16 julho, 2008

 

Senhorios


e inquilinos



http://pt.wiktionary.org/wiki/senhorio

http://pt.wiktionary.org/wiki/inquilino

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O SEQUESTRO DOS SENHORIOS

Fernanda Câncio
jornalista
fernanda.m.cancio@dn.pt

Pode ser que a chave do mistério esteja na palavra. Afinal, "senhorio" tem uma ressonância nobre, uma sugestão medieval de riqueza e posição. Confirma-o o dicionário, equivalendo-lhe ainda "domínio, posse, autoridade", além de "propriedade" e "proprietário de casa alugada". O senhorio é pois um senhor, alguém com posses. Alguém que não merece nem precisa de defesa - um privilegiado. Um explorador, em suma.

Assim, à falta de melhor e sobretudo de racionalidade e justiça, se explicam, por uma espécie de psicanálise lexical, as leis e os regulamentos que no País regem os arrendamentos. E se o dicionário também define a palavra como "direito sobre alguma coisa", é só para certificar que o senhorio tem, por exemplo, o direito de solicitar às autarquias e às finanças que avaliem os estragos que foram infligidos à sua propriedade por dezenas de anos de rendas miseráveis que o impediram de fazer quaisquer obras - impedindo-o agora de actualizar convenientemente o valor das rendas. Mais o "direito" de ser obrigado a aceitar que o inquilino que beneficiou durante décadas da sua assistência social forçada discuta com ele o valor correcto da renda actualizada ou lhe exija obras vultuosas.

E tudo isto vem a propósito de quê? Não, não saiu nenhuma lei nova esta semana, nem nas semanas anteriores, nem houve parangonas com qualquer notícia sobre a miséria dos senhorios obrigados pelo Estado a fazer de santa casa dos inquilinos com mais de 65 anos (e aos senhorios com mais de 65 anos, quem fará de santa casa deles?). Nada disso. Apenas soube de um caso prático da extraordinária "nova" lei do arrendamento. Um prédio construído nos anos 60 do século passado; inquilinos que o ocupam desde essa altura; rendas de 40 e 50 euros por apartamentos de 6 assoalhadas que na avaliação da câmara (e que custou mil euros - ao senhorio, claro) mereceram a bitola de "bom"; uma actualização calculada em cerca de 300 euros, que no caso, devido ao facto de os arrendatários terem todos mais de 65 anos, terá de ser progressiva, distribuindo--se por dez anos; protestos de todos os inquilinos. Um deles escreveu aos proprietários uma carta em que, entre outras coisas, exige a colocação de um elevador (mora num 2.º andar e, afiança, ele e a mulher têm dificuldade em subir as escadas).

Quando uma pessoa que paga 50 euros por uma casa onde pagou durante quase 50 anos uma renda ínfima se acha no direito de exigir/sugerir a realização de uma obra que custa pelo menos o equivalente a dez anos de rendas futuras e corresponde a praticamente todo o "bolo" das rendas que pagou desde o início, surge óbvia a conclusão de que, para essa pessoa, o senhorio é um serviçal. Condenado a servi-lo em penitência eterna por ter alguma vez sonhado que um investimento podia ter proveito, que ser proprietário podia ser rentável. O mais grave, porém, é que este delírio não pertence a um excêntrico isolado, mas a uma cultura generalizada e autorizada pela lei. Uma cultura que arruinou os centros das cidades e empobreceu milhares de famílias. Pudessem elas tombar os prédios nas estradas e paralisar o País, outro galo cantaria. Assim, resta-lhes servir a pena - e ter sentido de humor.

DN, 27-6-2008
 
Fisco impede senhorios de aumentar rendas

MANUEL ESTEVES

A lei de actualização extraordinária de rendas está a ser boicotada pelo próprio Estado. Os serviços de Finanças não estão a comprovar os rendimentos dos inquilinos que assim se vêem impossibilitados de responder aos senhorios, que, por seu lado, ficam impedidos de aumentar a renda

Alguns processos estão suspensos há seis meses

A administração fiscal está a bloquear a actualização extraordinária de rendas antigas por não dispor de informação relativa aos rendimentos declarados pelos inquilinos em 2007. Apesar do prazo para entrega de declarações ter terminado há vários meses e de já terem sido emitidas dezenas de milhares de notas de liquidação de imposto (e respectivo reembolso), os serviços de finanças continuam a revelar-se incapazes de aferir os rendimentos dos arrendatários.

Assim, contribuintes munidos da respectiva nota de liquidação do imposto relativo a 2007 estão a receber a seguinte mensagem das Finanças: "Declara-se que, no ano fiscal de 2007, o Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar é: não existem elementos para o agregado familiar". O DN tem na sua posse várias declarações emitidas na semana passada por diversos serviços de finanças da Grande Lisboa onde aquela mensagem se repete. Questionado sobre esta matéria, o Ministério das Finanças não avançou explicações em tempo útil.

Ora, esta declaração sobre o RABC é uma das peças-chave para o processo de actualização extraordinária das rendas antigas. Depois de notificado pelo senhorio do novo valor da renda devido, o arrendatário dispõe de 40 dias para responder e comprovar possuir rendimentos inferiores a cinco salários mínimos nacionais, de modo a beneficiarem de um período transitório de dez anos. Se não o fizer, o senhorio aplica-lhe por defeito um prazo de cinco anos. Mas com uma declaração que diz que "não existem elementos para o agregado familiar" cria-se uma situação de impasse e de potencial litígio entre as partes que, em alguns casos, já se prolonga há seis meses.

Este factor de bloqueio já fora noticiado pelo DN em Maio após uma denúncia da Associação de Inquilinos Lisbonenses. Na altura, a Direcção Geral dos Impostos explicava que era impossível certificar rendimentos enquanto não terminasse o prazo da entrega das declarações de rendimentos modelo 3 do IRS. Acontece que o prazo terminou a 15 de Abril, para trabalhadores dependentes e reformados, e 26 de Maio, para os independentes e muitos serviços de finanças continuam incapazes de emitir aquelas declarações.

Dado que a lei obriga a que os rendimentos certificados sejam relativos ao "ano civil anterior ao da comunicação do senhorio", este problema vai colocar-se todos os anos, obrigando os senhorios a suspenderes os processos nos primeiros meses do ano. Este problema é reconhecido pelo Governo que o classifica como "mal menor" pois considera imprescindível que os rendimentos aferidos sejam recentes. Porém, o prolongamento do impasse depois de concluída a liquidação do imposto está a deixar preocupados os responsáveis por esta reforma estrutural do Governo.

Apesar de estar em aplicação há cerca de dois anos, a nova legislação só permitiu a actualização de pouco mais de mil rendas. O processo depende da iniciativa dos senhorios que continuam a olhar com grande desconfiança para este regime.

DN, 20-7-2008
 
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