16 novembro, 2008
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A escrita como terapia
Cursos de expressão criativa são uma área em expansão acelerada em todo o país
SÉRGIO ALMEIDA
De simples curiosidade a fenómeno de dimensões assinaláveis, os cursos e ateliês de escrita criativa transformaram-se, nos últimos anos, numa área em expansão crescente, com uma oferta ampla que não se esgota no Porto e em Lisboa.
"Mais baratos do que o psicanalista, embora não sejam comparticipados pela Caixa", como graceja Rui Zink, os cursos de escrita criativa ganharam uma expressão inimaginável até há poucos anos. A popularidade pode ser medida pela participação de escritores renomados, lançamento de vários livros - como os de Pedro Sena-Lino e Luís Carmelo - ou até a organização do primeiro campeonato nacional.
Motivos para tamanha pujança não faltam. Conceição Garcia, directora do ateliê Escrever Escrever, acredita que "o uso do correio electrónico, dos blogs e das mensagens por telemóvel" despertou o interesse pela escrita num número crescente de pessoas, mas destaca também "a abertura do mercado a novos escritores e a necessidade actual de formação contínua" como factores decisivos para o interesse.
Precursor, ao lado de Ana Hatherly, dos cursos de escrita criativa em Portugal, Rui Zink atribui esta necessidade "a uma sociedade fria e desalmada que faz com que as pessoas busquem cada vez mais alma". É por isso que a dimensão terapêutica da escrita surge destacada como uma das principais motivações dos cursos, à frente mesmo das ambições literárias dos participantes.
Conceição Garcia não concorda totalmente com esta ideia ("a terapia tem um lugar muito próprio que deve ser entregue a profissionais competentes"), mas admite que "escrever leva-nos a ter um novo olhar sobre o próprio e sobre os outros, o que é enriquecedor na autodescoberta e nas emoções".
"Operário da escrita", o autor vimaranense Pedro Chagas Freitas destaca também a importância da literatura (seja através da escrita ou da leitura) nesse "processo de auto-reconhecimento", gerador de "novas descobertas". No ateliê Fábrica de Escrita, dinamiza cursos que procuram ir além da vertente criativa, detendo-se também na engenharia do texto. "A grande dificuldade dos participantes é a de se encontrarem, de repente, perante aquilo que são - perante aquilo que podem, através do acto criativo, encontrar em si mesmos", defende o autor de "Mata-me", convicto de que "todos possuímos uma alma de escritores".
O crescimento da procura foi acompanhado pelo alargamento da oferta. A escrita criativa é apenas uma das largas dezenas de propostas existentes, que abrangem os argumentos para cinema, televisão, BD e teatro, as aulas de Português ou até, para os mais românticos, as fórmulas exactas para as cartas de amor.
Mesmo com os progressos registados nos últimos anos, Pedro Sena-Lino, escritor e director da Companhia do Eu, considera que o essencial continua por fazer. "Ainda temos escrita criativa como cátedra ou como mero curso de 'vamos partilhar coisas lindas'. Deveríamos criar uma escola própria, que resolvesse alguns dos problemas frequentes da nossa literatura, que são a falta de enredo ou o excesso de uma construção frásica com uma herança barroca reumática", critica.
JN, 24-1-2009
Cursos de expressão criativa são uma área em expansão acelerada em todo o país
SÉRGIO ALMEIDA
De simples curiosidade a fenómeno de dimensões assinaláveis, os cursos e ateliês de escrita criativa transformaram-se, nos últimos anos, numa área em expansão crescente, com uma oferta ampla que não se esgota no Porto e em Lisboa.
"Mais baratos do que o psicanalista, embora não sejam comparticipados pela Caixa", como graceja Rui Zink, os cursos de escrita criativa ganharam uma expressão inimaginável até há poucos anos. A popularidade pode ser medida pela participação de escritores renomados, lançamento de vários livros - como os de Pedro Sena-Lino e Luís Carmelo - ou até a organização do primeiro campeonato nacional.
Motivos para tamanha pujança não faltam. Conceição Garcia, directora do ateliê Escrever Escrever, acredita que "o uso do correio electrónico, dos blogs e das mensagens por telemóvel" despertou o interesse pela escrita num número crescente de pessoas, mas destaca também "a abertura do mercado a novos escritores e a necessidade actual de formação contínua" como factores decisivos para o interesse.
Precursor, ao lado de Ana Hatherly, dos cursos de escrita criativa em Portugal, Rui Zink atribui esta necessidade "a uma sociedade fria e desalmada que faz com que as pessoas busquem cada vez mais alma". É por isso que a dimensão terapêutica da escrita surge destacada como uma das principais motivações dos cursos, à frente mesmo das ambições literárias dos participantes.
Conceição Garcia não concorda totalmente com esta ideia ("a terapia tem um lugar muito próprio que deve ser entregue a profissionais competentes"), mas admite que "escrever leva-nos a ter um novo olhar sobre o próprio e sobre os outros, o que é enriquecedor na autodescoberta e nas emoções".
"Operário da escrita", o autor vimaranense Pedro Chagas Freitas destaca também a importância da literatura (seja através da escrita ou da leitura) nesse "processo de auto-reconhecimento", gerador de "novas descobertas". No ateliê Fábrica de Escrita, dinamiza cursos que procuram ir além da vertente criativa, detendo-se também na engenharia do texto. "A grande dificuldade dos participantes é a de se encontrarem, de repente, perante aquilo que são - perante aquilo que podem, através do acto criativo, encontrar em si mesmos", defende o autor de "Mata-me", convicto de que "todos possuímos uma alma de escritores".
O crescimento da procura foi acompanhado pelo alargamento da oferta. A escrita criativa é apenas uma das largas dezenas de propostas existentes, que abrangem os argumentos para cinema, televisão, BD e teatro, as aulas de Português ou até, para os mais românticos, as fórmulas exactas para as cartas de amor.
Mesmo com os progressos registados nos últimos anos, Pedro Sena-Lino, escritor e director da Companhia do Eu, considera que o essencial continua por fazer. "Ainda temos escrita criativa como cátedra ou como mero curso de 'vamos partilhar coisas lindas'. Deveríamos criar uma escola própria, que resolvesse alguns dos problemas frequentes da nossa literatura, que são a falta de enredo ou o excesso de uma construção frásica com uma herança barroca reumática", critica.
JN, 24-1-2009
"Ninguém escreve sem se escrever"
Pedro Sena-Lino, escritor e director da companhia do EU
Está ligado à escrita criativa há uma década. O que mudou?
Antes de mais, a visibilidade. Quando comecei, em bibliotecas municipais, não era habitual a existência deste tipo de curso, frequentado sobretudo por alunos que desejam encetar uma mudança na relação consigo. Aviso desde a primeira aula que o curso é para renovar a comunicação individual e que a escrita para os outros só existe depois. Ninguém escreve sem primeiro se escrever.
A ligação de escritores consagrados a estes cursos é a prova da sua crescente importância?
Sim, mas a escrita criativa em Portugal precisa ainda de passar a ser mais marcante na vida cultural, ou seja, como laboratório de ideias e território de comunicação com a leitura e a criatividade.
O que responde aos detractores, segundo os quais a criatividade não se transmite?
Digo-lhes que o conhecimento é para ser transmitido e que partilhar processos de escrita é enriquecedor. A escrita criativa pode mudar o conceito endeusado e homiliático de escritor em Portugal, em que ninguém lê os colegas, ninguém os ouve e ninguém se sente parte de um todo. Os cursos de escrita criativa não são nem lavagens de egos nem técnicas de enganar um conjunto de pessoas com falsas promessas: são a experiência concreta de que partilhar conhecimento gera conhecimento. Algo tão raro em Portugal.
Esta experiência tem sido útil para a sua obra literária?
Não seria quem sou como escritor sem os meus alunos. Deixo de escrever para mim e de ser um centro absurdo, fechado, egótico, para ser parte de um todo.
É frequente deparar-se com participantes com uma qualidade tal que merecem ser publicados?
Sim, e isso já sucedeu, com o Alberto Santos, na Porto Editora. Mas a Companhia do Eu oferece aos alunos a hipótese de publicarem os seus contos numa revista regular da sua responsabilidade, "Bicicletas para memórias e invenções".
JN, 24-1-2009
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Pedro Sena-Lino, escritor e director da companhia do EU
Está ligado à escrita criativa há uma década. O que mudou?
Antes de mais, a visibilidade. Quando comecei, em bibliotecas municipais, não era habitual a existência deste tipo de curso, frequentado sobretudo por alunos que desejam encetar uma mudança na relação consigo. Aviso desde a primeira aula que o curso é para renovar a comunicação individual e que a escrita para os outros só existe depois. Ninguém escreve sem primeiro se escrever.
A ligação de escritores consagrados a estes cursos é a prova da sua crescente importância?
Sim, mas a escrita criativa em Portugal precisa ainda de passar a ser mais marcante na vida cultural, ou seja, como laboratório de ideias e território de comunicação com a leitura e a criatividade.
O que responde aos detractores, segundo os quais a criatividade não se transmite?
Digo-lhes que o conhecimento é para ser transmitido e que partilhar processos de escrita é enriquecedor. A escrita criativa pode mudar o conceito endeusado e homiliático de escritor em Portugal, em que ninguém lê os colegas, ninguém os ouve e ninguém se sente parte de um todo. Os cursos de escrita criativa não são nem lavagens de egos nem técnicas de enganar um conjunto de pessoas com falsas promessas: são a experiência concreta de que partilhar conhecimento gera conhecimento. Algo tão raro em Portugal.
Esta experiência tem sido útil para a sua obra literária?
Não seria quem sou como escritor sem os meus alunos. Deixo de escrever para mim e de ser um centro absurdo, fechado, egótico, para ser parte de um todo.
É frequente deparar-se com participantes com uma qualidade tal que merecem ser publicados?
Sim, e isso já sucedeu, com o Alberto Santos, na Porto Editora. Mas a Companhia do Eu oferece aos alunos a hipótese de publicarem os seus contos numa revista regular da sua responsabilidade, "Bicicletas para memórias e invenções".
JN, 24-1-2009
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