16 julho, 2008

 

Migrantes ilegais


Porta de Lampedusa



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Ilegais ganham um primeiro memorial em Lampedusa

PATRÍCIA VIEGAS

Porta de Lampedusa - Porta da Europa

Mil clandestinos terão morrido no Mediterrâneo só no ano passado

Todos os anos, entre cem mil e 200 mil imigrantes ilegais atravessam o mar Mediterrâneo para conseguirem chegar à Europa. Fazem-no em embarcações rudimentares, principalmente no Verão, algumas vezes sem ter água ou comida. Muitos são presos quando chegam às costas de Itália, Espanha ou Malta; outros ficam a meio do caminho. Morrem, de fome ou de sede, mas na maioria dos casos por afogamento. Este drama no mar Mediterrâneo é conhecido há décadas, mas só nos últimos anos tem vindo a ser mais mediatizado. Amanhã, em Lampedusa, onde todos os dias dão à costa clandestinos, vivos ou mortos, vai ser inaugurado o primeiro memorial em homenagem a todos quantos perderam a vida nesta arriscada travessia.

O memorial consiste numa porta de cerâmica refractária, com cinco metros de altura e três de largura, da autoria do italiano Mimmo Paladino. Vai receber o nome de Porta de Lampedusa - Porta da Europa e ficará nesta ilha italiana localizada a 205 quilómetros a sul da Sicília. Esta iniciativa partiu da organização não governamental italiana Amani, que tem vários projectos e centros em África, nomeadamente em Nairobi, mas conta com o apoio do gabinete italiano do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados, o Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano e as regiões da Sicília e de Púglia.

"O significado fundamental deste trabalho é consignar a memória destas duas últimas décadas, em que vimos milhares de imigrantes perecer no mar de uma forma desumana, numa tentativa para chegar à Europa", disse a organização em comunicado, propondo-se a preencher um vazio. Ninguém sabe ao certo quantos imigrantes ilegais morreram até agora no Mediterrâneo, mas algumas fontes apontam para 12 mil, estimando-se que só no ano passado mil clandestinos perderam a vida.

Vítimas de redes de tráfico, que por vezes rebocam as embarcações até alto mar e as largam à deriva, grande parte não sabe nadar. Muitos venderam tudo o que tinham no seu país de origem, terras, gado, para poderem pagar aos traficantes que prometem um acesso ao sonho europeu. Às vezes ficam sem dinheiro e sem documentos, andam anos a caminhar e a viajar clandestinamente por países como a Líbia, antes de conseguirem dar o salto para a outra margem do Mediterrâneo.

Nem as várias operações de dissuasão, realizadas pela agência europeia de fronteiras, conhecida como Frontex, os leva a desistir do seu objectivo. Mas os que conseguem chegar, às Canárias, Ceuta, Melilla, Lampedusa, La Valetta ou, até mesmo, Culatra, como já aconteceu em Dezembro, quando quase duas dezenas de imigrantes ilegais foram presos nesta ilha algarvia, deparam-se com a dura realidade da política europeia: ordem para expulsar e para repatriar. Apesar de ser um dado adquirido que a Europa precisa e vai precisar de imigrantes, aprovou-se, no dia 18, uma polémica directiva que prevê a detenção de ilegais por um período de até 18 meses e a sua expulsão para os países de origem ou para países terceiros.

A União Europeia defende-se das acusações das organizações de defesa dos direitos humanos, como por exemplo a Amnistia Internacional, dizendo que é necessário desencorajar a imigração ilegal e incentivar aquela que é feita legalmente. Neste sentido, a presidência francesa, que lidera os destinos da União Europeia a partir da próxima terça-feira, pretende adoptar um cartão azul. Este permitiria aos imigrantes trabalharem legalmente no espaço europeu. Mas ao contrário do cartão verde que já existe nos Estados Unidos, o imigrante já deve ter emprego antes de pôr os pés em território europeu. Os críticos dizem que estes são passos no sentido de uma Europa-fortaleza.

A organização do memorial que hoje é inaugurado em Lampedusa considera que a União Europeia deve, ao contrário, manter as suas portas abertas para todos quantos têm a vontade e o direito de procurar uma vida melhor.

DN, 27-6-2008
 
América Latina une-se contra leis de retorno europeias

SUSANA SALVADOR

Lula da Silva fala em xenofobia

OEA envia missão de alto nível para pedir a revisão da directiva

"O vento frio da xenofobia sopra mais uma vez para os desafios da sociedade." Esta foi a reacção do Presidente brasileiro, Lula da Silva, à aprovação por parte do Parlamento Europeu da chamada directiva de retorno, que prevê a detenção dos imigrantes ilegais durante um prazo máximo de 18 meses antes da sua expulsão, além de proibir o seu regresso por cinco anos.

A América Latina criticou em uníssono esta decisão e a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou esta 5.ª- -feira o envio de uma missão de alto nível para pedir a sua revisão, ameaçando responder na área comercial.

"Uma vez mais aprova-se no mundo desenvolvido uma medida repressiva contra os imigrantes ilegais, que afecta directamente muitos latino-americanos", disse o secretário-geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza, que encabeçará a missão. "É um paradoxo que, na mesma altura em que se negoceiam acordos importantes em matéria comercial e se fala de alianças estratégicas, se adoptem de maneira unilateral medidas como a detenção prolongada (...) sem sequer discutir nem negociar o tema com os Governos latino- -americanos", acrescentou.

Mais fortes foram as ameaças do Presidente Hugo Chávez, que falou mesmo em rever os investimentos europeus na Venezuela ou em cortar as exportações de petróleo. Por seu lado, o equatoriano Rafael Correa ameaçou suspender um acordo de associação entra a UE e a Comunidade Andina de Nações, caso a directiva vá para a frente.

Segundo os dados europeus, existem oito milhões de imigrantes ilegais nos 27 países da UE (estima-se que pelo menos um milhão seja latino-americano). Mais de 200 mil foram detidos na primeira metade de 2007, mas foram expulsos menos de 90 mil.

Já esta semana, o Governo espanhol reuniu-se com os embaixadores dos países da América Latina, procurando acalmar a região. A Espanha, país de destino de muitos imigrantes, já disse que não pretende alargar o período de detenção para os 18 meses - quanto muito, passará dos actuais 30 dias para 60, de forma a ter mais tempo para finalizar os processos de expulsão.

Mas as críticas também se prendem com os locais de retenção: "Não estamos a falar de hotéis de cinco estrelas", disse à BBC Mundo o porta-voz da Federação Nacional de Associações de Equatorianos em Espanha. "Quando estás retido, não podes ter contacto nem com o teu advogado e não permitem as visitas, porque se trata de uma retenção, não de uma detenção", explicou Esteban Melo.

DN, 28-6-2008
 
O RETORNO

António Vitorino
jurista

A recentemente aprovada Directiva Europeia de retorno, que cria regras comuns sobre a expulsão de imigrantes ilegais, tem sido veementemente criticada a partir de pressupostos morais e jurídicos.

Não nego que ela coloca algumas questões jurídicas duvidosas: desde logo, a da proporcionalidade das medidas de detenção quando aplicadas a menores não acompanhados.

Do ponto de vista moral já foi considerada a "directiva da vergonha", por visar expulsar os ilegais retomando uma retórica de "Europa-fortaleza". Contudo, esta crítica moral normalmente acaba por desaguar na defesa da imigração irrestrita.

No meu entendimento há razões para colocar uma questão central de moral política, mas não essa que acaba por legitimar as redes de imigração clandestina e de tráfico de seres humanos que alimentam as fileiras de ilegais nas sociedades europeias.

Falemos claro: uma política de imigração digna do nome não pode pactuar com esses fenómenos de criminalidade ou com a criação de situações de "ilegalidade tolerada", que as autoridades fingem não ver e de que apenas beneficiam empregadores sem escrúpulos, que sobreexploram mão--de-obra barata de pessoas em situação de absoluta vulnerabilidade. Por isso, muitas vezes, políticas ditas "duras" de controlo de fronteiras convivem, no mesmo país, com políticas complacentes ou negligentes de (ausência de) controlo do trabalho clandestino ou não declarado!

Uma política de retorno dos imigrantes em situação ilegal faz parte de uma política de imigração integrada, desde logo em nome da protecção do estatuto dos próprios imigrantes legais e da regulação da situação laboral das sociedades de acolhimento.

Logo, a crítica moral que justificadamente se pode fazer à directiva de retorno é que mais uma vez parece mais fácil chegar a acordo sobre medidas repressivas do que sobre medidas positivas sobre a imigração, designadamente sobre a abertura de canais legais e transparentes que viabilizem a chegada dos imigrantes de que necessitamos na Europa e que podemos de facto integrar, especialmente por via do acesso ao mercado de trabalho, numa base de direitos e obrigações equiparável à dos cidadãos nacionais dos Estados Membros da União.

Neste caso, a ausência de equilíbrio interno das políticas de imigração europeias acaba por minar a base da própria autoridade moral para combater a ilegalidade e a clandestinidade!

Mas quando os defensores da directiva de retorno e os seus detractores trocam argumentos sobre o tema, convergem num ponto: estão, por razões distintas e até opostas entre si, a inflacionar as expectativas quanto aos resultados práticos da sua aplicação. Receio que as expectativas que uns e outros colocam na directiva sejam manifestamente exageradas.

Não havendo garantias seguras, por natureza, admite-se que estejam em situação ilegal no espaço da União Europeia entre 8 a 10 milhões de pessoas (nos EUA estima-se que sejam 13 milhões). Isto dá-nos uma ideia da dimensão do problema.

Normalmente os Estados não divulgam os números das expulsões efectivas por comparação com as ordens de expulsão emitidas (estas já de si em número muito mais reduzido do que o universo de ilegais, claro está). Mas não será exagerado dizer que a taxa efectiva de execução das expulsões não andará longe dos 40% daquelas ordens de expulsão. Depois, nunca se sabe ao certo quais as disponibilidades financeiras colocadas ao serviço dessa política de retorno, mas o que sabemos é que essas expulsões são dispendiosas… Conhecer o seu custo real e a despesa efectivamente feita ajudaria sempre a perceber melhor a distância da retórica à prática e avaliar o seu impacto…

Finalmente, o retorno depende, em última instância, da vontade de terceiros: isto é, dos países de origem dos imigrantes que reconheçam ter a obrigação de os receber. Ora, para além, muitas vezes, das dificuldades em identificar donde são originários, pesa aqui a boa vontade desses países para que o retorno possa efectivamente verificar-se. E este é um domínio onde a boa vontade escasseia…

Razões que mereceriam mais e melhor ponderação, um debate democrático aprofundado e menos marketing panfletário!

DN, 4-7-2008
 
PS diz que Directiva do Retorno é derrota dos direitos humanos

EVA CABRAL

Celeste Correia fala em revés para objectivos da Cimeira da UE com África

Celeste Correia frisa que Portugal vai continuar a aplicar a sua actual lei

A deputada socialista Celeste Correia considerou ontem, na Assembleia da República, que a aprovação pelo Parlamento Europeu da chamada Directiva do Retorno "é um revés para os objectivos da Cimeira Europa África que a presidência portuguesa efectuou em Lisboa, em Dezembro de 2007, e uma derrota para as organizações dos direitos humanos".

Celeste Correia lembrou que a maioria dos eurodeputados de esquerda votou contra, mas que apesar disso a directiva foi adoptada tal como foi apresentada pelo Conselho. A deputada frisou que esta directiva admite a detenção até 18 meses de homens, mulheres e crianças, não por terem cometido crimes, mas por estarem em situação irregular pelo simples facto de terem procurado uma vida melhor. Para a parlamentar do PS trata-se de uma medida "claramente desproporcionada, exagerada e de conteúdo sancionatório para-penal evidente".

António Filipe, vice-presidente da bancada do PCP, lembrou que se é verdade que os eurodeputados do PS votaram contra a directiva, o Governo português aprovou-a, tendo entregue uma declaração de voto. O deputado do PCP considera ter havido "a conivência" do Executivo português. Na resposta, Celeste Correia referiu que Portugal já decidiu que vai continuar a aplicar a lei de imigração em vigor, bastante mais adequada. Em resposta a Nuno Magalhães (CDS-PP), a deputada admitiu que a directiva vai ser transposta.

Já Luís Fazenda, do BE, lembrou que esta directiva já é conhecida como a "da vergonha".

DN, 4-7-2008
 
O PACTO

António Vitorino
jurista

O Pacto sobre Imigração constitui uma das grandes prioridades da presidência francesa da União Europeia.

Ela corresponde a uma política identificada como prioritária pelas opiniões públicas dos países da União antes do alargamento de 2004. Já nos novos Estados membros tal prioridade é menos sentida, em parte porque na sua agenda a principal preocupação tem a ver com a liberdade de circulação dos seus próprios cidadãos. Embora o curioso seja que com o desenvolvimento económico destes Estados graças à entrada na União muito provavelmente num curto espaço de tempo eles venham a tornar-se em países de destino de assinaláveis fluxos migratórios.

O Pacto foi bem acolhido pelos ministros do Interior da União, reunidos informalmente em Cannes, e será agora debatido para que conste das conclusões do Conselho Europeu de Outubro.

Sabe-se que na recta final houve dois temas difíceis de acordar.

O primeiro refere-se ao poder de cada Estado decidir legalizar os imigrantes ilegais que se encontram no seu território. A intenção da presidência era a de limitar esse poder discricionário, o que era entendido como uma crítica implícita à legalização de 600 mil ilegais levada a cabo recentemente pelo Governo socialista de Espanha (silenciando, aliás, a que foi feita em Itália há três anos na mesma ordem de grandeza pelo então Governo Berlusconi...).

A solução adoptada foi muito diluída quando comparada com a intenção inicial. Com efeito, os tratados da União consagram o poder de cada Estado decidir quantos e quais os imigrantes que admite no seu território. Seria difícil compreender que essa liberdade de admissão já não existisse quando se tratasse de legalizar os que se encontram irregularmente presentes no seu espaço nacional!

Claro que a posição francesa parte de uma verificação incontestável: a decisão de um Estado de legalizar irregulares tem sempre um impacto directo nos restantes países da União, até pela ausência de fronteiras internas. Mas a resposta a estes impactos terá antes que ser encontrada através de uma política europeia que permita a coordenação das políticas nacionais de admissão, matéria que o Pacto infelizmente não aborda, o que constitui a sua maior debilidade.

Acresce que só através dessa coordenação será possível responder ao segundo paradoxo da situação actual: muitas vezes, os imigrantes legais num Estado membro transitam para um outro Estado membro, nele buscando e encontrando ocupação laboral, mas tornando-se neste segundo Estado... ilegais! Logo, sem mais transparência e melhor coordenação à escala europeia, as políticas de admissão exclusivamente nacionais acabam por alimentar a circulação de imigrantes ilegais...

O segundo ponto controverso dizia respeito à ideia de ser celebrado um contrato de integração entre os imigrantes e a sociedade de acolhimento. Ela também acabou por ser acolhida de forma muito mitigada, embora neste caso não se perceba muito bem as razões pelas quais se tentou cobrir com um manto diáfano uma proposta francesa que me parecia fazer todo o sentido.

Na realidade não há um direito à imigração. A imigração é uma oportunidade, uma escolha do imigrante e uma decisão de aceitação da sociedade de acolhimento. A convergência destas duas vontades deve traduzir-se num compromisso recíproco.

A sociedade de acolhimento, se quer ser coerente no combate à imigração ilegal, tem que fazer assentar a política de admissão numa visão integrada baseada em direitos e obrigações que reconhece aos imigrantes. Estes, por seu turno, têm que aceitar um conjunto de regras de integração, desde logo as que dizem respeito à aprendizagem da língua do país onde vão viver, sem cujo conhecimento nunca poderá haver uma integração bem-sucedida.

O desafio é, pois, duplo. Os países de acolhimento têm que investir nas condições de integração e numa política de admissão coerente com as efectivas capacidades de integração. Os imigrantes têm que respeitar as regras comuns de coesão e convivência das sociedades onde se pretendem integrar.

É que a diversidade cultural não significa relativismo dos valores.

DN, 11-7-2008
 
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