19 julho, 2008

 

S.Tomé


e Príncipe




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QUARENTA ANOS DEPOIS

Mário Soares

Passei os últimos dias de Junho em São Tomé, a convite da V Bienal Internacional de Arte e Cultura, organizada por João Carlos Silva, alma da iniciativa, e por Adelaide Ginga, comissária da exposição. Trata-se de um acontecimento cultural relevante não só para São Tomé e Príncipe como para os países lusófonos e também para África. As pequenas ilhas equatoriais, de São Tomé e Príncipe, descobertas pelos portugueses em 1470, então desertas, tornaram-se um entreposto de escravos e de viajantes do Atlântico, entre os dois hemisférios, e hoje, 32 anos depois da independência, que ocorreu após a "Revolução dos Cravos", procuram ser um entreposto de ideias, de culturas, partilhando territórios, experiências e formas de ser, de estar e de viver.

O que me surpreendeu - e é realmente motivo de admiração - é como, com tanta escassez de meios e de recursos humanos e materiais, foi possível atrair e acolher tantos artistas e homens de cultura, de tão grande qualidade artística e humana, vindos de variados horizontes no triângulo de África, Europa e Américas. Para além das obras de arte, de pintura, de escultura, desenho, fotografia, vídeo, cinema e teatro, com espectáculos de animação cultural, tipicamente são-tomenses, como o Tchiloli (ou a tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno), o Auto de Floripes representado na Ilha do Príncipe e também, curiosamente, em Neves, Viana do Castelo, o danço-congo, uma dança importada do Congo Brazzaville, houve os Panos d'Obra, dedicados a Amílcar Cabral, da pintora guineense Manuela Jardim, "Um olhar sobre São Tomé do Início do Século XX", ou seja: uma interessantíssima exposição de fotografias, organizada pelo Instituto Marquês de Valle Flôr, e ainda a exposição "40 anos depois - Mário Soares em São Tomé" - feita em parceria com a Fundação que tem o meu nome. E ainda - noutro plano - um Fórum Cultural (ou da Cultura como motor do Desenvolvimento), em que tive o gosto de participar, ao lado do actual primeiro-ministro, Rafael Branco, e do ministro da Educação e Cultura, Jorge Bom Jesus, e da intelectual, poetisa e resistente Alda Espírito Santo, uma legenda em São Tomé, além de artistas, galeristas, escritores e animadores culturais vindos de vários pontos do mundo.

O arquipélago de São Tomé e Príncipe é constituído por duas ilhas lindíssimas e dois ilhéus habitados, o das Rolas (perto de São Tomé, na linha do Equador) e o ilhéu Bom Bom (perto do Príncipe) além de outros, menores, sem população, num total de cerca de 150 mil habitantes. Tem uma grande tradição histórica, cultural e empresarial. Basta dizer que Almada Negreiros e Viana da Mota, figuras cimeiras do Portugal do século XX, foram são-tomenses, bem como o grande poeta, da minha geração, Francisco José Tenreiro, Aires de Menezes, médico e político, Salustino Graça, engenheiro e resistente, etc., para só citar os não contemporâneos, entre os quais há uma plêiade de jovens escritores, poetas, ensaístas, que começam a ter grande visibilidade, bem como pintores e artistas plásticos.

Grande produtor de cana-do-açúcar, em declínio desde o fim do século XVI, São Tomé, nos séculos seguintes, tornou-se num mero entreposto de escravos, sujeito a sucessivas revoltas entre as quais se destaca a do escravo Amador, que chegou a dominar dois terços do território. No século XIX, porém, inicia-se o ciclo do cacau e depois do café, que estão ligados à expansão do capitalismo português, com a criação de grandes roças, como a do Barão de Água Izé, do mesmo nome, que mais tarde pertenceu ao Grupo CUF, da Rio do Ouro, do Marquês de Valle Flôr, de Santa Margarida, que foi de Fausto Figueiredo, o criador do Estoril, do Monte Café (dos Manteros), etc., hoje todas nacionalizadas e em triste decadência, senão abandono. Com o preço do cacau e do café a subir no mercado internacional, era tempo de olhar com realismo para as roças e de as reabilitar, atraindo para tanto os capitais necessários, oferecendo-lhes, obviamente, garantias.

Durante o Estado Novo - e depois da grande crise de 1929 - São Tomé entrou numa decadência lenta. Miguel Sousa Tavares, no seu livro Equador (de que está a fazer-se agora um filme), pinta um quadro muito interessante e realista do que foi São Tomé no início do século XX. Nos anos 50 sob a gestão do governador Gorgulho, de má memória, houve um verdadeiro massacre da população negra, em que foram presas em péssimas condições e assassinadas cerca de um milhar de pessoas. O advogado português Manuel João da Palma Carlos teve a coragem de denunciar esse massacre, ainda que, perseguido e, depois, preso, não tivesse conseguido romper o espesso silêncio imposto a esse propósito, tanto na Metrópole como na Colónia...

Em 1968, inesperadamente, fui preso no meu escritório de modesto advogado, em Lisboa e enviado dois dias depois para São Tomé, como deportado, por tempo indeterminado e sem julgamento prévio, por um acto de puro arbítrio, do ditador Salazar, documentado pela escrita e pela assinatura do próprio, em despacho num processo organizado pela PIDE, que teve também o visto do ministro do Interior do tempo.

Nessa altura, São Tomé servia como base de uma operação ultra-secreta de apoio, quase diário, de armas e munições, aos insurrectos do Biafra, na luta contra a independência da Nigéria. O governador Silva Sebastião, um militar probo, apercebeu-se do inconveniente político da minha deportação, que atraiu, para São Tomé, as atenções dos meios europeus jurídicos, políticos (como a Amnistia Internacional, que me declarou "o preso do ano"), mediáticos e, em consequência, também para a "operação" Biafra, ou seja: a intervenção de um governo colonialista europeu contra um Estado africano recém-independente. O governador advertiu Salazar, mas não o convenceu. Respondeu-lhe que o meu caso tinha a ver exclusivamente com a delegação da PIDE, em São Tomé, e que a ele, governador, só competia ignorar-me em absoluto. O que, de facto aconteceu, até à queda do ditador, no Forte de S. João do Estoril, onde passava férias.

Passei, assim, quase todo o ano de 1968 bastante isolado - e permanentemente vigiado, dia e noite - em São Tomé, cidade. 1968 foi um ano singular porque para além do despertar de África, contra os últimos vestígios do colonialismo, foi o ano de Maio de 68, uma revolução emancipadora e cultural de grande amplitude, que não só abalou a França de De Gaulle, mas teve repercussões por toda a Europa. Mas foi também o ano da invasão da Checoslováquia de Alexander Dubcek, pela URSS, que anunciou, por forma já muito evidente, o declínio e as incontornáveis contradições do império soviético...

No meu canto, em São Tomé, armado de um simples transístor, que me fez chegar, clandestinamente, por artes mirabolantes, o meu saudoso amigo Pedro Monjardino, grande médico e antifascista convicto, fui seguindo, como pude, a evolução daquele ano de viragem e começando a tecer a teia que me conduziria, um ano depois do meu regresso a Lisboa, ao exílio, em França, à criação clandestina do Partido Socialista em Bad Münstereifel, em 1973. Foi em São Tomé, também, que, no dia em que foi anunciada a queda de Salazar e o consequente hematoma cerebral, comecei a escrever o que seria o meu livro, editado em França, Portugal bailloné (amordaçado).

É um pouco desta história que a exposição "Quarenta Anos Depois", inaugurada há dias em São Tomé, organizada por Alfredo Caldeira e que, de algum modo, documenta, com os meios, a documentação e as fotos que foi possível encontrar, a minha deportação em São Tomé.

DN, 1-7-2008
 
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