17 julho, 2008

 

Ervas


e ervanários



http://pt.wikipedia.org/wiki/Erva


http://www.ervanarioportuense.pt/

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A sabedoria da natureza nas mãos de um ancião

NYSSE ARRUDA

José António Salgueiro. Aos 89 anos, o mestre ervanário de Montemor-o-Novo ainda trabalha a terra e percorre os campos da região à procura das plantas medicinais que bem conhece
Uma vida inteira dedicada a conhecer as plantas medicinais de Portugal
José António Salgueiro, ou Mestre Salgueiro, como é conhecido na região de Montemor-o-Novo, tem um falar distinto e claro e um olhar alerta que revela uma vivacidade impressionante para quem daqui a alguns meses completará 90 anos. Com um discurso asser- tivo, ele recorda toda uma vida de trabalho e dificuldades, mas conta também uma vida inteira de curiosidade e atenção à natureza, com uma veia de artista, músico que foi, e poeta que é, prestes a lançar o seu segundo livro de poesias intitulado Estratos do Meu Pensamento.

"Nasci em 1919, num monte afastado 5 km de Montemor. A vida para os pobres era muito difícil e eu com cinco ou seis anos já andava pelos campos a acompanhar os meus pais no trabalho agrícola. Foi então que comecei a reparar em tudo o que minha mãe fazia para nos tratar das doenças que nos atormentavam", lembra Mestre Salgueiro, dizendo que foi por esta época que começou a aprender a distinguir as plantas, a saber os benefícios que traziam para a saúde.

Mestre Salgueiro tem viva na memória a altura das mudanças da Lua, quando a mãe defumava os filhos sobre as brasas, nas quais ela colocava rosmaninho, alecrim e outras plantas aromáticas e desinfectantes. "Realmente as crianças melhoravam devido ao poder curativo destas plantas, que, ao mesmo tempo, afugentavam os micróbios ou os parasitas que existissem", relembra o ervanário.

Foi assim, a ver a mãe a escolher as plantas no campo, tanto para fins medicinais como para alimento, que Mestre Salgueiro iniciou-se na sabedoria da natureza. Eram conhecimentos centenários transmitidos de mãe para filha que o menino ia aprendendo também e guardando na memória para a pouco e pouco juntar um rol de várias centenas de espécies de plantas das quais mais de cem ele registou em livro inédito - Ervas, Usos e Saberes - que já vai na terceira edição (ver caixa).

Aos oito anos, apesar de andar nas lides do campo, Mestre Salgueiro teve a oportunidade de ir estudar em Montemor. "No tempo da apanha da azeitona eu saía da escola para este trabalho, onde me pagavam 2$50 por saca. Foi aí que passei os maiores tormentos da minha vida, descalço, com as calças pelo joelho e de fraco cotim, tapado nas costas com uma saca de adubo", recorda ele, que nos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro andava com os pés descalços sobre a geada, a humidade do chão, a lama das chuvas, as mãos regeladas, na apanha das azeitonas, na sacha das favas e da ceifa.

Mas as dificuldades diárias do menino não o impediram de fazer progressos na escola, onde não perdeu um único ano da 1.ª à 4.ª classe. Mesmo tendo saído da escola, Mestre Salgueiro não descuidou o seu desenvolvimento mental e pedia emprestados livros a um vizinho, homem de idade avançada e muito instruído, que lhe facultou obras como o Lunário Perpétuo, a Bíblia, a História de Carlos Magno, a História Universal e a Geografia Mundial, entre outros. Em simultâneo, o jovem rapaz praticava a arte do desenho e pintura, e aos 18 anos dedicou-se à música, tocando clarinete e chegando a ser mestre de orquestra dos 22 aos 34 anos, quando casou. Foi também atleta, campeão dos cem metros em Évora, e ainda hoje é exímio jogador de damas, com dezenas de troféus arrebatados nos quatro cantos do País.

Entretanto, Mestre Salgueiro iniciou-se nas artes de sapateiro ainda muito jovem e passou décadas da sua vida a criar à mão delicados sapatos de cetim branco para noivas, botas grossas para pastores, botas caneleiras para homens, botas para montar a cavalo, botas altas e sapatos grossos para mulheres camponesas. "Neste altura cheguei a registar um recorde ao fazer um par de botas grossas em apenas quatro horas e meia", conta ele, que nunca deixou as lides da terra e a busca de conhecimentos sobre as plantas.

"Percorri todo o Alentejo, e não só. Chegava até Moura e por vezes à Moita e a outros lugares, sempre estudando e percorrendo os campos de lés a lés, à procura de alguma planta que ainda não conhecesse", diz Mestre Salgueiro, que depois dos 50 anos se dedicou exclusivamente às artes de ervanário registando cuidadosamente a loca- lização, os modos de recolha, as formas de conservação das mais variadas plantas medicinais.

Foi assim que ele conseguiu conhecer de perto, ou seja, na origem, cerca de 350 espécies de diferentes ervas, arbustos e árvores para me- dicina vegetal e respectivos locais da sua colheita no concelho de Mon- temor-o-Novo, uma sabedoria que ele partilha com os muitos interessados, graças à acções das câmaras muni- cipais locais e associações como a Marca, Associação de Desenvolvimento Local, que apoiou a publica-ção de seu livro sobre as ervas medi-cinais, que contou também com a edição científica de M. Paula Simões, professora auxiliar do Departamen-to de Biologia da Universidade de Évora e investigadora do ICAM - Instituto de Ciências Agrárias Mediterrânicas.

E hoje Mestre Salgueiro continua a cuidar da sua horta e a ordenar as plantas que recolhe durante a Primavera pelos campos, por vales e serras, à beira dos rios, de perto e de longe, principalmente na serra de Monfurado. No piso superior da sua casa, ali ao pé do Largo das Palmeiras, o ervanário mostra as plantas em processo de secagem.

Nas conferências que apresenta nas várias localidades, Mestre Salgueiro também alerta para as alterações climáticas e do ambiente. "Lembro-me de os invernos serem três meses certinhos de chuva", recorda ele que sempre viveu tão próximo da terra e da natureza. Crítico e lúcido, Mestre Salgueiro aponta também a falta de atenção à medicina natural, tão saudável e milenária, que pode coabitar muito bem com a medicina tradicional.

DN, 28-6-2008
 
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