribeira

É uma solução drástica. A Câmara do Porto vai demolir as torres do Aleixo, pondo assim um ponto final num dos bairros mais problemáticos da cidade. Pelo menos 20% dos mais de mil moradores serão realojados na zona da Baixa. O projecto, que passa pela criação de um Fundo Especial de Investimento Imobiliário, foi apresentado ontem por Rui Rio e deverá ficar concluído em 2013.

A reabilitação do Aleixo, um bairro de habitação social composto por cinco torres, "implicaria custos elevadíssimos". E, segundo o presidente da câmara do Porto, os problemas não ficariam resolvidos. As altas torres, com os elevadores quase sempre avariados, dificultam os acessos e "facilitam a prática de actividades ilícitas", disse Rui Rio.

Posta de parte a requalificação, a autarquia, através de concurso público, escolherá um parceiro privado para a criação de um Fundo Especial de Investimento Imobiliário (FEII), que ficará com o espaço do bairro social, avaliado em cerca de 13 milhões de euros, onde construirá habitação de luxo. Como contrapartida, a entidade privada irá construir de raiz ou reabilitar habitação devoluta e degradada na Baixa do Porto, na zona histórica e noutros pontos da cidade.

O parceiro da Câmara do Porto assumirá uma percentagem entre os "70 e os 90 %" do FEII, ficando o restante nas mãos do município. No final da operação, poderá vender a sua participação no fundo. Segundo Rui Rio, pelo menos 20% dos 300 novos ou reabilitados fogos destinados ao realojamento do Aleixo vai surgir na baixa do Porto.

A câmara dispõe de terrenos, em várias zonas da cidade, e imóveis devolutos no centro histórico e Rua das Musas (freguesia de Sto. Ildefonso) para a permuta. A entidade gestora do fundo fará as obras de reaqualificação ou construirá de raiz, ficando esse património a ser ou a manter-se propriedade do município. Alguns dos cerca de 300 fogos necessários para a concretização da troca com o bairro do Aleixo poderão ser adquirido, novos, no mercado imobiliário.

O problemático do bairro do Aleixo está localizado numa zona nobre da cidade, sobranceiro ao Douro. Com o passar dos anos, e o acentuar da degradação, tornou-se num locais de maior tráfico de droga, mas rodeado de habitações e condomínios de luxo.

Demolidas as torres - duas delas foram ocupadas bruscamente, ainda inacabadas, em Abril de 1974 por gente da Ribeira - , o dramático Aleixo dará lugar a habitação de luxo "à luz do Plano Director Municipal", contrário à construção em altura, lembrou Rui Rio. É uma boa solução, sublinha, "a câmara passa a dispor de habitação social nova, com qualidade, em troca das velhas casas".

DN, 17-7-2008
 
Bairros sociais devem milhões de euros em rendas

ANA MAFALDA INÁCIO e PAULA FERREIRA

Habitação. Pagamentos difíces de cumprir

Há câmaras que não sabem o valor de que são credoras

Os moradores dos bairros sociais existentes na área da Grande Lisboa devem milhões de euros às autarquias em rendas. Há muito que é assim: a maioria das câmaras tem em prática planos de pagamento faseado, mas nem sempre são cumpridos pelos "inquilinos". No Porto, as autarquias referem um diminuição da dívida, mas apenas Gaia avança um montante acumulado nos últimos 12 anos: um milhão de euros.

Só Lisboa, que integra mais de 70 bairros municipais e 27 mil fogos, tem em falta cerca de dez milhões de euros, o que corresponde a nove mil famílias, sendo que 50% destas devem os valores de um a cinco recibos, 15% entre seis a 12. Oeiras, em oito anos, acumulou uma verba que ronda os 1,5 milhões. Setúbal tem quase 1,4 milhões em débito, Cascais 1,2 milhões e Loures cinco milhões, sendo esta a maior dívida de todas as autarquias consultadas.

Só o bairro da Quinta da Fonte, onde moradores pedem novo realojamento, deve à câmara 1,4 milhões. A Amadora não tem montantes certos, mas o gabinete da vereadora da Habitação referiu ao DN que a dívida atinge os 35% do total do arrendamento. Odivelas, por sua vez, já realojou mais de cem agregados, mas ainda não tem este balanço feito.

Segundo apurou o DN, o preço das rendas sociais varia entre os dois euros e meio e os 200/300 euros, tudo depende dos rendimentos dos agregados familiares. No entanto, a maioria das rendas não ultrapassa os 50 a 60 euros. Mas, muitos dos municípios, "têm um grande número de rendas de três, cinco e dez euros", explicaram oos autarcas.

Mesmo assim, a justificação dada aos técnicos municipais para o incumprimento é a da carência económica, devido ao desemprego e sobrevivência através do subsídio de reinserção social. "Se têm dois e três telemóveis e ainda carro, também podem pagar a renda. As pessoas têm que entender que a habitação é um bem essencial, que custa caro ao erário público", afirmou ao DN o presidente de Oeiras, Isaltino Morais. Nos últimos 20 anos, este concelho já realojou mais de cinco mil famílias, Loures outras tantas, Setúbal e Cascais mais de mil.

Em Gaia, um concelho do Grande Porto, com 30 bairros sociais, onde vivem cerca de 12 mil pessoas, a dívida tem vindo a descer a uma média de 10% ao ano.

DN, 17-7-2008
 
A FONTE DOS PROBLEMAS

Fernanda Câncio
jornalista
fernanda.m.cancio@dn.pt

Imagens de um tiroteio num bairro daqueles que se convencionou apelidar de "problemáticos" ou "críticos" agitaram a semana. Falou-se do "aumento da insegurança", de perda da autoridade do Estado", de "falhanço da integração", de "armas ilegais", de "comunidades inimigas". E de racismo - um racismo entre minorias étnicas perseguidas e discriminadas que curto-circuita os discursos da vitimização persistente e delicia quem a nega.

Afinal, dir-se-á, "os ciganos" e "os pretos" também são maus uns para os outros. Também se tratam por "pretos" e "ciganos", também se perseguem por serem "pretos" e "ciganos". A clivagem baseada na etnia e alimentada pelos media: haveria "a comunidade cigana" e "a comunidade africana". Ninguém se lembrou de questionar os entrevistados, nas TV, sobre tais generalizações, ou perguntar-lhes se consideravam aceitável falar assim. E ninguém o fez porque a linguagem dos directos e das reportagens de rua reiterava a visão comum: há "os ciganos" e "os pretos". Nem Rui Pereira, o ministro da Administração Interna, que chefiou a unidade de missão para a reforma penal e defendeu o agravamento dos crimes quando motivados por discriminação, julgou ser necessário, quando frisou ser inaceitável andar na rua aos tiros, acrescentar que a perseguição étnica é igualmente inaceitável.

É pena. O facto de o racismo ser protagonizado por quem é sistematicamente discriminado pela maioria em função da sua aparência étnica ou da sua pertença cultural não deve torná-lo menos digno de nota e censura nem, obviamente, desculpabiliza ou "explica" o racismo e preconceito maioritários. Sendo isto óbvio, deve sê-lo também o facto de o conflito da Quinta da Fonte não constituir necessariamente um conflito de contornos racistas (aliás, será que alguém já percebeu que conflito é aquele, exactamente?). E de dever estar fora de questão aceitar a ideia de guetos étnicos, mesmo se exigidos por um grupo de uma etnia, tal como a responsabilização de instituições públicas por conflitos de vizinhos - o paternalismo é também uma forma de discriminação, caso ainda ninguém tenha percebido. Deve ser também óbvio que é necessária, e há muito que o é, uma discussão séria e aprofundada sobre as fórmulas do realojamento e de outras políticas sociais, como a do rendimento de inserção. Como é óbvio que urge o debate sobre a conciliação dos hábitos, digamos, culturais de certos grupos e as leis da República; defender a igualdade e impor as mesmas regras a todos, sendo, como é claro, discriminação aceitar que alguns as quebrem porque são "diferentes".

Estas questões não deviam surgir só quando há um tiroteio num bairro "crítico", sendo aliás certo que muitas delas nem vêm a propósito de tiroteios. Sucede que é só nessas alturas que a maioria das pessoas se lembra dos "pretos" e dos "ciganos", e do "problema da integração" - porque os "os pretos" e "os ciganos" só vêm ao caso como "problema". Não existem como realidade neutra, como membros, iguais em deveres e direitos, da comunidade - e isto é para nós todos, incluindo "pretos" e "ciganos". Que isto ocorra enquanto um "preto" está à frente nas sondagens da corrida para a presidência dos EUA é apenas mais um paradoxo. Mas são tantos que uma pessoa, às tantas, já nem os vê.

DN, 18-7-2008
 
IMAGENS

António Vitorino
jurista

A crueza das imagens televisivas dos confrontos no bairro da Quinta da Fonte impele a que confundamos tudo.

Nestes momentos importa não ceder às primeiras impressões (como, por exemplo, a de tentar ligar os acontecimentos à "imigração", numa leitura precipitada e infundada...) e saber distinguir as manifestações exteriores e as causas dos acontecimentos.

Tratou-se de um grave problema de violação da ordem pública. Os seus responsáveis têm de ser identificados e punidos, independentemente da motivação dos confrontos. Quem viola a lei tem de ser responsabilizado.

A violência prende-se com a existência de um tráfico de armas. Há que prosseguir na aplicação da lei de recuperação e apreensão de armas, tendo sido confiscadas cerca de duas mil entre Janeiro e Abril deste ano, mais de 170 das quais na zona de Loures. Isso significa que esta é uma área prioritária de intervenção.

As causas dos confrontos prendem-se com a existência de grupos organizados ligados a formas de delinquência. Pois é então necessário reforçar o policiamento de proximidade para isolar os radicais e delinquentes (sempre uma minoria numa comunidade que na sua esmagadora maioria é respeitadora da lei e quer viver em tranquilidade e segurança) e prevenir estes actos actuando sobre as suas actividades criminosas.

Há questões de índole social que estão na base destes incidentes, sem dúvida. Mas a exclusão social não constitui causa de desculpa da violação da lei.

Tanto mais que a autarquia de Loures tem um vasto trabalho de combate à exclusão social há vários anos e muito especificamente junto das minorias religiosas e étnicas do concelho. Silenciar o mérito deste trabalho só por causa daquelas imagens de violência é acima de tudo uma grande injustiça e um desincentivo ao trabalho daqueles serviços sociais, da câmara e do Estado, que actuam no concelho.

Durante muito tempo pensámos que a sociedade, por si só, cuidaria da integração e do combate a fenómenos de exclusão relacionados com a diversidade étnica e cultural. É esse défice de anos que estamos agora a pagar. Tal como a pouca atenção dispensada a estas dimensões culturais nos planos de realojamento.

A aceitação das diferenças exige pedagogia cívica e mecanismos eficazes de integração social. As reacções racistas e xenófobas não estão indexadas a nenhuma cor de pele em especial. Os conflitos recentes na África do Sul falam, a este propósito, de forma eloquente.

Mas não se pode pedir às polícias que façam aquilo que não compete às polícias. Tem de ser o Estado no seu conjunto e também a sociedade civil, com a colaboração das associações representativas das comunidades em presença, a enfrentar o problema e a encontrar para ele soluções.

A mediação pública é, pois, um factor de apaziguamento das tensões e de incentivo ao diálogo e à concertação. Esse é o exemplo que merecia ser também traduzido em imagens televisivas.

DN, 18-7-2008
 
PSP soube antes mas só chegou depois dos tiros

PAULA SANCHEZ

Rivalidades entre grupos de jovens terão estado na origem dos disparos fortuitos ocorridos na quarta-

-feira à noite na Quinta das Sapateiras. Habituados à tensão permanente, os residentes anteviram a confusão e pediram ajuda às autoridades

Polícia terá desvalorizado telefonemas

Populares da Quinta das Sapateiras, em Loures, garantem que alertaram sucessivamente a PSP para a previsibilidade de haver confusão na noite de quarta-feira, devido à chegada de "quatro ou cinco" viaturas transportando pessoas de fora do bairro e conhecidas por serem conflituosas.

A central de polícia, acusam os residentes, não deu seguimento às queixas telefónicas, que apelavam à deslocação de agentes para o bairro. "Apareceram aqui uma hora depois dos tiros", garante uma residente. "E se quiserem podem confirmar com a Optimus as 20 chamadas que eu fiz para a PSP. Disseram-me que já sabiam e da última vez até me desligaram o telefone na cara", acusa a moradora que, como todos os outros com quem os repórteres falaram, não se quis identificar "porque vive ali".

Na noite de quarta-feira, e num momento em que devido ao calor ainda havia muita gente na rua, foram disparados diversos tiros de caçadeira e de armas automáticas no interior do bairro, localizado na zona da Mealhada, Loures, um misto de habitação social, cooperativa e de venda a custos controlados. A PSP confirmou ao DN que foram registadas duas comunicações, uma às onze da noite e outra às 00.50. "Das duas vezes que fomos ao local, não havia nada, mas os populares confirmaram os disparos e agora estamos a investigar o caso e a propriedade dos carros".

Três mulheres aproveitam a sombra de uma das poucas árvores existentes. Ali, os prédios são altos, amarelados e aquele que deveria ser o largo harmonizante entre blocos de habitação, não passa de um descampado imenso, sujo e degradado, que provoca desconforto e claustrofobia a quem tem de o atravessar. Quatro homens saem de um carro e convidam o s jornalistas a ir "dormir a sesta" e as mulheres calam-se.

Na única pastelaria do bairro, onde um grupo de residentes troca impressões sobre os acontecimentos da noite anterior, todos garantem desconhecer a origem dos tiros, mas afiançam que a polícia foi avisada de uma eventual agitação pelas oito horas da noite, quando os residentes começaram a ver chegar os carros transportando "uma dúzia de pessoas" alegadamente oriundos de Santo António dos Cavaleiros, no mesmo concelho de Loures.

Pouco antes das nove da noite, "alguém" avisou a funcionária da pastelaria de que era "melhor fechar as portas, por que ia haver confusão". E foi o que ela fez. Também residente no bairro, a rapariga diz haver rivalidades, mas "nunca houve tiroteio". Fechou-se em casa e nem quando ouviu os disparos veio à janela.

Cá fora, na esplanada, um grupo de jovens junta-se à conversa. Um deles quer saber o que a repórter do DN tem escrito no seu bloco. A jornalista pergunta-lhe o que tem ele nos bolsos e o rapaz percebe a falta de legitimidade para fazer a pergunta, puxa de umas moedas e encolhe os ombros. Apesar de desafiado por outros "para dizer o que sabe", o rapaz nem sequer levanta os olhos do jornal, que continua a ler.

DN, 18-7-2008
 
Autarcas receptivos a moradores do Aleixo

JOANA DE BELÉM

Rui Rio quer problema do Aleixo resolvido até 2013

Advertem para o risco de falta de planeamento que pode repetir problemas

Entre insultos ou gritos de aclamação, dividem-se as opiniões dos moradores do Bairro do Aleixo, no Porto, que o presidente da Câmara pretende ver demolido até 2013. A decisão de Rui Rio motivou já a redacção de uma providência cautelar para travar a demolição, que a Associação de Promoção Social da População do Bairro do Aleixo pretende entregar durante a próxima semana no Tribunal Administrativo e Fiscal.

Na baixa e centro histórico, presidentes de Junta vêem com bons olhos o realojamento de famílias em casas reabilitadas. Mas deixam o aviso: há que pensar e planear, para evitar problemas futuros. Relembrando que muitos dos actuais habitantes do Aleixo são antigos moradores do miolo histórico, o autarca da Sé não vê com desagrado a possibilidade de realojamentos. "Defendo que o centro deve ser repovoado", diz José António Teixeira, que no entanto adverte para os perigos da falta de planeamento. "O processo tem de ser discutido, falado, para que tudo seja feito de forma cuidada", diz, acrescentando que não podem ser esquecidas as pessoas que ali moram actualmente em más condições e cujas casas também têm de ser recuperadas.

António Oliveira, presidente da Junta da Vitória, diz desconhecer "em absoluto" as intenções da Câmara, que apenas conhece através da comunicação social. "Tudo o que vai no sentido de reabilitar o centro histórico é bem-vindo e muitas destas pessoas saíram desta e de outra freguesias" mas, diz, "falta saber em que moldes". Apesar de também desconhecer a fundo as pretensões camarárias, por se encontrar de férias, o autarca de Santo Ildefonso, Wilson Faria, afirma que "é muito bom recuperar", mas teme realojamentos sem uma prévia reflexão.

DN, 18-7-2008
 
Braço-de-ferro na Quinta da Fonte tem de acabar

O que está a passar-se na Quinta da Fonte, em Loures, é muito importante para o futuro da sociedade portuguesa. De um lado temos famílias ciganas a manifestarem-se na câmara municipal, exigindo não regressar às casas no bairro de realojamento. Do outro temos a câmara e as autoridades policiais. Uns ressentem-se das rendas não pagas pelas famílias ciganas e da dificuldade de gerir um bairro cheio de problemas de delinquência. Os outros conhecem bem de mais as actividades criminais do bairro, e os seus costumeiros autores, para caírem na patranhada antropológica.

E há um terceiro vértice. Todos os que, não tendo nenhuma actividade criminal, nem armas ilegais, vivem no bairro e têm de aturar todos os dias a sua insegurança. Estes são os que não devem ser abandonados pelas autoridades. Em França, por exemplo, a esquerda cometeu o grave erro de menosprezar o seu sofrimento e insegurança e perdeu-os.

Os braços-de-ferro entre os criminosos e as autoridades, e a Câmara de Loures e os que fazem exigências - achando que só têm direitos e não deveres, como o mais simples, de pagar rendas, - têm de ser ganhos pelo lado da lei e do Estado. A bem do nosso futuro como democracia e Estado de direito.

DN, 22-7-2008
 
Câmara aprova hoje requalificação do Aleixo

JOANA DE BELÉM

Providência cautelar só avança após o anúncio formal das demolições

Os moradores que assim o pretendam devem ser realojados num novo bairro do Aleixo. A proposta é da CDU/Porto - que defende uma nova construção - e será lançada hoje, em reunião privada do executivo. Realojamentos noutros pontos da cidade, apenas para aqueles que demonstrem vontade de abandonar o local, disse o vereador comunista, Rui Sá. Esta reunião, onde a câmara vai aprovar o plano de requalificação do bairro, vai ser seguida com atenção. Rosa Teixeira, presidente da Associação de Promoção Social da População do Bairro do Aleixo (APSBA) já garantiu que vai reunir os moradores para "estarem presentes à porta da câmara municipal quando o executivo analisar o projecto".

Apesar de ter sido veiculada a intenção de avançar com uma providência cautelar para impedir as demolições, o advogado dos moradores, Tiago Machado, garantiu ontem que aquela só avançará após a formalização dessa intenção pelo executivo. "Até agora temos apenas um anúncio da medida por parte do presidente da Câmara do Porto. Achamos que devemos esperar por uma decisão do executivo para podermos alicerçar a providência cautelar", disse o causídico que representa a APSBA. "Só então existirá o acto administrativo que pretendemos contestar", acrescentou Tiago Machado.

A proposta da CDU, por seu turno, gostaria de ver os moradores "transferidos" para um novo bairro social no perímetro do Aleixo, a financiar através da alienação de outros terrenos municipais. Uma forma de "assegurar a radical transformação do bairro, garantindo aos moradores que o quiserem o direito à sua manutenção, em melhores condições, no local onde já vivem há duas gerações", afirmou.

Admitindo que a solução "poderá não ser tão boa para o município, e muito menos para os especuladores imobiliários", o único vereador comunista do executivo considera que "será mais justa do ponto de vista social e coerente com um projecto de cidade que se pretende inclusiva".

DN, 22-7-2008
 
Rio garante diálogo nos realojamentos do Aleixo

JOANA DE BELÉM

Foram precisos 34 anos para que o bairro construído para albergar temporariamente as pessoas provenientes da Ribeira visse a sua história chegar ao fim. Até 2013, Rui Rio promete varrê-lo do mapa e realojar os moradores. Estes não querem sair e, ontem, mostraram a insatisfação em frente à câmara

Não há diálogo possível sobre a demolição do Bairro do Aleixo, no Porto, cuja requalificação foi ontem aprovada em reunião do Executivo camarário com o voto contra da CDU, mas o presidente da Câmara garante que "as pessoas não vão ser tratadas de qualquer maneira" e será avaliada a situação de cada família.

"Não há diálogo com os moradores sobre as soluções para a cidade, mas há sobre o seu futuro em concreto" e "as preferências das pessoas vão ser atendidas dentro do possível", afirmou Rui Rio, que durante toda a manhã foi alvo do protesto de cerca de meia centena de moradores que se manifestaram contra a demolição das torres e a mudança para outros locais. Os populares começaram a chegar à Praça General Humberto Delgado pouco depois das 10.00, empunhando cartazes com palavras de ordem como "Rio exterminador social", "Rio igual a Bin Laden e "Cansados de ser discriminados", e só arredaram pé cerca das 13.45, quando souberam da aprovação da proposta pelo Executivo.

O discurso de Luísa Evaristo, há 33 anos no bairro, segue o dos outros moradores do Aleixo, que acusam Rui Rio de não cumprir as promessas feitas aquando da sua eleição, em 2001. "Isto vai modificar a nossa vida toda, uma solução para o bairro sim, mas a demolição não", diz a moradora, que justifica os problemas do bairro com a frase "ali há de tudo, como em todo o lado".

"Construímos uma vida ali, fiz obras à casa, às minhas custas, não quero sair de maneira de nenhuma", disse outra moradora, de 62 anos, que preferiu não identificar-se. Esta mulher diz que as casas do Aleixo "são as melhores que há nos bairros" e que a demolição "nao é por causa da droga, que isso há em todos os lados e, se ele quisesse, fazia-a desaparecer". Muitos dizem ser "injusto o que ele [Rui Rio] está a fazer", "mora ali muito boa gente e se quiserem limpar o bairro façam-no de outra maneira".

Rosa Teixeira, presidente da Associação para a Promoção Social da População do Bairro do Aleixo (APSBA), diz que tudo vai ser feito para impedir as demolições e defender os interesses dos moradores". "O dinheiro que ele vai receber do terreno chega para construir casas para quemqueira ali ficar", afirma a dirigente associativa, acrescentando que Rui Rio "não pode pagar as dívidas da âmara do Porto com o dinheiro do Aleixo".

Certo é que durante esta semana avança a providência cautelar para tentar suspender o processo, afiançou o advogado da APSBA. Tiago Machado sabe que há moradores com pretensões de sair do bairro, mas "a maioria pretende ficar", garante, acresentando que a providência cautelar tem como objectivo "defender os direitos do que querem continuar a morar ali, muitos há mais de 30 anos". "O que a Câmara quer é deslocalizar as pessoas, retirá-las das suas casa e mandá-las para outras zonas da cidade que ainda não se sabe quais são", concluiu o causídico.

"É normal que metam uma providência cautelar, hoje em dia em Portugal mete-se uma providência cautelar por tudo e por nada", desvalorizou o presidente da Câmara, que recusou qualquer possibilidade de cedência a interesses imobiliários. E, a propósito, garante que a proposta aprovada pela autarquia "não permite margem para um negócio fantástico".

O plano foi aprovado com os votos favoráveis da coligação PSD/CDS-PP e dos vereadores socialistas, tendo recebido apenas o voto contra de Rui Sá, da CDU. Se o voto socialista ainda conseguiu surpreender Rosa Teixeira, já o autarca portuense disse ser "muito positivo que o PS tenha reconhecido o mérito da proposta num projecto estruturante para a cidade", apesar de não dar como "líquido" que também vote a favor na Assembleia Municipal que se realiza amanhã.

DN, 23-7-2008
 
A comendadora que Rui Rio não suporta

ALFREDO TEIXEIRA

Rosa do Aleixo. Em Junho, concluiu o 9.º ano e, aos 58 anos, ainda quer ser assistente social. É quem dá a cara na defesa dos moradores do problemático do Aleixo, apesar de já nem viver aí

Órfã desde criança, começou como operária fabril aos 11 anos

Maria Rosa Santos Silva Teixeira prepara-se para travar a guerra da sua vida. "Contra a mentira e a traição dos políticos", como ela diz. Habituada a liderar as mais diversas lutas desde a juventude, Rosa do Aleixo, mulher de esquerda, colocou de parte a ideologia para defender quem mais precisa. Acabou por ser "usada por quem se abeira dos mais pobres apenas com o único intuito de atingir o poder". Foi assim com os socialistas que durante anos geriram a Câmara do Porto e assim é agora com Rui Rio, que quer demolir as cinco torres do Bairro do Aleixo.

Desencantada com os ideais que sempre nortearam a sua atitude perante as adversidades, hoje reconhece que só pela força da acção se consegue ultrapassar os problemas. "A política é enganadora e acredito que quem mandam hoje nas autarquias são as imobiliárias", diz Rosa do Aleixo, como é conhecida, que não quer que os moradores, que há mais de trinta anos foram obrigados a abandonar a Ribeira, sejam outra vez realojados noutro ponto da cidade.

Rosa lembra-se bem desses tempos. Nasceu há 58 anos na freguesia de Lever, em Gaia, mas, sendo órfã, foi viver com cinco anos para a Ribeira para a casa de uma tia, no número 17 da Rua do Barredo. Os tempos de criança passou-os entre as brincadeiras de rua, com a sua prima, e a Escola Primária de S. Nicolau. "Fui feliz nesse tempo", confessa. Mas, terminada a escolaridade básica foi colocada a trabalhar. Primeiro num restaurante, na Casa Vitorino, depois a servir, experiência que durou pouco por não ter gostado "mesmo nada".

Com 11 anos tornou-se operária química na fábrica Fapobol, mesmo em frente da Casa de Saúde da Boavista, e ali permaneceu 44 anos, até à reforma compulsiva devido a uma doença profissional. O trabalho directo com colas, vernizes e os mais variados químicos afectou-lhe a medula e causou-lhe danos nos pulmões. Vivia mal nessa altura. Para a fábrica levava o almoço numa marmita. Uma chouriça apenas no seu interior, pois o resto era água, para parecer pesado e não se sentir envergonhada perante as colegas por passar mal.

Mas foi na Fapobol que se tornou revolucionária. Fazia parte do Centro de Alegria no Trabalho onde desenvolvia actividades culturais e desportivas para os trabalhadores e é nesse ambiente que é apanhada pelo 25 de Abril. Surge então o SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local) para fomentar a reabilitação dos bairros degradados e, em finais de 1974, é criado o CRUARB - Comissariado para a Renovação Urbana da Área da Ribeira-Barredo, onde passa a colaborar com os arquitectos, assistentes sociais e demais técnicos na renovação de toda a zona ribeirinha da cidade.

Este projecto obrigou a que parte da população local fosse deslocada para facilitar os trabalhos. O Aleixo foi o principal destino. A morte da tia impulsionou também a ida de Rosa para o novo bairro, tinha 20 anos. Desenraizados e sem qualquer acompanhamento social, os moradores, quase todos a trabalhar na doca, sofrem na pele a crise da década de 80 que afectou as empresas ligadas à indústria portuária.

A partir de 1983, o fenómeno do tráfico de droga instala-se no bairro. A degradação do edificado acentua--se. Em 1986, Rosa Teixeira entra para a Associação de Promoção Social da População do Bairro do Aleixo e é eleita presidente um ano depois. As lutas travadas com a Câmara do Porto são conhecidas. Primeiro com Fernando Gomes e depois com Nuno Cardoso. Muito foi conseguido: uma escola primária, um ATL e um recinto desportivo. A mais recente iniciativa foi o programa Novas Oportunidades. Rosa também o fez e tem agora o 9.º ano de escolaridade. Os estu- dos, garante, vão prosseguir e o objectivo é obter uma licenciatura na área da acção social.

DN, 1-8-2008
 
Melhor dito: de 2-8-2008
 
POBREZA ESCONDIDA

Alberto Gonçalves
sociólogo
albertog@netcabo.pt

O que escrevi há oito dias sobre os moradores dos bairros camarários valeu-me uma quantidade inusitada de "e-mails". Uns davam-me razão. Muitos, porém, decidiram que me falta sensibilidade para estas matérias e que, em última instância, odeio pobres.

Não percebo a disparatada dedução. Se bem me lembro, o meu artiguinho criticava justamente os falsos pobres, que preferem viver das regalias que o Estado equivocamente lhes confere a, digamos, trabalhar. Mas não ignoro que, a par destes oportunistas da redistribuição dita social, conceito lírico e pouco fiscalizado, existem criaturas constrangidas pela idade ou outra limitação, a quem a oferta de uma casa e a concessão de ajudas diversas resgataram de um futuro miserável e, admito, sem alternativas.

A questão está em descobrir a norma e a excepção. Não parece fácil. Para os defensores de uma intervenção reforçada do Estado, os vigaristas que se aproveitam das benesses constituem uma minoria irrisória e, logo, um escasso preço por uma sociedade mais equilibrada. Para os menos crentes nas propriedades redentoras do Estado, a vigarice é suficiente para minar o referido equilíbrio.

De que lado está a razão? Se vamos pela fezada, a discussão não se resolve. Por sorte, entretanto chegaram números: de acordo com o próprio Governo socialista, em 2006 uma em cada seis famílias beneficiárias do "rendimento de inserção" burlou o Estado. É muito? É pouco? Não é uma mera excepção. E se adicionarmos os que enganam o fundo de desemprego (detectados 56 mil em 2006) e os que fintam as condições indispensáveis à habitação gratuita (dados desconhecidos), constata-se: as preocupações com os excessos de caridade são legítimas.

Claro que, somadas as fraudes, obtém-se sempre um valor inferior aos dois milhões de pobres contados pelo dr. Bruto da Costa. Resta que os extraordinários métodos do dr. Bruto permitem inventariar dois, quatro ou dez milhões de indigentes. E resta que, mesmo assim, o dr. Bruto talvez não inclua no pacote a classe alegadamente média que sustenta os necessitados, incluindo os fictícios, e que, também por causa disso, termina o mês numa penúria igual ou maior que a deles. Mas de certeza mais injusta. Era de justiça que estávamos a falar, não era?

DN, 3-8-2008
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?